enlaces e desenlaces identificatÓrios do policial …§ão... · sobre o que é ser policial...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS FACULDADE DE PSICOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA ENLACES E DESENLACES IDENTIFICATÓRIOS DO POLICIAL MILITAR EM PROCESSO DE RESERVA FLÁVIA CAMPOS LUCENA DIAS MANAUS 2017

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UNIVERSIDADEFEDERALDOAMAZONAS

FACULDADEDEPSICOLOGIA

PROGRAMADEPÓS-GRADUAÇÃOEMPSICOLOGIA

ENLACESEDESENLACESIDENTIFICATÓRIOSDOPOLICIALMILITAREM

PROCESSODERESERVA

FLÁVIACAMPOSLUCENADIAS

MANAUS

2017

UNIVESIDADEFEDERALDOAMAZONAS

FACULDADEDEPSICOLOGIA

PROGRAMADEPÓS-GRADUAÇÃOEMPSICOLOGIA

FLÁVIACAMPOSLUCENADIAS

ENLACESEDESENLACESIDENTIFICATÓRIOSDOPOLICIALMILITAREM

PROCESSODERESERVA

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-graduação em Psicologia da

Universidade Federal do Amazonas, como

requisitoparcialparaaobtençãodo título

de Mestre em Psicologia, área de

concentração Processos Psicológicos e

Saúde.

OrientadoraProfa.Dra.DeniseMachadoDuranGutierrez

MANAUS

2017

FLÁVIACAMPOSLUCENADIAS

ENLACESEDESENLACESIDENTIFICATÓRIOSDOPOLICIALMILITAREMPROCESSODERESERVA

DissertaçãoapresentadaaoProgramadePós-graduação

em Psicologia da Universidade Federal do Amazonas,

comorequisitoparaaobtençãodotítulodeMestreem

Psicologia,naLinhaProcessosPsicológicoseSaúde.

Aprovadaem05dedezembrode2016.

BANCAEXAMINADORA

Dedicoestetrabalhoatodosospoliciaismilitaresque

literalmente“vestemafarda”esaemparatrabalhar

diariamentesemacertezadeseuregresso.Àquelesque

participaramdapesquisa,obrigadaporcompartilharem

umpoucodoseucotidiano,experiênciasedesafios

sobreoqueéserpolicialmilitar.Queaaposentadoria

devocêssejavividadeformaplenaesaudável!

AGRADECIMENTOS

AgradeçoprimeiramenteaDeus,porsefazerpresenteemtodasascaminhadas

deminhavidaeserfontedeforçaeiluminaçãodiária.SemaSuacompanhia,nadadisso

seriapossível.

Agradeçoaosmeuspais,grandesincentivadoresemtodososaspectosdeminha

vidaeaquemdevomuitodaquiloquemetornei.Ameupai,pelacompreensãoeapoio

emtodasashorasquebusquei.Àminhamãe,sempreacolhedoraesinônimodeforça

edeterminaçãoparamim.

Agradeço ao meu marido, companheiro de todas as horas. Seu amor e

compreensãometransformaramemeestimulamaserumapessoamelhortodosos

dias.

Agradeçoaosmeusirmãos,porentenderemaminhaausênciaaolongodesse

períodoememotivaremacrescersempre.

AgradeçoàminhasobrinhaCecília,minhaafilhada,fontedealegria,equeme

mostrasempreoladolúdicodavida.Obrigadaporcompreenderaminhafalta.

Agradeço à minha orientadora, pelo seu incentivo e por suas contribuições

primorosas. Essa caminhada ao seu lado proporcionaram várias (re)descobertas,

inclusiveamimmesma.Minhaadmiraçãoporsuapessoaeporsuaspalavras,sempre

preciosasehonestas.

Agradeço aos membros da banca examinadora, professores a quem devoto

respeitoeadmiração,equecontribuemdeformanobreaomeutrabalho.

AgradeçoainstituiçãoPolíciaMilitar,porviabilizarapesquisa.

Agradeçoaosparticipantesdapesquisa,quedispuseramdoseutempodefolga

preciosíssimoesepropuseramgentilmenteacontribuircomigosuaspercepções.

Agradeço aos amigos mestrandos Fabiane e Josafá, pela amizade e parceria

firmada ao longo de todo o curso. Suas contribuições foram fantásticas e o apoio

fundamentalparaamanutençãodasaúdementalaolongodarealizaçãodotrabalho.

Agradeço aos amigos que me incentivaram ao longo desse percurso e que

puderamcompreenderasminhasausências.

AgradeçoàamigaRenata,profissionalexemplar,comquemjuntoidealizamosa

possibilidadedediscutiraaposentadoriaemumainstituiçãopolicialmilitar.

Euvivosemsaberatéquandoaindaestouvivo

Semsaberocalibredoperigo

Eunãosei,daondevemotiro

Porquecaminhosvocêvaievolta?

aondevocênuncavai

equeesquinasvocênuncapara?

àquehorasvocênuncasai?

Háquantotempovocêsentemedo?

Quantosamigosvocêjaperdeu?

Entrincheiradovivendoemsegredo

eaindadizquenãoéproblemaseu

Eavidajánãoémaisvida

nocaosninguémécidadão

aspromessasforamesquecidas

NãoháEstado,nãohámaisnação

perdidoemnúmerosdeguerra

rezandopordiasdepaz

nãovêqueasuavidaaquiseencerra

comumanotacurtanosjornais

ParalamasdoSucesso

RESUMO

O trabalho permeia a história de vida dos sujeitos, promovendo sentidos para suas

existências. Quando há uma interrupção dessa dinâmica, é possível que o sujeito

percebaumacrise,comonaaposentadoria.Nomeiomilitar,oservidorapresentauma

intensavinculaçãoàinstituição,oquepodedificultaravivênciadaReserva.Apesquisa

teve comoobjetivo investigar os vínculos e os processos de identificaçãodopolicial

militar no momento de sua passagem para a reserva a partir da interpretação

psicanalíticadosdiscursos.Esteestudopropôs-setambéma:analisarnosdiscursosde

policiais militares o vínculo que os mesmos estabelecem com o trabalho e suas

implicações na passagem para a reserva; identificar que mecanismos de defesa os

policiaismilitaresemprocessodereservafazemusoduranteestaetapadetransição;e

problematizarospossíveisreflexosqueomomentodepassagemparaaReservatem

sobre os processos identificatórios dos sujeitos e suas implicações sobre suas

subjetividades. A pesquisa, de nível descritivo e exploratório, é de abordagem

qualitativa. Utilizou-se da técnica de entrevista semidirigida, do procedimento de

Desenhos-EstóriacomTema.Osparticipantessãopoliciaismilitares,queestãoacontar

dedois anospara aposentaria.Osdados coletadosnas entrevistas foramanalisados

segundoométododaAnálisedoDiscurso(AD),seguindo-seapropostadeSouza(2014).

Quanto ao dispositivo de interpretação, utilizou-se o referencial psicanalítico. O

ProcedimentodeDesenhos-Estórias comTema foi analisado combasenas teorias e

práticas da Psicanálise, das Técnicas Projetivas e da entrevista clínica.Os resultados

demonstraramqueossujeitospercebemareservacomoumavitória,emvirtudedos

riscoscotidianamenteenfrentadosnaprofissãoeporqueestaassinalaocumprimento

deseujuramento.Àmedidaqueassimilamistoeseaproximamdocumprimentodos

trinta anos de serviço, esses profissionais vão se desvinculando da instituição e se

abrindo para a possibilidade de exercerem outras funções, assumindo novas

identidades. Entretanto, o processo é permeadopor algunsmecanismos defensivos,

compredominância,aofinaldaetapadetransição,dacapacidadesublimatória.

Palavras-chave: Aposentadoria, Reserva, Policial Militar, Psicanálise, Análise do

Discurso.

ABSTRACT

The work permeates the life story of the subjects, promoting meanings for their

existences.Whenthereisaninterruptionofthisdynamic,itispossiblethatthesubject

realizes a crisis, as in retirement. In the militarism, the

governmentemployeeisstronglylinkedtotheinstitution,whichmaymakeitdifficult

forlivingtheretirement.Theresearchhadasobjectivetoinvestigatethelinksandthe

processesofidentificationofthemilitarypoliceofficeratthemomentoftheirpassage

to the military retirement considering the psychoanalytical interpretation of the

speeches.Thisstudyalsoaimsto:analyzeinmilitarypolicespeechesthelinkthatthey

establishwiththeworkanditsimplicationsinthepassagetotheretirement;identify

whichdefensemechanismspoliceofficerinmilitaryretirementmakeuseofduringthis

transition stage; and to problematize the possible reflections that the moment of

passagetotheretirementhasontheidentificationprocessesofthesubjectsandtheir

implicationsontheirsubjectivities.Theresearch,inadescriptiveandexploratorylevel,

isofqualitativeapproach.Thesemi-directedinterviewtechnique,theDrawings-Story

withStoryprocedurewereused.Participantsaremilitarypoliceofficers,whoaretwo

yearsawaytoretirement.Thedatacollectedintheinterviewswereanalyzedaccording

totheDiscourseAnalysis(DA)method,followedbytheproposalofSouza(2014).For

the interpretation, thepsychoanalytic frameworkwasused.TheDrawings-Storywith

StoryprocedurewasanalyzedbasedonthetheoriesandpracticesofPsychoanalysis,

ProjectiveTechniquesandclinicalinterview.Theresultsdemonstratedthatthesubjects

perceive themilitary retirement as a victory, because of the risks faced daily in the

careerandbecauseitindicatesthefulfillmentoftheiroath.Astheyassimilatethisand

approachthefulfillmentofthethirtyyearsofservice,theseprofessionalsaremoving

awayfromtheinstitutionandopeninguptothepossibilityofexercisingotherfunctions,

assumingnewidentities.Theprocessispermeatedbysomedefensemechanismswith

predominanceofthesublimationcapacityattheendofthistransitionstage.

Keywords: retirement, military retirement, military police officer, psychoanalysis,

discourseanalysis.

LISTADEQUADROS

Quadro1-Informaçõesgeraissobreossujeitos................................................... 50

Quadro2-QuadroAnalíticodaDiscursividadedaAtiva....................................... 65

Quadro3-QuadroAnalíticodaDiscursividadedaAtivaparaaReserva.............. 81

Quadro4-QuadroAnalíticodaDiscursividadedaReserva.................................. 93

LISTADEILUSTRAÇÕES

Figura01-Passoamissãoparaospróximos............................................................ 76

Figura02-Famíliaunida........................................................................................... 77

Figura03-Planosfuturos......................................................................................... 78

Figura04-Transformação........................................................................................ 79

Figura05-Brilho...................................................................................................... 79

Figura06-Nãoàsdrogasesimàsaúde................................................................... 80

Figura07-Vidasegura............................................................................................. 91

Figura08-Satisfeitoporterestadoaqui................................................................. 92

Figura09-Buscandofelicidade................................................................................ 100

Figura10-Perseverança.......................................................................................... 100

Figura11-Voltandoàsociedade.............................................................................. 101

Figura12-Retornoàfamília.................................................................................... 101

SUMÁRIO

1INTRODUÇÃO.......................................................................................................12

2MARCOTEÓRICO..................................................................................................19

2.1VÍNCULO...............................................................................................................20

2.2IDENTIFICAÇÃO.....................................................................................................27

2.3MECANISMOSDEDEFESA.....................................................................................34

3MARCOMETODOLÓGICO.....................................................................................46

3.1NATUREZADAPESQUISA......................................................................................46

3.2CONTEXTUALIZAÇÃO............................................................................................48

3.3OPERACIONALIZAÇÃO..........................................................................................49

3.4CONSIDERAÇÕESACERCADOMÉTODODAANÁLISEDEDISCURSOFRANCESA....58

3.5CUIDADOSÉTICOS................................................................................................63

4DISCUSSÃOEANÁLISEDOSRESULTADOS.............................................................64

4.1CONTEXTUALIZAÇÃO............................................................................................64

4.2DISCURSIVIDADEDAATIVA...................................................................................65

4.3DISCURSIVIDADEDAPASSAGEMDAATIVAPARAARESERVA...............................81

4.4DISCURSIVIDADEDARESERVA..............................................................................93

5CONSIDERAÇÕESFINAIS.....................................................................................103

6REFERÊNCIAS......................................................................................................107

APÊNDICE..............................................................................................................114

I–ROTEIROPARAAENTREVISTASEMIDIRIGIDA......................................................114

II–MODELODOTERMODECONSENTIMENTOLIVREEESCLARECIDO.....................115

ANEXOS.................................................................................................................116

I–ANUÊNCIAINSTITUCIONAL..................................................................................116

II–PARECERDOCEP.................................................................................................117

12

1INTRODUÇÃO

Determinadas características podem ser destacadas ao longo das etapas do

desenvolvimentohumano,sendoestasetapaspertinentesaumdadomomentodevida

dosujeito.Navidaadulta,emuitasvezesduranteavelhicetambém,deformageral,o

trabalho aparece comumente como uma particularidade. Ele desempenha papel

fundamentalnomodocomooindivíduoseinserenomundoeinteragecomeste.

Freud cita trabalhar e amar como importantes fontes de satisfação libidinal

(FREUD,1930).EmoMal-EstardaCivilização,aoabordaralternativasparafontesde

satisfaçãoefelicidadenavidaquepudessemasseguraraohomemoempregodasua

libidoegarantiadeumlugarseguronumapartedacomunidadehumana.

Comoresultadodeprocessossublimatóriosdosujeito,otrabalhoexercefator

determinante para a manutenção do equilíbrio psíquico. É o trabalho que garante

diferentesdestinospulsionaistaiscomoacriaçãoe,principalmente,ainserçãosocial

deste,pormeiodosrelacionamentoshumanosaelevinculados(FREUD,1930).

Nesse sentido, o trabalho pode se constituir como forte componente na

configuração de identidade do sujeito. Ao permear sua história de vida singular e

coletiva, elepromove sentidospara suaexistência.Damesma forma,oprocessode

subjetivaçãohumanaestáimersonarelaçãoqueohomemmantémcomseutrabalho.

Essepapelestruturantequeotrabalhodesempenhaseaprofundamaisàmedidaqueo

trabalhotemsuafunçãocadavezmaisvalorizadasocialmente(SANTOS,1990).

Quandoháuma interrupçãonodirecionamentodesse investimento,osujeito

vê-sediantedeumacrise,comopodeserocasodaaposentadoria.Aoserexcluídodo

espaçodeproduçãoededesempenhodesuascapacidadeslaborativas,osujeitofica

situado à margem do imaginário de homem ativo, ou seja, do modelo de sujeito

produtivo,quecaracterizaoidealvalorizadopelasociedadenaqualvivemos(SANTOS,

1990).

Atransformaçãomodernadosignificadodapalavratrabalho,representandoa

mais valorizada das atividades humanas, aponta para o ato de trabalhar enquanto

positividade. Essa construção histórica pode conferir registros dicotômicos na

representação coletiva entre trabalho e não trabalho. Representando a ausência de

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trabalho, a aposentadoria remete-se também à ideia de separação entre o espaço

domésticoeoespaçodotrabalho, reforçando,assim,odesvalorque lheéatribuído

(CARLOS,JACQUES,LARRATÉAeHEREDIA,1999).

Aliadoaessecenário,adependerdaformacomoosujeitodesempenhouoseu

papel profissional, a sua percepção acerca da chegada da aposentadoria pode ser

consideravelmente diferente. Nessa perspectiva, a maneira como se identificou no

interjogo entre aquilo o que ele é e aquilo o que faz terá papel determinante nas

consequênciasvivenciadasnoprocessodetransiçãoparaaaposentadoria.

A temática da aposentadoria vem sendo amplamente discutida na literatura

científica.Épossívelperceberumaumentononúmerodeestudos(nasmaisdiversas

abordagens) focados na compreensão do funcionamento da vida psíquica dos

trabalhadores inseridos nas organizações, denotando assim a complexidade de

circunstânciasenvolvidasnesseprocesso (CARLOSetal,1999;LEÃO&GIGLIO,2002;

SELIG & VALORE, 2010; KEGLER, 2011; SCHMIDT & MAGNABOSCO-MARTINS, 2011;

CAPUTO,2013;CRUZ,2013;KEGLER&MACEDO,2015;MARTINS&RECH,2016).

Esseincrementonaspesquisaspareceestarestreitamenteligadoaocrescimento

daexpectativadevidadapopulaçãode idosos,problematizações referentesanovas

formasdeorganizaçãosocialeoconsequenteaumentononúmerodeaposentadorias

(CARLOSetal,1999;SELIG&VALORE,2010;LEÃO&GIGLIO,2002).

Some-seaissoacrescentepreocupaçãodasinstituiçõescomodesenvolvimento

de programas de preparação para a aposentadoria. Esses trabalhos têm movido

esforçosno sentidode facilitaromomentode transiçãodoprofissional, negociando

para a manutenção de seu equilíbrio biopsicossocial mesmo após o desligamento

institucional.

Algumas pesquisas brasileiras que abordam a questão da aposentadoria têm

retratadoessemomentocomoumsímboloderupturacomotrabalhoecomoidealde

homemprodutivo,característicodassociedadesatuais.Essamudançadoritmodevida,

segundoosestudos,podegerarumaexperiênciatraumáticaoumesmopreditorade

crise,adependerdecisivamentedosentidoedaimportânciaqueotrabalhoocupana

construçãoda imagemqueosujeito temdelepróprio (SANTOS,1990;FELIPPEetal,

1999;BERTONCINI,2002;SIQUEIRA,2007;SCHMIDT&MAGNABOSCO-MARTINS,2011;

SELIG&VALORE,2010;LEÃO&GIGLIO,2002;CRUZ,2013;KEGLER&MACEDO,2015).

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Dialogandocomautoresquetrabalhamessatemática,aoabordaremimagens

concernentesàaposentadorianodiscursodepré-aposentados,SeligeValore (2010)

retratam-nacomosendofrequentementesentidacomoaperdadoprópriosignificado

davida,gerandoprejuízosquantoaosreferenciaisnaorganizaçãopessoal.Vê-se,assim,

comoapossibilidadedeseaposentaracenaparaumcenáriodeperdassignificativas,

emespecialdeumpapelouimagemqueporumlongoperíododetempointegrou-seà

definiçãodosujeito,fazendopartedesuaimagem(LIMA,2013).

Osensocomumfrequentementerelacionaaaposentadoriaàvelhice,aoócioe

àinutilidade.Essacompreensãopodecorroborarparaumaintensificaçãonossujeitos

pré-aposentadosdeumsentimentodemedoederejeiçãoparacomoafastamentoda

vidalaboral.Segundoosestudiososdessatemática,dopontodevistahistórico,sempre

houveumarelaçãoentreaaposentadoria,otrabalhoeavelhice,sendoocritérioda

idademuitas vezes utilizado como determinante para definição desta etapa da vida

(LEÃO&GIGLIO,2002;SCHMIDT&MAGNABOSCO-MARTINS,2011;KEGLER&MACEDO,

2015;MARTINS&RECH,2016).

Para Lima, Viana e Lima (2015), a aposentadoria e, muitas vezes, a própria

condiçãodeservelhoprivamosujeitodeatividadesquelheproporcionavamprazere

vínculossociais.Socialmentesãocomunssituaçõesdiscriminatóriasemqueseobserva

que o envelhecimento torna os sujeitos – inclusive os próprios trabalhadores –

obsoletos,encarando-oscomobiológicoeintelectualmenteincapazesdeacompanhar

asmudançasnomundodotrabalho(SCHMIDT&MAGNABOSCO-MARTINS,2011).

Com base na produção bibliográfica a respeito da aposentadoria, é possível

constataroimpactodorompimentocomopapelprofissionalnasmaisdiversasclasses

trabalhistas.Aindaquesereconheçaoimpactodofatorfinanceiro(naformadobaixo

valor pecuniário das aposentadorias), parecem ser os fatores de ordem subjetiva os

principaisresponsáveispelamanutençãodovínculodotrabalhadorcomainstituição.

SegundoCarlos,Jacques,LarratéaeHeredia(1999),odesejodereconhecimento

edecontinuarsesentindoútilsãoasprincipaisjustificativas.Paraosautores,oespaço

detrabalhoeascategoriasprofissionais,emgeralassociadosaprestígiooudesprestígio

social,podemproporcionaratributosdequalificaçãooudesqualificaçãodoeu.Issotrará

implicaçõesparaacargaafetivaqueovínculoproporcionaaosentimentodepertença

dotrabalhadorjuntoàinstituiçãoemquetrabalha.

15

Em se tratando da realidade militar, Kegler (2011) retrata esse cenário ao

constatar um alto índice de complicações sociais de militares que passaram para a

reserva,inclusivecomaumentodeocorrênciadequeixasmédicase/oupsicológicas.O

queseobservaéquenarealidadedaatividademilitaressatemáticaseapresentade

formabastanteespecífica,dadoocaráterdarelaçãodoservidorcomsuaatividadee

paracomainstituição.

Aautoraressaltaque,devidoàtipicidadedoserviço,otrabalhadorapresentará

umaintensavinculaçãocomainstituição.Isso,porsuavez,dificultaráasaídadomilitar

doserviçoativoemdireçãoàvidanareserva.Aquiaaposentadorianãoseencontra

atrelada ao envelhecer ou a perdas financeiras, mas sim ao tempo de serviço,

diferenciando-sedeoutrasatividadeslaborais(KEGLER,2011).

Emvirtudedisso,aformacomoesseprocessoéconduzidopelosmilitaresmuitas

vezesindicaapresençademotivaçõescircunscritasparaalémdaracionalidade.Emum

dospoucosestudosvoltadosparaasespecificidadesdo trabalhoedaaposentadoria

militar, Kegler eMacedo (2015) identificaram a utilização demecanismos psíquicos

pelos profissionais, com a finalidade de afastar de si mesmo a percepção da

aposentadoriacomoumavivênciadecrise.

Arelaçãodomilitarcomotrabalhoépermeadaporumaatividadecontinuadae

inteiramentedevotadaassuasfinalidades.EmsetratandodainstituiçãoPolíciaMilitar

doAmazonas – PMAM, esse compromisso é seladonomomentoda entradapara o

serviço,prestadopormeiodejuramentoemsolenidadeoficial.SegundooEstatutoda

instituição,opolicialmilitardeveapresentaramorasuaprofissão,espíritodecorpo,fé

naelevadamissãoeumnecessáriosentimentodeserviràcomunidade,traduzidopela

vontade inabalávelde cumpriro seudever,mesmoquecomo riscodaprópria vida

(AMAZONAS,1975).

Calcado nos pilares da hierarquia e da disciplina, o regime militar difunde

determinados comportamentos e filosofias para esses trabalhadores. Eles devem

exercer suas funções de forma ininterrupta, respeitando e seguindo os preceitos

institucionaismesmoquenosmomentosdefolga.Adedicaçãoeafidelidadeperpassam

aquioespaçoprivado,migrandoparasuasvidaspessoaisdeformabastanteintensa.

Nessa perspectiva, dado o regime de dedicação exclusiva requerido pelo

trabalho,ospoliciaismilitares,muitasvezes,distanciam-sedeoutrosgrupossociais.É

16

frequenteoafastamentoatémesmodomeiofamiliar,emfunçãodoseguimentodesua

profissão.

NaPMAM,aocompletartrintaanosdeefetivoexercício,independentementede

suafaixaetária,omilitarécompulsoriamenteaposentadoou,comoconhecidonomeio

militar,étransferidoparaareservaremunerada(vulgarmenteintituladadeinatividade).

Aindaquemuitasvezesnoseuplenovigorfísico,jovem(geralmentecomidadesentre

48 e 55 anos), e realizando de forma exemplar suas funções laborais, o servidor é

compelidoasedesligardainstituição.

Constata-se,nessecaso,que inevitavelmenteentrarãoemcenaaquiaspectos

concernentesaopercursoidentificatóriotraçadopelosujeito.Teráigualmentedeser

repensadooseuprocessodevinculaçãoparacomainstituição,demandandodosujeito

amobilizaçãodeimportantesdinâmicaspsíquicas.

Nesse contexto institucional, observou-se o surgimento de uma demanda

organizacional para realizar trabalhos específicos referentes ao público que se

encontravaprestesaseaposentarnosanosseguintes,naPMAM.Comopsicólogado

quadrodeOficiaisdeSaúdedainstituição,apesquisadoraemquestãointegraaequipe

responsávelpelotrabalhointituladoProgramadePreparaçãoparaaReserva–PPR.O

Programa consiste em um conjunto de ações para facilitar a passagem para a

aposentadoria dos policiais militares. A partir dessa atividade, pôde-se perceber a

recorrênciadequeixas,preocupaçõeseconflitososmaisdiversosdessepúblicofrente

aessaetapadesuasvidas.

A própria participação dos policiais militares no programa desde o princípio

mostrou-secomoimportanteindicativoderesistênciaàaposentadoria.Omáximode

participantesqueoprogramajáconseguiualcançaratingiuapenas20%dopúblico-alvo.

Some-sea issoamínimapresençadeoficiaisduranteosmódulos,mostrandoquea

maior parte dos presentes se constitui de praças, sendo eles devidamente

encaminhados(viamemorando)desuasunidades.Alémdisso,háumamovimentação

institucionalquebatalhaparaaextensãodoperíododeefetivoexercíciode30para35

anosdetrabalho,outroclaroexemplodelutaparasemanterdealgumaformaligadoà

instituição.

Apartirdessarealidade,vislumbrou-seapossibilidadederealizarumestudoque

buscasseumamelhorcompreensãodesseproblema.Asreflexõesproporcionadaspela

17

pesquisa, além de seu interesse mais propriamente acadêmico, também poderiam

fornecersubsídiostécnico-científicosparaorientarfuturasdiretrizesparaoPPRedar

contribuiçõesàprópriapolíticainstitucionalnessaárea.

Dadoqueumainstituiçãomilitarécaracterizadapelaausteridade,cunhadapor

normaseregulamentosrígidos,háumaescassezdepesquisasnomeio,emespecialno

que diz respeito à área psicológica. Localizou-se apenas um estudo científico que

apresentou uma análise sobre determinados processos psíquicos relacionados ao

momentodepassagemparaareservaemumainstituiçãopolicialmilitarestadual.Ao

investigarpeculiaridadesinerentesaotrabalhoeàpassagemparaareservanoâmbito

militar,apesquisarealizadaporKegler(2011)aprofundouacercadopapeledotrabalho

na dinâmica e na economia psíquicas, considerando sua função narcísica para o

psiquismohumano.

Essacarênciadeproduçõesapontaaexistênciadeumalacunasignificativabem

comodemonstraa frutíferapossibilidadedeestudos concernentesàspeculiaridades

queenvolvemoprocessodeaposentadorianomeiomilitar.Esseprocessoémarcado

porumaconcepçãobastanteparticulardetrabalhoedanecessáriavinculaçãoqueo

servidordeveestabelecercomainstituiçãoafimdedesempenharsuafunção.

Em face dessas considerações, tem-se como fundamental neste estudo o

propósitodeinvestigarosvínculoseosprocessosdeidentificaçãodopolicialmilitarno

momentodesuapassagemparaareserva.Nessesentido,apesquisanorteia-sepela

seguintequestão: que repercussõespsíquicas oprocessode reserva acarretapara a

constituição subjetiva dos policiais militares, em especial aos seus processos

identificatóriosedevinculação?

Por meio da Análise do Discurso (AD), fazendo uso dos aportes teóricos da

Psicanálise,pretende-secompreenderasvivênciasdossujeitoseossentidosqueeles

atribuemparaesteimportantemomentodesuasvidas.

A partir do questionamento apresentado, busca-se também: analisar nos

discursosdepoliciaismilitaresovínculoqueosmesmosestabelecemcomotrabalhoe

suas implicaçõesdurante suas vivências napassagempara a reserva; identificar que

mecanismosdedefesaospoliciaismilitaresemprocessodereservafazemusodurante

essa etapa de transição; e, problematizar os possíveis reflexos que o momento de

18

passagemparaaReserva têmsobreosprocessos identificatóriosdos sujeitose suas

implicaçõessobresuassubjetividades.

A eleição da teoria psicanalítica se dá em função de que esse referencial

apresenta capacidade bastante robusta no que se refere à compreensão das

manifestaçõesdavidapsíquicadosujeito.Assimsendo,elaéricaaofornecersuporte

pararefletirsobreotrabalhopsíquicoqueopolicialmilitardispendenestemomento,

sendocompetenteparaconjecturaracercadosfenômenosdeidentificação,vínculoe

da subjetividade, propostas deste trabalho. A noção de vínculo, como forma de

enlaçamento afetivo que une as pessoas, inclui uma matriz vincular inconsciente

(CORREA,2002).

Ao trabalharcoma representação,aPsicanálise investigaos sujeitosemsuas

singularidades,atentandoparaosdetalhes,paraquestõesinconscientesedispondode

recursosteóricosetécnicosparapropor leiturasdohomememsua interaçãocomo

meio.

Freud(1930)teceuimportantescontribuiçõesaolongodesuaobraaosereferir

ao trabalhocomo importantecaminho frenteà tarefadeevitaro sofrimento.Sendo

assim, compreender a dinâmica do homem com o seu trabalho e o impacto que o

afastamentodoserviçopodeacarretarparaeleàluzdaPsicanálisepodetrazerreflexões

importanteseauxiliarnomanejodoprocessodepreparaçãoparaareserva.

Nessaperspectiva,aconstruçãodopresentetrabalhosepautoupelaabordagem

dos principais conceitos teórico-metodológicos que nortearam a compreensão do

objeto de estudo. Assim sendo, no primeiro capítulo são apresentados os conceitos

essenciaisparaoentendimentodosaspectospsíquicosdopolicialmilitaremprocesso

dereserva,taiscomo:vínculo,identificaçãoemecanismosdedefesa.

Em seguida, no segundo capítulo, é esmiuçado o percurso metodológico da

pesquisa. Expõe-se a natureza do estudo, o cenário de pesquisa e dos sujeitos,

detalhamentodoprocessodeoperacionalizaçãoe,porfim,abordagemdoreferencial

teórico-analítico dos procedimentos utilizados para tratamento e interpretação dos

dadoscoletados.

Noterceirocapítulo,sãoapresentadasasdiscussõeseanálisesdosresultados.

Essa seção comporta aquilo que foi possível compreender sobre o percurso

identificatório do policial militar em processo de reserva, suas vinculações e os

19

mecanismos de defesa de que se utilizaram nesse momento; todos em função do

discurso produzido pelo mesmo, seja por meio da fala, seja pelas suas produções

representativas.

Nas considerações finais, além de uma breve síntese acerca das conclusões

possibilitadasporesteestudo,assinala-seaimportânciadeampliarosespaçosparaa

fala do profissional. Conclui-se que ele se depara com adversidades não apenas no

momentodeaposentadoria,mas,sobretudoaolongodesuacarreira.Nessesentido,

apesardoevidenteimpactoqueoprocessodereservapodeacarretarparaopolicial

militar,apossibilidadedepoderseaposentardeformaplenaratificaocumprimentode

suamissãoeglorificaavida.

O trabalho de pesquisa empsicanálise parte do singular, busca apreender as

determinaçõesdessasingularidade,valorizandoa falaeaescuta.Aopermitirqueos

sujeitosparticipantesdapesquisadessemvazãoaumagamadesignificadosemocionais

possíveis, os quais se organizam segundo o fio condutor do desejo, a pesquisa em

psicanálise ilumina omomento sublime da emergência do sujeito e do seumundo,

ratificandoaimportânciadadaaoinconsciente(SILVA,1993).

No capítulo seguinte, abordaremos omarco teórico sob o qual se constrói o

trabalho.

2MARCOTEÓRICO

Todo trabalho de pesquisa necessita da teoria para definir os caminhos de

análise do objeto. Os aportes teóricos considerados como fundamentais para o

desenvolvimento deste trabalho foram os estudos a respeito dos processos de

vinculação,ateoriadaidentificaçãoeacompreensãodosurgimento–bemcomoda

funcionalidade–dosmecanismosdedefesa,todosinseridosnoarcabouçopsicanalítico.

Asdiscussõesqueenvolvemaabordagemdovínculoincluemdiversosautores

da Psicanálise. Dentre eles, destacam-se Pichon-Rivière (1988), Bowlby (1988; 1990;

1997),Bion(1973)eKaës(1990;2002;2014).Noqueserefereàteoriadaidentificação,

originada na obra freudiana, esta adquire uma nova dimensão a partir da leitura

lacaniana, sendoambasas concepçõesabordadasneste contexto,masnão somente

20

elas.E,porfim,osmecanismosdedefesa,porsuavez,serãoanalisadosconformeforam

aparecendo na proposta freudiana, abrangendo, inclusive, complementações

posterioresdeAnnaFreud(2006[1946])edeMelanieKlein(1935;1936;1940;1946;

1958).

2.1VÍNCULO

Comorigemnolatim,ovocábuloVínculoremeteatudooqueliga,ataouaperta.

Essa noção é importante para definir o espaço psíquico intrassubjetivo, referido ao

mundo internodecadasujeito,espaçodecirculaçãodesuas fantasias,bemcomoo

espaço intersubjetivo – de enlaçamento – que une as pessoas dentro de uma

continuidadetemporal(CORREA,2002).

SegundoZimerman (2010), aexpressãoprovémdamesma raizqueapalavra

vinco,referindo-setambémaomesmosignificado,aludindoaalgumaformadeligação

entreaspartesqueestãounidaseinseparáveis,emboraelaspermaneçamclaramente

delimitadasentresi.Oautorpontuaquevínculopodeserentendidocomoumestado

mental,quepodeserexpressopormeiodedistintosmodelosecomvariadosvértices

deabordagem.

Nateoriapsicanalíticaémuitocomumutilizaranoçãoderelaçõesdeobjeto.

Contudo,anoçãodevínculoévistacomomaisconcreta.Relaçãodeobjetoéaestrutura

interna do vínculo (PICHON-RIVIÈRE, 1988). Nas palavras do autor, vínculo é algo

diferente,queincluiaconduta.Pode-sedefinirvínculocomoumarelaçãoparticularcom

oobjeto.

Foi por meio do desenvolvimento de uma teoria que propõe o interjogo

estabelecidoentresujeitoeseusobjetosinternoseexternosqueesteautorimprimiu

uma predominante relação de interação dialética, concebendo o vínculo como uma

estruturadinâmicaemcontínuomovimento.

Correa(2002)sinalizaqueépossívelencontraremFreudreferênciasaovínculo

produzidoeinstituídopeloquehojeconhecemoscomoinstituições.Dizaautoraque“o

quelheinteressaé,alémdetudo,aconsciênciapsíquica inconscientedovínculonas

diversasformas,sejamounãoestasinstituídas”.Amesmaautoracontinuadiscorrendo

quenovínculoinstituídoestápresenteodesejodossujeitosdeinscreverovínculonum

21

dadotemporaleasvariadasformassociaisqueosustentam.Aexemplodeumadas

formassociaisquefuncionamcomosustentáculodovínculo,Correa(2002)dispõe:

(...) comomodelo de todo grupo na sua dimensão fantasmática, a família

atravessaosdiversosterritóriosinstitucionaissendoporvezesnecessárioa

explicação e discriminação dos diferentes espaços psíquicos intra e

intersubjetivoscomprometidosnotrabalhopsíquicosolicitadopelapertença

institucional(p.8).

Valeesclarecerqueessasalianças, segundoCorrea (2002), sãopermeadasde

investimentoslibidinaisemútuaproteçãoemtornodosinteressescomunsderivados

da instituiçãodovínculo–vínculoessequeseráorganizadoedefendidoapartirdos

objetivoscomunsedasaliançasconscienteseinconscientes.

JáOliveira(2000)seutilizadeBowlby(1988)paraexporquehánaconstituição

dovínculoaatuaçãodeumapulsãoprimáriadiferentedalibidooudoscomportamentos

dealimentação:apulsãodevinculação.Comoavançardeseusestudosacercadotema,

ele chegou à concepção de comportamento de vinculação para descrever toda e

qualqueraçãodeum indivíduocomoobjetivodemanterproximidadedeumoutro

percebidocomomaisaptoaconduzirsituaçõesdemodogeral.

Contudo,emWinnicott(1965)têm-seestudosquedãoaoscomportamentosde

vinculação um plano secundário à relação propriamente dita, em se tratando de

processodedesenvolvimento.OqueKlein (in J.R.Petot, 1982,p.143) corroboraao

afirmarqueexisteumacomunicaçãodobebêcomamãequeécorporaleanteriorao

comportamentodirecionadoàalimentação,equesetraduznumaexpressãoprecoce

dacapacidadedeserelacionarevincular(OLIVEIRA,2000).

A estrutura dinâmica configurada no vínculo funcionará condicionada por

motivaçõespsicológicas.Daíresultaumadeterminadaconduta,quetenderáaserepetir

tantonarelação internacomonarelaçãoexternacomoobjeto.Ressalte-sequeéo

vínculointernoquecondicionamuitosdosaspectosexternosevisíveisdacondutado

sujeito.

Mas cabe esclarecer que o vínculo dispõe de dois campos psicológicos: um

internoeumexterno.Esseduplocampopossibilitaaosujeitoestabelecerumarelação

com um objeto interno e também com um objeto externo. Do ponto de vista

psicossocial,oquemaisimportaéovínculoexterno;dopontodevistadapsicanálise,

22

aquiloquemais interessaéovínculo interno,a formaparticularqueoeutemdese

relacionarcomaimagemdeumobjetocolocadodentrodosujeito(PICHON-RIVIÈRE,

1988).

Ao perspectivar desta forma os processos de vinculação, deu-se um salto

qualitativo,deuma teoriapredominantemente intrapsíquicaparao social,

considerandoosujeitocomoumresultadodinâmico,nãodameraaçãodos

instintos e dos objetos interiorizados, mas sim do interjogo estabelecido

entreoprópriosujeitoeosobjetosinternoseexternos,numapredominante

relação de interação dialética, que se expressa através de certos

comportamentos(OLIVEIRA,2000,p.164).

Orientadotambémporumcontextosocial,masclaramenteseguindoumviés

evolutivo, o psicanalista Bowlby foi um importante estudioso desta temática. Ele

denominouoriginalmentesuateoriadeattachment,“TeoriadoApego”,nasuatradução

paraoportuguês(BOWLBY,1990).Apósumaextensarevisãodaliteraturapsicanalítica

à época, o autor incluiu uma revisão crítica das principais teorias que versavam a

respeitodanaturezaedaorigemdovínculoinfantil,emespecialàchamadaTeoriado

ImpulsoSecundário.

AabordagemdeBowlby,pormeiodeestudoscomparativosentreohomeme

diversasoutrasespéciesanimais,propõequeovínculodeumacriançacomsuamãeé

umprodutodaatividadedecertonúmerodesistemascomportamentaisquetêmamãe

comoresultadoprevisível(BOWLBY,1990).

Ocomportamentodeapegorefere-seaqualquerformadecomportamentoque

umacriançacomumenteadotaparaconseguire/oumanterumaproximidadedesejada

(BOWLBY, 1990). Dizer que uma criança é apegada ou tem um apego por alguém

significaafirmarqueamesmaestáfortementedispostaabuscarproximidadeecontato

com uma figura em específico, principalmente nas situações em que ela estiver

assustada,cansadaoudoente.

Duranteafasedaadolescência,oapegodeumacriançaaseuspaissofreuma

mudança.Tantooutrosadultospodemassumirumaimportânciaigualoumaiordoque

a dos pais, bem como a atração sexual por companheiros da mesma idade e sexo

começaaampliaroquadro.Consequentemente,avariaçãoindividual,jágrande,torna-

seaindamaior.Paraamaioriadosindivíduos,ovínculocomospaisprosseguenavida

adultaeafetaocomportamentodeinúmerasmaneiras(BOWLBY,1990).

23

Certaproporçãodocomportamentodeapegoécomumentedirigidanãosópara

pessoasforadafamília,mastambémparaoutrosgruposeinstituiçõesalémdafamília,

emespecialduranteaadolescênciaeavidaadulta.

Sabe-sequeocomportamentodeapegonavidaadultaéumacontinuaçãodireta

docomportamentonainfância. Istoédemonstradopelascircunstânciasquelevamo

comportamentodeapegodeumadultoasermaisfacilmenteapresentado.

EmFormaçãoeRompimentodosLaçosAfetivos,Bowlby(1997)chamadeteoria

daligaçãoessatendênciadossereshumanosaestabelecervínculoscomoutros.Oautor

sugerequeosdefensoresdessa teoriaentendemquemuitosdistúrbiospsiquiátricos

derivamdedesviosnodesenvolvimentodocomportamentodeligaçãoouaumafalha

emseudesenvolvimento,semdeixarderessaltarqueamesmateoriatemachaveda

origemedotratamentodessasafecções.

Nomesmotrabalho,Bowlby(1997)retomaaquestãodareproduçãodopadrão

devinculaçãonafaseadultapelosmodelosaprendidosnainfância.Elesustentaqueo

comportamentodeligação,emborasejamaisevidentenainfância,aconteceportodaa

vidadossereshumanos–atéamorte.Eresumeessepontoaoesclarecerqueocerne

desuateseéqueéinquestionávelarelaçãodecausaentreasvivênciasdeumindivíduo

com seus pais e a capacidade que ele apresentará posteriormente para se vincular

afetivamente.Dizquetalcapacidadetendeaserdescortinadapormeiodeproblemas

conjugaisedificuldadescomosfilhos,bemcomoporsintomasneuróticosedistúrbios

depersonalidade.

SegundoZimerman (2010), foiBion,psicanalistabritânico, quemaprofundou,

sistematizouedivulgouasmúltiplasfacetasdosvínculosedasrespectivasconfigurações

vinculares.Paraesseautor,vínculossãoelosdeligação–emocionalerelacional–que

unemduasoumaispessoas,ouduasoumaispartesdentrodeumamesmapessoa.O

conceito de vínculo foi estendido por ele a qualquer função ou órgão que, desde a

condiçãodebebê,estejaencarregadodevincularobjetos,sentimentoseideias,unsaos

outros.

ParaBionhátrêsvínculosfundamentais,doAmor,doÓdioedoConhecimento.

Paracadaumdestesoautordesignouumaletra(respectivamente,L,H,K),sinalizando-

ostantodeformapositivaquantodeformanegativa,adependerdaconfiguraçãodo

vínculoedasemoçõesabarcadasnele(ZIMERMAN,1995).

24

Oautordeuumgrandesaltoqualitativoaopropor,emlugardoclássicoconflito

entreamoreódio,umaênfasenoconflitoentreasemoçõeseasantiemoçõespresentes

emummesmovínculo.Estasúltimasrepresentamascategoriasnegativasdosvínculos

efetivos, diferenciando, por exemplo, “menos amor” (-L) de ódio. Sua contribuição

trouxe grande ampliação e enriquecimento da compreensão das inter-relações

humanasemgeraledasituaçãopsicanalíticaemparticular(ZIMERMAN,2010).

A partir de sua definição, o autor ressalta a importância de três aspectos

subjacentesasuaconcepção:aexistênciaderelaçõesderecíprocasinfluênciasentreas

pessoas,asquaishabitamtantoomundointeriorquantoomundoexteriordosujeito;

anecessáriapresençadealgumtipodeemoçãonoselosdeligaçãoentreduasoumais

pessoas,dentroouforadosujeito;eofatodecomohabitualmenteovínculodesignaas

relaçõeshumanasexteriores(ZIMERMAN,2010).

Além das supracitadas, a conceituação de vínculo para esse autor

necessariamenterequerasseguintescaracterísticas:

(...)3.Elessãoimanentes(istoé,sãoinatos,existemsemprecomoessenciais

emumdadoindivíduoesãoinseparáveisdele);

4. Comportam-se como estrutura (vários elementos, em combinações

variáveis);

5.Sãopolissêmicos(permitemváriossignificados);

6.Comumenteatingemasdimensõesinter-,intra-etranspessoal;

7. Um vínculo estável exige a condição de o sujeito poder pensar as

experiênciasemocionais,naausênciadooutro;

8.Osvínculossãopotencialmentetransformáveis;

9.Devemsercompreendidosatravésdomodelodainter-relaçãoContinente-Conteúdo(p.28).

Bion(apudZIMERMAN,s/d)tambémutilizaaexpressãoconfiguraçõesvinculares

paradesignarofatodequecadapessoacontraicomumaoutra,oucomváriasoutras

pessoas, uma configuração típica de inter-relacionamento, com a participação dos

quatro tipos de vínculos com os seus respectivos derivados, provindos de todos os

participantesnorelacionamento(ZIMERMAN,2010).

Também tratando dos derivados dos vínculos, Correa (2002) cita que uma

“aliança como formação psíquica intersubjetiva é construída pelos integrantes do

vínculo(...).Essaaliançapossibilitaumatrocaafetivaeemocionalintensaecomplexa

quesustentadiversasperspectivasdodesejo”(p.80).

25

ParaPichon-Rivière,épormeiodovínculoquetodaapersonalidadedosujeito

secomunica.Tudodependedocontextosocialemqueessevínculoestáseconfigurando

eenriquecendo.Assimsendo,osconceitosdepapelevínculosãodoisaspectosquese

misturammuito. Issoquerdizerquenasituaçãodovínculosemprese incluiopapel

(PICHON-RIVIÈRE,1988).

Umavezquefoiabordadaaquestãodocontextosocial,convémapontarque

Oliveira (2000) salienta que há nos vínculos de integração social que os sujeitos

estabelecem uma conotação social da identidade que se constitui por meio dos

mecanismosdeidentificaçãoprojetivae introjetiva.Aessarealidadeéatribuídauma

interdependência dos sistemas vinculativos com as características da experiência

relacionaladultadapersonalidadeequeéfundamentalnacompreensãodacapacidade

relacionaletransformativa.

E como se dariam os mecanismos de identificação projetiva e introjetiva?

Oliveira(2000)citaHinshelwood(1991)paraexporque:

(...) os indivíduospodemcolocaros seus conflitos internosempessoasdo

mundo externo, podem inconscientemente seguir o curso do conflito, por

meiodaidentificaçãoprojetivaepodemreinternalizarocursoeoresultado

doconflitoexternamentepercebidopormeiode identificações introjetivas

(p.168).

Cabe,ainda,abordaraquestãodasmudançasnasrelaçõesemétodossociais.

Sãoelasqueimpõemaosmembrosdeumainstituiçãoareestruturaçãodasrelaçõesno

campo das fantasias. Isso porque mudanças em uma instituição colocam para o

indivíduoanecessidadedeproduziremalteraçõesnosseuspadrõesdefensivoscontra

ansiedades.

Kaës(2014)apontaparadoisgrandestiposdeoperaçõesdedefesaconstitutivas

doinconscientequeatuamdiretamentesobreasaliançasinconscientes.Oprimeirotipo

inclui as defesas por meio do recalcamento e o segundo inclui as defesas fora do

recalcamento – a negação (ou desaprovação) e a rejeição (ou forclusão). O autor

caracteriza a necessidade do recalque como condição da aliança. De igual modo, a

negação e a rejeição são constitutivas dos conteúdos inconscientes. O recalque, a

negaçãoouaforclusãosãoexigidasdecadasujeitoparaservirseusprópriosinteresses

eosdeconjuntosdepessoasaoqualelesestiveremvinculados.

26

Para esse mesmo autor, falar de vínculo é tratar de alianças. Os indivíduos

vinculam-se uns aos outros pormeio de alianças, algumas secretas e em parte até

inconscientes.Aaliançapassaaserentendidaaqui,comefeito,comoumaexperiência

fundamental para a vida humana, uma instituição necessária para sua manutenção

(KAES,2014).

Conformeexposto,Kaës(2014)refere-seàexistênciadealiançasinconscientes.

Para ele, trata-se de fenômeno que se inscreve em dois espaços psíquicos, o do

inconscientedosujeitoeodoinconscientenarelaçãocomumoutrooucommaisde

umoutro.Defineoautorquealiançasinconscientessão:

os fenômenos psíquicos comuns e compartilhados que se confundem na

conjunçãoe relações inconscientesqueenvolvem sujeitosdeuma relação

entreelesecomumgrupoaoqualelesestãovinculadosenquantotomam

parteeenquantosãopartesconstituintes(p.43).

Os objetivos dessas alianças seriam assegurar os investimentos vitais para a

manutençãodarelaçãoedaexistênciadecadaumdeseusmembros.Issoexigirá,por

suavez,umareciprocidadeeumacomunidadedeinvestimentosnarcísicoseobjetais.

Assim,ésobreessasaliançasquesãoconfeccionadasasrealidadespsíquicasnarelação

porumlado,earealidadepsíquicainconscientedossujeitoserelação(KAES,2014).

Paraquetenhaeficácia,dizoautor,aaliançadeveserreconhecidaegarantida

porinstituiçõessociais,religiosas,políticasejurídicas.Nessesentido,entende-seque

umavezassumidaasuafinalidade,aaliançaécriadoradeumacordoedeumconsenso

–conscienteouinconsciente.Dessaforma,elanãoapenasune,mantendorelaçõese

evitando conflitos, como também exclui, uma vez que para se estabelecer alianças,

algumas representações, alguns pensamentos devem ser recalcados, negados,

admitindo-sealgumasrenúnciaseatémesmosacrifícios(KAES,2014).

Emvirtudedeelaengendrarumasériede intercâmbiossimbólicos,emquea

palavra é, ao mesmo tempo, condição e expressão, a aliança constitui uma ordem

fundamentalmentehumana.Paraserelacionarunscomosoutros,desdeaorigemde

suavidapsíquicaeposteriormenteviveremfamília,associar-seemgrupo,ossujeitos

põem-sedeacordoentresieestabelecemtrocas.Pormeiodetodosessesprocessos,

elessevinculamunsaosoutros(KAES,2014).

27

Porfim,épossívelresumirotemadizendoque“emtodovínculooinconsciente

se inscrevee seexpressaváriasvezes,emdiversos registroseemvárias linguagens,

tantonadosujeitoquantonadoprópriovínculo” (KAES,2002).Ondehávínculo,há

identificação.

2.2IDENTIFICAÇÃO

Omecanismodaidentificaçãoestárelacionadocomateoriadospapéis.Pichon-

Rivière(1988)analisaoprocessodeidentificação(sejaaintrojetiva,comoresultando

domecanismodeinternalizaçãodeumdeterminadopersonagemcomaassunçãode

seupapel,sejaaprojetiva,resultantedeprojeçãosobreumpersonagemexterno)na

situação do vínculo. Para ele, todas as nossas relações com os outros estão

fundamentadasnointerjogodeassumireadjudicarpapéis.

Aassunçãodessespapéispodeexigirdoistiposdeprocessos,segundooautor.

Porumlado,podemosassumi-losconscienteevoluntariamente.Poroutro,quandoo

ambienteouosoutrosnosadjudicamumdeterminadopapel,podemosassumi-lode

forma inconsciente.Nas relações sociaisocorreum intercâmbiopermanenteentrea

assunçãoeaadjudicaçãodeumdeterminadopapel(PICHON-RIVIÈRE,1988).

Oconceitodeidentificaçãoassumeespecialimportânciaecentralidadenateoria

psicanalítica. Esse termo designa um processo psicológico fundamental, realizado

ativamente pela parte inconsciente do ego, pelo qual o sujeito se constitui e se

transforma, assimilando ou se apropriando, parcial ou totalmente, dos aspectos,

atributosoutraçosdaspessoasmaisíntimasqueocercam(ZIMERMAN,2001).

Segundo Roudinesco e Plon (1998), a definição sistemática desse importante

conceitosófoiconcebidatardiamentenoarcabouçopsicanalítico.Issosedeunoâmbito

deumagrande reformulaçãodesenvolvidapor Freudnadécadade1920, aindaque

preponderante para toda a teoria freudiana do desenvolvimento psicossexual do

indivíduo.

Apesar de utilizar o termo de forma ainda muito descritiva em suas

correspondênciascomWilhelmFliessededaralgumtratamentoteóricoaoconceitoem

AInterpretaçãodosSonhos(1900)–aomencionaraidentificaçãoutilizadanahisteria–

eemSobreoNarcisismo:umaintrodução(1914),éemPsicologiadasMassaseaAnálise

28

do Ego (1921) que Freud dedica um capítulo inteiro à identificação, ressaltando sua

importânciametapsicológica(ROUDINESCO&PLON,1998).

Nessa obra, Freud compreende três modalidades de identificação. Ele inicia,

assim, sua teorização a respeito desse processo, destacando-o como amais remota

expressão de um laço emocional com outra pessoa, segundo a psicanálise (FREUD,

1921).

Em primeiro lugar, a identificação é reconhecida como desempenhando um

papel na história primitiva do complexo de Édipo. É nessemomento que omenino

mostraráinteresseespecialpelopai.Essafiguraserátomadacomoseuideal:omenino

gostariade crescer comoele, ser comoelee tomaro seu lugarem tudo, em suma,

identifica-secomele(FREUD,1921).

Opaiétomadocomomodeloesecomeçaadesenvolverumacatexiadeobjeto

verdadeiraemrelaçãoàmãe,deacordocomotipoanalíticodeligação.Caracteriza-se,

assim,oqueFreudintitulapordoislaçospsicologicamentedistintos.Porserpassívelde

assumirumcoloridohostilcomopassardotempo,Freudclarificaqueaidentificaçãoé

ambivalente desde o início, podendo tornar-se expressão de ternura com tanta

facilidadequantoumdesejodeafastamentodealguém(FREUD,1921).

Essemodelode identificação refere-seaoestádiooral.Éesseomomentoda

incorporaçãodoobjetosegundoomodelocanibalesco.Oautoresclarecequeamesma

coisa se aplica às meninas, feitas as devidas substituições. Por fim, a identificação

esforça-sepormoldaropróprioegodeumapessoasegundooaspectodaquelequefoi

tomadocomomodelo(ROUDINESCO&PLON,1998).

Osegundocasodeidentificaçãoéodaidentificaçãoregressiva.Esseédiscernível

nosintomahistérico,decujasmodalidadesdeformaçãoconstituem-sedaimitaçãonão

da pessoa, mas de um sintoma da pessoa amada. Conforme afirma o autor, a

identificaçãoaparecenolugardaescolhadoobjetoeaescolhadoobjetoregrideno

lugardaidentificação(FREUD,1921).

Freudafirmaaesserespeitoque,nessassituações,aidentificaçãopodetomar

emprestado“apenasumúnicotraçodapessoa-objeto”.Trata-sedofamosotraçoúnico

–oeinzigerZug(ROUDINESCO&PLON,1998).

Existeaindaumaterceiramodalidade,naqualaidentificaçãodeixainteiramente

foradeconsideraçãoqualquerrelaçãodeobjetocomapessoaqueestásendocopiada.

29

Aquia identificaçãoseefetuanaausênciadequalquer investimentosexual.Trata-se

entãodoprodutodacapacidadeoudavontadedesecolocarnumasituaçãoidênticaà

dooutroouadosoutros(ROUDINESCO&PLON,1998).

Particularmente frequente e importante, esse terceiro caso pode surgir com

qualquer nova percepção de uma qualidade comum partilhada com alguma outra

pessoaquenãoéoobjetodeinstintosexual.Quantomaisimportanteéessaqualidade

comum, mais bem-sucedida pode se tornar essa identificação parcial, podendo

representarassimoiníciodeumnovolaço(FREUD,1921).

Contudo, Dias (2009) aponta para um respeitável esclarecimento. Esse

investimentoqueFreudassinaloucomosendolivredequalquerinvestimentosexualé,

naverdade,umaalteraçãodolaçolibidinal,umareservadavidasexual.Dizaautora:

Talvezfossemaisadequadofalarem“vínculolibidinalinibidoemseuobjetivo”,

oumesmoemrecalcamentodasexualidade,emvezdedessexualização,uma

vezqueaspulsões inibidasemseusobjetivos,dasquaisdependemos laços

entreosmembrosdeumgrupo, seoriginamdaquelas diretamente sexuais,

cujasatisfaçãofoiimpedidadeseralcançadadevidoaobstáculosexternosou

internose,portanto,submetidasarecalcamento(p.26).

Ademais,retomandooconceitodeidentificação,tem-sequeeleéenriquecido

pordiversascontribuiçõesdeFreud,comonanoçãodeincorporaçãooral,encontrada

em Totem e Tabu (1913) e Luto eMelancolia (1917); em Sobre o Narcisismo: uma

introdução(1914),oautoratribuiaescolhanarcísicadeobjetoàidentificação.Pode-se

ver também que na elaboração dos efeitos do complexo de Édipo, como no

desenvolvimentodasegundateoriadoaparelhopsíquico,écrescenteaimportânciado

conceitodeidentificaçãocomoestruturadordosujeito(LAPLANCHE&PONTALIS,2001).

Não obstante o reconhecimento da valiosa contribuição de Freud para a

compreensãodoestabelecimentodaidentificaçãoemfacedoenlaçamentosocial,Dias

(2009)dedicou-seaumaminuciosapesquisaportodaaobrapsicanalíticaedefiniua

identificaçãocomooresultadoda ligaçãoafetivacomoOutro1.Eleesclarecequetal

ligaçãosedápelaintrojeçãodoideal,dosignificante(otraçoúnico)edodesejo,todos

originadosnocampodoOutro.

1ParaLacan,oOutroéolugardosignificante,éoregistrodoSimbólico,queoautordenominadeOutro

na medida mesma em que o campo dos significantes é faltoso, é incompleto e nele há sempre a

possibilidadedeintroduzir,pormeiodeumatocriativo,umnovosignificante(JORGE,2008).

30

Paraaautora,esseprocessoétratadocomoumaalteridaderadical,nosentido

emque ela o compreende comoumaalienação aoOutro a serviçodo enlaçamento

social. De maneira muito esclarecedora, ela sugere que essa identificação parte da

premissadodesejodesercomooOutro,enãododesejodetê-lo.Issoporqueesses

processos são, na sua origem, independentes, passam a coexistir em torno de um

mesmoobjeto(eu)nodecorrerdodesenvolvimentolibidinal.Evaisernocomplexode

Édipoqueessesprocessosirãosedirigiràsfigurasparentaisparaentão,aofinaldele,

seremtransportadosparaosocialnoseusentidomaisamplo.Ofinaldocomplexode

Édipomarcao iníciodas identificaçõesquepromoverãooenlaçamento social (DIAS,

2009).

Dias(2009)continuasuaanáliseassinalandoquenaidentificaçãoestápresente

aassimilaçãoeaintrojeção.Aidentificaçãotemumcaráterambivalente,identificado

inicialmentenonarcisismoprimário,comaincorporaçãoedestruiçãodoseiomaterno

(objetoparcial),eposteriormentenocomplexodeÉdipo,comodesejodacriançaem

livrar-sedopaieemassemelhar-seaele.

Seriaentãoaidentificação,segundoDias(2009),oquedáorigemaosujeitoeàs

instâncias do aparelho psíquico, além de ser o que promove os laços que unem os

membrosdeumgrupo.

Assim como para Freud, Jacques Lacan (1961-62) também posiciona a

identificação no centro de seu trabalho teórico. Ao dedicar um ano de Seminário à

questão da identificação, o autor formula importantes conceitos que estruturam o

processo identificatório, como o traço unário e a concepção do um, o esteio da

diferença.

Lacan fundamenta a noção do traço unário no traço único da identificação

regressiva de Freud, avançando, contudo, vastamente em seu conteúdo. É nesse

aspectoqueelefundamentaráasuaconcepçãodeum,queseconstituirácomoabase

daidentidade.Fazendousodaanálisedocogitocartesiano,Lacansituaofundamento

da identificação inaugural, do sujeito distinto do eu, no traço unário, essência do

significante,queéonomepróprio(ROUDINESCO&PLON,1998).

Seguidamente, háuma integraçãoda sua teoria do significante comdois dos

tiposdeidentificaçõeselencadosporFreud,aidentificaçãoprimáriaeaidentificação

histérica.Estaúltima,paraLacan,temporvetorodesejododesejodoOutro,evocado

31

pela pergunta “Que queres?”, marca da dependência incontornável do sujeito

(ROUDINESCO&PLON,1998).

Apoiando-senaLinguística,naAntropologiaenaMatemática,Lacanrevêaobra

deFreude“descobre”trêsregistrosheterogêneosqueconstituemoaparelhopsíquico,

os quais se encontram entrelaçados no chamado nó borromeano, e que estariam

implícitosnateoriafreudiana,sãoeles:oReal,oSimbólicoeoImaginário(JORGE,2005).

O Imaginário é da ordem da imagem, esse registro é entendido como o da

relaçãoespecular,dual,comseuslogroseidentificações,sobretudocomoadventodo

sentido. Já o Simbólico, correspondente às relações entre inconsciente e linguagem,

entende-se como da ordem do duplo sentido. O Real é o não-senso radical (não-

sentido),éonadaqueantecedeoaparecimentodetodaavidaequeresisteaqualquer

simbolização(JORGE,2005;JORGE,2008).

Inicialmente,Lacan(1961-62)posicionaaidentificaçãonoregistrodoImaginário,

duranteafasedoestádiodoespelho.Posteriormente,oautorformulaostrêstempos

da concepção lacaniana do Édipo, sob a forma de uma identificação com o que se

pressupõeserodesejodamãe,depois,sobaformadadescobertadaleidopaie,por

fim,sobadasimbolizaçãodessalei,quetemcomoimplicaçãoatribuiraodesejodamãe

seuverdadeirolugarepermitirasidentificaçõesfuturas,constitutivasdosujeito.

Dias(2009),aoproporumaleituradeLacan,dizqueaproibiçãodoincestoéo

que permite a existência do homem na cultura. A satisfação do desejo pela mãe

marcaria o fim da demanda estruturante do inconsciente do sujeito. Portanto, a

proibiçãodoincestoé,segundoaautora,oqueabreespaçoparaaidentificação,paraa

idealizaçãoeasublimação,bemcomoparaoenlaçamentosocial.Ampliandooquese

refereàcultura,amesmaautorarecorreàseguintecitaçãodeFreud(1930[1929]):

Oamorquefundouafamíliacontinuaaoperarnacultura,tantoemsuaforma

original,emquenãorenunciaàsatisfaçãosexualdireta,quantoemsuaforma

modificada, como afeição inibida em sua finalidade. Em cada uma delas,

continuaarealizarsuafunçãodereunirconsideráveisquantidadesdepessoas,

de um modo mais intensivo do que o que pode ser efetuado através do

interessepelotrabalhocomum.(...)Oamorcomumafinalidadeinibidafoi,de

fato,amorplenamentesensual,eaindaoénoinconscientedohomem.(...)O

amorgenital conduzà formaçãodenovas famílias,eoamor inibidoemsua

finalidade,a“amizades”quesetornamvaliosas,deumpontodevistacultural,

porfugiremaalgumasdaslimitaçõesdoamorgenital,comoporexemplo,àsua

exclusividade(p.100e101).

32

Destaforma,énecessáriomencionaropapeldaagressividadeparaaformação

dacultura. Issoporqueaagressividadeé inerenteaossereshumanoseé tambémo

maiorimpedimentoàcultura.Aagressividadeservedeesteioaqualquerrelaçãoafetiva

edeamorentreaspessoas(DIAS,2009).Eissosignificadizerqueaagressividadeexiste

tantonoindividualquantonocoletivo(cultura).

Dias (2009) entende que não é possível falar em inexistência das pulsões

destrutivas.Oqueháéumacontraposiçãodapulsãodemorte(agressividade,desejo

de destruição) com o seu oposto, o amor. Assim, para a autora, no coletivo a

agressividade do indivíduo é substituída pela violência da comunidade, que está

desenhadanaforçacoercitivadalei.

ParaPedrossian(2008),aestruturaçãodasociedade,balizadanaforçacoerciva

da violência e nas identificações entre seus membros, demandou a instituição de

regulamentos visando à proibição de atos violentos. Ela assente que dessamaneira

aconteceumaalternânciadopodernapráticadeatosviolentos–eladeixadeserdo

indivíduoepassaparaumaunidademaior, queé a sociedadeequeaexercitapela

imposiçãodesuasleis.

RoudinescoePlon(1998)tambémsinalizamaimportânciadaidentificaçãopara

a coletividade ao afirmarem que ela se produz, em especial, no contexto das

comunidadesafetivas.

É essa forma de identificação que liga entre si os membros de uma

coletividade.Elaécomandadapelovínculoestabelecidoentrecadaindivíduo

da coletividade e o condutor das massas. Esse vínculo é constituído pela

instalação deste último na posição de ideal do eu por cada um dos

participantesdacomunidade(p.365).

JáFornari (1991) trazocontextodascomunidadesafetivaseosprocessosde

identificaçãoapartirdosescritosdeFreudemPsicologiadasMassaseaAnálisedoEgo

(1921). De acordo com o autor, nessa obra Freud apresenta a identificação como

mecanismodedefesadoEgo,mastambémcomoresultadodasublimaçãodoErosentre

osconstrutosdosocial,impressanoslaçoslibidinaisqueconectamosmembrosdeum

grupoaoseuchefeoumesmodosprópriosmembrosdogrupoentresi.

33

Deacordo comPedrossian (2008), os elosde identificaçãoque são formados

entreosmembrosdogrupoeolídersãoinstituídospormeiodarenúnciadoindivíduo

aoseuidealdoegoqueé,então,substituídapeloidealdogrupo(líder).

Dialogando,então,comapropostadeLacanqueapresentaoaparelhopsíquico

constituídopeloReal,peloSimbólicoepeloImaginário,aponta-seaquiparaEnriquez

(1989),que,emseuartigosobreOTrabalhodaMortenasInstituições,propõequeas

instituiçõesexistemapartirdeconjuntosquesãoculturais,simbólicoseimaginários.

Aotratardosimbólico,Enriquez(1991)afirmaqueumainstituiçãonãovivese

nãoproduzumoumaismitosunificadores(mitos,ritos,heróis,sagas)quefuncionarão

para a legitimação da ação dos membros da instituição, atribuindo sentido às suas

práticaseàssuasvidas.Oautorsegueesclarecendoque:

A instituiçãopodeentãoseoferecercomoobjeto idealaser interiorizado,

quedávida,aoqualtodosdevemmanifestarasualealdade,eatémesmose

sacrificar. Ela apresenta exigências e obriga a todos a se moverem pelo

orgulhodo trabalhoa realizar:verdadeiramissãodevocaçãosalvadora (p.

78).

Assim como Lacan, Enriquez (1991) apresenta a identificação no âmbito do

Imaginário.Segundoele,oImagináriose imprimenaquiloqueresultadosdesejosde

afirmaçãoedeidentificaçãonarcísicosdosindivíduosversusumadeclaradacapacidade

das instituiçõesdeoferecerrespostassatisfatóriasataisdesejos.Esse interjogotem,

portanto,deumlado,os indivíduoscomsuaspossibilidadesdeperturbaçãodassuas

identidades, dos seus medos de aniquilamento, da angústia de fragmentação

despertadapelavidaemcomunidade;e,dooutrolado,nessejogoreinaainstituição

emsuacapacidadedeofertarproteçãocontratodosessesperigos.Contudo,oautor

seguesuadiscussãochamandoatençãoparaumaexistênciaambivalentedainstituição

noquetangeàsuaposturaprotetiva,mastambémaniquiladora,quetemporobjetivo

o apoderamento de todo o espaço psíquico dos indivíduos incapazes de se

diferenciaremdela.

Porfim,recorremosaKaës(2014),quediscuteacercadasidentificaçõesaotratar

da formação das alianças inconscientes. Para ele esse processo de formação aciona

processosidentificatórioscomuns,mútuosecompartilhados.

34

Asidentificaçõesmútuassãoaomesmotempoascondiçõeseosresultadosdas

alianças. Elas se desenvolvem em diferentes registros: são narcísicas,

imaginárias,objetais,simbólicasouedipianas.Asfunçõesqueelasrealizamou

satisfazem a serviço da aliança são também diversas: experiência básica de

segurança,realizaçãodedesejos,aceitaçãodeinterditosouproibições,reforço

dedefesasoufacilitaçãodetransgressões(p.48).

Convém salientar que outros importantes psicanalistas, não elencados aqui,

deramdistintoscontornosaoconceitodeidentificação,ampliandosuacompreensão,

inclusivesuautilizaçãonatécnicaenaclínicadaPsicanálise.Paraefeitodesseestudo,

porém, assume-se que os autores expostos acima aportam referencial bastante

adequadoparaadiscussãodacategoriateórico-analíticadosprocessosidentificatórios.

2.3MECANISMOSDEDEFESA

Ao longo da obra psicanalítica, o conceito de defesa ganhou um papel

discriminador entre as diversas afecções neuróticas mantendo-se, assim, ligado aos

processosdeestruturaçãopsíquica.

EssanoçãofoiposteriormentesofisticadaporAnnaFreud(2006[1946]).Aautora

trouxe como finalidade a realização de operações mentais destinadas a reduzir as

tensõespsíquicasinternas(angústias)que,apesardeprocessadaspeloego,configuram

defesas inconscientes, manifestadas visando à proteção do eu contra as agressões

internas(deordempulsional)eexternas.

SegundoLaplancheePontalis(2001),foipormeiodaobradeAnnaFreudqueo

estudodosmecanismossetornouumtemaimportanteda investigaçãopsicanalítica.

Ela enfatizou a complexidade das operações de defesa e a partir daímuitos outros

processosdefensivosforamdescritos.

Contudo, antes de entrar na compreensão de cada um dos mecanismos de

defesa,segue-seumasucintaapresentaçãodaorigemedasfinalidadesdotermoDefesa

apartirdeFreud.

35

2.3.1AOrigemeasfinalidadesdotermoDefesa

NaPsicanálise,apalavra‘defesa’foiempregadainicialmenteporFreud(1893).

Eleofeznatentativadeexplicaromecanismodahisteriaeposteriormenteodeoutras

psiconeurosesdedefesa.Portanto,paracompreenderaorigemdotermodefesaem

Freudéimprescindívelquesefaçaumaleituraacercadashipótesessobreaetiologia

daspsiconeuroses.Afinal,oprimeiroregistrodeutilizaçãodotermo‘defesa’ocorreuno

texto “Neuropsicoses de defesa” e o estudo da origem do termo aparece ligada às

investigaçõesdeFreudsobreotrauma(MONTEIROSILVA&FONTENELE,2013).

Aoapresentaraquestãodotrauma,Freud(1893)explicaqueeleéinvestidode

afetoaflitivoeque,poressanaturezaaflitiva,umavezqueelegeradesprazer,osujeito

voluntário(pelaatuaçãodaconsciência)optaporafastá-lo.Seoinvestimentofeitopelo

sujeitonosentidodoafastamentoforbem-sucedido,entãooprocessonãopodeser

consideradopatológico.Oquetornaesseprocessopatológicoéodeslocamentooua

fugaparaapsicose,emrazãodoinvestimentodosujeitotersidorealizadopormeioda

fuga da realidade, e não em face do distanciamento do afeto aflitivo advindo pelo

trauma.

Asdiferençasnamaneiradevivenciarederesolverotraumaforamobservadas

por Freud,mas, inicialmente, a compreensão da determinação dosmecanismos das

patologiassedavapelaviadapredisposição,talcomoamedicinadaépocalidavacom

o tema. Contudo, essa ideia não semanteve porque Freud logo entendeu que para

compreendertaismecanismosserianecessárioexplicartodoofuncionamentopsíquico.

A partir daí o autor passou a apontar a sexualidade como fator determinante no

desenvolvimentodasneurosesatuaisedaspsiconeurosesdedefesa(MONTEIROSILVA

&FONTENELE,2013).

Sabendo,pois,queasexualidadeéofatordesemelhançaentreosdoisgrupos

deneuroses,valesalientarque:

36

Adiferençaéquenasneurosesatuaisnãohaveriaaparticipaçãodeprocessos

mnêmicos,massuaetiologia seriaconsequênciadiretada inadequaçãoou

ausênciadesatisfaçãosexual;ossintomassemanifestamtambémdeoutra

forma,caracterizandoumaduplaoposiçãoentreosdoisgruposdeneuroses.

Por mais que o problema dos dois tipos de neuroses continue sendo os

destinosdaexcitaçãosexual,nasneurosesatuaisessaexcitaçãoésomáticae

nasneurosesdedefesaépsíquica(FENICHEL,2005,p.51).

Também importa destacar que ao atribuir às psiconeuroses de defesa os

processosmnêmicos,Freudquisdizerqueelas representamaaçãodopsiquismona

defesacontraasrecordaçõessexuaistraumáticasvividaspeloindivíduoprecocemente.

Oindivíduoexperimentaoteoraflitivoemdecorrênciadeumacenapsíquicasersentida

comoalguma representaçãodesprazerosaanterior (MONTEIROSILVA&FONTENELE,

2013).

Nesse ponto, houve uma aproximação da censura ao recalque, pois foi

reconhecida a sua função na manutenção da integridade do eu. Mais tarde, na

apresentaçãodasegundatópica,Freudexpandiuopapeldacensura,colocando-a,de

umlado,nosentidomaisamplodadefesa,aomesmotempoemdeuaelaumafunção

similaradoeueadosupereu,poroutroviés(MONTEIROSILVA&FONTENELE,2013).

Esse investimento de Freud na compreensão do funcionamento psíquico

possibilitou o entendimento sobre os mecanismos inconscientes e suas formas de

expressão.Issopossibilitouadiminuiçãodopressupostoantagônicoentreonormaleo

patológico, comumente simplificado pela linguística e que até certo momento foi

consideradopelosaberanalítico.

Freud,então,seguiudemonstrandoqueoconteúdolatenteéativonamedida

em que produz efeitos observáveis, embora não esteja circunscrito ao campo da

consciência.Essaproposiçãoconcorreuparaa justificativadeum inconscienteativo,

que impôs à defesa um caráter contínuo e remeteu ao conceito de pulsão – aqui

também ele reconheceu a resistência como expressão desse inconsciente ativo

(VALENTE,2013).

Parasomar-seaisso,noiníciodoséculoXX,aintroduçãodoconceitodepulsão

reforçouopoderdoefeitodorecalqueeateoriadadefesapassouaserpotencialmente

influenciadapelanovavisãodasexualidade.Oresultadodessesavançosfoioabandono

da teoria do traumae a emergência das fantasias infantis como cernedasbasesde

formaçãodaneurose(MONTEIROSILVA&FONTENELE,2013).

37

APsicanálise,emtodooseupercursocomvistasaotratodasafecçõespsíquicas,

seutilizoude inúmeras técnicas.Entreelas,ométodocatártico,aassociação livre,a

transferência, a interpretação das resistências e a elaboração. Todas essas técnicas

concorreramparadesvendara libidoque,naformaçãodeumapsiconeurose,ageno

sentidodaregressãoereinvestimentodefixaçõesinfantis.E,nesseponto,éimportante

salientarqueFreudreconheceuqueexisteumaatraçãocontínuadoinconscientesobre

a libido devido ao recalque das pulsões e suas produções (MONTEIRO SILVA &

FONTENELE,2013).

Fenichel(2005),porfim,resumeosmotivosdedefesadizendo:

No conflito neurótico (entre o ego e o id), um impulso instintivo busca

descarga,lutandocontraangústiaoposta(...).Oimpulsotendeparaomundo;

ascontraforçastendemparaaretiradadomundo.Oqueparecegovernaro

impulsoéasuafomedeobjetos;oqueparecegovernarascontraforçaséum

desejodeevitarosobjetos(p.129).

Foi também Anna Freud quem deu maiores contornos ao conceito de

mecanismosdedefesa.Issofoifeitoapósapublicaçãodesuaobrasobreotema,OEgo

eosMecanismosdeDefesa(2006[1946]).Entretanto,observou-sequeaautoraatribuiu

um papel de destaque especialmente ao ego, conferindo-lhe status de instância de

adaptaçãoàrealidade.

DiferentementedoqueformularaocriadordaPsicanálise,paraAnnaFreud,a

repressãonãoocupalugarúnicoentreosprocessospsíquicos.Outranotáveldiferença

apontadaporestaautoraéacompreensãodequeosmecanismosdedefesasepassam

emmaisdeumaesferapsíquica.Emsuaobrasãodescritosoutrosprocessosqueservem

à mesma finalidade de proteção do ego contra as chamadas exigências instintivas,

lembrando ainda ligações habituais de certos métodos defensivos a determinados

quadrosmentais(FREUD,1946).

Anna Freud contabilizou dez mecanismos diferentes, todos tidos como à

disposiçãodoego.Aautorarealizaumaenumeraçãodosmétodosdefensivosdoegotal

comodescritosnostrabalhosdeFreudeacrescentaumdécimo,que,emsuaopinião,

pertencemaisaoestudodamentenormaldoqueaodaneurose–asublimaçãoou

deslocamentodosanseiosinstintivos(FREUD,1946).

38

Osoutrosnovemétodosdiferentesàdisposiçãodoegoemseusconflitoscom

osrepresentantes instintivoseosafetossão:regressão,repressão,formaçãoreativa,

isolamento,anulação,projeção,introjeção,inversãocontraoeuereversão.AnnaFreud

tambémtrazemsuaobramecanismoscomo:negaçãoemfantasia,identificaçãocomo

agressor e altruísmo. Competiria ao analista verificar até que ponto essesmétodos

podemsereficazesnosprocessosderesistênciadoegoedeformaçãodesintomasque

eletemoportunidadedeobservarnosindivíduos(FREUD,1946).

Outraautoraqueapresentavastaproduçãonoqueconcerneadescriçãoeao

desenvolvimentodamenteprimitivaéMelanieKlein,renomadapsicanalistabritânica.

ModificandoeampliandoalgumasdasconcepçõesoriginaispontuadasporFreud,Klein

tambémdescreveuecaracterizouosmecanismosdedefesa,apartirdeumcontexto

próprioeoriginal.

Ao abordar o desenvolvimento emocional primitivo da criança, Klein (1935)

identificounovasformasdefuncionamentomental.Saindodaideiadefaseouestágio,

Klein inaugura a ideia deposição, comounidadedodesenvolvimento, nomeando-as

como posição esquizo-paranóide e posição depressiva. Essas noções trouxeram

contribuiçõesrelevantesparaanoçãodedefesanaPsicanálise.

Paraaautora,aindaquenoiníciodavidaobebênãotenhaumegoconstituído,

há uma estrutura precursora deste. Esse ego incipiente é capaz de sentir angústia,

utilizarmecanismosdedefesaeestabelecerrelaçõesdeobjetoprimitivas,narealidade

enafantasia(KLEIN,1958).Assimsendo,aconcepçãodemecanismosdedefesaéuma

noçãoqueexplicitaasoperaçõesdoegocomointuitodesedefender.

Noperíodoinicial,denominadoposiçãoesquizo-paranóide,queseestendeaté

oscincomesesdeidadedacriança,háumademandacrescentedobebêemlidarcom

a angústia paranoide. Essa angústia foi nomeada posteriormente de angústia

persecutória, e decorre da projeção do sadismo do bebê sobre o objeto. A autora

observouquehá,porpartedobebê,omedodesofrerosmesmosataquessádicosque

imaginouterdirigidoaoobjeto,sentindo-se,dessaforma,perseguido(KLEIN,1935).

Klein(1935)intitulouessaangústiacomomedodoaniquilamento,umavezque

épercebidacomoameaçaàprópriavidadobebê.Assimsendo,paraquepudessese

sentir seguroeencontraruma formadeorganizar-se internamente,oego incipiente

39

recorreamecanismosdedefesaprimitivos,taiscomo:aprojeção,aintrojeção,acisão

eaidentificaçãoprojetiva.

Jápróximoaosseismesesdeidade,passaaseestabeleceraposiçãodepressiva.

Elarepresentaumavançoemtermospsíquicos,jáqueoobjetopassaaserpercebido

emsuatotalidadenessaetapadodesenvolvimento,assimcomoopróprioego.Nessa

fase, segundo a autora, a angústia predominante é entendida como a da perda do

objeto. Há uma superação da dicotomia até então estabelecida entre mau e bom,

acenandoparaaintegraçãodoobjeto(KLEIN,1935).

Apartirdomomentoemqueacriançapercebequeomesmoobjetoquefrustra

(mau) é aquele que também gratifica (bom), mostra-se necessário elaborar a culpa

decorrentedoataqueaoobjeto.Daínasceanecessidadederepararosdanosquese

fantasiatercausadoaoobjeto.ParaKlein(1935),“oresultadodaposiçãodepressiva,

(...)posiçãocentraldodesenvolvimentodacriança,daqualdependemtantoasaúde

mental,quantoacapacidadedeamar,éafirmeinternalizaçãodoobjetobom”(p.1).

Aautorapostulaquequandosetornafrequente,areparaçãoassumeumgrau

patológico,sendoentãonomeadodedefesamaníaca.Essasúltimassãoutilizadascom

oobjetivodeseremanuladososataquessádicosrealizadoscontraoobjetonaposição

esquizo-paranóide,oquelivrariaopsiquismodaperseguiçãodoobjeto.Algumasformas

dedefesasutilizadasparanegarotemoràperseguiçãoeaculpaporterlesadooobjeto

sãoaonipotênciaeanegação(KLEIN,1935).

Porfim,aelaboraçãodaposiçãodepressivaéopontomaisimportanteparao

desenvolvimentopsíquicodacriança,segundoKlein(1935).Esseprocessoassinalapara

uma consistente introjeçãodoobjeto bom, o que, por sua vez, será decisivo para a

capacidadedeamarereparar.

ExpostosaquiaorigemeosmotivosdotermoDefesaapartirdaobraFreudiana,

somando-seàscontribuiçõesdeAnnaFreudeMelanieKleinacercadatemática,segue-

secomadescriçãodosdezmecanismosdedefesa,queserãoclassificadosem:bem-

sucedidos,vistoqueinterrompemaquilodequeseesquiva;epatogênicos,umavezque

se caracterizam por repetição ou perpetuação do processo de rejeição (FENICHEL,

2006).

40

2.3.2Osmecanismosbem-sucedidos

De acordo com Fenichel (2005), a sublimação é a representação das defesas

bem-sucedidas.Segundoele,emboranãoserestrinjaaummecanismoespecífico.Isso

implicadizerque,porinfluênciadoego,afinalidadee/ouoobjetosemodificamsem

bloquearadescargaadequada.

A sublimação decorre da adaptação lógica e ativa das pulsões que, após

escolheremumanovafinalidade,passamasesatisfazertantoemproveitodoaparelho

psíquicoquantodasnormasqueregemocontextosocial(KUSNETZOFF,1982).

Fenichel(2005)explicacomoseprocedeasublimaçãodaseguintemaneira:

(...) as forças defensivas do ego não se opõem frontalmente aos impulsos

originais, conforme ocorre no caso das contracatexias, mas incidem

angularmente;daíumaresultanteemqueseunificamaenergia instintiva,

com liberdade para atuar. Distinguem-se as sublimações das gratificações

substitutivasneuróticaspelasuadessexualização,ouseja,agratificaçãodo

egojánãoéfundamentalmenteinstintiva(p.132).

ParaAnnaFreud(1946),asublimaçãosecaracterizacomoodeslocamentoda

finalidadeinstintiva,estandoemconformidadecomvaloressociaismaiselevados.Essa

atividade pressupõe a aceitação ou, pelo menos, o conhecimento de tais valores,

pressupondoaexistênciadeumsuperego.Poressarazão,omecanismodedefesada

sublimação,segundoaautora,sórelativamentemaistardepoderiaserempregadono

processodedesenvolvimento.

Emsetratandodasconcepçõeskleinianas,seriamasrepetidasexperiênciasde

perdaedereparaçãopelasquaispassaobebêquetornariaseuegoenriquecidoeapto

alidarcomasexperiênciasdefrustração.Àmedidaqueelasocorrem,proporcionam-

lhe confiança para o estabelecimento de um objeto seguro, que o proteja e lhe dê

condiçõesdesuportaraangústia,semrecorreraoadoecimento.

A partir do surgimento de sentimentos como omedo damorte damãe, e o

sentimentodeculpa,háumimportanteefeitonofuturobem-estardacriança,nasua

capacidade amar e no seu desenvolvimento social. É deles que surge o desejo de

restaurar,queseexpressaemdiversasfantasiasondeacriançasalvaamãeefaztodo

tipodereparação(KLEIN,1936).

ParaKlein(1936),

41

tudoaquiloquetornaaperdadeumobjetobomexternomenosdolorosae

diminuiomedodeserpunida,ajudaacriançaamanterconfiançanoobjeto

bomqueguardadentrodesi.Aomesmotempo,issoabriráocaminhopara

queacriançamantenhaumaboarelaçãocomamãe,apesardafrustraçãoe

estabeleçarelaçõesprazerosascomoutraspessoasalémdospais.Assim,ela

poderá obter outras satisfações que substituirão aquela que é tão

importante,equeestáprestesaperder(p.4).

Entende-se, assim, que tudo aquilo que faz com que o bebê sinta que está

cercadodeobjetosamistosospreparaoterrenoparaumaboarelaçãocomamãe,e,

maistarde,comoutraspessoasàsuavolta.Odesenvolvimentosadiodacriançaesua

capacidadedeamarvãodependeremgrandepartedamaneiracomooegopassapor

essaposiçãocrucial(KLEIN,1936).

2.3.3Osmecanismospatológicos

Alguns mecanismos de defesa possuem íntima relação com a noção de

identificação, a exemploda introjeçãoedaprojeção.Na realidade, as identificações

propriamenteditasresultamdeumprocessoconstantedeintrojeçãodefiguras,dentro

do ego sob a forma de representações objetais, e no superego. A incorporação e a

introjeçãopodemserconsideradascomoprotótiposdaidentificação,ouaomenosde

algumasmodalidades em que o processomental é vivido e simbolizado como uma

operaçãocorporal(ingerir,devorar,guardardentrodesi,etc.)(LAPLANCHE&PONTALIS,

2001;ZIMERMAN,2001).

SegundoLaplancheePontalis(2001),deummodogeral,adefesaincidirásobre

situações capazes de desencadear a excitação interna na medida em que for

incompatívelcomaideiadeequilíbrio,e,portanto,desagradávelparaoego.

Oprocessodefensivoespecifica-seemmecanismosdedefesamaisoumenos

integrados ao ego. Os mecanismos de defesa mais comumente encontrados na

literatura psicanalítica são: recalque, deslocamento, anulação, isolamento,

condensação,racionalização,formaçãoreativa,projeção,sublimação,negação.

42

Orecalqueéoprimeirograndemecanismo investigadopela teoria freudiana.

Consistenoatodedespejodonívelconscienteda representação ligadaàpulsão,de

forma que aquela permaneça no inconsciente, já que a entrada da mesma na

consciênciapoderiaprovocardesprazer.Jáaprojeção,porsuavez,subentende-secomo

a atribuição a objetos externos de propriedades ou características que,

simultaneamente,osujeitodesconhecedesimesmo(KUSNETZOFF,1982).

DeacordocomRoudinescoePlon(1998),osmecanismosdedeslocamentoede

condensaçãoforamteorizadosporFreud,sobretudonocontextodaanálisedossonhos.

O deslocamento, por meio de um deslizamento associativo, transforma elementos

primordiais de um conteúdo latente em detalhes secundários de um conteúdo

manifesto.Acondensaçãoefetuaafusãodediversasideiasdopensamentoinconsciente

paradesembocarnumaúnicaimagemnoconteúdomanifesto,consciente.

Os mecanismos de isolamento, anulação e formação reativa foram

especialmenteabordadosnacaracterizaçãodaneuroseobsessiva.SegundoLaplanche

ePontalis(2001),aanulaçãoéoprocessopeloqualosujeitoseesforçaporfazercom

quepensamentos,palavras,gestoseatospassadosnãotenhamacontecido,utilizando,

paraisso,umpensamentooucomportamentocomsignificaçãooposta.ParaKusnetzoff

(1982),oisolamentoéomecanismoqueconsisteemevitaracontaminaçãocomum

objetoperigoso,dissociandoapossibilidadedetocararepresentaçãomentalligadaao

afeto desagradável que traria o toque do objeto. Conforme esse autor, a formação

reativacaracteriza-sepor levaro sujeitoaefetuaroqueé totalmenteopostoàquilo

inconscientequesequerrejeitar.

Dois processos comuns, que abrangem um extenso campo no tratamento

psicanalítico,sãoaracionalizaçãoeanegação.Aracionalizaçãoéoprocessopeloqual

o sujeito procura apresentar uma explicação coerente do ponto de vista lógico, ou

aceitávelmoralmente, para uma atitude, uma ação, uma ideia, um sentimento etc.

(LAPLANCHE & PONTALIS, 2001). Para Kusnetzoff (1982), na negação determinado

conteúdorecalcadoéadmitidonaconsciênciacomacondiçãodenegá-lo,implicauma

funçãoderejeiçãodaquiloquesimultaneamenteseadmite.

Conforme exposto, nas obras de Anna Freud e de Melanie Klein é possível

localizarumaimportantecontribuiçãoàteoriadosmecanismosdedefesaassociadosao

43

níveldeorganizaçãoalcançadopeloaparelhomental.Emsetratandodaproduçãoda

primeira,aautoraacrescentouanegaçãoemfantasiaeaidentificaçãocomoagressor.

Segundo Anna Freud (1946), o mecanismo da negação pertence a uma fase

normal do desenvolvimento do ego infantil. No entanto, se ele se repetir em fases

ulterioresdavida,indicaumestágioavançadodedoençapsíquica.Issoocorre,afirmaa

autora,porqueacapacidadedoegodenegaçãodarealidadeéinteiramenteincoerente

com outra função altamente apreciada pelo ego, qual seja, a sua capacidade de

reconhecerecomprovarcriticamentearealidadedosobjetos.

Noquedizrespeitoaomecanismodeidentificaçãocomoagressor,segundoa

autora,esteoperanosentidodeacriançapersonificaroagressor,diantedesituações

geradorasdeangústiaparaacriança,nasquaiselaintrojetacaracterísticasdoobjeto

quelhecausouangústia,nointuitodeassimilaroevento.Assimsendo,acriançaquando

personificaoagressor, assume seusatributos,ou imita a suaagressão,passandodo

lugardeameaçadaparaodeameaçadora(FREUD,1946).

Comprometida também coma psicanálise infantil, Anna Freud se dedicou ao

desenvolvimentodanoçãodemecanismodedefesacontraaangústia,demarcandoum

esforçodeorganizaçãoeclassificaçãodaobradeseupai,SigmundFreud.

ApresentandoalgumasdivergênciascomrelaçãoàsproposiçõesdeAnnaFreud,

MelanieKleincriouumateoriaprópriaparaexplicarosprocessospsíquicos.Conforme

exposto,suacontribuição,noqueserefereacompreensãodosmecanismosdedefesa,

seremeteaoesforçofeitopeloegoparasedefender,variandoconformeaetapado

desenvolvimentoemqueseencontra.

Emsetratandodosmecanismosconsideradosmenossaudáveis,segundoKlein

(1935),asdefesasmaisprimitivassãoprincipalmenteaquelasempregadasaolongoda

posição esquizo-paranóide, momento em que o bebê tem de lidar com a angústia

persecutória. A autora elenca como mecanismos de defesa mais primitivos,

característicos desse momento, a projeção, a introjeção, a cisão e a identificação

introjetiva.

De acordo com Klein (1935), o desenvolvimento do bebê é governado por

mecanismosdeintrojeçãoeprojeção.Paraaliviarasensaçãodeaniquilamentocausada

pela angústia. O ego infantil se defende projetando para o exterior os aspectos

destrutivosdessaexperiênciaelocalizandoforadesioqueéruim.Dessaforma,oobjeto

44

passaaser revestido,emalgunsmomentos,poressasqualidadesdestrutivas, sendo

introjetadocomumatonalidadeameaçadoraetornando-seumobjetopersecutório.

Entretanto,aosatisfazerasnecessidadesdobebê,oegorecorreà introjeção.

Desdeoinício,oegointrojetaobjetosbonsemaus,sendoconsideradoumobjetobom

quandoacriançaconsegueobtê-loemauquandoelaoperde.Segundoaautora,acisão

napercepçãodoobjeto,queoraétidocomobom,oraévistocomomau,demonstra

queoegoaindanãotemaconcepçãodoobjetototal,massimparcial.Comoacisão

incidetantosobreoobjetoexterno,comosobreointerno,consequentementeimplicará

emumacisãodopróprioego(KLEIN,1935).

Omecanismoda identificação projetiva foi introduzido a partir de seu artigo

Notassobrealgunsmecanismosesquizoides(1946).Neleaautorapropõequeessaseja

uma defesa típica para lidar com a angústia de aniquilamento. Segundo Klein, esse

mecanismoéligadoàcisãoeàprojeção,caracterizando-sepelaintrodução,emparte

ounotodo,doprópriomundointernodentrodopsiquismodeumobjetoexternocom

oobjetivodedanificá-lo,controla-looupossuí-lo(KLEIN,1946).

Retomando as defesas consideradas maníacas, a autora pontua novamente

sobreabuscadoegoemselivrardasperseguiçõesdoobjeto,assumindoestasumgrau

patológico. São consideradas defesas maníacas: a onipotência e a negação, sendo

utilizadasparanegarotemoràperseguiçãodoobjetoeaculpaportê-lolesado(KLEIN,

1935).

Osentimentodeonipotênciaéentendidocomooelementomaiscaracterístico

da mania, sendo procurado pelo ego incessantemente como forma de dominar e

controlar todosos seusobjetos. Amania também temcomobaseomecanismoda

negação,oqualseoriginanaquelafasemuitoinicialemqueoegoprocurasedefender

da mais séria e profunda de todas as ansiedades: o medo dos perseguidores

internalizadosedoid(KLEIN,1935).

Emsetratandodasdefesas,ascontribuiçõesdeKleinsãomuitaseemsuaobra

há uma grande importância às experiências iniciais da criança. Em especial, são

valorizadasanaturezaeoconteúdodasansiedadesarcaicaspelasquaispassaobebê,

eaconstanteinteraçãoentresuasexperiênciasreaisesuavidadefantasia.

45

Finalmente, visando atingir os objetivos elencados, pretende-se articular os

conceitos teóricos acima destacados em consonância com o percursometodológico

percorrido,oqualseráapresentadonopróximocapítulo.

46

3MARCOMETODOLÓGICO

3.1NATUREZADAPESQUISA

Esteestudo,deníveldescritivoeexploratório,édecunhoqualitativo.Segundo

Gil (2008), as pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a descrição das

característicasdedeterminadofenômeno.Oautortambémpostulaqueapesquisade

nívelexploratóriotemcomofinalidadedesenvolver,esclareceroumodificarconceitos

eideias,proporcionandoassimumavisãodetipoaproximativadeumdadofato.

Nesse sentido, ao propor uma investigação acerca dedeterminados aspectos

subjacentes ao processo de reserva do policial militar, procurou-se aprofundar o

entendimentodealgumasdascaracterísticasinerentesaessefenômeno.Namedida

em que se buscou elucidar como ocorrem as dinâmicas psíquicas envolvidas,

aproximou-sedoentendimentodamaneiracomoospoliciaismilitaressevinculamà

instituição e de que identificações se utilizaram no momento de passagem para a

reserva.

Seguiu-se o paradigma de pesquisa qualitativa por se perceber como

fundamental para o entendimento de determinados aspectos intra e interpsíquicos

relacionados ao processo de aposentadoria (ou de reserva) um pressuposto que

buscasseinterpretarosfenômenossociais.Nessaperspectiva,aabordagemqualitativa

ajusta-se precisamente: ela se volta à compreensão dos significados que as pessoas

atribuemàssuasexperiênciasdomundosocialeàmaneiracomoestasinterpretameste

mundo(POPE&MAYS,2009).

Aesserespeito,Rey(2002)assinalaqueoparadigmaqualitativoéumaproposta

que satisfaz as exigências epistemológicas inerentes ao estudo da subjetividade,

percebidacomoparteconstitutivadoindivíduoedasdiferentesformasdeorganização

social. Além disso, constitui-se como uma das formas diferentes de produção de

conhecimento em psicologia que permitem a criação teórica acerca da realidade

plurideterminada, diferenciada, irregular, interativa e histórica que representa a

subjetividadehumana.

Apropósitodaquestãoda interpretaçãodos fenômenos sociais,Victoraetal

(2000)afirmamqueomundorealsóexistedefatonamedidaemquesetomaparte

47

deleequeelefazsentidoparacadaumdenós,ouseja,oconhecimentoévistocomo

umaconstruçãosocialeconjuntaqueenvolvepesquisadorepesquisado.

Partindo desse pressuposto, assumiu-se uma epistemologia não positivista,

tampoucoobjetivista.Entende-sequeoprocessodereservaéumfenômenocomplexo,

multifacetado,querequerumolharaprofundadoparaaexperiênciadossujeitosqueo

vivenciam,comvistasacompreendê-lo.

Além da natureza socialmente construída da realidade supracitada, outras

características indissociáveis da pesquisa qualitativa são a íntima relação entre o

pesquisador e o que é estudado, e as limitações situacionais que influenciam a

investigação(DENZIN&LINCOLN,1998).

Para os autores, como a realidade objetiva nunca pode ser captada em sua

plenitude,natentativadeassegurarumacompreensãoemprofundidadedofenômeno

em questão, o pesquisador lançamão de uma variedade de práticas interpretativas

interligadas,istoé,ousodemúltiplosmétodos(DENZIN&LINCOLN,1998).

Nesse sentido, não existirá uma realidade independente do observador; esta

estratégiadecombinaçãodemétodosacrescentarigor,fôlego,complexidade,riqueza

eprofundidadeaqualquerinvestigação(DENZIN&LINCOLN,1998).

Trabalhou-secomométodoclínicodepesquisapostoquesecorroboracomsua

visãocaracterísticadehomemedeconcepçãodepesquisapormeiodeseustrêspilares

sustentadores. São eles: o entendimento do homem como portador de angústias e

ansiedades;umaatitudeclínicadeacolhidadossofrimentosemocionaisdapessoa,com

inclinaçãoparaaescutaeparaoolhar,movidopelodesejoehábitodeproporcionar

ajudaaosujeito;eaatitudepsicanalítica,frutodeumavisãodehomemcomoportador

deuminconsciente,oquerepercutirádiretamentenaconstruçãoenaaplicaçãodos

instrumentos, assim como no referencial teórico para a discussão dos resultados

(TURATO,2010).

Paraesteestudo,buscou-seumacompreensãodosfenômenosdevínculoede

identificaçãoquepermeiamopolicialmilitaremprocessodereservaapartirdeseus

relatos.Visou-se,assim,entenderosignificadodoprocessoparaosmesmosenãoa

pretensãodesechegaraconclusõesgeneralistasedereplicação.

Neste sentido, acredita-se que a teoria psicanalítica permite um olhar

aprofundadodossentidosedasvivênciasdossujeitosemsuassingularidades,parasuas

48

questões inconscientes, atentandoparaodetalheedispondode recursos teóricose

técnicosparaproporleiturasdohomememsuainteraçãocomoseumeio.

3.2CONTEXTUALIZAÇÃO

OestudofoirealizadonomunicípiodeManaus,capitaldoEstadodoAmazonas,

noComandoGeraldaPolíciaMilitardoEstadodoAmazonas-PMAM.Ainstituição,hoje

com179anos,éumdosórgãosquecompõemoSistemadeDefesaSocialdoEstado,

tendoabrangênciaemtodooEstadodoAmazonas.

APolíciaMilitarseorganizaemfunçãodesuamissãoconstitucional,constante

noArt.144,incisoIV,daConstituiçãoFederalde1988.DeacordocomaCartaMagna,é

dever também das policias militares a segurança pública, sendo exercida para a

preservaçãodaordempúblicaedaspessoasedopatrimônio.Segundoosparágrafos4º

e5º,àspolíciasmilitarescabemapolíciaostensivaeapreservaçãodaordempública,

além de constituírem-se como forças auxiliares e reservas do Exército, tendo

subordinaçãodiretaaoGovernadordoEstado(BRASIL,1988).

Ospoliciaismilitares,consideradoscomoumacategoriaespecialdeservidores

públicos estaduais, seguem legislação específica, na forma do Estatuto dos Policiais

MilitaresdoEstadodoAmazonas,Leinº1.154de09dedezembrode1975.

Essamesmanormativadispõearespeitodocargoedafunçãopoliciaismilitares,

apresenta as obrigações e os deveres desses servidores e fixa os círculos e a escala

hierárquicos na Polícia Militar. O mesmo documento refere que a hierarquia e a

disciplinasãoabaseinstitucionaldaCorporação,sendoestes:

§ 1º - A hierarquia policial-militar é a ordenação da autoridade em níveis

diferentes, dentro da estrutura da PolíciaMilitar. A ordenação se faz por

postos ou graduações; dentro de um mesmo posto ou de uma mesma

graduaçãose fazpelaantiguidadenopostoounagraduação.Orespeitoà

hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à sequência de

autoridade.

§2º -Disciplinaéa rigorosaobservânciaeoacatamento integraldas leis,

regulamentos,normasedisposiçõesquefundamentamoorganismopolicial-

militare coordenamseu funcionamento regulareharmônico traduzindo-o

peloperfeitocumprimentododeverporparte

49

de todos e de cada umdos componentes desse organismo (AMAZONAS,

1975,p.5).

Valeressaltarque,segundooEstatuto,essesvaloresdevemsermantidosem

todasascircunstânciasdavidadopolicialmilitar.

EmtermosdeestruturahierárquicanaPMAM,omaiorpostoéodeCoronel,

seguidododeTenente-Coronel,Major,Capitão,1ºTenente,2ºTenente,seguidodas

praçasespeciais–Aspirante–a–Oficialedasgraduaçõesdaspraças–Subtenente,1º

Sargento,2ºSargento,3ºSargento,CaboeSoldado.

3.3OPERACIONALIZAÇÃO

A)Sujeitos

Os sujeitos, participantes deste estudo pertencem ao efetivo de policiais

militares oriundos dos quadros de pessoal da PolíciaMilitar do Amazonas - PMAM,

fixadosaocírculotantodeOficiaiscomodePraças.

Foramabordadosseissujeitosaotodo.Foitrabalhadoocritériodeamostrapor

saturação.Esseprocessodeseleçãodaamostragemconsistenofatodeopesquisador

encerrar a coleta de dados quando, após as informações obtidas a partir de certo

número de sujeitos, novas entrevistas passarem a apresentar uma quantidade de

repetiçõesemseuconteúdo(TURATO,2010).

As informações gerais a respeito de cada sujeito podem ser visualizadas na

Tabela1.Paramanterosigilosobreossujeitos, identificou-secadaentrevistadopela

letra“S”,seguindo-seaordememqueasentrevistasocorreram.

50

Quadro1–Informaçõesgeraissobreossujeitos

Informações

gerais

Sujeitos

S1 S2 S3 S4 S5 S6

Sexo M M M M M M

Idade 49 52 51 49 49 51

Estadocivil Casado Casado Casado Divorciado Outros Casado

Cargo2º

Tenente

Tenente

Sargento

1ºSargento

Sargento

Sargento

Tempodeserviço29anos 28anose

04meses

28 anos e

09meses

29anose01

mês

28anose

10meses

29anose

11meses

Graude

escolaridade

Ensino

Médio

Ensino

Médio

Ensino

Médio

Ensino

Médio

Ensino

Médio

Ensino

Médio

Fonte:Dadosdepesquisa,2016.

Comocritériode inclusão, foramabordadosospoliciaismilitaresqueestãoa

contardedoisanosparaingressaremnareservaremunerada.Dentrodessegrupona

instituiçãoexisteumuniversode223policiaismilitares,dosquais137militares têm

previsãodeseaposentaremnoanode2015e86policiaisentrarãoparaareservaaté

dezembrode2016.

O ingresso do servidor na instituição se dá pormeio de concurso público. O

concurso limita as idades máxima e mínima para acesso à Instituição. Para o

combatente, só é permitida a entrada na carreira policial militar ao candidato que

estivernafaixaetáriaquevaide18a28anosdeidade.Esseartifíciofazcomque,muitas

vezes,opolicialmilitarsaiadaInstituiçãoaindajovem,vistoqueháaobrigaçãodese

aposentarcom30anosdeefetivoexercício.Ouseja,opolicialmilitaraposenta-senas

idades entre 48 e 58 anos, numa média de 53 anos. Esse panorama demonstra-se

distintodavidadeumservidorcivil,porexemplo.

Optou-seporesse recorte temporalvistoseromomentoemqueo indivíduo

visualiza de forma mais iminente a realidade da aposentadoria. Também, há na

Instituição atualmente um Programa que visa a facilitar a passagem dos policiais

51

militares para a reserva, o qual tem como seu público-alvo policiais que irão se

aposentarnospróximosdoisanos,oquepermitiuummaisfácilacessoaossujeitosda

pesquisa.

Foramdesconsideradosparaesteestudoospoliciaismilitaresqueingressamna

reservaremuneradaapedido.Taldecisãofoitomadahajavistoquesesubentendeque

estesestãoháalgumtempoemprocessodedesvinculaçãodainstituição.Aquelesque

estiverempassandopeloprocessodereforma(aposentadoriapor invalidez) também

foramdispensados,jáquequestõesreferentesaoprocessodoadoecimentoperpassam

obrigatoriamenteseuafastamentodainstituição,nãosendoconsideradoesseofocodo

estudo.

B)Instrumentos

Foiutilizadacomoprincipalfontededadosatécnicadaentrevistasemidirigida.

Pretendeu-sedarliberdadeaosujeitopesquisado,deformaqueomesmopudessese

expressar livremente.SegundoTurato(2010),naentrevistasemidirigida,osujeitoda

entrevistadeveráfalarsegundoaocorrênciadachamadalivreassociaçãodeideias,a

qualconsistiránaexpressãoindiscriminadadepensamentosqueocorreremaoespírito,

querapartirdeumelementodado,querdeformaespontânea.

Essedirecionamentoconfigurou-sepelomotivodequeambososintegrantesda

relaçãotêmoportunidadededaralgumadireção,representandoganhonomomento

de reunir os dados segundo os objetivos propostos (TURATO, 2010). Questões

norteadorasparaaentrevistaconstamnoAnexoI,noformatodeumroteiro.

Como fonte complementar para os dados, foi utilizado o procedimento de

Desenhos-EstóriascomTema(D-E).Essatécnicaenvolveaelaboraçãodedesenhosefoi

desenvolvidahámais deumadécadaporAiello-Vaisberg. Ela derivadiretamenteda

propostaoriginaldoProcedimentodeDesenhos-EstóriapropostoporWalterTrincaem

1972.

A técnica do Procedimento de Desenhos-Estória foi pensada no sentido de

possibilitaraosujeitoaoportunidadeparaqueseexpressasselivremente,damaneira

menos defensiva possível. Essa modalidade de comunicação lúdica visa alcançar o

escopo da comunicação, proporcionando acesso à dinâmica emocional latente e à

52

linguagemdoinconsciente,permitindoassimaverificaçãodeconteúdosinconscientes

detodotipo(TRINCA,2013).

Como na versão elementar, esta técnica é composta por cinco unidades de

produção, sendocadaqual compostapordesenho livre,estória, “inquérito”e título.

Caracteriza-se também num procedimento semiestruturado, que tem por base a

associação livre e por finalidade revelar os conteúdos psicodinâmicos, pondo em

evidênciadeterminadosaspectosinconscientes(TRINCA,2013).

Aiello-VaisbergapudTrinca(2013)afirmatratar-sedeumprocedimentoclínico

que contempla uma estratégia investigativa destinada a facilitar a comunicação

emocionaldoinconscienterelativodeumindivíduo.Aoevidenciareacolheraspectos

inconscientesdoexaminando, a técnicadeDesenhos-Estória comTemaproporciona

excelentecontatocomomundomentaldoexaminando.

Optou-se por esse instrumento, pois se acredita que ele possibilita captar os

aspectoslatentessubjacentesaopsiquismo,permitindoacompreensãodeprocessos

psicológicos–emespecial,mecanismosdedefesa,processosdeidentificaçãoevínculo

–relacionadosaomomentodepassagemparaareservadopolicialmilitar.

C)Procedimentosparaacoletadedados

Em se tratandoda revisãoda literatura, preliminarmenteprocedeu-se a uma

buscapelaproduçãobibliográficadetodomaterialconcernenteàtemáticanasdiversas

plataformasdepublicaçõescientíficas.Apartirdaspalavras-chave“Aposentadoria”,e

“Psicanálise”foramselecionadosdozeartigos,duasdissertaçõeseumatese,osquais

detinhamestritarelaçãocomaproblemáticaaserpesquisada.

Para a eleição dos sujeitos da pesquisa, a partir de uma listagem obtida no

DepartamentodePessoalInativodospoliciaismilitaresqueestãoacontardedoisanos

paraingressaremnaReserva,foiestabelecidacomunicaçãocomalgunsprofissionais.O

contato se deu via telefone e/ou diretamente, junto àqueles que participaram do

Programainstitucionaldepreparaçãoparaaaposentadoria.Nessasoportunidadesfoi

realizadooconviteparaparticiparemdapesquisa.

A coleta de dados ocorreu, inicialmente, emuma sala dentro doOratório da

PolíciaMilitar,seminterferênciasexternas.Essaunidadefoipensadahajavistasero

53

local onde ocorrem os módulos do Programa (ou seja, os participantes estão

ambientadoscomasinstalações)edadoquesuamovimentaçãoocorredeacordocom

agendamentospréviosrealizadospelaDiretoriaresponsável.OOratóriositua-senaRua

BenjaminConstant,s/n,Petrópolis(dentrodoComplexodoComandoGeral).

Nosmomentosemqueareferidasalanãoestevedisponível,acoletaocorreu

nas dependências da Policlínica da Polícia Militar, também livre de ingerências. A

Policlínicaéumespaçodeconhecimentodetodosospoliciaismilitares,representando

a unidade responsável pelo acompanhamento da saúde do servidor. Esse setor é

igualmentesituadonoCompletodoComandoGeral.

Nos dias previstos para a coleta dos dados, inicialmente se procedeu a uma

reapresentação mútua entrevistador-entrevistado, objetivando estabelecimento do

rapport,seguidadaapresentaçãodoTermodeConsentimentoLivreeEsclarecido–TCLE

(videApêndice II).Nessemomento, foramexpostosdetalhadamenteosobjetivosda

pesquisa,eseassegurouosigiloeaconfidencialidadedasinformações,comoobjetivo

deseobteraconcordânciadossujeitos.

Foi realizada a entrevista semidirigida, com questões abertas. Para Turato

(2010),oatodedirigirsignificaapossibilidadededaradireção,apontarparaondea

entrevista caminhará. Ressalte-seque a direçãopode ser dada alternadamentepelo

entrevistadoremalgunsmomentos,mascomumaflexibilidadequepermitatambém

aoentrevistadoassumiro comando. Issoocorre segundoumaordem livrede temas

particulares que o informante vai associando ao assunto geral proposto pelo

pesquisador.Asentrevistasforamgravadasetranscritasliteralmente.

No caso do procedimento de Desenhos-Estória com Tema, um aspecto

fundamentaldaaplicaçãorefere-seàestruturaçãodatarefasolicitadaaoexaminando.

EssedeveestarcientedoqueseesperadelenoD-EcomTema,bemcomodasrazões

pelas quais a aplicação é realizada. Os esclarecimentos foram oportunizados no

momentodoestabelecimentodorapporteapresentaçãodosobjetivosdoestudo.

Foramfornecidosaosexaminandosfolhasdepapelembranco,lápispretoeuma

caixadelápisdecorde12unidades.Foisolicitadoaomesmoquefizesseumdesenho

livre,dando-lheaseguinteconsigna:“Vocêtemesta folhaembrancoepode fazero

desenho que quiser, relacionado à Reserva.” Ao concluir o primeiro desenho o

54

examinadorsolicitouquecontasseumahistóriaassociadaaodesenho:“Você,agora,

olhandoodesenho,podeinventarumaestória,dizendooqueacontece.”

Concluídaestaetapa,passou-seaoinquérito.Aquisepodemsolicitarquaisquer

esclarecimentos necessários à compreensão e interpretação do material produzido

tantonodesenhoquantonaestória.Apósaconclusãodaestória,eaindacomodesenho

diantedosujeito,foipedidoaesteotítulodaprodução.

O examinador tomou nota detalhada da estória, verbalizações do sujeito,

perguntas e respostas da fase de inquérito, título, bem como de todas as reações

expressivasdeste.

Pretendeu-seconseguirumasériecomcincounidadesdeprodução.Assimque

concluída a primeira unidade, foram repetidos os mesmos procedimentos para as

demaisunidades.

Para o momento de coleta de dados, foi solicitado aos participantes que se

apresentassemàpaisana,semuniformesouinsígnias,natentativadenãoreproduzir

duranteessemomentoasrelaçõesdedisciplinaehierarquiapertinentesaouniverso

institucional. Nesse sentido, objetivou-se também uma aproximação maior entre

pesquisadorepesquisado.Entretanto,issonemsemprefoipossível.

Comoobjetivodepreparodapesquisadoraparaaconcretizaçãodaentradaem

campo, e visando avaliar a adequação dos instrumentos de pesquisa escolhidos,

procedeu-seàrealizaçãodeentrevistas-piloto.Nessaperspectivaforamabordadosdois

sujeitos,tendo-seseguidoosprotocoloselencados.Diantedoretornofavoráveldesse

processo,asentrevistas-pilotoforamincorporadasaomaterialqueseguiuparaanálise

dosdados.

Umadaspreocupaçõesdapesquisadora,emespecialporfazerpartedoquadro

deOficiaisdaprópria instituição,éadequenãohouvesse interferênciasdiversasou

atravessamentosnapesquisadetemoreseansiedadesrelativasàsvivênciaserelações

depoderdentrodainstituição,deformaqueseminimizassemimpactosnessesentido

nacoletadedados.

Contudo,aindaquetivessesidosolicitadoaosparticipantesquecomparecessem

emtrajescivis,emesmoqueapesquisadoraseapresentassenacondiçãodeestudante,

reconhece-sequecertas limitaçõesforaminevitáveis,vistoqueacoletadedadosfoi

realizadanasdependênciasdaprópriainstituição.

55

MuitosdosservidoresobedecemfirmementeaodispostonoEstatuto.Eleprevê

adedicaçãointegraleafidelidadedopolicialmilitaràinstituição.Issodemonstracomo

muitasvezesaculturainstitucionalfaz-seimpregnadanarotinadopolicialmilitar,até

mesmoemseusmomentosdefolga.Esseaspectosefezpresenteduranteacoletade

dados, nas formas de tratamento, no uso do fardamento – para aqueles que não o

dispensaram–,dentreoutros.

No que diz respeito à anuência institucional, formalizada e devidamente

assinada,estaconstanoAnexoI,sinalizandopormeiodosresponsáveispelainstituição

apermissãoparaquefosserealizadaapesquisaequeacoletadedadospudesseocorrer

conformemencionado.

Oconjuntodeinformaçõescoletadas,sejaementrevistasemiestruturada,seja

a partir da técnica de Desenhos-Estória, constituiu o corpus de análise da presente

pesquisa, o qual foi submetido ao tratamento interpretativo. O corpus da pesquisa,

segundoSouza(2014),sedefinenopróprioprocessodedescriçãoeanálise,sendoeste

escolhidoàmedidaqueaanáliseacontece.

D)Procedimentoparaaanálisedosdados

Os dados coletados nas entrevistas foram analisados segundo o método da

AnálisedoDiscursodematrizfrancesa(AD).Aestruturadeanáliseseguiuapropostade

Souza(2014),aqualpropõedoismomentosdistintosecomplementaresdestafase:a

análiseemsieaescritadaanálise.Paraoautor,aanáliseemsienvolveacircunscrição

do conceito-análise e a escolha, interpretação, e análise do corpus por meio de

perguntas heurísticas. O segundo momento, de escrita da análise, consiste na

formataçãodorelatodeanáliseparaadivulgação.Éatextualizaçãodoqueoanalista

fezeencontrou.

Asperguntasheurísticassemostramcomoasnorteadorasparaauxiliaroanalista

aevidenciarossentidospresentesnostextos.Sãoelas:

1.Qualéoconceito-análisepresentenotexto?

2.Comootextoconstróioconceito-análise?

3.Aquediscursopertenceoconceito-análiseconstruídodaformaqueotextoconstrói?

56

Aconstruçãodoconceito-análisepodesedardeduasformas,segundooautor:

peladefiniçãodointeressedoanalista(conceito-análiseapriori)oupelosurgimentodo

mesmoduranteopróprioprocessodeanálise(conceito-análiseaposteriori).

Osconceitos-análisedestetrabalhoforamdefinidosapriori,convergindoparao

alcance dos objetivos elencados, são eles: os vínculos que os policiais militares

estabelecemcomotrabalho,asimplicaçõesdestesnomomentodepassagemparaa

reserva,osmecanismosdedefesaqueessesprofissionaisfazemusoduranteestaetapa

de transição, eos reflexosquea vivênciadapassagempara a reserva tem sobreos

processosidentificatóriosdopolicialmilitar.

SeguindoapropostadeSouza(2014),numapróximaetapa,foramidentificadas

as marcas textuais (distinguidas aqui como “recortes textuais”) que permitiram a

construçãodesentidoparaoconceito-análiseproposto,respondendo,assim,àsegunda

pergunta heurística: “Como o conceito-análise está sendo construído?”. Depois de

verificar a recorrência dessasmarcas, seguiu-se para a terceira pergunta heurística:

“Quediscursosustentaessesentido?”,objetivandorelacionarosentidoconstruídoàs

formaçõesdiscursivaseideológicas.

DeacordocomSouza(2014)ainda,paraquesepossafazeraanálisedediscurso,

énecessárioconhecercomosedáoprocessodeproduçãodalinguagem.Nestesentido,

érelevanteentendercomoossentidossãoproduzidosnaenunciação.

Os sentidos originam-se a partir das Formações Ideológicas (FI), as quais são

amparadaspelaideologia.Aquelas,porsuavez,sãoresponsáveispeloassujeitamento

do indivíduo. A ideologia não é acessível diretamente, se organizando na língua em

FormaçõesDiscursivas (FDs).AsFDssãomanifestaçõesdasformações ideológicasno

discursoemumasituaçãodeenunciaçãoespecífica(SOUZA,2014).

Sãoasformaçõesdiscursivasquevãodeterminaraquiloqueépossívelserditoe

aquilo que fica fora, caracterizando o processo discursivo. Uma vez determinado o

enunciadopossível,osujeitoenuncia,produzindoumtextoquesetornaasuperfície

linguísticadodiscurso,apartevisíveldalinguagem.Emumprocessoinconscienteda

produçãodesentidosnalinguagem,osujeitotemaimpressãodequeotextonasceno

momento exato da enunciação, porém os sentidos já existem no interdiscurso,

esperandoparaserconvocadosnaFI(SOUZA,2014).

57

Aoanalistacabefazerocaminhoinverso.SegundoOrlandi(2015),aanáliseda

textualizaçãoguia-sepelas seguintesetapas:numprimeiromomento,oanalista,em

contatocomotexto,procuravernelesuadiscursividadee,incidindoumprimeirolance

deanálise,–denaturezalinguísticoenunciativa–constróiumobjetodiscursivo.Nessa

etapa,éfundamentalotrabalhocomasparáfrases,sinonímia,relaçãododizerenão-

dizeretc.

Napróximafase,apartirdoobjetodiscursivo,oanalistavaiembuscadeuma

análisequeprocurarelacionarasformaçõesdiscursivasdistintas–quepodemter-se

delineado no jogo de sentidos, observado pela análise do processo de significação

(paráfrase, sinonímia, etc.) – com a formação ideológica que rege essas relações

(ORLANDI,2015).

Assim, o analista consegue atingir a constituição dos processos discursivos

responsáveispelosefeitosdesentidosproduzidosnaquelematerialsimbólico,decuja

formulaçãooanalistapartiu(ORLANDI,2015).

A Análise do Discurso trabalha com maneiras de significar, considerando a

produçãodesentidosenquantopartedavidadosujeito.PormeiodaAD,procura-se

conhecer melhor aquilo que faz do homem um ser especial em sua capacidade de

significaresignificar-se(ORLANDI,2015).

Pretende-se valorizar nesta pesquisa a experiência dos militares em suas

singularidadeseemfunçãodesuasmotivaçõesinconscientes,conformepropõeateoria

psicanalítica, indo ao encontro do que é preconizado pelo método de análise do

discurso.Épormeiodoconstanteirevirdoobjetodeanáliseparaateoria,apartirdos

movimentosdedescriçãoeinterpretação,queoanalistateceasintricadasrelaçõesdo

discurso,dalíngua,dosujeito,dossentidos,articulandoideologiaeinconsciente.

NoquedizrespeitoaoProcedimentodeDesenhos-EstóriascomTema,estetem

sua fundamentação baseada nas teorias e práticas da Psicanálise, das Técnicas

Projetivasedaentrevistaclínica.Trinca(1997)propõeumreferencialdeanálisedosD-

E composto por dez áreas ou categorias, que comportam aspectos ou itens, como

seguem:

I–Atitudebásica:emrelaçãoasipróprioeemrelaçãoaomundo;

58

II – Figuras significativas: figura materna, figura paterna, relacionamento

entreasfigurasparentais,reaçõesdosujeitoparacomasfigurasparentais,

figurasfraternaseoutras;

III – Sentimentos expressivos: tristeza, alegria, culpa, solidão, abandono,

raiva,etc.;

IV – Tendências e desejos: desejos de livrar-se de danificações físicas ou

psíquicas, de sanar carência afetiva, necessidades de proteção, inclusão,

afiliação,hostilidade,domínio,etc.;

V–Impulsos:amorososoudestrutivos;

VI–Ansiedades:paranoidesoudepressivas;

VII – Mecanismos de defesa: cisão, negação, repressão, regressão,

racionalização,etc.;

VIII–Sintomasexpressivos:hipercinesias,ideiasdelirantesetc.;

IX–Simbolismosapresentados:símbolosdereligião,folclore,mitos,etc.;

X–Outrasáreasdaexperiência(p117).

AanálisedosD-Eseguiuoesquemaproposto,focalizando-seprincipalmentena

identificaçãodosmecanismosdedefesapresentesnasproduçõesdosexaminandose

osprocessosidentificatóriossubjacentes(relaçãocomasfigurassignificativas).

3.4CONSIDERAÇÕESACERCADOMÉTODODAANÁLISEDEDISCURSOFRANCESA

A disciplina ou área de conhecimento da Análise do Discurso (AD) teve sua

origemnaFrança,nadécadade1960, tendocomoseuprincipal fundadoro filósofo

MichelPêcheux.OprojetodaADsurgiuapartirdoencontrodealgumasáreasdosaber:

apsicanálise,omaterialismohistóricoe,fundamentalmente,alinguística.

Pormeiodaarticulaçãodosconceitosdelíngua,sujeito,discursoeideologia,a

AD se posiciona criticamente por uma não-neutralidade da linguagem e assume a

importânciacentraldodiscursonavidasocial.Nessesentido,estadisciplinareconhece

queacompreensãodomundopelossujeitossedádemaneirahistóricaeculturalmente

relativa,tendoosprocessossociaispapeldeterminantenesteaspecto(GILL,2002).

AADseinscrevenoespaçolinguísticoporcaminharnoterrenodalinguagem.

Entretanto, a Análise do Discurso fundada por Pêcheux exigiu uma ruptura

epistemológicaaodemandarodeslocamentodanoçãode línguaparaadediscurso,

ondeintervêmquestõesteóricasrelativasàideologiaeaosujeito(MUSSALIM,2012).O

funcionamentodalinguagemfazsentidoquandoemrelaçãocomossujeitosecomos

sentidosproduzidos,osquaissãoafetadospelalínguaepelahistória.Éestadinâmica

queproporcionaráosurgimentodossujeitosedaproduçãodesentidos.

59

A influênciaexercidapelaPsicanálise inscreve-senasuaconcepçãodesujeito

proposta, a qual, a partir da descoberta do inconsciente, rejeita a noção de sujeito

unificado e coerente. Na abordagem lacaniana, a AD encontra subsídios para a

compreensãodasubjetividade,porentenderqueoinconscienteseestruturacomouma

linguagem,comocadeiadesignificanteslatentesqueserepeteeinterferenodiscurso

efetivo(MUSSALIM,2012).

EmsetratandodoMarxismo,aanálisedodiscursonãosóretomaaideiadeque

ahistóriaémovidapela lutadeclassescomotambémincorporaasuaconcepçãode

ideologia,partindodopressupostodequeas ideologiassãoumconjuntodepráticas

materiaisquereproduzemasrelaçõesdeproduçãoequetrazemimplicaçõesdiretas

paraosujeito(MUSSALIM,2012).

Noentanto,Orlandi(2015)apontaparaumareflexãomuitoimportanteacerca

doarcabouçoteóricodaAD,dizaautora:

SeaADéherdeiradastrêsregiõesdeconhecimento–Psicanálise,Linguística

eMarxismo–nãooédemodoserviletrabalhaumanoção–adediscurso–

quenãosereduzaoobjetodalinguística,nemsedeixaabsorverpelateoria

marxistaetampoucocorrespondeaoqueteorizaaPsicanálise.AADinterroga

a Linguística pela historicidade que ela deixa de lado, questiona o

MaterialismopelosimbólicoesedemarcadaPsicanálisepelomodocomo,

considerando a historicidade, trabalha a ideologia como materialmente

relacionadaaoinconscientesemserabsorvidaporele(p.18).

Comoimplicaçãocríticadaanálisedodiscursonobojodestasáreasdosaber,

concebe-seumsujeitoque,segundoPêcheuxocupaumlugarnasociedade,masnãoé

livreparadizeroquequer,enemtemaconsciênciadisso.Aocontrário,o sujeitoé

levadoaocuparseulugaremdeterminadaformaçãosocialeaenunciar2oquelheé

possível,apartirdolugarqueocupa(MUSSALIM,2012).

O discurso, segundo Orlandi (2015), é estudado relacionando o indivíduo

inseridonasuahistória,umavezque,

consideraosprocessoseascondiçõesdeproduçãodalinguagem,pelaanálise

darelaçãoestabelecidapelalínguacomossujeitosqueafalameassituações

emqueseproduzodizer.Dessemodo,paraencontrarasregularidadesda

2Trabalhandocomaconcepçãofoucaultianadeenunciado,aADcompreendeessecomosendomais

queumaformaçãolinguística,interessando-lheasregrasqueregulamaproduçãodeenunciadoseos

limitesdoquepodeserexpresso.

60

linguagememsuaprodução,oanalistadodiscursorelacionaalinguagemà

suaexterioridade(p.14).

Nessaacepção,tem-seumsujeitoqueacabapornãodecidiroquefazsentido

paraele,surgindoentãoanoçãodesteenquantorepresentantedasideologiasdomeio

socialnoqualestáinseridoenãooseuprópriopensamento.

Umavezqueoconceitodeideologiaévariado,abriganoçõesmuitodiversasa

partirdematrizesdesentidosdeterminadas.Naanálisedediscursofrancesa,Pêcheux

seapropriadoconceitoalthusserianoparapensara ideologiaemsua relaçãocoma

linguagem,masvaialém.SegundoAlthusser(1974):aideologiaébemumsistemade

representações:masestasrepresentaçõesnãotêm,namaiorpartedotempo,nadaa

vercoma“consciência”:elassãonamaiorpartedasvezesimagens,àsvezesconceitos,

maséantesdetudocomoestruturasqueelasseimpõemàmaioriadoshomens,sem

passarporsuasconsciências.

Para o autor, não há sujeito sem linguagem nem há linguagem sem sujeito.

Portanto,nãohásujeitosemideologia.Destaforma,odiscursoseráarelaçãodalíngua

comaideologia,determinandoosujeitoeossentidos(SOUZA,2014).

Naperspectivadiscursiva,MichelPêcheuxassinalaqueodiscursoémaisdoque

transmissãodeinformação,significaefeitodesentidoentrelocutores.Háefeitosque

resultam da relação de sujeitos simbólicos que participam do discurso, dentro de

circunstânciasdadas(ORLANDIeLAGAZZI-RODRIGUES,2006).Daíarazãoparaafirmar

quenãosepodedeixarderelacionarodiscursocomsuascondiçõesdeprodução.

Michel Foucault foi um filósofo que exerceu grande influência na obra de

Pêcheux.Paraaqueleautor,discursos sãopráticasdepensamento.Seus conceitose

mecanismosacercadofuncionamentododiscursoestãoinscritosnoedifícioteóricoda

análisedediscurso francesa,atravessando tambémas concepçõesmetodológicasda

disciplina.

Dentro do conceito de discurso, existe ainda o entendimento acerca das

formaçõesdiscursivas(FD).EssanoçãoédefinidaporFoucaultcomo“umconjuntode

regrasanônimas,históricas,sempredeterminadasnotempoenoespaçoquedefiniram

emumaépocadada,eparaumaáreasocial,econômica,geográficaoulinguísticadada,

ascondiçõesdeexercíciodafunçãoenunciativa”(FOUCAULT,1969apudMUSSALIM,

2012).

61

Ditodeoutramaneira,aFDassinalaaquiloquepodee/oudeveserditoapartir

deumdeterminadolugardefinidosocialmente.UmaFD,segundoMussalim(2012),é

marcada por regularidades, ou seja, por regras de formação, concebidas como

mecanismosdecontrole(internoseexterno),queirãodeterminaraquiloquepertence

ounãoaumaformaçãodiscursiva.

Nesseâmbito,háumatravessamentodediscursosqueprocedemdeoutrolugar.

Assim,umaFDpassaaservistacomoumsistemadeparáfrases,comoumespaçoonde

osenunciados3sãoretomadosereformuladossemprenumesforçodefechamentode

seuslimiteseembuscadamanutençãodasuaidentidade(SOUZA,2014).

Essecenáriocaracterizaoobjetodetrabalhodaanálisedodiscurso.Opapeldo

analistadodiscursosemostrapormeiodaexplicitaçãodosprocessosdesignificaçãode

um texto. Isso se dá pela compreensão dos sentidos produzidos pelo texto e pela

demonstraçãododiscursomedianteseusmecanismosdefuncionamento.

DeacordocomOrlandi(2015),naAnálisedeDiscurso,procura-secompreender

alínguafazendosentido,enquantotrabalhosimbólico,partedotrabalhosocialgeral,

constitutivodohomemedasuahistória.Assimsendo,aanálisevaiparaalémdotexto

propriamente dito, visando à compreensão da produção de sentidos de um objeto

simbólicoeexplicitandoasuasignificânciaparaepelossujeitos.

SegundoSouza(2006),oanalistadodiscursoprecisatrabalharcomapresença

do interdiscurso, fazeraanálisedamemóriadiscursivapresentenasconstelaçõesde

enunciadosque,movimentando-seentreasformaçõesdiscursivas,reconfiguramsuas

fronteiraseconstituemmonumentostextuaisdasformaçõeseordenssociaisemseus

diversostemposhistóricos.

A noção de interdiscurso, introduzida por Foucault, atenta para uma

heterogeneidadequeconstituiosdiscursos.Ouseja,osujeitoseconstituipormeiodo

discursodosoutros,caracterizadoporumsaberprévio,quefalaantesemoutrolugare

de forma independente. É a memória discursiva o espaço ideológico onde se

desenvolvem as formações discursivas em função das relações de dominação,

subordinaçãoecontradição(SOUZA,2006).

3Aquiloqueserepetenasenunciações,namedidaemque,dealgumaforma,umdiscursoconstróiuma

espéciede“mesmo”quepossaserconstantementeretomado.

62

Entende-secomofundamentalanoçãodeInterdiscursoparaacompreensãodo

discurso.O fatodehaverumsaberanterior, já-dito,daráembasamentoparatodoo

dizer do sujeito. Essa percepção vai facilitar o entendimento do analista quanto à

estreitarelaçãoexistenteentresujeito,discursoeideologia.

Orlandi(2015)entendequeodizertemavercomascondiçõesemqueseproduz

e,comooutrossaberes,-odizertemasuahistória.Aproduçãododiscursosemostrará

naarticulaçãoconstantedeumprocessoparafrástico–oqualpermiteaproduçãodo

mesmosentidosobváriasdassuasformas,eoprocessopolissêmico–responsávelpelo

fatodeseremsemprepossíveisnovosemúltiplossentidos.

As formações discursivas envolvem um conjunto demarcas textuais que lhe

caracterizam.ParaOrlandi(2015),aoolharumtexto,oanalistadodiscursodefronta-se

com a necessidade de reconhecer, em sua materialidade discursiva, os indícios

(vestígios,pistas)dosprocessosdesignificaçãoaíinscritos.Elepartedessesindícios.

Essa noção de discurso com a qual a AD trabalha acolhe o jogo entre o

estabilizado e o sujeito a equívoco. Esse cenário caracteriza-se por um espaço de

deslimites e de indistinções, convivendo com um movimento indeciso das

interpretações.Nessaperspectiva,ossentidoseossujeitosseconstituememprocessos

emquehátransferências, jogossimbólicosdosquaisnãosedetémocontroleenos

quais o equívoco, ou seja a ideologia e o inconsciente, está largamente presente

(ORLANDI,1998).

No que se refere ao lugar da interpretação, para a AD todo enunciado é

intrinsecamentesuscetíveldetornar-seoutro.Podederivaretornar-seoutro,diferente

desimesmo,deslocando-sediscursivamentedeseusentidoparaoutro.Énasderivas

que o sujeito desloca sentidos já estabelecidos e postos e dá lugar à interpretação

(PÊCHEUX,1990).

Segundo o autor, todo enunciado, toda sequência de enunciados, é, pois,

linguisticamentedescritívelcomoumasériedepontosdederivapossíveis,oferecendo

lugarà interpretação.Aderivapodeserentendidacomoumaproduçãoapartirdos

efeitosmetafóricosda transferência,odeslizamentodosentidooutronasdiferentes

posições do sujeito. O analista do discurso vai incidir seu olhar sobre esse espaço

(PÊCHEUX,1990).

63

SegundoOrlandi(2015),parasepensaraanálisedediscurso,umdosprimeiros

aspectosase levaremconsideraçãoéaconstituiçãodocorpus,queseguirácritérios

teóricos. A construção do corpus e a análise estão intimamente ligadas, posto que

decidiroquefazercomocorpusjáédecidiracercadepropriedadesdiscursivas.Paraa

autora,naatualidadeamelhormaneiradeatenderàquestãodaconstituiçãodocorpus

éconstruirmontagensdiscursivasqueobedeçamacritériosquedecorremdeprincípios

teóricosdaanálisedediscurso,faceaosobjetivosdaanálise,equepermitamchegarà

suacompreensão.

Vale ressaltar que sempre se fará necessário considerar a importância de

compreender as condições de produção dos discursos a partir da possibilidade de

interpretar em condições específicas. Esta compreensão requer do analista um

confrontoconstantecomomaterial,interpelando-sesobreossentidosquesedãocomo

evidência. Este movimento requer, necessariamente, que se compreendam as

condiçõesemqueelesseproduziram.

3.5CUIDADOSÉTICOS

Visandogarantiraprobidadeeocaráteréticodapesquisa,corroborandocomo

dispostonaResoluçãonº466/12,aqualdiscorresobrearealizaçãodepesquisasque

envolvem sereshumanos, foi asseguradoousodoTermodeConsentimento Livre e

Esclarecidoparatodoopolicialmilitarqueassentiuemparticipardoestudo(CONSELHO

NACIONALDESAÚDE,2012).

Conforme a normativa, a participação se deu exclusivamente em caráter

voluntário, livre de vícios (simulação, fraude ou erro), bem como de relações de

dependência,subordinaçãoouintimidação(CONSELHONACIONALDESAÚDE,2012).

Por vezes a aposentadoria pode ser entendida como um momento de

vulnerabilidade.Nestecaso,se,dealgumamaneira,qualquerdosparticipantestivesse

sesentidotocadooumobilizadoporalgumaspectodaentrevista,ouduranteaprática

datécnicacomplementar,foiabordadosobreapossibilidadedeencaminhamentoao

próprio serviço de Psicologia da PMAM,ououtro serviço de referência (conformeo

caso)garantindo-seplenaassistênciaaoparticipantedapesquisa.Entretanto,nenhum

dosparticipantesdemandouessaprovidência.

64

OprotocolodoestudofoiaprovadopeloComitêdeÉticaemPesquisa(CEP)da

UniversidadeFederaldoAmazonas(UFAM)em21deoutubrode2015,soboregistro

CAAEn.º50061415.0.0000.5020,intituladoENLACESEDESENLACESIDENTIFICATÓRIOS

DOPOLICIALMILITAREMPROCESSODERESERVA(ApêndiceII).

4DISCUSSÃOEANÁLISEDOSRESULTADOS

4.1CONTEXTUALIZAÇÃO

Faz-senecessárioapresentaralgumasconsideraçõespertinentesaométododa

AnálisedoDiscurso–ADantesdeiniciaraexposiçãodasfalasdossujeitosqueembasam

asdiscussõeseinterpretaçõesconsideradasparaestecontexto.

DeacordocomapropostasugeridaporSouza(2014),observou-seaformacomo

osconceitos-análiseelencadosserelacionaramcomaquestãodaaposentadoria.Esse

processo foi fundamentalparaoentendimentodossentidosconstruídosapartirdas

produçõesdossujeitos,bemcomodascondiçõesdeproduçãodessediscurso.

Nessesentido,argumenta-sequeparapensaropolicialmilitarquecaminhaem

direção à reserva, a apresentação deste profissional enquanto servidor da ativa é

extremamente pertinente. Somente após pensar a representação deste trabalhador

enquantosujeitopertencenteàativa,produtoeprodutordesentidosnestecenário,é

que a caracterização de seu processo de transição para aposentadoria se mostra

possível.

Apartirdestaproposta,surgirãodoissujeitosdodiscurso:osujeitomilitarda

ativaeosujeitomilitarqueestánareserva.Adependerdolugardeondeessesujeito

iráproduzirseudiscurso,seusdizeresirãoproduzirdiferentessentidos,bemcomosua

faladirárespeitoadoisespaçosquesãosimbolicamenteeideologicamentediferentes.

Damesmaforma,aoretrataropolicialmilitarematividadepróximoàentrada

na reserva, observou-se que a passagem para a aposentadoria repercute em um

processo adaptativo e de elaboração, o que culmina no surgimento de um discurso

marcadopelatransitoriedade,pelamaterializaçãodeumanovafasequeestáporvir.

Assimsendo,surgeumaterceiradiscursividade,queabordaamudançadestatusno

vínculoinstitucionalenaidentidadeprofissional.

65

Épormeiodadiscursividadequeseapresentaapossibilidadedeentendertanto

a visão de mundo quanto o posicionamento histórico e ideológico dos sujeitos. O

métododaAnálisedoDiscurso,aoentenderqueumaformaçãodiscursivaserásempre

compostaporum interdiscurso,operano sentidodeevidenciaradiscursividadedos

enunciadoresdesteestudo.

Aexploraçãodomaterialcoletadoapartirdapropostadométododaanálisedo

discurso levouà identificaçãode regularidades (recortes textuais),oquepossibilitou

reflexõesapartirdessesdiscursosoriginadosdelugaressociaisdeterminados,deonde

seproduziramasdiferentesformulações.

4.2DISCURSIVIDADEDAATIVA

Quadro2–QuadroAnalíticodaDiscursividadedaAtiva

Conceito-Análiseapriori

Recortestextuais Paráfrases

Vínculo

Aquele pique, dobrava serviço, saía de um ia pro outro.Tinha esse negócio não, eu lembro que tinha muitaprontidão.Queagenteaguentava,prontidãodeoitodias,dequinzedias(S6).

Praticamentenãotinhalazer,sairmuitocomosfilhos,comaesposa,foisó...trabalho,trabalho,trabalho(S2).

Agentetemqueabrirmãodemuitacoisa,paraseguiroofícioeserpolicialmilitar(S6).

Foi importanteaminha vidaem termosde, é, educação,respeito...muitobomatéhoje...educaçãoerespeito,muitoútilpramim(S4).

Passado essas missões mais positivas você adquireconhecimento, você ganha a confiança dos seussubordinados,porcomandar,vocêintegraosserviçosládolocal...ecumpresuamissão,entendeu?Aíissovocêganhacrédito, junto ao comando. Em outras situações, pramandar... “mandaalguémpraesse localaqui”, aí já tem“não, vou mandar o ciclano, que ele dá conta dorecado”(S2).

Minha vida é

meutrabalho

Sou

reconhecido a

partir do meu

trabalho

A caserna é a

minhacasa

66

Nãodeixadeserumafamília,né.Nósmilitaresconvivemoscomcertaspessoas...setornaumafamília(S5).

Agenteencontramuitaspessoasboas,companheirosbons,praticamentecomoirmãos,oucomopais(S6).

Conceito-Análiseapriori

Recortestextuais Paráfrases

Identificação

Vem de um histórico familiar, né.Meu pai eramilitar, agentereúneaí,digamos,queumcódigogenético.Meupai,meuirmão...(S1)

Me deu vontade da farda. Meu pai era cabo da políciatambém(S4).

Eumeespelheinomeuirmãomaisvelho,queeletambémerapolicialmilitar,osdoisnaverdade,maisvelhosqueeu(S6).

Aquelesonhoquetodomundotemdelimparasruas,né?Do que não presta, né? Quando a gente vai propatrulhamentoquenãopegaumaocorrência,bomdemais,né? Significa que não teve... que amaldade não tava ali(S3).

Tirar o pessoal àmargem da lei, pra ter uma sociedademelhor,né(S5).

É prestar um serviço à comunidade, à sociedade, de umserviçoassimdepraticamenteexcelência(S5).

Avontadedemelhoraravidadaspessoas(S6).

Servir. Servir as pessoas e ver que elas se sentem felizesquandoagentetomaumaatitudequeserveaelas(S4).

Queroserigual

aomeupai

Sou um super-

herói

Obrigação

social

Conceito-Análiseapriori

Recortestextuais Paráfrases

MecanismosdeDefesa

Enquantoeuestavaaquidentro,eu...aminhamentalidadeerasómesmocomando,sótrabalho,era“sim,senhor”(S2).

O militar ele é fanático, o militar, ele não vai aceitarfacilmenteirprareserva(S2).

[...]nãoseentregartotalmente.Assim,nolazertotalmente,né.Sempreprocurarseocupar[...]Porquealiouvaivirarum

Não quero me

aposentar

Não consigo

me ver na

reserva

Ficar sem o

meutrabalhoé

difícil

67

alcoólatra,né,ou,seilá,ouvaicairemdepressão.Algumacoisaassim.Temqueseocupar(S5).

Trintaanosdepolíciaquandoagenteentra,queénovo,umalunosoldadoesoldado,agentenãopensaemtrintaanos(S2).

Areservanãoé

boa

Fonte:Dadosdepesquisa,2016.

Faz-senecessárioexplicitaradescriçãoformaldoaparatodasegurançapública

edanormativaemqueseencontraopolicialmilitarnocenárioorganizacional.Esse

interessesefundamentanoprincípiodequeessecenáriosustentaolugarnoqualesse

servidorseencontra,exigindo-lherequisitospessoaiseprofissionaissignificativospara

odesempenhodocargo.

A Constituição Federal apresenta em seu capítulo III, no Art. 144, os órgãos

responsáveispelasegurançapública,osquaistêmafinalidadedepreservaraordem

públicaea incolumidadedaspessoasedopatrimônio, sendoos seguintes: apolícia

federal, a polícia rodoviária federal, a polícia ferroviária federal, as polícias civis, as

políciasmilitares e o corpo de bombeirosmilitares (BRASIL, 1988). As atribuições e

finalidadesdecadacorporaçãoestãoestabelecidasnoordenamentojurídicoconforme

aespecificidadedecadaórgão.

Segundo a Carta Magna, às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a

preservaçãodaordempública,alémde,emcasosdeguerradeclarada,serviremcomo

forças auxiliares e reservadoExército, subordinando-se, juntamente comaspolícias

civis,aosGovernadoresdosEstados,doDistritoFederaledosTerritórios(BRASIL,1988).

Alémdessanormatização,ospoliciaispertencentesaosquadrosdepessoalda

PolíciaMilitardoEstadodoAmazonassãoregidospelaLeinº1.154de09dedezembro

de1975,oEstatutodosPoliciaisMilitaresdoEstadodoAmazonas. Essedispositivo

regula a situação, obrigações, deveres, direitos e prerrogativas desses profissionais,

caracterizando-os,emseuArt.3,comoconstituintesdecategoriaespecialdeservidores

públicosestaduaisedistinguindo-osentrepoliciaismilitaresdaativaeaquelesquese

encontramnainatividade(AMAZONAS,1975).

Acarreirapolicialmilitarécaracterizadaporatividadecontinuadaeinteiramente

devotadaàsfinalidadesdapolíciamilitar,sendocalcadanospilaresdahierarquiaeda

disciplina. Ao policial militar é requerido que apresente: o sentimento de servir à

68

comunidadeestadual, traduzidopelavontade inabaláveldecumprirodeverpolicial-

militarepelo integraldevotamentoàmanutençãodeordempública,mesmocomo

riscodaprópriavida;ocivismoeocultodastradiçõeshistóricas;afénaelevadamissão

daPolíciaMilitar;oespíritodecorpo,orgulhodopolicial-militarpelaorganizaçãoonde

serve; o amor à profissão policial-militar e o entusiasmo com que é exercida; e o

aprimoramentotécnico-profissional(AMAZONAS,1975).

Essaapresentaçãotambémsefaznecessáriaparamarcarolugardeancoragem

dessesujeito,querepercutiránaproduçãodeumalinguageminstitucionalespecíficae

determinada pelas condições elencadas (formações discursivas). As condições de

produção desse discurso dizem respeito a um sujeito que dedica uma parcela

significativadesuavidaàatividadeprofissional,sendopertencenteaumadeterminada

posição na cadeira hierárquica institucional e, em razão disso, obrigado a seguir

condutasfixadaspelaideologiadacorporação.

Alegislaçãocontinuaaapresentarcondiçõesimpostaspeloexercíciodocargo,

demandandocondutasqueobservemospreceitosdaéticapolicialmilitar,como,por

exemplo:exercercomautoridade,eficiênciaeprobidadeasfunçõesquelhecouberem

emdecorrênciadocargo;cumprirefazercumprirasleis,osregulamentos,asinstruções

easordensdasautoridadescompetentes;zelarpelopreparopróprio,moral,intelectual

físico e, também, pelo dos subordinados, tendo em vista o cumprimento damissão

comum; empregar todas as suas energias em benefício do serviço; praticar a

camaradagemedesenvolverpermanentementeoespíritodecooperação.

Todosessesprincípiossãopertinentesàsobrigaçõesedeveresqueumservidor

militardaativadeveapresentar,osquaissãoaceitosdeformasolene,prestadospor

meiode juramento,sobpenadecometercrimeoutransgressãodadisciplinaaquele

quepraticarqualquerviolação.

Oníveldeenvolvimentodestesprofissionaiscomainstituiçãoéseladopeloque

Kaës(2014) intitulaporsinaldereconhecimento.Essesinalseriaumato,umamarca

distintiva,umaassinaturaouumsinal–nestecasoconfigurando-senarealizaçãodo

compromisso de honra e na prestação do juramento – que tem um grande valor

sintomáticoousimbólicoparaosujeito.

Esseatoservecomoregistrodaaceitaçãodaideologiadacorporaçãoporparte

dos policiais militares. Eles manifestam, desta forma, sua firme disposição no

69

cumprimentodas suasobrigações edeveres, atentandoparao eventual riscoqueo

exercíciodaprofissãopodeimporàprópriavidadotrabalhador.

Aoretrataraconstruçãohistóricadacategoriasocial ‘polícia’,emsetratando

especificamentedapolíciacivil,Minayo(2003)apontaque

[...] a educação, o treinamento, a persuasão, a mobilização de certos

sentimentossociais(éticadotrabalho,lealdadeaoscompanheiros,orgulho

da corporaçãoedo serviçoprestado) epropensõespsicológicas (buscada

identidadepormeiodotrabalho,iniciativaindividualousolidariedadesocial)

desempenhamumpapel importantenaconstituiçãodestacategoria[...] (p.

68).

A posição destinada ao policial militar da ativa demanda dele uma devoção

institucional e exige um direcionamento de suas capacidades físicas e mentais ao

serviço.Esseservidornecessariamentedeverámanterumvínculomuito fortecoma

instituição, o que trará fortes implicações para a construção de sua identidade

profissional.

Adiscursividadedossujeitosentrevistadosdemonstraclaramenteasexigências

impostas pelo trabalhopolicialmilitar, o que acabapor ocasionar umaaproximação

muitointensadestejuntoàinstituição,favorecendoaconstruçãodeumfortevínculo:

Aquele pique, dobrava serviço, saía de um ia pro outro. Tinha esse negócio não, eu

lembroquetinhamuitaprontidão.Queagenteaguentava,prontidãodeoitodias,de

quinzedias(S6).

Ofragmentodediscursoqueseseguemostraqueamanutençãodovínculovai

demandandomaisinvestimentosfísicos/psíquicosdopolicialmilitarnamedidaemque

esse profissional abre mão de compromissos pessoais e sociais para dedicar-se ao

trabalho:Praticamentenãotinhalazer,sairmuitocomosfilhos,comaesposa,foisó...

trabalho,trabalho,trabalho(S2).

Nestecontexto,aatençãodispensadaaoserviçonaformadeumdevotamento

podesercompreendidanaquiloqueKaës(2014)assinalaaofalardopoderdeexclusão

queasaliançasdetêm,paraalémdeseuvalorinclusivo.Segundooautor,aaliançatanto

unecomoexclui.Algunsafetosesatisfaçõespulsionaisdeverãoserreprimidosedevem-

seadmitirtambémalgumasrenúnciasemesmosacrifíciosconsentidos.

70

Essas restrições podem ser facilmente localizadas nos discursos dos sujeitos,

comoafirmaoentrevistado:agentetemqueabrirmãodemuitacoisa,paraseguiro

ofícioeserpolicialmilitar(S6);essafalaregistraograudeexigênciaeoconsequente

investimentoqueaquelesquealmejamsemanternaprofissãodevemapresentar.

Poroutrolado,adedicaçãotambémencontraamparonoreconhecimentosocial

einstitucional,oquesesomaaosvaloresadquiridosprofissionalmente,emvirtudedo

aperfeiçoamentodoofício,conformeseobservanosdiscursosaseguir:foiimportante

aminhavidaemtermosde,é,educação,respeito...muitobomatéhoje...educaçãoe

respeito,muitoútilpramim (S4).Passadoessasmissõesmaispositivasvocêadquire

conhecimento, você ganha a confiança dos seus subordinados, por comandar, você

integraos serviços lá do local... e cumpre suamissão, entendeu?Aí isso vocêganha

crédito,juntoaocomando.Emoutrassituações,pramandar...“mandaalguémpraesse

localaqui”,aíjátem“não,voumandarociclano,queeledácontadorecado”(S2).

Evidencia-se,assim,asgratificaçõesqueesseprofissionalvaiexperimentandoa

partir do lugar que ele pertence institucionalmente. Ressalta-se, sobretudo, a

importância que o vínculo tem no processo de subjetivação, conforme aponta Kaës

(2011):

asalianças inconscientessãoabaseeocimentodarealidadepsíquicaque

nosligaunsaosoutros,formamamatériadarealidadepsíquicaprópriaaum

vínculo intersubjetivo: um casal, uma família, um grupo, um conjunto

institucional.Asalianças inconscientessãoeficazesemoutronível:sãoum

dosmodos de produção do inconsciente recalcado e do inconsciente não

recalcadoexigidoparafazerpartedovínculo(p.221).

Oquesepodeperceberéque,nocasodosmilitaresentrevistados,osvalores

institucionaispassamaserintegradosnaformadeumambienteestruturanteparaesses

sujeitos,constituindo-secomoumfortesistemapsíquicodereferência.Namedidaem

queessemilitarsemostramaisassociadoaesseconjuntodeelementos,osefeitosdessa

aliançasemanifestarãonaformaçãodoprópriosujeitodoinconsciente.

Essevínculorepercutenosprocessospelosquaisosujeitopodesepensarese

dizercomoumEu.Produz-se,assim,apartirdaidentificaçãodoseulugaredasposições

assumidasporessasalianças,oreconhecimentoqueessasformaçõespsíquicastêmno

processodesubjetivação.

71

Para esses militares, as referências institucionais medeiam não apenas as

relações laborais,mas encontram-se alicerçadas nos laços emocionais que o sujeito

estabelece com a família e demais relações pessoais. Por conta da profissão, esse

servidorassumedeterminadospapéisnoimaginárioindividualesocial,passandoaser

reconhecido socialmente e, institucionalmente, conforme ascende na carreira e

mantémrelaçõesdehierarquiacomseussubordinados.

Essaquestãoéclaramenteobservadanosdiscursosdossujeitos:Nãodeixade

serumafamília,né.Nósmilitaresconvivemoscomcertaspessoas...setornaumafamília

(S5).Observa-se,assim,oefeitoqueasparticularidadesdasvivênciasnacarreirapolicial

militartrazemparaavidadessessujeitos.

Para Kaës (2014), os sujeitos de uma relação tambémpodemesperar dessas

aliançasoutrasespéciesdecontrapartidasedebenefícios:

acontinuidadedesuarelaçãoeasegurançaquesevinculaaisso,algumas

realizaçõespessoaisquenãopodemseralcançadassenãodentrodarelação

pormeiodaaliança,porexemplo,uminvestimentonarcísicorecíproco,uma

relaçãoamorosabastanteestável,umaproteçãocontraperigos– reaisou

fantasiados-,umgozoquenãopodeseradquiridoanãoseratravésdeum

acordoinconscientecomooutro(p.14).

Nesse contexto, observa-se que, para os sujeitos entrevistados, de forma

inconsciente o trabalho assume uma característica protetiva muito importante. A

atividade laborativa representa não apenas a prevenção contra a possibilidade de

desenvolvervícios,masconstitui-secomosímbolodevirtude,contribuindoparaque

esses sujeitos reforcemuma imagemdehonradez emoralidade. Evidencia-se, desta

forma,aimportânciadotrabalhocomofatordeequilíbrioparaessessujeitos.

Aexpectativageradapelasaliançasocorreporqueainstituiçãoéolugardeuma

duplarelação:dosujeitocomainstituiçãoedeumconjuntodesujeitosligadospelae

nainstituição(KAËSetal,1991).Paraospoliciaismilitares,quedestinamumagrande

parceladeseutempoàvidalaboral,esseslaçossãoestreitados,nutrindo-sejuntoaos

companheirosdefardaumvínculodefamiliaridade.Issopodeserobservadonodiscurso

dos entrevistados:Não deixa de ser uma família, né. Nósmilitares convivemos com

certas pessoas... se torna uma família (S5). A gente encontra muitas pessoas boas,

companheirosbons,praticamentecomoirmãos,oucomopais(S6).

72

Freud(1921)tambémabordaessaquestãoemPsicologiadasMassaseaAnálise

doEgoaotratarsobreosgruposartificiaisdaIgrejaedoExército.Oautorapontaque

nessesdoisgruposcadaindivíduoestáligadoaooutroporlaçoslibidinaisporumlado

aolídereporoutroaosdemaismembrosdogrupo.

Odesenvolvimentoderelaçõesdecamaradagem,apresentadocomorequisito

éticonoEstatutodosPoliciaisMilitares,pode serentendidoapartirdoqueoautor

sugereaotratardasrelaçõesestabelecidasentreosmembrosdessegrupo.Aexpressão

afetivaqueossoldadosdevemapresentarunscomosoutrossurgecomofrutodoamor

dispensadopelocomandanteparacomestes(FREUD,1921).

Nesse contexto, entram em cena aspectos concernentes aos processos de

identificação,operadorpsíquiconecessárioparaamanutençãodovínculo.Emseutexto

quetrataespecificamentesobreesteassunto,Freud(1921)afirmaqueo laçomútuo

existenteentreosmembrosdeumgrupoédanaturezadaidentificaçãoparcial,aqual

surgeapartir dapercepçãodeumaqualidade comumpartilhada comalgumaoutra

pessoa(quenãosejaobjetodeinstintosexual).

Pode-se observar, no fio dos discursos, que os sujeitos entrevistados

estabelecemumaidentificaçãocomafigurahonradadeumhomemdafamília(paiou

irmãomais velho, geralmente). Essa figura tevepapel importantena suavidae cuja

trajetória,portanto,deveserassimilada:Vemdeumhistóricofamiliar,né.Meupaiera

militar,agentereúneaí,digamos,queumcódigogenético.Meupai,meuirmão...(S1)

Medeuvontadedafarda.Meupaieracabodapolíciatambém(S4).Eumeespelheino

meu irmãomaisvelho,queele tambémerapolicialmilitar,osdoisnaverdade,mais

velhosqueeu(S6).

Alémdisso,ilustrou-senasentrevistasaideiadequeooperadordasegurança

públicaseaproximariaàimagemdeumindivíduodotadodepoderesextraordinários,

semelhantes ao de um super-homem. A ele competiria a missão de defender a

sociedadeelivrá-ladetodoomal.Essarepresentaçãotemdiversasnuancesesedestaca

nasmarcastextuaisqueseseguem:Aquelesonhoquetodomundotemde limparas

ruas,né?Doquenãopresta,né?Quandoagentevaipropatrulhamentoquenãopega

umaocorrência,bomdemais,né?Significaquenãoteve...queamaldadenãotavaali

(S3).Tiraropessoalàmargemdalei,praterumasociedademelhor,né(S5).

73

Sobreaidentificaçãoparcial,Kaës(2014)apontaqueossujeitosseidentificam

entresiporumtraçocomum,ouseja,porumempréstimomútuodeumtraçodiferente,

mascapazdeterumvalordeprazeremseusrespectivosespaçospsíquicos.

Constatam-se,nocasodossujeitosentrevistados,queospilaresinstitucionaisda

hierarquiaedadisciplina,bemcomoospreceitosdaéticapolicialmilitar, são traços

absorvidos pelos profissionais, configurando-se como aspectos importantes na sua

constituiçãoidentitária.

Osentimentodeserviràcomunidade,odevotamentointegralamanutençãoda

ordempúblicaeavontadeinabaláveldecumprirodeverforammarcasfrequentesnos

discursos dos profissionais: É prestar um serviço à comunidade, à sociedade, de um

serviçoassimdepraticamenteexcelência(S5).Avontadedemelhoraravidadaspessoas

(S6).Servir.Serviraspessoaseverqueelassesentemfelizesquandoagentetomauma

atitudequeserveaelas(S4).

Aorefletirarespeitodolugarqueseinscreveainstituiçãonarealidadepsíquica,

Kaësetal(1991)assinalaqueainstituiçãoestruturaossujeitosequecomelaelecontrai

relaçõesquesustentamasua identidade.Deacordocomoautor,as instituiçõessão

criadoras de normas particulares e de sistemas de referência que servem como lei

organizadora,tantodavidafísicaquantodavidamentalesocialdosindivíduosquedela

participam.

Aconstituiçãodesseaparatoorganizaráespaçospsíquicoscomuns,queencontra

comoseucorrespondenteinternoumdoscomponentesdoinconsciente.Freud,apartir

deduasdesuasobras,TotemeTabu(1914)ePsicologiadasMassaseaAnálisedoEgo

(1921), vai sustentar a tese de que o inconsciente é, em parte, constituído pela

transmissãodasformaçõesedosprocessospsíquicos,geraçãoapósgeração(KAËSetal,

1991).

Observa-se, então, que a realidade desses profissionais é ancorada no forte

vínculo que estabelecem junto à instituição, com vistas a atender a todas as suas

exigênciasedeterminações,sendobalizadaporumaimagemdehomemtrabalhador,

viril, responsável pela manutenção da ordem e da segurança da população. Essa

representaçãoémuitasvezesintensificadapelaimagopaterna,nafiguradeumirmão

oudoprópriopai,exemplodeautoridadedomésticaesocial.

74

Esse cenário é reforçado constantemente, no desempenho das escalas e no

cotidianodaatividade.Apróprialegislaçãoapontaparaoempregodetodasasenergias

dosujeitoembenefíciodoserviço.Assimsendo,imaginar-seafastadodessarealidade

podeconfigurar-seemumprocessoárduoparaopolicialmilitardaativa.

Nessesentido,areservaremuneradanãosóéumarealidadedistanteparaesse

profissional como também impensada, como bem representa o discurso do

entrevistado:Enquantoeuestavaaquidentro,eu...aminhamentalidadeerasómesmo

comando,sótrabalho,era“sim,senhor”(S2).

Ao analisar a normativa institucional, é possível explicitar os sentidos e os

significadosquesãoatribuídosàReservaRemunerada.Acaracterizaçãodessacategoria,

segundoo Estatuto do PolicialMilitar, é entendida como “inatividade”, distinguindo

aquelesquepertencemàreservadacorporaçãoepercebemremuneraçãodoEstado,

porém, sujeitos, ainda, à prestação de serviço na ativa, mediante convocação

(AMAZONAS,1975).

Emoutrotrecho,areferidalegislaçãomencionaqueaquelespoliciaismilitares

componentes da reserva remunerada serão considerados como “ativos” quando

convocados(AMAZONAS,1975).

Observa-sequeháumdiscursoconstruídoapartirdodispositivonormativoque

ésustentadoporumafiliaçãoideológicadequalidadedistintiva.Aquelequeé“daativa”

detématitularidade,estáaptoaexercerafunção,aagir.Àqueledareserva,cabeser

poupado,serguardadoparaumasubstituiçãooucomplementação,quandonecessária.

Essa relação é reforçada pelo discurso institucional, que reconhece a reserva

remunerada também como “inatividade”. Segundo o Dicionário Aurélio (FERREIRA,

2010),umadasdefiniçõesdovocábuloinatividaderemeteàqualidadedeinativo,inerte.

Nessesentido,osujeitoqueseencontranareservaserávistocomoaquelequenão

reage,quenãorealizaatividades.Sugere-seentãoumacarênciadevigor,ouperdada

vivacidade, insinuando uma ideia de morte (simbólica?), visto que a ausência de

atividadepodeconduziraestainterpretação.

De acordo com o Ruffino (2000), o papel desempenhado pelo trabalho na

constituição da subjetividade humana configura-se como um importante veículo de

transformaçãodanaturezae,aomesmotempo,situaahumanidadeemumaposição

ativanaconstruçãodesuaprópriahistória.Nessesentido,Costa(2000),assinalaqueo

75

trabalhoserefereaumcamporelacional,portanto,ocampodoinconsciente.Paraa

autora,notrabalhoestão implicadasa realidadepsíquica,adimensãosimbólicaeas

trocasafetivasinterpessoais.Assimsendo,oespaçolaborativorepercutenasrelações

sociaisproduzindoefeitosquemodificamoâmbitosocial,alimentadopelainscriçãode

cadasujeito.

OpróprioFreud(1930),emoMal-EstarnaCivilização,faladaimportânciaqueo

trabalhotemparaohomem, indicandoqueeleéum importantemeioparaa tarefa

humanadeevitarosofrimento.Alémdoamor,oautorcitaqueétrabalhoquepode

asseguraraohomem,pormeiodoempregodesualibido,umlugarseguronumaparte

dacomunidadehumana.

A teoria freudiana mostra que o papel do trabalho é determinante para a

manutençãodoequilíbriopsíquico,vezquegaranteaosujeitonãoapenasalternativas

de destinos pulsionais,mas também a coesão social, pormeio dos relacionamentos

humanosqueestãovinculadospelavialaboral(FREUD,1930).

A discursividadedos sujeitos desse estudo, enquanto policiaismilitares ainda

“ematividade”,evidenciaadificuldadequeé,paraessesprofissionais,pensarareserva

remunerada:Omilitar ele é fanático, omilitar, ele não vai aceitar facilmente ir pra

reserva(S2).

Afigura1ilustracompropriedadeafalaacimadestacada.Oprofissionalprecisou

dispordeumabarreirafísicaparaafastá-lodainstituição–naformadeumaplacade

trânsito–,indicandoqueoúnicotráfegopossívelnocaminhoparaareservaéolharna

direçãoopostaadainstituição.Entretanto,aindaquesugiraumsujeitoemmovimento,

referencia-se a partir do cargo (sargento “X”), indicando que a identidade funcional

aindaéomodocomosepercebe.

Esta passagem indica as dificuldades de elaboração do processo de

aposentadoria, com negação do desligamento institucional bem como das

consequentesrepercussõesidentitárias.

76

Figura01–Passoamissãoparaospróximos

Fonte:Dadosdepesquisa,2016.

Essessujeitosdemonstramqueareservaremuneradaaindaéalgoimpensado,

tãodistantedesuasrealidadesquesefaznecessárioexpressar-sedeformadefensiva,

reportando-se a ela na terceira pessoa, como se fosse um outro profissional a se

assujeitaràpossibilidadedeviraseaposentar.

Aaposentadoriasemostraparaessessujeitoscomoumcenáriomarcadopelo

vazio, pela insegurança, e que por isso tem que ser devidamente preenchido com

atividadesecomumaagendacheia(‘coincidentemente’deformasimilaraocotidiano

profissional, sempre repleto de escalas e missões).Muitos dos sujeitos emitem um

discursomarcadopelo funcionamentodefensivo,expondosuasdificuldadesem lidar

com a rotina livre: [...] não se entregar totalmente. Assim, no lazer totalmente, né.

Sempreprocurarseocupar[...]Porquealiouvaivirarumalcoólatra,né,ou,seilá,ouvai

cairemdepressão.Algumacoisaassim.Temqueseocupar(S5).Trintaanosdepolícia

quandoagenteentra,queénovo,umalunosoldadoesoldado,agentenãopensaem

trintaanos(S2).

A análise discursiva do fragmento permite inferir que, com o intuito de se

defenderdaperda,osujeitoseutilizadeváriosmecanismosquesemanifestamcomo

formadesustentaroegoafimdequeestepossasuperaraperda.

Klein(1940),aofalardoprocessodeluto,apontaqueadortraziapeloprocesso

deperdaéampliadapelasfantasiasinconscientesdosujeito,oqualacreditaterperdido

seusobjetosinternos“bons”também.Ouseja,adordaperdaexteriorsesomaada

perdainterioreoindivíduosevêimersoemumasériedeansiedades.

77

Nessesentido,aautoraressaltaqueduranteoestágiodelutoécomumqueo

sujeitopasseporumestadomaníaco-depressivomodificadoetransitório(KLEIN,1940).

Comopassardotempo,noentanto,esseestadoévencido.Comocaracterísticados

processos defensivos da posição maníaca, tem-se a negação, a onipotência e a

idealização. Neste caso, vê-se que os sujeitos desenvolvem uma negação parcial e

temporáriadarealidade,semaqualpareceserdifícilparaoegosuportarasameaças

percebidas.

Figura02–Famíliaunida

Fonte:Dadosdepesquisa,2016.

78

Figura03–Planosfuturos

Fonte:Dadosdepesquisa,2016.

As produções representadas nas Figuras 2 e 3 destacam a dificuldade acima

elencada.Aoproporaosujeitoquedesenhasse,deformalivre,qualquercoisaquese

relacionasse com o tema da reserva, na Figura 2 o intento foi o de realizar o

preenchimentodafolhacomumaamplagamadeatividades.

Inclusive,autilizaçãodafolhanasuaintegralidadedemonstraafaltadebordas,

consequentemente,de limitação.Ofatodeestesujeitoocupartodaafolhacomsua

produçãopodeserentendidocomoum indicativodedefesaqueomesmoseutiliza

contraoesvaziamentoqueestáexperimentando.

Na figura 3 pode-se observar que o sujeito se mostra representado por um

sujeitopensante,que,domesmomodo,tratadesobreporumasériedeideiasparaao

período da reserva, ocupando plenamente os pensamentos, deslocando sua energia

psíquicaparaaelaboraçãodeumaagendapós-aposentadoria.

Tal fenômeno pode ser compreendido como uma forma de racionalizar a

aposentadoria,mantendoumaagendarepletadecompromissos,similarmenteàquela

adotadaquandoaindanaativa.

Segundo Kaës et al (1991), o desenvolvimento de mecanismos de defesa é

importanteemumaexperiênciaderompimento.Paraoautor,afaltademecanismos

79

dedefesaedesublimaçãoleva,aocontrário,àdestruiçãodosujeito–noseucorpoou

navidapsíquica–eàdestruiçãodoobjetoedovínculo.

Nas figuras 4 e 5 tem-se ilustrado aquilo que o sujeito indicou como

representaçõesdareserva.Apartirdessasproduções,infere-seapercepçãodeafetos

opostos àqueles sugeridos pelos títulos das mesmas, “Transformação” e “Brilho”,

respectivamente.Observa-se,assim,queoprocessodereservaproporcionaavivência

deemoçõesantagônicas,revelandoomecanismodefensivoutilizadopeloprofissional,

naexpressãodeformaçõesreativas.

Figura04–Transformação

Fonte:Dadosdepesquisa,2016.

Figura05–Brilho

Fonte:Dadosdepesquisa,2016.

80

Outroaspectoquemerecedestaquenessasduasproduçõeséofatodeosujeito

significaressemomentodesuavidasemarepresentaçãodalinhadesolo.Ouseja,a

produção sugere que o brilho e a transformação da vivência da reserva são

apresentados sem uma sustentação, baseados em uma realidade que o sujeito

demonstradificuldadesemperceberevivenciar.

Essesmateriais registram a representação da discursividade da ativa sobre a

reserva. Ao analisar os sentidos e significados que esses sujeitos atribuem à

aposentadoria,apreende-sequeelesrepresentamaquiloquenaAnálisedeDiscursose

entendeporderiva.Ouseja,essesprofissionaissofremcomoafastamentoinstitucional,

comoconsequênciadoadventodaaposentadoria,indicandodificuldadesnoprocesso

deelaboraçãodessaperda.

Aproduçãorepresentadanafigura06reforçaesseaspecto.Otemaapresentado

fazalusãoaoproibido,aquestãodainterdição,indicandoqueaangústiaquepermeia

oprocessodepassagemparaareservaétambémadaprivação.Osujeitoéprivado

daquiloqueelenãopodemaisvivenciar–elenãopodeficarmaisnainstituição–sendo

colocadoàmargemdesuavidaprofissionaledasdemaisvivênciaslaborativas.

Figura06–Nãoàsdrogasesimàsaúde

Fonte:Dadosdepesquisa,2016.

Emvezdeumacompreensãomaispositivaequedêaosujeitoalternativaspara

vislumbrar possibilidades no horizonte da reserva, esse militar sofre, apresenta

81

saudade,podendoatémesmocaminharparaapatologia -na figuradadependência

química(conformeilustraafigura6).

Assim,paraaquelesquenãoépossível seguiropercurso idealizado,oqualé

permeado por todo um processo de elaboração e superação do desligamento da

corporaçãoedavidalaborativa,surgeumoutrosentido,oesvaziamento,aderiva.

A deriva se caracteriza comoodeslizamentodo sentidooutro nas diferentes

posiçõesdo sujeito. ParaOrlandi (1998),os sentidoseos sujeitos se constituemem

processos emque há transferências, na figura de jogos simbólicos dos quais não se

detêmocontroleenosquaisoequívoco–aideologiaeoinconsciente–estálargamente

presente.

Essas transferênciasnão sãomeras interações,masdemonstramaalteridade

constitutiva, a presença do outro no linguageiro discursivo. É nessa relação que há

espaço para a ligação, para a identificação e para a transferência, denunciando a

existênciadeumarelaçãoabrindoapossibilidadedeinterpretar(ORLANDI,1998).

Nocasodospoliciaismilitaresqueenfrentamdificuldadesemseuprocessode

passagem para a reserva, trata-se então de um não-sentido, vez que o sujeito não

consegue representar um sentido para esse processo. Ao contrário, o sentido e os

sujeitosnãosãoosmesmos,elesescorregam,derivandoparaoutrossentidosepara

outrasposições.

Assimohomem (se) significa. Sujeitoà falha, ao jogo, aoacaso, e tambémà

regra,aosaber,ànecessidade(ORLANDI,2015).Eessaéadiscursividadedaativasobre

areservaremunerada.

4.3DISCURSIVIDADEDAPASSAGEMDAATIVAPARAARESERVA

Quadro3–QuadroAnalíticodaDiscursividadedaAtivaparaaReserva

Conceito-Análiseapriori

Recortestextuais Paráfrases

Vínculo

Já vislumbro esse momento com a certeza do devercumpridoe...reiniciar(S1).

Eujápensodeoutraforma.Euvoupralá,voucuidardoqueémeu,dasminhascoisas...agentesedistraidetudoqueé

A instituição

teve um papel

importanteem

minhavida.

82

ruim.Entãoagentetemqueterumadistração,nãoésóotrabalho(S3).

Devercumprido[...]erespeito,acimadetudo,dequemtáentrandoatédequemjátáindoembora(S4).

O que eu tenho como cidadão, foi através dos bonsexemplos que eu tive dentro da instituiçãopolíciamilitar(S6).

Acho que fiz a

minhaparte.

Conceito-Análiseapriori

Recortestextuais Paráfrases

Identificação

Agradável porque é... como você ter desenvolvido essaatividade,essaarte...ninguémdeixaelapelosimplesfatodeirparaareserva(S1).

Vocêjáestánareserva,vocêquersermilitar...tuécivil(S2).

GraçasaDeuseutenhobastanteselogiosnaminhaficha.Possodizerquesouumbompolicial,né?Porquechegueiatéaqui(S3).

Oqueeuqueroéfazerissoaí...cuidardeumapropriedademinhaqueeupossateraquiloqueeugosto,né?(S3).

Possomejuntarcommeuirmãoeajudarele,queeletemumaoficinamecânica(S4).

Apesar daminha idade, tenho 51 anos hoje, quero fazeruma...terminarumafaculdade,certo?(S2).

Continuo

sendo o que

sou.

Posso ser

outrascoisas.

Conceito-Análiseapriori

Recortestextuais Paráfrases

MecanismosdeDefesa

Esqueceromundofora,omundoPolíciaMilitar,esquecer(S2).

Agentetemquetirarissodamente.Viverumaoutravida.Étipoassim,umoutronascimento,né.Vocêsairdaquelecotidianodomilitarismo,paraoutravida.Umoutronascimentoaí(S5).

Euainda,àsvezesdefolga,agentesonha.Euachoqueosonhovai vir com mais frequência. Provavelmente virá com maisfrequência(S6).

Preciso pensar

emoutrascoisas

Entendo que

tenho que me

desligar

Fonte:Dadosdepesquisa,2016.

Comojádescritoanteriormente,apartirdoquefoiobservadonasfalasenas

produçõesdospoliciaismilitaresemprocessodeaposentadoria,notou-seosurgimento

83

de três discursividades acerca da reserva, indicando os sentidos e significados

produzidospelossujeitosfrenteaesteprocesso.

Observou-sequeconformeopolicialmilitarvaiseaproximandodomomentoem

quecompletatrintaanosdeserviço–estando,assim,aptoaseaposentar–seudiscurso

vaiproduzindomarcas.Essesregistrossugeremumprocessodetransiçãoentreafigura

doprofissionalvinculadoà instituição,ematividadeedotadodasprerrogativasede

todaasimbologiainerentesàcarreirapolicialmilitar,aoservidoraposentado,queagora

podesededicaraoutrosfazeres,edesligar-sedacorporação,umavezquejácumpriua

suamissão.

Nessaperspectiva,namedidaemqueseavizinhamaocumprimentodostrinta

anosde efetivo exercício, nota-seque, para amaioria dos sujeitos entrevistados, os

militaresqueseencontrammaispertodessacircunstânciasãoaquelescujosplanospara

a reserva aparentam estar bem estruturados, com atividades extrainstitucionais

planejadas,construídasdeformamenosdefensiva.

Assim,nodiscursodosmilitaresquecontamcomatéumanoparaingressarem

na reserva, é possível identificar de forma eminente a incorporação dos aspectos

positivosdainstituiçãosomadoao(re)conhecimentoqueaatividadepôdelheoferecer.

Essa dinâmica proporciona a sensação do dever cumprido e parece possibilitar a

consequentedesobrigaçãocomovínculo institucional,conformeosdiscursosquese

seguem:Oqueeutenhocomocidadão,foiatravésdosbonsexemplosqueeutivedentro

dainstituiçãopolíciamilitar(S6).Devercumprido[...]erespeito,acimadetudo,dequem

táentrandoatédequem já tá indoembora (S4). Já vislumbroessemomento coma

certezadodevercumpridoe...reiniciar(S1).

Bowlby (1997) discorre a respeito da experiência de ruptura ao retratar o

processodeformaçãoerompimentodevínculos,indicandoqueocomportamentode

ligação caracteriza todos os seres humanos. A ansiedade gerada em torno de uma

separação, afirma o autor, pode ser perfeitamente normal e saudável, produzindo

diferentesintensidades.Aquelesquesãocapazesdeavaliarassuasrelaçõescomfiguras

significativas enquanto bases seguras, caracterizando-se pela capacidade de se

autonomizarem,sãoosindivíduosquedesenvolveramumpadrãodeapegoseguro.

Adependerdomodelodeapegodesenvolvidocomasfigurasprimordiaisnavida

dosujeito,haveráumaadaptabilidadenaconstruçãodesucessivosciclosnavida.Este

84

processoteráinfluênciadiretanaetapadediferenciaçãofeitaentreospares,levando-

seemcontaaesferadotrabalhoedacarreira.

Nesse contexto, no caso dos policiais militares entrevistados, por meio do

processoparafrástico,infere-sequeessessujeitosdemonstramumprocessopsíquico

dereconhecimentodopapelqueainstituiçãodesempenhouemsuasvidas,bemcomo

desuaparceladecontribuiçãoperanteessadinâmica.Essacompreensãoparecetersido

fundamental para o processo de diferenciação (da instituição, da carreira, etc.) e

exploraçãodeoutraspossibilidadesnomomentodeaposentadoria.

Deoutrolado,observa-sequeosurgimentodeumcenárioexternoàqueledo

ambientedetrabalhosurgecomoformadedistração,ouseja,comoalgoqueaparece

paradesviaraatençãooumesmoopensamentodaatividadelaboral.Otrabalhoaquié

o cernede todadedicaçãodesse servidor, fontedevirtude, sendoaagendapessoal

entendidacomouma formade lazer,ouatividadequeproporcioneumafastamento

daquelecotidianopesado.

Odiscursodosentrevistadospermitefazeressainferência:euvoucuidardoque

émeu,dasminhascoisas...agentesedistraidetudoqueéruim.Entãoagentetemque

terumadistração,nãoésóotrabalho(S3).Agentetemquetirarissodamente.Viver

umaoutravida.Étipoassim,umoutronascimento,né.Vocêsairdaquelecotidianodo

militarismo,paraoutravida.Umoutronascimentoaí...Procurarseocupar(S5).

Emumartigopublicadoem1916,Freudtrataacercadatransitoriedade(FREUD,

1916).Nessetexto,oautorapresentaaperspectivadedoisamigos–umpoetaeum

amigo–que,apósumacaminhadaatravésdoscampos,emumdiadeverão,apesarde

admiraremocenárioqueoscercava,nãoconseguiamextrairaalegriadisso.Oqueos

perturbava era o pensamento de que toda aquela beleza estava fadada à extinção.

SegundoFreud,aosolhosdopoeta,tudoaquilopareceudespojadodeseuvalor,por

estarsujeitoàtransitoriedade.

Aindaquepara o autor a noçãoda transitoriedadenão conferisse a ideia de

perda,muitopelocontrário,aumentariaovalordoobjetoemquestão,talconstatação

nãocausounenhumaimpressãonosseusamigos.Esseepisódioo levoua inferirque

algum fator emocional se encontrava em ação, conferindo ao luto a causa da

perturbaçãododiscernimentodosamigos,levando-osantecipadamenteaestragarseu

gostodeapreciarabelezaàsuavolta(FREUD,1916).

85

Da mesma forma, observa-se que o processo de passagem para a reserva

desperta nos militares sentimentos diversos frente à questão da transitoriedade,

significada nessa obra pelo autor como sentimento de desamparo motivado pela

experiênciadeperda(FREUD,1916).

Vê-se, assim, como o ingresso na aposentadoria requer desses sujeitos a

mobilização de importantes dinâmicas psíquicas. Igualmente ao tema da

transitoriedade,esseprocessomostra-serepresentadopelapassagem,pelamudança,

pela renovação, pela esperança e pela clara presença de temporalidade e finitude,

demarcadasnosentimentodeperdas,destruiçãoemorte.

Apartirdessaobra,Freudanunciaseusensaiossobreo luto.Nessecontexto,

entende-se que, assim como na vivência do luto, há um movimento natural de

desinvestimentolibidinaldeobjetossignificativosparaosujeito,passandoarealidade

aexigirquetodaalibidosejaretiradadesuasligaçõescomaqueleobjeto.Paraoautor,

olutonãopatológicoimplicaránumprocessodereconstruçãodomododeviver,como

encontrodenovasfontesdesatisfaçãolibidinal(FREUD,1917).

Verifica-se que os sujeitos em processo de aposentadoria encontram-se em

elaboração desse momento. Gradativamente, há um deslocamento de libido

direcionadaatéentãoaoobjetodetrabalhoparaumoutroobjeto(outrosafazeres,a

família,asatividadesdelazer).Alémdisso,areaçãonormaldedesinvestimentoévivida

com certa penosidade, já que se subentende que a mudança na posição libidinal

demandamuitodosujeito,aindaquesetenhaumsubstituto.

Olutonãoprevêumacronologiaexata,oqueexigedosujeitoquedisponhade

umnovomododeviveremconformidadecomaausênciadoobjetoeasuaconstante

representação.Nocasodosmilitares,essafaseacarretaotrabalhodelutodediversas

perdas.Paraalémdovínculocomotrabalho,essesujeitoperdegrandepartedeseus

laçossociais(queestãoatreladosaocotidianodoambientedetrabalho),trazmudanças

contundentes em sua identidade e assinala a perda da juventude, vez que a

aposentadoriaédeterminadapelachegadaaos trintaanosdeexercício,mesmoque

essesujeitoaindadisponhadevigorfísicoparacontinuartrabalhando.

ParaBowlby(1997),osvínculosafetivoseosestadossubjetivosdeforteemoção

tendemaocorrerjuntos.Muitasdasmaisintensasemoçõeshumanassurgemdurante

aformação,manutenção,rompimentoerenovaçãodevínculosemocionais.

86

Emsetratandodepoliciaismilitares,essarupturapodeservivenciadadeforma

maisconflituosa.Paraalémdasquestõesjámencionadas,istopodeocorreremrazão

desetratardeumprofissionalqueseaposentaquandoaindaseencontranoaugedo

seuvigorfísico(porvoltadoscinquentaanosdeidade).Ainstituição,noentanto,nãoo

vêdamesmaforma,prevendonanormativa institucionaloafastamentodotrabalho

paraaquelesquecompletamtrintaanosdeserviço.

Dessaforma,oquesepodepercebersãoservidoresquesãocompelidosase

aposentarem precocemente. Em virtude da legislação específica que os rege, são

levados a encerrar as possibilidades para o exercício profissional enquanto policial,

tendo em vista que, após se aposentarem, não poderão continuar exercendo esta

atividade.

OEstatutoprevêalgumasdistinçõesclarasparaaqueleservidorqueseguepara

a reserva remunerada. Alémde a carreira policialmilitar ser privativa daqueles que

estãonaativa,hámudançasnoque concerneaousodeuniformes, apercepçãoda

remuneração(comacentuadadiminuição),enadiferenciaçãoentrepostos,jáqueem

igualdade de posto ou graduação, os policiais militares da ativa têm precedência

(AMAZONAS,1975).

O discurso institucional demonstra, assim, um posicionamento ideológico de

desvalorização acerca da reserva. Isso corrobora para intensificar a conotação social

depreciativadesseprocessobemcomoexercendopapelsignificativosobreapercepção

dessesprofissionaisfrenteàsemoçõesoriundasdapassagemparaareserva.

Soares,LunaeLima(2010)apontamparaosentimentodeambivalênciacomque

os policiais enfrentam a aposentadoria. Os autores apresentam questionamentos

trazidos pelos sujeitos em processo de afastamento que suscitam reflexões sobre a

importância da identidade profissional para esta classe e geram dúvidas quanto à

manutençãode seucompromisso sociale juramento,aspectosque representaramo

imagináriodaprofissãoequeconduziramtodasuavidapessoaleprofissional.

Nocasodosmilitares,asdificuldadespercebidasnesseprocessogeralmentesão

compreendidasdeformamaisacentuadatendoemvistaarelaçãoqueesteservidor

estabeleceucomseupapelprofissionaleseutempolivre–emregra,escasso.Separa

esse sujeito o trabalho é entendido como um dos meios mais importantes de

constituição de sua identidade, então a aposentadoria poderá produzir uma

87

reorganizaçãoglobaldasuasubjetividade,suscitandoefeitossignificativosemseumodo

devida.

Um discurso que registra essa problemática, demonstrando o movimento

oscilatóriodosujeitofrenteaoprocessoidentificatórioéoquesesegue:Vocêjáestá

nareserva,vocêquersermilitar...tuécivil(S2).

Observa-seque,assimcomonoluto,essadinâmicademandaráqueaospoucos

esse servidor vá encontrando outras fontes de satisfação libidinal, para onde possa

empregarsuasenergias,encerrandogradualmenteosinvestimentosatéentãodirigidos

aomundodotrabalho,nestecaso,àcorporaçãopolicialmilitar.

Em se tratando dos policiais militares deste estudo, esse movimento de

distanciamentosugereentãoqueesseprofissionalsedesliguegradualmentedaimagem

de sujeito trabalhador, protetor da sociedade, considerado muitas vezes como um

super-herói. Esse desinvestimento, ao mesmo tempo em que importante, se faz

necessárioparaqueessesujeitoconsigaseidentificarcomaideiadaaposentadoria,se

ajustandoaosnovospapéissociaisqueareservalheimpõe.

Oprocessoparafrásticooriundodossentidosproduzidospelos sujeitos indica

queessesmilitares,namedidaemqueseaproximamdareservaremunerada,percebem

oencerramentodoseupapelprofissionalde formafuncional.Ouseja,oadventoda

aposentadoriaassinalaparaessessujeitosocumprimentodeseupapelsocial, tendo

realizadooqueforaimpostopelocompromissoassumido,comoafirmaoentrevistado:

GraçasaDeuseutenhobastanteselogiosnaminhaficha.Possodizerquesouumbom

policial,né?Porquechegueiatéaqui(S3).

Observa-se que o fato de o sujeito ter cumprido os trinta anos de efetivo

exercícioindicaparaomesmoquealémdeterdesempenhadosuasfunções/obrigações

sociais, encontra-se isento desses encargos, advindo uma sensação de orgulho pelo

dever cumprido e de liberdade para focar-se no desempenho de outros papéis,

representadosparafrasticamente,napossibilidadedeseroutrascoisas.

SegundoSantos(1990),omodopeloqualosujeitoviveráasuaaposentadoriaé

influenciadopelahistóriadevidadosujeito,suasrelaçõescomasociedade,sobretudo

comopapelprofissionaleseumododeenfrentarasperdasedeseadaptaràsnovas

situações.

88

Algunssujeitosapontamemseusdiscursosapossibilidadedemanejaremessa

circunstância de forma otimista, conforme registra a fala do policial que se segue:

Agradávelporqueé...comovocêterdesenvolvidoessaatividade,essaarte...ninguém

deixaelapelosimplesfatodeirparaareserva(S1).

O discurso produzido pelo sujeito entrevistado remete-se à possibilidade de,

duranteoperíododeaposentadoria,podersededicaraumaatividadedesenvolvida

paralelamenteaolongodotempodacarreirapolicialmilitar.

Osenunciadorespassamavislumbrarapossibilidadededesenvolveremnovas

carreirasoumesmodarcontinuidadeaumtrabalhoiniciadoduranteotempodeserviço

na instituição indicando que aos poucos esse servidor pode ir reconfigurando sua

identidadeprofissional.Afaladossujeitosilustraessacolocação:Oqueeuqueroéfazer

issoaí...cuidardeumapropriedademinhaqueeupossateraquiloqueeugosto,né?

(S3).Possomejuntarcommeuirmãoeajudarele,queeletemumaoficinamecânica

(S4). Apesar daminha idade, tenho 51 anos hoje, quero fazer uma... terminar uma

faculdade,certo?(S2).

Emsetratandodaconstituiçãopsíquicadoeu,Hornstein(1989)assinalaqueesta

se encontra subordinada aos objetos pela via da identificação, ressaltando que “a

identidadenãoseconstituideumavez,parasempre.Novasidentificaçõescontinuam

definindo,complexificandooeuaoqualonarcisismoaponta”.

Nesse sentido, infere-se que o militar passa por um processo de

“desidentificação” com o sujeito da ativa, percebendo-se como portador de novas

perspectivas – consequentemente, novas identificações. Essa dinâmica vai

proporcionandoa esse sujeito a possibilidadededesenvolver ligações libidinais com

novosobjetos,ensejando-lheamanutençãodoseuequilíbriopulsional.

Afaladosentrevistadostambémindicaparaumimportanteprocessopsíquico

quepermiteaosujeitooredirecionamentodesuaspotencialidades,encontrandoassim

novaspossibilidadescriativaseprodutorasdesatisfação,qualseja,asublimação.

EmMal-Estar na Civilização, Freud (1930) aborda de forma ampla a respeito

destaquestão,apontandooselementosqueorganizamessemecanismo.Paraoautor,

háumamudançanosobjetosounosalvosdapulsãoeseusdestinos, inclinandoum

afastamentodosexual.Apulsãoseriaentãoderivadaparaumnovoalvonãosexual,ou

emquevisaobjetossocialmentevalorizados.

89

Em se tratandodos sujeitos deste estudo, observa-se que amanifestação da

capacidade psíquica para buscar novas e fecundas formas de inserções na cultura,

sinalizadas na figura da retomada dos estudos, na possibilidade de iniciar um novo

trabalhoounodesenvolvimentodehabilidadesagráriasregistramaimpressãodeum

atobem-sucedido,propostadomovimentosublimatório.

Consideradapormuitosautorescomoadefesamaisbem-sucedida,observa-se

queasublimaçãodecorredaadaptaçãológicaeativadaspulsõesque,apósescolherem

umanova finalidade,passama satisfazer-se tantoemproveitodoaparelhopsíquico

quantodasnormasqueregemocontextosocial(KUSNETZOFF,1982).

Deoutrolado,adiscursividadedossujeitosdesteestudoindicaque,frenteàs

dinâmicasquesurgememdecorrênciadoprocessodepassagemparaareserva,alguns

dessesprofissionaisfazemusodeoutrosmétodosdequeseserveoegopararesolver

osseusconflitos,nafiguradosmecanismosdedefesa.

Conforme exposto acima, o advento da aposentadoria suscita diferentes

sentimentosnessesujeito,avivênciadesseprocessovairegistrando–paraamaioria

dosprofissionais–apassagempordiferentesdinâmicas,atéachegadadomomentode

elaboraçãodessamudançasignificativadevida.Nessacircunstância,observou-seque

anteriormenteaosdeslocamentos sublimatórios, osmilitaresutilizaram-sedeoutros

mecanismospsíquicosdefensivos,como,porexemplo,orecalque,aracionalização,a

formaçãoreativa,dentreoutros.

Kaës (2014) assinala o funcionamento das operações de defesa pormeio do

recalcamento:

o recalcamento efetua-se sob o efeito de duas exigências. Segundo a

primeira,classicamentedirecionadasoboânguloestritamenteintrapsíquico,

orecalcamentoestáassociadoàsexperiênciasdedesprazeroudeexcessode

prazer,detransbordamentopulsionalederepresentaçõesintoleráveispara

oego.Éummecanismodedefesaintrapsíquico:suaespecificidadeconsiste

na operação pela qual o sujeito reprime e mantém no inconsciente,

representações vinculadas a pulsões inaceitáveis para sua integridade e

constância(p.44).

Afaladosentrevistadosdemonstraumimportantetrabalhopsíquicoqueesses

profissionais se veem compelidos a realizar para a manutenção de seu equilíbrio

psíquico no período após a aposentadoria, empregando o mecanismo

90

supramencionado:Esquecer omundo fora, omundoPolíciaMilitar, esquecer (S2). A

gente tem que tirar isso da mente. Viver uma outra vida. É tipo assim, um outro

nascimento,né.Vocêsairdaquelecotidianodomilitarismo,paraoutravida.Umoutro

nascimentoaí(S5).

Infere-se que para esses sujeitos as representações relacionadas a qualquer

vivênciavoltadaparaainstituiçãoouparaacarreirapolicialmilitardevesersuprimida,

equeavidaforadocotidianolaboraldeveserpautadaporprincípiosdistintosdaqueles

queregeramsuacarreiraprofissional.

SegundoKaës(2014),osconteúdosreprimidosregem-sepelosmecanismosdos

processosprimários(condensação,deslocamento,multiplicaçãodeelementoidêntico,

difração). Há uma constante busca destes em retornar à consciência, à ação ou

formaçãodecompromisso,oquevaimanifestar-separaosujeitonaformadesintomas,

sonhos,etc.

Odiscursoproduzidopelosenunciadoresdesteestudoevidenciaesseprocesso,

comodemonstraafaladoentrevistado:Euainda,àsvezesdefolga,agentesonha.Eu

achoqueosonhovaivircommaisfrequência.Provavelmentevirácommaisfrequência

(S6).

Oretornoàvidacivil,conformeregistraafaladossujeitos,émarcadoporum

recomeço,comumaconcepçãodevidamuitodistintadabiografiaprofissional.Nesse

sentido, observa-se que para os policiais militares deste estudo há uma espécie de

construçãodedoismundos,eapassagemparaareservaapresentaessacisão.

Ao retratar acerca domecanismo da cisão,Melanie Klein (1946) pontua que

nessemecanismoos sentimentosamorosos se voltamparaoobjetogratificador, ao

passoquenosestadosde frustração,oódioe a ansiedadepersecutória se ligamao

objeto frustrador. Esse seria o modo que o ego encontra para que sentimentos e

fantasiassobreoestadodoobjetointernofiquemisoladosunsdosoutros.

Ao utilizar esse mecanismo defensivo, os policiais militares encontram um

caminhoparalidaremcomosimpulsossentidoscomofontedeperigodentrodopróprio

ego.Destaforma,amenizamosestadosdefrustraçãoeansiedade,despertadosapartir

doadventodaaposentadoriaeaspossíveismudançasqueessemomentodesperta.

Afigura7demonstraclaramenteautilizaçãodessemecanismo,vezqueosujeito

seutilizadeumalinhadivisóriapararepresentaressemomento.Nodesenho,exibe-se

91

opassadocomovoltadoparaotrabalhoeparaainstituição;ofuturoéindicadocomo

“vida nova”, aparentando maior proximidade dos familiares; e, na forma de uma

terceira instância, a saúde surge como um aspecto que caminha à parte desses

momentosdevida.

Figura07–Vidasegura

Fonte:Dadosdepesquisa,2016.

Apartirdasproduçõesrealizadaspelossujeitos,constata-sequeháumaquebra,

umarupturaquedeveserrealizadacomachegadadaaposentadoria.Essasensaçãode

separação vem sendo expressa numa atitude básica de oposição, demonstrando a

distinçãoqueéfeitapelospoliciaismilitaresdesteestudoentreavidalaboral(militar)e

avidanomeiocivil.

Asrepresentaçõesconstruídaspelossujeitos,noqueserefereaodesenhoda

figura humana, apontam claramente para essa questão. Ao exibir a figura do

profissional,noformatodosujeitodopassado,odesenhoéapresentadocomomais

complexo (e completo). Sua montagem apresenta mais detalhes, mais cores; é um

92

sujeitouniformizado,queaindadispõedosaparatosdaprofissão.Jáasrepresentações

dossujeitosqueconstamnavidanovaenasaúdesãoelementosmaispobresesimples.

Essasconstruçõesexpõemasdefesasqueessesprofissionaisaindadispõemhoje

(apresençadouniforme reforça isso)emcontraposiçãoàsdefesasqueelenão terá

quando se aposentar. Anteriormente dispunham de uniformes, armas, viaturas, ao

passoquenaaposentadorianãocontarãocomesseaparato,expondooqueirãoperder

apartirdessamudançaprofissional.

Afigura8tambémevidenciaesseafastamento,masexpressaimpulsosamorosos

de reconhecimento e agradecimento à instituição e ao trabalho. A escolha dos

enunciadospostadosnaproduçãoapontaparaareaçãodosujeitodiantedessanova

fase de vida, sendo intitulada como “novos campos de batalha”. Ou seja, evoca a

percepçãodequepossíveisconflitospodemsurgircomoadventodestafase.

Figura08–Satisfeitoporterestadoaqui

Fonte:Dadosdepesquisa,2016.

Ficamregistradosassim,apartirdasproduçõesrealizadaspelossujeitos,como

a vivência da passagem para a reserva desperta uma diversidade de emoções. Para

tanto,essesprofissionaisseveemsujeitosàutilizaçãoderecursospsíquicos–muitas

vezesdefensivos–comoformadeatravessarasdificuldadesoriundasdesseprocesso.

93

4.4DISCURSIVIDADEDARESERVA

Quadro4–QuadroAnalíticodaDiscursividadedaReserva

Conceito-Análiseapriori

Recortestextuais Paráfrases

Vínculo

Eudeixodeterovínculocomainstituição,digamosassim...mas, consequentemente, há uma continuidade pós-vidaparaareserva(S1).

Tenho o serviço de música que eu não pude exercer, euentendo, foi em função do meu emprego do serviço depolicialmilitaretalvezagoracoloqueemprática,né(S6).

Eunãovoumaisquerercumprirumhorário,né?(S3).Bem,continuar,né?Sóquedeforma,digamos,espontânea.É...criar já outro calendário de horários, enfim, essas coisasassim.Mudançadehábito(S6).

É,assim,umaamplitudedotempo,né?Porqueeunãovoutercumprirmaisessehorário(S4)

Avidacontinua

Vou

desenvolver

outras

atividades

Vou tocar a

minhavida

Conceito-Análiseapriori

Recortestextuais Paráfrases

Identificação

Éumagrandevitória...semnemumbraçoquebrado,semnemum...né.Tudointeirinho(S3).

É uma vitória... então às vezes, faltando dias acontecealgumacoisa,comoumareportagem...faltavaumdiaparaele irpra reserva... aconteceuum tirodeumaAR15,queatravessou ele. Isso faz... você tem que rezar pra nãoacontecerissocomagente,né(S5).

Euachoqueemfunçãodemuitoscolegasjovensquevinafrenteaí,naminhafrentequeàsvezessentapraalmoçareencheamãoderemédio,etomaummonteeeu,graçasaDeus,nãopassoporisso,não(S6).

Trintaanoséumajornada.Entãosevocêvaiestarvivo,sevocê vai pegar algumamoléstia, alguma coisa, ninguémsabe. Felizes daqueles que chegarama trinta anos sã desaúde(S2).

Sobrevivi

Consegui sair

vivo

Conquistei

meuobjetivo

Conceito-Análiseapriori

Recortestextuais Paráfrases

94

MecanismosdeDefesa

Eudeixodeterovínculocomainstituição,digamosassim...mas, consequentemente, há uma continuidade pós-vidaparaareserva(S1).

Tenho o serviço de música que eu não pude exercer, euentendo, foi em função do meu emprego do serviço depolicialmilitaretalvezagoracoloqueemprática,né(S6).

Aposentei-me

Vou fazer o

quedesejo

Fonte:Dadosdepesquisa,2016.

Namedida emque foramdesenvolvendo suas ideias acerca domomentoda

aposentadoria, notou-se na fala dos sujeitos entrevistados a elaboração de uma

discursividadedistintadaquelaproduzidaenquantoainda servidoresvoltadosparao

cotidiano do serviço, imersos na rotina da atividade policial militar. Esses registros

apontaramparaperspectivasdiferentescomrelaçãoàaposentadoria,caracterizandoo

queseintituloupordiscursividadedareserva.

Nesse contexto, pode-se constatar que, aindaquenão se tenhaobservado a

homogeneidade encontrada no discurso da ativa – o qual vislumbrou a Reserva

Remuneradadeformanegativae,porvezes,pejorativa–passamasurgirevidênciasque

conduzem a uma nova expectativa para essa fase, sugerindo um realinhamento de

significadosquetornemplausíveiseaceitáveisosdiversosaspectosligadosasuanova

condiçãolaboral.

Háumadiscursividadecomconotaçãonegativaacercadareservaoriundanão

apenasdaconcepçãoinstitucional,aqualentendeaaposentadoriacomosinônimode

inatividade,mastambémemvirtudedopapelatribuídoaotrabalhonasociedadeatual,

entendidocomooprincipalveículodeengatesocialecomoimportanteinstânciaque

agregavaloresaosujeito(JERUSALINSKY,2000).

Além de proporcionar ao sujeito a possibilidade de extrair o seu sustento, o

trabalhoéaatividadecaracterísticapelaqualaquelesqueoexercem inscrevemsua

marcanomundoeseexpressamapartirdele(RUFFINO,2000).Dessaforma,constitui-

sesímbolodeautonomiaeportadeentradaparaaascensãosocial.

Nessa perspectiva, a aposentadoria pode ser entendida como uma condição

desqualificanteparaosujeito,vistoquemuitasvezessurgeacompanhadadeaspectos

95

avaliadosdeformanegativa,comoaincapacidade,ainutilidade,eatémesmoopróprio

processodeenvelhecimento.

Ideologicamente,observa-sequeossujeitosestãoimersosemumasociedade

orientadaporrelaçõesdeproduçãocapitalista,sendoosmesmosmoldadosaviverem

nessesistema.Umavezqueaaposentadoriaremeteàcondiçãodeterquepararde

trabalhar, é possível que represente uma perda de prestígio e, portanto, um

afastamentodomundosocial.

Nocasodospoliciaismilitares,porconstituir-sedeumacarreiracomlimitação

deidadeparaoingressonacorporação,geralmenteoservidorentraparaosquadrosde

pessoal da instituição ainda muito jovem. Ao completar os trinta anos de efetivo

exercício, esseprofissional não só está distanteda faixa etária para ser considerado

idoso(girandoemtornodos50anosdeidade),comodispõeplenamentedeseuvigor

físicoeintelectual.

Essa circunstância pode originar sentimentos como culpa, insegurança, e

contribuir para reforçar a sensação de inutilidade, tendo em vista que esse sujeito

encontrar-se-á desvinculadoda atividadeprofissional desdemuito cedo e, portanto,

semproduzir.Asfalasdosentrevistadosreproduzemesseestado:Euvouestudaroquê?

Né?Euprecisomeformarpraalgumacoisa?Umafaculdadepraquê?(S3).Tunãopode

ficarfechado,nointeriordatuacasa,ficarlá,sóolhandopratuaesposa,verosfilhos

chegardaaula,aquelacoisa(S5).

Emcontrapartida,paraamaiorpartedosentrevistados,aideiadeingressarna

reserva soa conscientemente de forma muito positiva. No decorrer das entrevistas

pode-se observar na fala dos sujeitos que a concepção favorável deste momento

repercutenoprocessodedesvinculaçãojuntoàinstituição,comotambémnaimagem

dosujeitoaposentado.

Osdesafiosenfrentadosnocotidianodaprofissão,osquaiscolocamemriscoa

integridadedoprofissionaleameaçamconstantementeatémesmoamanutençãoda

vidafazemcomqueareservasejapensadacomoformadeprêmio,comoumavitória.

Aaposentadoriapassaaservistanostermosdeumaconquistaparaessessujeitos,que

emmeio a tantos embates profissionais se mantiveram firmes e cumpriram com o

juramentorealizadonoiníciodacarreira.

96

As falasdossujeitos ilustramclaramenteestecenário:Éumagrandevitória...

semnemumbraçoquebrado,semnemum...né.Tudointeirinho(S3).Éumavitória...

entãoàsvezes,faltandodiasacontecealgumacoisa,comoumareportagem...faltava

umdiaparaeleirprareserva...aconteceuumtirodeumaAR15,queatravessouele.Isso

faz...vocêtemquerezarpranãoacontecerissocomagente,né(S5).

Observa-sequeavivênciadassituaçõesderiscoéumaconstantedaatividade

policialmilitar.Assimsendo,oprofissionalquealcançaostrintaanosdeserviçoileso

passaaserconsideradocomorecompensadopeloadventodaaposentadoriaemfunção

dadevoçãoaotrabalhoeàinstituição.

Outrofatorquecorroboraparaoestadodeespíritopropícionoqueconcerneao

entendimentodaaposentadoriaéapossibilidadedeessesujeitodispordeumtempo

para organizar a sua vida de forma livre, conforme suas vontades e anseios. Nesse

sentido,deixamdeincidirasrelaçõespautadaspelahierarquiaedisciplina,quetanto

permearamaorganizaçãodeseushorárioseagenda.

Osprofissionaisapontamparaessamudança,indicandoarepercussãoqueserá

promovidaemsuasvidas:Eunãovoumaisquerercumprirumhorário,né?(S3).Bem,

continuar,né?Sóquedeforma,digamos,espontânea.É...criarjáoutrocalendáriode

horários,enfim,essascoisasassim.Mudançadehábito(S6).É,assim,umaamplitudedo

tempo,né?Porqueeunãovouterdecumprirmaisessehorário(S4).

No que se refere aos laços vinculares estabelecidos junto à instituição e à

carreirapolicial,conformepontuadoacima,observa-sequeaaproximaçãodomomento

da aposentadoria e a oportunidade de construir uma agenda pessoal de forma

voluntáriavãodandoaberturaparaomovimentodedesvinculaçãodosujeito,acenando

paraoaparecimentodeoutrosvínculoseatividades.Osfragmentosdiscursivosquese

seguemdemonstramessecenário:Eudeixodeterovínculocomainstituição,digamos

assim...mas, consequentemente, há uma continuidade pós-vida para a reserva (S1).

Tenhooserviçodemúsicaqueeunãopudeexercer,euentendo,foiemfunçãodomeu

empregodoserviçodepolicialmilitaretalvezagoracoloqueemprática,né?(S6).

Nessaperspectiva,Kaës(2014)apontaparaoespaçodereconhecimentoqueé

dadonoprazerdainvençãodenovosespaçosdevinculação,naemergênciadenovas

formasdevínculosedepensamento,nousodenovosdepósitosepelareconstituição

dospanosdefundopsíquicos.

97

Infere-se, assim, a partir do processo parafrástico construído por meio da

sequênciadiscursiva,otrabalhodeelaboraçãovivenciadoporessessujeitos.Àmedida

quesinalizamparaumadiversidadedeinvestimentospsíquicosquevislumbramcoma

passagemparaareserva,essesprofissionais indicamacontinuidadedesuasvidas,o

desenvolvimentosdeoutrasatividades,caminhando,portanto,paraamanutençãode

suasaúdepsíquica.

Observa-seaindaqueasmodificaçõesprovocadas comachegadadestanova

etapadevidavãoconduziraumareconfiguraçãodacondiçãoexistencialdessessujeitos,

demandandoapromoçãodenovossentidosidentificatórios,naformadeumprocesso

singularderessignificação.

No que concerne à representação da imagem do policial militar na

aposentadoria,evidenciou-se,deumaformageral,umaperspectivasatisfatóriaquanto

ànoçãodaReservaRemunerada.Aideiadequeessesprofissionaiscumpriramcomo

seupapel, seguindoacaboo juramento realizado,proporcionaparaesses sujeitosa

possibilidadedeseaposentaremhonradamente,comocumpridoresdeumimportante

papelsocial.

Assim, a reserva representa a vida, sobretudo, a sobrevida, no sentido da

possibilidadedesobreviver.Asfalasdosentrevistadosdemonstramcomclarezaessa

concepção:Éumagrandevitória... semnemumbraçoquebrado, semnemum...né.

Tudo inteirinho (S3). É uma vitória... então às vezes, faltando dias acontece alguma

coisa,comoumareportagem...faltavaumdiaparaeleirprareserva...aconteceuum

tirodeumaAR15,queatravessouele.Issofaz...vocêtemquerezarpranãoacontecer

issocomagente,né(S5).Euachoqueemfunçãodemuitoscolegasjovensquevina

frenteaí,naminhafrentequeàsvezessentapraalmoçareencheamãoderemédio,e

tomaummonteeeu,graçasaDeus,nãopassoporisso,não(S6).Trintaanoséuma

jornada.Entãosevocêvaiestarvivo,sevocêvaipegaralgumamoléstia,algumacoisa,

ninguémsabe.Felizesdaquelesquechegaramatrintaanossãdesaúde(S2).

Oquesepodecompreenderentãoéque,paraamaioriadospoliciaismilitares

entrevistados, a aposentadoria é o atestado oficial de um grande mérito. Esse

entendimento corrobora para a construção de uma unidade discursiva, tendo como

produtoaimagemdeumsujeitolivre,quepodegozardaaposentadoriadeformamais

saudável.

98

Nointuitodedarsentidoaumaimposiçãoexterna–comonocasodoluto–o

sujeitovê-seobrigadoabuscapelaredenção,comoemumaespéciederealinhamento

psicológico para lidar com as tensões. Nessa direção, é possível que os sujeitos se

utilizemdomecanismoda racionalização, como forma de encontrar uma explicação

lógicaeaceitávelparaenfrentarcomcertapositividadeessemomentodevida.

Ao tratar a respeito das mudanças psicológicas referentes ao momento da

aposentadoria,Santos(1990)postulaquea inatividadepodesersinônimodevazioe

ser,assim, representadapela ideiademorte.Porestar ligadaa ideiadacessaçãoda

atividadeprincipaldosujeito,aaposentadoriapoderiaserconfundidacomofimdavida,

reforçaaautora.

Nocasodossujeitosentrevistados,compreende-sequejustamentepelofatode

assuasvidasprofissionaisrepresentaremumaameaçafísicaepsicológica,submetendo-

osconstantementeaoriscodaprópriamorte,aaposentadoriaaquiassumevaloração

positiva.

Parafrasticamente, considera-se que os sentidos produzidos por esses

profissionaisproduzemformulaçõesdaquiloquerepresentaaelaboraçãodareserva:a

sobrevivência,aconquistadoobjetivo.

Apartirdomomentoemqueaaposentadoria vai adquirindoessa conotação

paraosujeito,passamasemanifestardeformamaisinsidiosa,mecanismospsíquicos

quesugeremalternativassaudáveisparafacilitaravivênciadarupturacomotrabalho.

Nesse sentido, observou-se o exercício da capacidade sublimatória dos sujeitos. Por

meiodessemecanismo,osujeitoatravessaumprocessodeelaboração,garantindoa

suasaúdepsíquica.

SegundoLaplanche&Pontalis(2001),aelaboraçãoéumaexpressãoquedesigna

um“trabalhorealizadopeloaparelhopsíquicocomofimdedominarasexcitaçõesque

chegam até ele e cuja acumulação corre o risco de ser patogênica”. Esse processo

consistiránumaintegraçãodasexcitaçõesquechegamatéopsiquismocomobjetivode

estabelecerentreelasconexõesassociativas.

Apesar de os autores definirem esse processo como um mecanismo

característico do tratamento analítico, observa-se que a elaboração se apresenta no

cotidiano, como um “modo de funcionamento espontâneo do aparelho psíquico”

(LAPLANCHE&PONTALIS,2001).

99

Entende-se que o estabelecimento de caminhos associativos surge como

condiçãoparaatransformaçãodaquantidadefísica(excitações)emqualidadepsíquica,

constituindo-secomoumaimportanteviaparaaassimilaçãodassituaçõesconflitivas.

MelanieKlein(1946),aoassinalaracercadaposiçãodepressiva, indicaquehá

nesse período uma consistente introjeção do objeto bom, o que, por sua vez, será

decisivoparaacapacidadedeamarereparar.Observa-seaquioimpulsopararepararo

objetopreparaocaminhopararelaçõesdeobjetomaissatisfatóriaseparasublimações.

Nessesentido,apreende-sequeoprocessodeaposentadoriaparaospoliciais

militares constitui-se num cenário de possível exercício da função reparadora. Na

medida em que esses sujeitos se encontram bem próximos do advento da reserva,

aparentam internalizar a profissão e a instituição como objeto bom. Esse processo

mostrou-sefundamentalparaamanutençãodesuasaúdemental.

Osdiscursosproduzidospelossujeitosdemonstramnãoapenasacompreensão

do desligamento institucional, como também a possibilidade de instituir novas e

criativaspossibilidadesprodutorasdesatisfação,conformesesegue:Eudeixodetero

vínculo com a instituição, digamos assim... mas, consequentemente, há uma

continuidadepós-vidaparaareserva(S1).Tenhooserviçodemúsicaqueeunãopude

exercer,euentendo,foiemfunçãodomeuempregodoserviçodepolicialmilitaretalvez

agoracoloqueemprática,né(S6).

Essemovimentorefere-seàcapacidadesublimatóriadosujeito, indicandoum

processo de elaboração da situação vivenciada. As produções feitas pelos sujeitos

evidenciam claramente esse processo, apontando para novas possibilidades de

empregodasualibido.Asfiguras9e10ilustramesseprocesso.

100

Figura09–Buscandofelicidade

Fonte:Dadosdepesquisa,2016

Infere-se que a proximidade da reserva desperta para esses sujeitos a

possibilidadede vislumbrar um recomeço. Esse reinício acenaparanovas formasde

exerceremsuascapacidadessublimatórias.

Figura10–Perseverança

Fonte:Dadosdepesquisa,2016.

101

Umoutroaspectomuitocomumnasproduçõesdossujeitoséapossibilidadede

retomadados laços familiares e demais relações sociais.Uma vez que a vidamilitar

demandoucertoafastamentodesseservidoremrelaçãoàfamíliaedemaisespaçosde

convívio, observa-se que a reserva se apresenta como possibilidade de reconquista

dessasrelações,facilitadopelotempolivreproporcionadopelaaposentadoria.

Figura11–Voltandoasociedade

Fonte:Dadosdepesquisa,2016.

Asfiguras11e12ilustramcomrobustezesseaspecto.Valeressaltarqueessefoi

um ponto apresentado por todos os sujeitos entrevistados, apresentando-se a

passagem para a reserva como uma oportunidade para maior envolvimento com a

família.

Figura12–Retornoàfamília

102

Fonte:Dadosdepesquisa,2016.

Asproduçõesdemonstramumaatitudebásicadessessujeitosdepreocupação

comosvínculosfamiliaresecompessoassignificativasdesuasvidas.Observa-sequehá

umaintegraçãodadinâmicafamiliarànovarealidadedevida(aposentadoria),oque

sugereodesejodessesprofissionaisemestabelecercomoprioridadeaunidadefamiliar,

porvezesdistanciadaporcontadocotidianodaprofissão.

Essas relaçõesadquirem importâncianamedidaemqueesses servidoresvão

elaborandoseuafastamentodavidalaboral,indicandoassimnovosdirecionamentosda

energialibidinal.Essecenáriodemonstraumaformaapropriadadeenfrentamentoede

elaboraçãodasperdas,tendocomopontodechegadaofortalecimentodacapacidade

sublimatóriadessessujeitos.

103

5CONSIDERAÇÕESFINAIS

A partir do momento em que se possibilitou um espaço de discussão e,

sobretudo, de fala, ao policialmilitar emprocesso de reserva, obteve-se acesso aos

diversos sentidos e significados que esse sujeito atribui a esta fase de sua vida.

Inicialmenteesselugarconfigurou-sepormeiodeumprogramainstitucional.Foipor

meiodesseestudoquesepôdeampliaraatençãoparaessediscurso,proporcionando

umaescutaqualificadaàspercepçõesdesseservidor.

AAnálisedeDiscursomostrou-seumcampobastante fértil para a realização

deste intento, localizando esse sujeito na cadeia discursiva e alcançando suas falas

dentretantosdizeres.Nessesentido,observou-sea impossibilidadedese isolaruma

falaseparadamentedasdemais.Pelocontrário,analisaram-seosdiscursosproduzidos

pelos sujeitos, identificando-se os sentidos construídos ideologicamente. Para isso,

objetivando-secompreenderqualarepercussãodoadventodaaposentadoriaparaessa

classeprofissional,foirealizadaumadiscussãotransversaldoconjuntodesujeitos.O

trabalhoteveointuitodecompreenderquaisasrepercussõespsíquicasqueoprocesso

de reserva acarreta para a subjetividade dos policiais militares, pondo em foco a

investigaçãodovínculoedosprocessosdeidentificaçãodessesservidoresnomomento

desuapassagemparaareserva.Ateoriapsicanalítica,utilizadacomopanodefundo,

valorizouaexperiênciasubjetivadessesprofissionais,atendo-seàssuassingularidades

frenteàvivênciadaexperiênciahumana.

É inegável que o afastamento das funções laborais causa um impacto

significativonostrabalhadores. Issoocorreporqueotrabalhodesempenhaumpapel

muitoimportantenaconstituiçãosubjetivaenoprocessoidentificatório,especialmente

nos dias atuais. Assim sendo, o advento da aposentadoria influencia as relações

profissionaisepessoais,aformacomosegerenciaotempoeaidentidadedecadaum.

A experiência do trabalho emmeiomilitar, emvirtudede suas exigências de

dedicaçãoedosubmetimentoàsrelaçõesdehierarquiaedisciplina,mostraqueesse

processoévivenciadodemaneiraumpoucodistintadomeiocivil.Háumaintensidade

maior no estabelecimento do vínculo junto à instituição e umpeso significativo dos

preceitosinstitucionaisedaatividadenotrajetoidentificatóriodossujeitosaolongoda

carreira.

104

Apassagemparaareservaapresenta-secomoumprocessodemudançadesses

referenciais.Ovínculoqueoservidormantémcomotrabalhoecomainstituiçãomuda

consideravelmente. Com o advento da aposentadoria, o profissional começa a

vislumbrar que cumpriu com o juramento realizado no início da carreira, o que

consentirácomoseudistanciamentodeformadigna.Namedidaemquevaiassimilando

essastransformações,osujeitopassaasevoltaraoutrosafazeres,encontrandooutros

objetosparainvestimentolibidinal.

No que concerne aos processos identificatórios, observou-se ao longo do

exercícioprofissionala construçãodeuma imagemdeprotetorda sociedade, sendo

valorizadososaspectosdahonradezedamoralidade,característicosdacarreirapolicial

militar. A entrada na reserva possibilita que esse sujeito reafirme seu compromisso

social,vezqueassinalaocumprimentodeseudever,porterprestado,aolongocarreira,

umserviçodeexcelênciaàsociedade.

Para essa classe profissional, a aposentadoria mostrou-se de forma positiva,

ganhandostatusdeprêmio,qualidadeatribuídaparaaquelesquealcançaramofinalda

carreira.Issoocorredevidoaosriscosaqueessesmilitaressãosubmetidosdiariamente,

fruto do exercício profissional. Ou seja, feliz daquele policial militar que pode se

aposentarcomasaúdeconservada,tendocumpridoseupapel.

Entretanto,essesprocessosocorreramnãosemaexperimentaçãodeconflitose

dificuldades.Nessesentido,pormeiodametodologiaempregadafoipossívelobservar

osurgimentodediversosmecanismospsíquicosqueessessujeitosfizeramusoaolongo

desseprocesso,muitosdessesemcaráterdefensivo.

Nointuitodeidentificarquaisosmecanismosdedefesaqueospoliciaismilitares

fizeram uso durante essa etapa de transição, objetivo secundário deste estudo,

constatou-seautilizaçãodedefesascomo:anegação,aformaçãoreativa,orecalque,a

racionalização e a cisão. Diante das exigências da administração da conflitiva, esses

profissionais lançarammãodessesrecursoscomoformadereduziratensãopsíquica

interna.

Esseprocessopersistiuatéomomentoemquefoipossívelvislumbrarformas

maissaudáveisparaoempregodesualibido.Issosedeuàmedidaqueseaproximavam

do momento de passagem para a reserva, oportunidade em que, a partir de uma

105

perspectiva favorável da aposentadoria, os profissionais colocaram em prática suas

capacidadessublimatórias.

Conforme indicam Camargo apud Turato (2010), a fala é um ato criativo.

Entende-se que a proposta desse estudo proporcionou a esses sujeitos que

exercitassemoatodefalar–porvezesestranguladonocampoinstitucional.Oautor

assinalaquefalarsobreaprópriavidapodelevaroentrevistadoareorganizá-la,fazendo

comqueomesmorepenseoseventosdavida,dando-lhesentido.

Ao explorar o percurso profissional dos sujeitos, abordando aspectos

concernentesdesdeseuingressonacarreiraatéomomentodeentradaparaareserva,

dá-seaosujeitoapossibilidadedepoderrepensaracercaseupapelprofissionaleolugar

atribuídoao (não) trabalho.Autilizaçãodos instrumentospara a coletadedados, a

entrevistae,posteriormente,oProcedimentodeDesenhos-Estória,forampensadosno

intuitodeproporcionaraessessujeitosqueseapresentemdeformamenosdefensiva,

contribuindoparaoseuprocessodeelaboraçãodoafastamentolaboral.

Noquedizrespeitoaoaspectoorganizacional,enfatiza-seopapeldopsicólogo,

emespecialo institucional (assumidopelapesquisadoraemquestão),queseriaode

facilitar o processo de transição para a reserva desses sujeitos. Observou-se a

importânciadessasquestõesseremtrabalhadasdesdeaativa,apartirdaperspectiva

doprogramainstitucional,repensando-seemnovaslinhasdeatuação,etambémpor

meio de uma intervenção cada vezmais precoce junto aosmilitares, favorecendo o

trabalhopsíquicosingularfrenteaesseprocesso.

No tocante às contribuições da pesquisa ao Programa de Preparação para a

Reserva-PPR,entende-sequeesseestudoapontouparaalgumasimplicaçõespossíveis

paraaspróximasediçõesdotrabalho.Emprimeirolugar,sugere-sequeaapresentação

dos resultadosdapesquisa pode auxiliar o processode elaboraçãodos profissionais

frenteaocontextodaaposentadoria.Aoperceberaformacomodiferentescolegasde

profissão vêm lidando com esse processo, o sujeito pode vislumbrar cenários mais

positivoseentendermelhorosprocessospsíquicospelosquaisvematravessando.

Alémdisso,aampliaçãodeoportunidadesparaafalaédegrandevalorparaos

profissionaisqueestãoimersosaesseprocesso.Nessesentido,oaumentodosespaços

de discussão e de produção dos policiais militares no programa (no momento das

oficinas, por exemplo) é um aspecto que pode contribuir fundamentalmente para o

106

exercíciodacapacidadesublimatóriadessessujeitos,mostrando-lhesassimestratégias

defensivasmaissaudáveisparavivenciaressemomentodetransição.

Paraaquelesqueencontraramdificuldadesemencontrarumsentidoparaesse

momento, exemplificado ao longo do estudo pela deriva, surge um espaço para a

realização de um trabalho psicológico de suporte. É na deriva que o profissional da

Psicologia deve estabelecer possibilidades de tratamento para aqueles que

encontraramnapatologiadestinoparaoseusofrimentopsíquico.

Esseestudoapontatambémparaaimportânciadeseolhardeformacriticaa

toda a normativa e cultura institucional. Ambos têm grande responsabilidade na

construçãodeuma imagemacercadaReservaRemunerada.Apartir das influências

percebidas pelo militar advindas dos preceitos institucionais, observa-se que uma

concepçãomaisfavorávelacercada“Inatividade”poderiacontribuirsignificativamente

paraesseprocesso.

A pesquisa possibilitou lançar luz a um universo pouco estudado. Contribuiu

tambémparaconsolidarolugardaPsicologianessetipodeinstituição.Ossentidosque

se produziram com esses resultados foram relevantes para o universo das Ciências

HumanasContudo,sabemosquenãoencerramaspossibilidadesdeleituraseanálises.

Conforme afirma Orlandi (2015), todo enunciado é sempre suscetível de

ser/tornar-seoutro.Oobjetopermaneceparanovasabordagens,nãoseesgotandoem

uma única descrição. Assim compreende a Análise doDiscurso. Assim se dá o fazer

psicológico.

107

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psicanáliseeemnossasvidas.PortoAlegre:Artmed,2010.

WINNICOTT,D.W.(1965).Thedevelopmentofthecapacityforconcern.InD.W.

Winnicott(Ed.),Thematurationalprocessesandthefacilitatingenvironment(pp.73-82).NewYorw:InternationalUniversitiesPress.

114

APÊNDICE

I–ROTEIROPARAAENTREVISTASEMIDIRIGIDA

Entrevistanº:__________________________________________________________

Local:________________________________________________________________

Cidadeedata:_________________________________________________________

Início:____________________________Término:__________________________

Duraçãoemmin:_______________________________________________________

DADOSPESSOAISDEIDENTIFICAÇÃODOENTREVISTADO

1)Iniciais:_____________________________________________________________

2)Sexo:()M()F

3)Datadenascimento:____/____/________

4)EstadoCivil:()Casado()Solteiro()Divorciado()Outros

5)Cargo:______________________________________________________________

6)Tempodeserviço:____________________________________________________

7)Graudeescolaridade:_________________________________________________

8)Religião:____________________________________________________________

1. Doseupontodevista,comosurgiuaideiadeentrarparaumainstituiçãopolicial

miliar?

2. Poderiamecontaroquesignificouparaasuavidaotrabalhopolicialmilitar?

3. Aseuver,oquelherepresentaapassagemparaaReserva?

4. ComovocêentendequeficaráasuavidaapósaReservaRemunerada?

115

II–MODELODOTERMODECONSENTIMENTOLIVREEESCLARECIDO

Caro(a)Senhor(a),

Eu,FláviaCamposLucenaDias,mestrandadoProgramadePós-Graduaçãoem

Psicologia pela UFAM, orientada pela Profa. Dra. DeniseMachado Duran Gutierrez,

docentedaUFAM,FaculdadedePsicologia,estoudesenvolvendoumapesquisacujo

título é “Enlaces e desenlaces identificatórios do policial militar em processo de

Reserva”,realizadanaPolíciaMilitardoEstadodoAmazonas–PMAM.

Apesquisa temcomoobjetivoaveriguarvivências referentesaomomentoda

passagemparaareservadopolicialmilitar.Nestesentido,asuaparticipaçãoémuito

importante,poisapesquisavisaàcompreensãodosprocessosintrapsíquicosquesão

subjacentesàentradanaaposentadoria.

Serão utilizados como instrumentos a técnica da entrevista semidirigida e o

procedimentodeDesenhos-EstóriacomTema,oqualconsistenaelaboraçãodecinco

desenhoscomrelaçãoàpalavraReserva.

Todasasinformaçõesserãogravadase/ouregistradas.Osresultadosdapesquisa

serãoanalisadosepublicados.Garantoqueasinformaçõesobtidasserãoanalisadasem

conjuntocomadeoutrosmilitares,nãosendodivulgadaaidentificaçãodenenhumdos

participantes.Osdadosserãoutilizadosparafinsexclusivamentedepesquisa.

Saliento ainda que a qualquer momento o voluntário poderá desistir de

participardapesquisa,semqualquerimplicaçãoouprejuízo.E,ainda,disponibilizar-me-

ei para procura de atendimento psicológico caso a pesquisa mobilize-o a ponto de

acreditarquevocêprecisedeajuda.

InformoqueoSr(a)temagarantiadeacesso,emqualqueretapadoestudo,a

qualqueresclarecimentodeeventuaisdúvidas.

ConsentimentoPós-Informação

Eu,__________________________________________________, fui informado

sobreoqueopesquisadorquerfazereporqueprecisadaminhacolaboração,eentendi

a explicação. Assim sendo, eu concordo em participar do projeto, sem receber

remuneraçãoporisso.Estourecebendoumacópiadestedocumento,assinada.

____________________________________________________

FláviaCamposLucenaDiasNomeeassinatura

Pesquisadoraprincipal

e-mail:[email protected]

Celular:(92)98112-2466

116

ANEXOS

I–ANUÊNCIAINSTITUCIONAL

117

II–PARECERDOCEP