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Educação do Campo: pensando a teoria e a prática pedagógica articulando as regularidades, ambigüidades às rupturas Lia Maria Teixeira de Oliveira/UFRRJ-DTPE Situando a Problemática Este trabalho, de forma geral, inscreve-se no âmbito temático que engloba questões socioculturais e educacionais clássicas e contemporâneas, focalizadas nos estudos pedagógicos e sociológicos que objetivam a compreensão da teoria e prática da educação profissional (tecnológica/técnica) agrícola. Entendemos essa prática social passando por processos de re-conceituação e re- configuração identitária, por isso denominada de Educação do Campo, pelos atores políticos no contexto rural, ao sofrer impactos de novas ruralidades da sociedade globalizada e pós- moderna. Dentre outras questões correlatas, de forma específica, o trabalho enceta a discussão sobre a problemática do saber/fazer no processo de socialização, que se na esfera escolar dos sujeitos da práxis educativa, segundo a qual dizemos é um espaço/tempo de construção da teoria e prática pedagógica do campo. Em se tratando da educação agrícola (modalidade de ensino) esse espaço/tempo de prática social específica, historicamente, assenta-se na dupla dicotomia do ensinar a reproduzir conhecimentos e ensinar a produzir com produtividade, conforme Peter Ficher (1987), o ensino agrícola constituiu- se na velha dualidade ensinar x produzir. Assim, essas velhas (ou clássicas) separações balizadas em concepções e princípios histórico-sociais e científicos antecessores da

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Educação do Campo: pensando a teoria e a prática pedagógica articulando as regularidades, ambigüidades às rupturas

Lia Maria Teixeira de Oliveira/UFRRJ-DTPE

Situando a Problemática

Este trabalho, de forma geral, inscreve-se no âmbito temático que engloba

questões socioculturais e educacionais clássicas e contemporâneas, focalizadas nos

estudos pedagógicos e sociológicos que objetivam a compreensão da teoria e prática da

educação profissional (tecnológica/técnica) agrícola. Entendemos essa prática social

passando por processos de re-conceituação e re-configuração identitária, por isso

denominada de Educação do Campo, pelos atores políticos no contexto rural, ao sofrer

impactos de novas ruralidades da sociedade globalizada e pós-moderna. Dentre outras

questões correlatas, de forma específica, o trabalho enceta a discussão sobre a

problemática do saber/fazer no processo de socialização, que se dá na esfera escolar dos

sujeitos da práxis educativa, segundo a qual dizemos é um espaço/tempo de construção

da teoria e prática pedagógica do campo.

Em se tratando da educação agrícola (modalidade de ensino) esse espaço/tempo

de prática social específica, historicamente, assenta-se na dupla dicotomia do ensinar a

reproduzir conhecimentos e ensinar a produzir com produtividade, conforme Peter

Ficher (1987), o ensino agrícola constituiu-se na velha dualidade ensinar x produzir.

Assim, essas velhas (ou clássicas) separações balizadas em concepções e princípios

histórico-sociais e científicos antecessores da dicotomia manual x intelectual

“brotaram” da organização societária positivista, que desde a modernidade imputa

certos “lugares” para certos indivíduos na sociedade dividida em classes (proprietários,

trabalhadores livres e escravos). A racionalidade moderna propiciaria a práxis educativa

cientificamente justificada nas diferenças socioculturais deterministas, que por séculos

construiriam pensamentos e ações universais que não revelariam aos sujeitos as

ambigüidades e contradições institucionais e políticas do rural hegemônico (mesmo na

cidade).

Desta forma, estamos situando um campoi político-acadêmico e cultural onde

ocorrem disputas/alianças por paradigmas de formação profissional. Portanto, ainda,

enfocamos as linhas de pensamento e ação que se diferenciam em visões, práticas e

percepções de sociedade e indivíduo que agem sobre o ensinar e aprender na educação

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profissional agrícola. O espaço/tempo escolar-rural, portanto, carrega a marca da teoria

e prática do produtivismo tecnicista, pensamento liberal-positivista que conformou o

processo pedagógico de profissionalização não só no âmbito da agricultura, mas de

todos os conhecimentos, saberes e técnicas do Brasil, desde o século XIX, nas primeiras

instituições educacional-científicas. Contudo, a prática social específica (educação

agrícola) desde as primeiras iniciativas esteve subssumida à força do capital e do

poderio local, ambos constitutivos de uma sociedade política e rural, cuja penetração em

meio escolar/universitário pode ser compreendidos nos interesses de reprodução política

(MENDONÇA 1997, 1998 e 2006; OLIVEIRA 1998; SOARES 2003, NASCIMENTO

2004) das Sociedades/Associações de grandes proprietários/produtores.

Na contemporaneidade, a educação agrícola como constitutiva da diversidade do

campo não está reduzida a idéia configurada na atividade de produção, exclusivamente,

determinada nas instâncias dos grupos hegemônicos e teorias e práticas universais. No

espaço/tempo rural se entrelaçam outras dimensões e processos de socialização,

realidade que permite situar os demais grupos, até então, excluídos pela política oficial

até o governo FHC, como marginais, invasores ou desordeiros. Situamos, ainda, a

percepção de profissionalização pelo olhar da concepção de educação do campo, das

novas ruralidades, noções cunhadas nos fóruns de educação e nas ações/participações

dos movimentos sociais. Por ultimo, nosso trabalho remete às experiências exitosas de

educação do campo que, na atualidade, demonstram ser o resultado de teorias que se

sustentam numa prática educativa originária de indivíduos participativos de ações

coletivas, sobretudo construídas por atores que investem em educação, como por

exemplo, o ator coletivo MST.

As reflexões e informações nesse trabalho, em termos gerais, estão

problematizadas nas configurações institucionais de socialização que atingem os

processos identitários docentes no contexto das políticas e práticas da educação

profissional agrícola, marcado por (des)territorializações pertinentes à ambiência do

campo no passado distante e na contemporaneidade. Voltamos o nosso olhar para a

política da educação profissional agrícola que articula contextos adensados e intensos de

permanências, regularidades, ambigüidades e rupturas. Os professores da educação do

campo, notadamente, aqueles das Escolas Agrotécnicas Federais (EAF’s) e CEFET’s

agrícolas (rurais) se vêm diante de um território marcado por relações seculares de

hegemonia influentes nas esferas macro e micro estruturais, refletindo em identidades

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docentes eivadas de um campo técnico-cientificista hegemônico, na visão de escola e

qualificação profissional como tempo/espaço de reprodução das relações produtivistas.

As regularidades dizem respeito às medidas da política educacional que

permanentemente se impõem num ideário engendrado nas relações de produção

patronais ou nas reminiscências do poderio local rural também presentes em outras

formas sociais. Dessa forma, ainda, as teorias e práticas utilizadas ancoram-se no

pedagógico conservador-cientificista, ora perpassado pelo evolucionismo positivista

(que fere a alteridade, o outro) que classifica indivíduos em alunos pensantes,

disciplinados ora pelo racionalismo instrumental, que classifica o aluno em aptidões,

competências e destrezas manuais. Não obstante, o ideário positivista contido nos

modelos pedagógicos circularia no microcosmo da escola/universidade, atingindo o

universo não só do trabalho docente, mas de cheio se transformam em conhecimentos

descontextualizados no âmbito da formação de jovens técnicos agrícolas.

As macro e a micro políticas dirigidas à educação do campo, embora um pouco

mais democratizada, não se voltam a uma idéia de educação que deve refletir e analisar

criticamente o campo (rural) como territórios contestados, marcados (locais) pelas

ambigüidades de um país que não fez reforma agrária, não distribui equitativamente a

terra e nem a renda; onde à questão fundiária e a tecnificação da agricultura foram e são

taradas como questões de natureza técnica, são pendências ocultadas na forma de

“revolução passiva” ou “pelo alto”, conforme nos fundamenta Antonio Gramsci.

Diante desse cenário – semelhante aquele descrito nas representações de mundo

rural na literatura positivista de Euclides da Cunha ou de regionalista de Guimarães

Rosa, mas também de imagens atuais das fotografias de Sebastião Salgado – é que

interrogamos a posição das Agrotécnicas, da UFRRJ, dos CEFET’s, da Escola-Família?

O mandonismo, o tecnicismo, a disciplina moral dos extintos Patronatos Agrícolas ou o

“atraso” do sertão certamente tangenciam muito das representações de mundo e

educação rural que nós professores carregamos nos nossos conhecimentos e valores

profissionais, afinal o campo científico e acadêmico não estão imunes aos demais

campos sociais, conforme Bourdieu (1997). Especialmente, a educação agrícola que

desde cedo foi engendrada no campo econômico, político (o local enredado no

estadual), mas também na ciência que modernizaria o “interior”, “o espaço

incivilizado”, por meio de ações e idéias do engenheiro-educador, dos educadores-

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profissionais. A materialização da ciência em instrumentação para tocar o processo de

industrialização deu-se numa via de mão única. As instituições se consolidaram no

monopólio das teorias e práticas vindas da ciência dita “oficial” que corroborou para

criar no interior das escolas/universidades as disciplinas ou áreas de conhecimento

consideradas legitimas, assim sendo, tal monopólio hierarquizaria papéis, fragmenta os

conhecimentos, métodos de investigação etc, mas também interfere na alteridade das

pessoas, dos grupos sociais. Segundo Cupolillo (2007) inspirada em Paulo Freire

“A noção de ciência em Paulo Freire retoma a discussão sobre os conteúdos da prática pedagógica. Apresenta-se, no pensamento de Freire, uma concepção bastante próxima ao que debatemos atualmente (...) à crítica a fragmentação e ao isolamento dos conteúdos científicos (...) outro aspecto bastante caro à Freire é a valorização da prática cotidiana como fundamental na construção e realização das teorias, ou seja, Freire defende incondicionalmente a relação teoria/prática, (...) levando-nos a olhares múltiplos sobre essa relação que, num primeiro momento, entendemos na socialização de forma naturalizada e dicotomizada” (p.54).

Na atualidade, as instituições por ainda terem as regularidades do passado em

confronto com demandas do presente e do futuro passam por questionamentos devido

aos embates do campo acadêmico entre sujeitos/agentes que lutam por um espaço social

que deixa aparecer as ambigüidades/contradições criando os espaços de

questionamento/rupturas e outros que lutam pelas permanências e regularidades

mantendo os espaços como no passado. Na concepção de Santos (2005)

Devido à formação de tipo disciplinar, os professores que enfrentam o desafio (...) estão sujeitos a ambigüidades e contradições que vão sendo corrigidas e adequadas na medida do aprofundamento conceitual e principalmente, autocrítica entre os pares. Essa mudança atitudinal condiciona-se à mudança epistemológica: mudar um determinado conceito exige, por sua vez, mudanças de outros co-relacionados (...) na prática educativa moderna, os professores dedicam-se a explicações exaustivas em definições, conceitos, fórmulas e fazem uso da linguagem voltada para a racionalidade tecnocientífica. A fragmentação

i Aqui tomamos de Pierre Bourdieu (1997, 1998) a categoria de campo reforçando as nossas colocações acerca dos espaços da vida social, política, econômica, científica, artística, literária etc. Cada campo possui objetivos, jogos de poder, funções próprias. Embora em relação com demais campos na sociedade, cada campo denota uma realidade social, agentes/sujeitos em posições diferenciadas visando a produção de bens culturais e simbólicos, no nosso caso o campo da educação (agrícola). Os campos são sempre entendidos como espaços de poder, pois os agentes disputam/fazem alianças em torno da produção de bens simbólicos, prestígios, representações etc. No caso acadêmico, científico, educacional percebemos as disputas/alianças pelo reconhecimento, prestígio da comunidade científica.

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traz como conseqüência a idéia de neutralidade e objetividade. Com esse viés, o conhecimento referido em sala de aula perde o sentido existencial ao não trabalhar a relação com o todo e com o sujeito do processo cognitivo” (p.8)

De certo, a UFRRJ, CEFET’s, As Agrotécnicas, as Escolas-Família etc. não se

sustentam mais num único discurso e prática mecânica que disseminou a idéia de

“ordem” e de equilíbrio sociocultural e técnico. As rupturas vêm se configurando na

ressignificação do espaço/tempo rural, bem como nas práticas dos professores, tanto

formadores de técnicos em agropecuária como de professores agrônomos, veterinários,

pedagogos e licenciados que formam os docentes da educação profissional agrícola. O

que implica na re-conceituação de teorias e práticas que rearticulam mente-corpo,

emoção-idéia, subjetivo-objetivo, todo-partes, mobilizando-nos para a compreensão das

contradições que o campo e as suas instituições carregam em regularidades do passado

tatuadas no social construído em relações baseadas na dicotomia campo-cidadeii,

progresso-atraso, sertão-litoral, sertanejo-citadino etc.

Dessa forma, apontar para uma linha de argumentação que abre possibilidades

para desconstrução da idéia de uma determinação político-cultural e econômica sobre as

práticas de professores neste quadro de hegemonias, sobretudo, é apresentar uma outra

perspectiva de saber-fazer docente que acreditamos estar configurada na

complexidadeiii, pensamento e prática inerente aos humanos que atravessam a

cotidianidade das instituições profissionais e de construção de saberes nessa sociedade

contemporânea.

ii José de Souza Martins em seu livro sobre sociologia rural (1986) explica onde está localizada a forma social que dicotomiza campo-cidade, discutindo-a no universo de um campo teórico conservador e positivista, há muito inválido, visto que na já na modernidade não cabia limites ou fronteiras geográficas que permitissem separar os processos sociais em econômicos, educacionais, culturais sem situar as interdependências.

iii Para elucidar Edgar Morin é um dos pensadores emblemáticos desta vertente ou configuração intelectual que emerge no seio das instituições científico-culturais. Para Morin (1994): A noção de complexidade só pode exprimir o nosso embaraço, a nossa confusão, a nossa incapacidade de definir de maneira clara, de pôr ordem nas idéias. (...) É preciso dissipar duas ilusões que desviam os espíritos do problema do pensamento complexo. A primeira é crer que a complexidade conduz à eliminação da simplicidade. A complexidade aparece certamente onde o pensamento simplificador falha, mas integra nela tudo o que põe ordem, clareza, distinção, precisão no conhecimento (...). A segunda ilusão é confundir complexidade com completude. Certamente, a ambição do pensamento complexo é dar conta das articulações entre domínios disciplinares, que são quebrados pelo pensamento disjuntivo (que é um dos aspectos principais deste pensamento simplificador); este isola o que ele separa e oculta tudo o que o liga, interage, interfere. Neste sentido o pensamento complexo aspira ao conhecimento multidimensional. (...) É complexo o que não pode resumir-se a uma palavra mestra; o que não pode reduzir-se a uma lei ou a uma idéia simples. A complexidade é uma palavra problema e não uma palavra solução (p. 8-9).

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Na atualidade vimos perseguindo estudos que interpretam os pensamentos,

ações e valores do professor da educação agrícola relacionados ao cotidiano escolar,

processos face a faceiv, que possivelmente, acreditamos, não são somente portadores de

subjetividades de submissão ou determinadas pela macroestrutura ou políticas das

instituições de poder, ou, ainda, dos decretos, grupos sociais situados nos aparelhos

privados de hegemonia do Estado para fazer circular a ideologia estruturante de mentes,

corpos por meio de práticas socais mecânicas. Pensar que não há corpos e mente crítica

é conjeturar com noções e elementos reprodutivistas (estruturalistas) de uma época em

que acreditávamos que a escola e/ou universidade se silenciaria seja pela ordem fascista,

econômica ou pela idéia de neutralidade científica, enfim, se por uma ou outras essa via

determinista é falsa, sobretudo, ainda, seria imaginarmos que não construímos

movimentos de resistência e/ou propositivos a partir das próprias redes de

subjetividades das cotidianidades (locais).

Portanto, nos atrevemos a refletir e trazer poucas constatações que evidenciam a

nossa preocupação sobre as teorias/práticas de formação de professores para a educação

profissional agrícola, pensando-as como parte da educação agrícola que na atualidade

requer prudência (no sentido de BOAVENTURA SANTOS, 2000), haja vista as

políticas ainda “pelo alto” e/ou ao “som de sereias”, por exemplo, a noção de

competências, agrobusiness de discurso linear. Sobretudo, ainda nessa cena complexa

vemos a contra-hegemonia formando as redes de subjetividades originárias de

atores/indivíduos que entendem a educação agrícola na diversidade que a engendra na

relação campo-cidade, local-global (novas ruralidadesv).

Contextualizando a Instituição de Formação Profissional no tempo de revelação

das ambigüidades, permanências, rupturas enfim de pós-modernidade.

Embora exista uma razoável produção teórica a respeito da educação agrícola e,

em especial, existe uma expressiva produção teórica sobre pós-modernidade, pouco ou

nada temos que enfatize a relação da educação agrícola no espaço/tempo das

iv Podemos citar autores da sociologia (antropologia) como Goffman, Adam Kuppe mou outros dos Estudos Culturais, mas nos bastamos em José Machado Pais, por fazer uma relação estreita com elementos sociais e individuais entrelaçados nos cotidianos escolares, além do que ele num estudo teórico-empírico, publicado em 2003, discute as interações situadas face a face.

v O presente termo é uma categoria sociológica que vem sendo construída, entre outros locais, no CPDA – Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da UFRRJ, que ao longo do artigo trazemos as referências de pesquisadores e respectivos artigos.

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instituições da pós-modernidade. No contexto sócio-histórico da contemporaneidade,

nos dizem os estudiosos, que vivemos múltiplas crises nas razões ou lógicas em que a

humanidade se produziu como trabalhadores, cientistas, homens livres, etc. e, também

organizou para consolidar as instituições que ancoram e certificam a socialização, a

produção e os conhecimentos necessários à vida produtiva e cidadã, desde que entramos

na modernidade. Ou seja, vivemos um período de crises nas certezas que se

institucionalizaram formando a sociedade, o modo de produção, os modelos de

desenvolvimento, a ciência, a técnica etc., certezas que se iniciaram desde o iluminismo

contrapondo a lógica do absolutismo do clero e da monarquia, das corporações em

suma. Mas lógicas/ordens que se pautaram numa visão de progresso pouco relacionada

ao que é ser humanovi , sociedade e natureza.

Ao tratarmos sobre a temática, para nós torna-se impossível que não nos

apoiemos na reconfiguração (ressignificações) educacional, cultural, política e de

produção fundadas nas sociedades contemporâneas, até porque se refere às

transformações identitárias que segundo a literatura diz estarem passando as sociedades

humanas, pelo menos desde os anos de 1960 em diante. No entanto, alertamos que não

daremos conta de tão amplo assunto e nem podemos entrar no mérito de campos

epistemológicos da filosofia, da sociologia, cujos estudos apenas nos apontam contextos

e tessituras, pois não fazemos parte do campo filosófico strictu senso que é hegemônico

no tratamento do assunto da pós-modernidade e das relações societárias e

intersubjetivas por ele demandada. Vamos colocar a questão a partir do lugar em que

nos situamos que é o das ciências pedagógicas, das ciências humanas e sociais aplicadas

à formação de professores para a educação profissional agrícola no espaço/tempo de

profissionalização inicial e respectivas trajetórias de atores/sujeitos.

Evitando plagiar os conceitos e as definições de Frederic Jamesom, Jean-

François Lyotard, Anthony Giddens, K. Kumar, Otto Maduro, Manuel Castels, Bauman

e tantos outros expoentes da discussão teórica sobre a pós-modernidade, preferimos

mencioná-los ou citarmos quem os estudou, tentando fazer os devidos e possíveis

ganchos com a questão das re-configurações ou ressignificações do pensamento e da

vi Não estamos plagiando Paulo Freire ou Miguel Arroyo (2000), apenas recorrendo ao entendimento humanista (iluminismo) que fora abandonado ao longo do capitalismo quando as relações de trabalho deixaram de ser mediadas pela razão e valores de ser humano para valores do capital e do modo de produção que dividiu os homens em classes, grupos sociais, proprietários e não proprietários, profissionais etc.

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prática da educação agrícola neste tempo social e histórico de crises e de relações

intersubjetivas partilhadas pelos adensamentos de projetos alternativos ancorados na

diversidade do campo e na multimensionalidade científica.

Para esclarecimentos sobre o lugar (ou não lugar) das instituições em tempos de

crises, segundo Chevitarese (2001), podemos recorrer a alguns elementos discursivos

sobre a Pós-modernidade, visto a amplitude de argumentos que incidem sobre as

concepções de pós-modernidade em Frederic Jameson, Zygmunt Bauman, Lyotard,

Giddens ou Boaventura Santos, seguindo ora um tratamento sociológico e ora filosófico

dispensados pelos autores. Dentre esses teóricos, alguns remontam as transformações

originárias de identidades da modernidade na sociedade contemporânea, delimitada por

eles como período de crises sociais e de pensamento, rearticulando práticas e processos

socioculturais e político-econômicos, abrindo campo de possibilidades de contra-

hegemonias, associadas à eventos datados a partir dos anos de 1940, alguns datam após

1960 e outros ao final de 1980 em diante.

Em que pese às diferentes abordagens dos autores, umas mais de cunho

sociológico e outras de caráter mais filosófico, as mesmas podem ser refletidas, em

nossa visão, segundo o dizer de Chevitarese (2001), compreendido na multiplicidade de

configurações cultural, social, política e econômica da modernidade, uma vez que para a

reflexão sobre a pós-modernidade, Chevitarese remete ao projeto moderno desenvolvido

a partir do iluminismo. Ao que tudo indica, os teóricos significam a questão da pós-

modernidade na questão da crise de valores e conhecimentos gerados e disseminados na

modernidade. Por isso alguns se detêm ao conceito o denominando como modernidade

tardia, “alta modernidade”, pós-fordismo, pós-industrialismo, sociedade da

informação, modernidade líquida etc. Contudo, em que pese às abordagens, grosso

modo, podemos situar a temática buscando compreender os fenômenos sociais e

culturais da modernidade significando-os num contexto dos processos liberais das

Revoluções Científicas, Burguesas, Industriais (iniciada na Inglaterra e depois com a

organização e administração dos processos de trabalho e produção em série – taylorismo

e fordismo), nesse tempo em que contraditoriamente havia a promessa da Emancipação

dos indivíduos pela ciência.

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Concordamos com Chevitarese (2001) ao dizer que na pós-modernidade temos

mais dúvidas e perguntas a fazer do que certezas e verdades a serem lançadas sobre um

conceito de pós-modernidade. Portanto o autor reflete dialogando com os teóricos:

“O desencanto que se instala na cultura é acompanhado da crise de conceitos fundamentais ao pensamento moderno, tais como “Verdade”, “Razão”, “Legitimidade”, “Universalidade”, “Sujeito”, “Progresso”, etc. O efeito da desilusão dos sonhos alimentados na modernidade se faz presente nas três esferas (...) a estética, a ética e a ciência (...) Poderia a noção de “pós-modernidade” servir para caracterizar a cultura contemporânea? (...) Para Lyotard, ‘o pós-moderno, enquanto condição da cultura nesta era [pós-industrial] caracteriza-se exatamente pela incredulidade perante o metadiscurso filosófico metafísico, com suas pretensões atemporais e universalizantes’ (...) Mas se ainda reivindicarmos nossa “condição moderna”, como tratar de todas as mudanças que marcam a cultura contemporânea, e que a tornaram tão estranha a certas noções fundamentais à modernidade? (...) Max Weber já caracterizava o advento da modernidade como um processo crescente de “racionalização intelectualista”, intimamente ligado ao progresso científico (...) em especial, configura-se como uma rejeição à tentativa de colonização pela ciência das demais esferas da cultura, o que vem acompanhado do clamor pela liberdade e heterogeneidade, que haviam sido suprimidas pela esperança de objetividade da Razão (...) Bauman (que utiliza o termo para caracterizar a cultura contemporânea) procura deixar claro que a “pós-modernidade” é a condição atual da modernidade. Giddens, por outro lado, prefere a noção de “modernidade tardia” ou “modernidade radicalizada”, como mais adequada para referir-se à cultura em que vivemos: A ruptura com as concepções providenciais de história, a dissolução da aceitação de fundamentos, junto com a emergência do pensamento orientado para o futuro e o “esvaziamento” do progresso pela mudança contínua” (pp.2-13).

Como vimos nessa longa e necessária citação de Chevitarese temos muito mais

questões a serem investigadas por vários caminhos do pensamento social e científico, do

que em nos fixar nos apegos estruturalistas ou certezas positivistas, que partiram dos

mesmos princípios desenvolvimentistas, segundo Boaventura Santos (2000). Pensar o

que a educação agrícola significa na atual tessitura social é remeter ao onde e por quem

a mesma é significada e ganha sentido como formação profissional de jovens no rural

brasileiro, que é o lugar e o “não” lugar do agrícola. Nesse exercício crítico não

trilhamos sozinhas e nem fora das instâncias de nível médio/técnico e de formação de

docentes. Esse é o caminho que vimos trilhando no cotidiano do saber-fazer

universitário juntamente com os (as) alunos (as), os meus e as minhas companheiros

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(as) de luta pela qualidade social, reforma agrária e do pensamento pedagógico nas

licenciaturas.

De qual educação agrícola falamos, para quem nos voltamos?

Nessa perspectiva em que nos apoiamos, não pretendendo chegar às definições

grosseiras e simplificadas do que seja pós-modernidade, vimos então levantar algumas

questões relacionadas ao campo da produção cultural e educacional da esfera da

educação agrícola, como uma tentativa de abrir o debate sobre as permanências,

regularidades, rupturas e ambigüidades presentes. Por isso, pensamos em expressar

essas condições particulares em que os sujeitos, as políticas, a sociedade como um todo

se encontra enveredada em tempos/espaços de transformações institucionais. Esperamos

ter ficado claro que entendemos essas circunstâncias como parte substancial aos

questionamentos e reflexividade de sujeitos/agentes que se articulam ressignificando no

cotidiano o conhecimento e as práticas produzidas por aqueles que se dizem fazer parte

da educação agrícola. Decerto que as crises vêm revelando nas instituições ainda

experiências teórico-práticas permeadas no campo configurado por uma racionalidade

instrumental homogênea e sujeita a linearidades.

O campo no passado precisaria segundo as instâncias decisórias e de poder

apenas do projeto hegemônico dos senhores, sobretudo, aquele projeto da época das

primeiras capitanias, da colonização, do imperialismo europeu. Na verdade, essa

perspectiva identitária de campo (rural) tem pesado há 500 anos como uma visão

acrítica e preconceituosa, mantenedora das regularidades travestidas nas dualidades que

se reproduzem na estrutura agrária, na família, na educação profissional, no cotidiano

escolar e nos meios de produção agrícola e de trabalho no campo. Da escravidão e da

monocultura como mola propulsora da produção agrícola e economia agrária dos

tempos da primeira capitania de Martim Afonso de Souza, afirmamos que muita coisa

ficou para trás em termos objetivo-material. Contudo perguntamos como superar em

termos simbólicos, as representações sociais que ainda circulam no imaginário social e

dos indivíduos que a escola/universidade pretende formar num projeto emancipatório?

Essa questão remete as experiências os patronatos e aprendizados agrícolas de caráter

moralista, disciplinador, higienista de sociedade entre os séculos XIX e início do XX.

Remete também ao produtivismo, projeto dual de profissionalização de Gustavo

Capanema, que por intermédio das experiências estruturantes da iniciação agrícola ao

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ensino técnico houve acordos com os Estados Unidos (CBAI – Comissão Barsileiro

Americana para a Indústria) e, paulatinamente, chega-se à educação profissional

tecnicista introduzida no projeto da Revolução Verdevii, em meados de 1960. Neste

ínterim, no campo, também havia as Ligas Camponesas de Francisco Julião, o Araguaia,

Paulo Freire aliados as lutas sociais, políticas e culturais camponesas, sobretudo

baseados em outras ações/pensamentos, conquanto essas são expressões legitimas da

não determinação pelas estruturas, de movimentos de ordem-desordem no ideário

nacional.

Como nos diz José de Souza Martins em Os Camponeses e a Política no Brasil,

por que não venceram os camponeses/sertanejos? Como todas as lutas camponesas, até

então, estas eram tuteladas por partido político ou por um intelectual orgânico ou por

um “redentor” messiânico. É por aí que temos que construir a visão crítica de nossos

alunos, enredando a história Social, os Estudos Culturais às demais ciências. Não

podemos permitir que eles reproduzam os nossos discursos, não achando que ao fazer

uma licenciatura eles esgotariam o cabedal de saberes/fazeres docentes. A

profissionalização inicial é um campo de possibilidades, mas os alunos e alunas devem

ter os seus próprios discursos e práticas pedagógicas, sobretudo construídas nas

contradições institucionais e de nossas ações. A ressignificação é inerente ao

conhecimento crítico sobre a prática social que teve a ciência positivista como remédio

técnico para as pendências político-social. No momento em que eles/elas associarem as

teorias às trajetórias cotidianas formadas em princípios democráticos, solidários,

participativos, será nesse espaço/tempo que eles/elas poderão sintetizar as experiências

para poder ressignificar como docência legítima ou como experiência impar de

profissionalização (cf. GIMENO SACRISTÁN, 1995) que transita pela emancipação de

mentes e corpos.

Vimos que as instituições estão abertas às discussões sobre as suas teorias e

práticas na medida em que muito do funcionamento das EAF’s e CEFET’sviii também

dependem da avaliação de seus projetos por parte da sociedade civil organizada, de

outras instituições e atores coletivos. Outra mudança dá-se a partir dos projetos político-

pedagógicos, associado ao fato dessas instituições terem se transformado em autarquias

vii Meio de produção configurado no ideário tecnicista apoiado na produção pela utilização de insumos agroquímicos, para que se produza mais e com maior quantidade de cultivares híbridos, ver Eli Lino de Jesus (1985). No Brasil na década de 1960 entra, ao final da Guerra do Vietnã, as sobras decorrentes da invasão americana das substâncias utilizadas nas bombas.

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desde a época do final de mandato do Ministro Murilo Hingel, em 1994. Na medida em

que as instituições partilham práticas e ideais, as mesmas avançam em projetos

alinhados a diversidade sociocultural que no passado de tantas determinações, éramos

incapazes de entendermos as redes intersubjetivadas nas práticas cotidianas como

grupos de pertencimentos, que se definiam para formulação e elaboração de projetos

emancipados.

Refletindo sobre essas questões, percebemos que o projeto de modernização do

campo no Brasil carrega o fracasso ou a frustração de uma modernização inconclusa

porque não foram as massas que fizeram à modernização. Sempre a modernização foi

assentada na idéia de um problema técnico, ou seja, despolitizaram e simplificaram o

projeto. Embora tenhamos passado por Canudos, Araquaia, Ligas Camponesas e outros

tantos movimentos de sem terra que os livros de históriaix não contam, como

movimento social campesino emancipado, somente um até hoje vingou, o MST. Tal

fato deve-se justamente porque esse não foi e não é tutelado por intelectuais de partidos,

oportunismos de sindicatos patronais, instituições de Estado, poderes públicos

municipais, organizações patronais, etc.

Continuamos insistindo sobre a prudência da educação pelo pensamento

complexo centrado nas contradições e na práxis de novas ruralidades, visto que o

mesmo pode nos apontar para outro saber/fazer pós-moderno no campo e na produção

cultural, científica e educacional ligada ao rural-cidade. O MST além de ser um

movimento de resistência, traduz-se também como um movimento

propositivo/formulador que entende a educação em Paulo Freire, Miguel Arroyo e

outros no sentido da ação e do pensamento pedagógico dialógico, cuja intervenção na

práxis compreende a reinvenção/recriação da educação em processos auto-

organizativos. Para ambos os autores, os homens/mulheres se educam e aprendem

juntos mediatizados pela contextualização, significando que educandos e educadores viii Na UFRRJ, no Instituto de Agronomia funciona um Programa de Pós-graduação em Educação Agrícola, que os professores do nosso departamento colaboram e são parceiros na idealização do programa, orientação de dissertações, criado desde 2003. Foi recém credenciado pela CAPES, visando apoiar a capacitação de docentes da educação tecnológica/profissional agrícola. Anterior, temos um curso de formação de professores para o ensino técnico, regular, licenciatura plena, que desde a sua criação mobiliza o departamento nos estudos das ciências pedagógicas e sociais de forma a termos ao longo de 45 anos de estreito conhecimento sobre a formação de professores da agropecuária e do ensino técnico agrícola.

ix Maiores detalhes sobre os movimentos sociais estudar o livro de Martins, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil. Petrópolis/RJ: Vozes, 1985.

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realizam a passagem da consciência ingênua à crítica em co-intenção e co-participação

mediada pelo contexto em que ambos estão submersos. Daí, ambos pensarão em que

bases à educação agrícola consiste e para quem, bem como pensarão e agirão sobre o

projeto de desenvolvimento social e de trabalho adequado à sociedade local-global.

Diz Boaventura Santos que

"vivemos em um mundo complexo, marcado na ordem material pela multiplicação incessante do número de objetos e na ordem imaterial pela infinidade de relações que os objetos nos unem. (...) Nosso mundo é complexo e confuso ao mesmo tempo, graças à força com a qual a ideologia penetra objetos e ações. (...) Na era da ecologia triunfante é o homem quem fabrica a natureza ou lhe atribui valor e sentido, em curso ou meramente imaginários". (2000, p. 171-72)

O mundo complexo de nossos tempos, de que nos fala Boaventura Santos, nos

traz desafios não alcançados na modernidade; desafios cada vez mais comprometidos

com a justiça e à cidadania social e planetária, o que significa dizer que ainda temos

desafios postos na conquista e na concretização da educação, saúde, ciência, moradia,

trabalho para todos no campo. Talvez por isso Giddens se refira ao termo, como

modernidade tardiax. Uma pós-modernidade onde as instituições voltem à atenção para

preparar não indivíduos, mas pessoas em sujeitos/agentes para uma cidadania

planetária, onde o princípio de convivência social, de produção, de trabalho, ambiental

e familiar seja pautado na qualidade da relação ser humano-natureza-solidariedade e não

capital-consumo. Observa-se que a utilização de recursos naturais, degradando de forma

intensa e intensiva o ambiente acirrou a miséria em que uma grande parte da população

dos países periféricos se acha mergulhada. A violência cada vez mais presente no

cotidiano das grandes cidades, dentre outras características deletérias do mundo

contemporâneo vêm exigir atitudes críticas e ações, que vão desde as políticas públicas,

até as posturas individuais e coletivas, somente possíveis nas relações intersubjetivas do

cotidiano, como na educação co-participe com finalidades voltadas para o desvelamento

das ambigüidades que cercam a vida social e o ser humano.

x Isso significa que Giddens (1991, 2002) remete a sua discussão sobre pós-modernidade se baseando nos aspectos da organização social, aos estilos de vida, no nosso caso, a uma cidadania que hoje se apresenta madura em movimentos sociais emancipados da estrutura arcaica, tradicional, mesmo que tardiamente, porque em pleno século XX os movimentos carregam traços da modernidade onde se prometeu liberdade e igualdade.

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De um lado o avanço tecnológico acelera e intensifica novas demandas do

conhecimento, de outro, a transnacionalização do capital, a biotecnologia, a revolução

da microeletrônica, os transgênicos, o campo hegemônico da informação e da

comunicação, demandam de cientistas, educadores e de sujeitos comuns grandes

esforços para lidar com a natureza, no sentido de limitar as formas de produção agrícola

e de serviços no campo no âmbito da sustentabilidade. Sustentabilidade passa a ser um

conceito e uma prática inerente à realidade da vida produtiva e cidadã contemporânea.

Vivemos um paradoxo? Alcançamos um alto nível tecnológico e não podemos usufruir,

pois o conforto de uma classe coloca a outra ao desconforto da miséria. A representação

social de alta tecnologia seria entendida como superior porque foi criada em meio da

comunidade científica? Não podemos construir tecnologias de alto nível em outras

circunstâncias de relações sócio-educacionais e científicas? Como aquelas que vêm

sendo configuradas em redes sócio-técnicas, redes unindo produtores, agricultores

familiares e instituições de ensino-pesquisa, por exemplo, na conformação

agroecológica.

A Guisa de Uma Finalização

Então porque não falamos de educação do campo ao invés de educação

agrícola, uma vez que ao falar de pós-modernidade é impossível não remeter as

identidades sociais e profissionais hegemônicas e subalternas construídas na

modernidade, sobretudo, ainda, identidades compreendidas na constituição do rural

brasileiro. Entretanto, por força das redes contra-hegemônicas envolvendo vários atores

coletivos em ações e fóruns, intensificam-se processos socioculturais e políticos que

desconstroem os laços com o passado que oprimiam os indivíduos a uma visão

homogênea e hegemônica de campo e campesinato, por conseguinte de educação

agrícola. Ao imprimir a dialética crítica como o paradigma de pensamento e ação

pedagógica para orientar a construção e estreitamento de laços na realidade da educação

do campo não basta. Precisamos avançar utilizando a dialogicidade ancorada em

princípios que solapam a disciplinaridade moderna, de modo a seguirmos orientados

para uma prática pedagógica auto-organizativa. Educandos e educadores mudam

mentalidades se se entendem parceiros e subjetivamente enredados por meio da

diversidade e multiplicidade em que os conhecimentos e saberes se assentam para assim

projetarem a reconstrução e ressignificação da práxis. Se assim for possível, que sejam

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os processos formativos e curriculares universitários e escolares capazes de efetivarem

também pelos valores, emoções, gostos, identidades socioculturais. Há menos 20 anos

discutimos e pesquisamos sobre o paradigma da complexidade, mas até quando o

denominaremos de emergente?

No movimento de educação do campo, os atores compreendem que não existe o

rural agrícola somente, o rural tem também o setor de serviços, de administração

pública, do planejamento e da pavimentação, do saneamento, da educação, da reforma

agrária, etc. Mesmo que tivesse só voltado à educação agrícola, no projeto de formação

e capacitação para o trabalho e a cidadania não poderia estar em conectividade

explicitada num único modo/modelo de produção da agricultura/pecuária e de

organização da vida sociocultural. Vários autores, brasileiros e estrangeirosxi, em

diferentes eventos e publicações, vêm defendendo essa nova postura diante da

complexidade que é a realidade atual; defendem processos formativos vislumbrando

uma solidariedade efetiva, pautado num outro “saber cuidar” humano e da natureza.

Assim, o componente ético e humano com o qual a educação superior e as instituições

educacionais têm que estar afinadas não se esgota num código profissional, mas nas

experiências e expressões de alteridade de grupos sociais unidos em projetos políticos e

públicos.

A educação agrícola é um campo de poder das hegemonias políticas e

econômicas, as elites agrárias que controlam a produção agrícola e o espaço tempo rural

de socialização. Infelizmente, essa é uma constatação, mesmo quando nós estudiosos

buscamos relativizar o debate, inserindo as transformações sociopolíticas e culturais que

desde o período da redemocratização no Brasil entram em cena, os protagonistas dos

movimentos sociais do campo, onde o MST é a referencialidade de luta exitosa,

utilizando processos modernosxii de formação para mobilizar os sujeitos visando

alcançar suas expectativas de posse da terra, educação, organização política dos

assentamentos, comercialização, inserção no mercado, etc. enfim, o movimento dos sem

terra é de emancipação das elites e luta pela inclusão social. Por outro lado, no mesmo

sentido do MST, os movimentos do campo de tempo em tempo unidos em diversas

“tribos”xiii (indígenas, trabalhadores rurais, agricultores familiares, ong’s, militantes na

educação, escolas agrícolas, etc. se reúnem num discurso único, interdependente, para

xi Poderíamos citar vários desses autores, mas para iluminar esse trabalho é fundamental destacar Boaventura de Souza Santos, Miguel Arroyo e Leonardo Boff.

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colocarem as suas visões de cultura, educação, produção, trabalho e meio ambiente. Em

rede social e política, os atores coletivos reivindicarem os direitos de viver e produzir

com qualidade social e ambiental, defendendo um modo de produção e de cultura

baseada na Agricultura Ecológica, Orgânica, Agroecológica, enfim uma agricultura

sustentável inserida em projetos de socialização e de formação profissional seja capaz

de reduzir as desigualdades sociais, a discrepante desigualdade na distribuição de renda,

a diversidade de indivíduos e projetos que constituem o campo brasileiro.

Como não acreditamos que as relações sociais de produção sejam tão

determinantes na inculcação de valores dominantes em meio educacional, no cotidiano,

daí parto do princípio que muito do que as políticas educacionais propalaram em

discursos e textos legais não se realizaram de modo crítico, porque as relações de poder

na academia e na gestão escolar atuam como representações políticas daqueles que

emanam as medidas legais. Fazer e pensar a educação agrícola torna-se recorrente trazer

para a cena, a questão das relações entre educação e trabalho em que sujeitos e produção

contraditoriamente se relacionam na configuração do campo brasileiro. Nessa

perspectiva, questionamos esta tentativa constante das políticas educacionais excluírem

dos projetos educativos do setor primário as contradições que assolam o campo

brasileiro. Simplesmente olhar para a educação agrícola favorecendo apenas o projeto

hegemônico do agrobusiness, da monocultura, das práticas de produção dominantes é

olhar para as EAF’s e CEFET’s numa perspectiva alheia aos novos projetos

desenhados/tecidos nas redes sociais, de sujeitos mediados pela dialética que norteia a

xii Falo no sentido da organização pedagógica e política que eles atuam na formação. Possuem teses teóricas e empíricas publicadas, material e pessoal de mídia e jornalismo, promovem cursos, seminários para estudos, formação e capacitação técnica e política, enfim, estão inseridos em várias dimensões socioculturais do campo do urbano.xiiiFalo no mesmo sentido de Michel Mafessoli no seu livro Tempo das Tribos, onde o autor coloca a questão das identidades na pós-modernidade. Para o autor as identidades estão em crises, por fazerem parte de processos que o sujeito não se apresenta tão uniformizado ou unificado na medida em que suas referências pessoais e coletivas da modernidade estão cada vez mais sendo questionadas, uma desordem se apresenta na instabilidade, descentrando e deslocando o indivíduo de suas permanências, regularidades e certezas. Assim Mafessoli acha que a pós-modernidade traz um “tribalismo”, que seria a emergência de “tribos”, “grupos afins em estilo de vida social e de pensamento”, contudo, efêmeros e passageiros. Podem ser grupos que se articulam em diversas causas fincados no presente, sem esperar as promessas de uma emancipação baseada na modernidade. O presente é o aqui e agora sem ancoras em promessas do passado; são grupos que esgotados pela espera da liberdade retomam suas subjetividades em identidades coletivas que se formam num quadro de referencias dos próprios grupos afins. Para maiores estudos sugiro Maffesoli, M. O Tempo das Tribos. Rio de Janeiro: Forense,1998.

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realidade concreta do campo, sobretudo, significa ignorar que no interior circulam

diferentes projetos de vida, sociedade e trabalho que perpassam as novas ruralidades.

Para finalizar alguns dados sobre o que falamos de educação do campo exitosa

que pouco foi levado em conta socialmente, mas demonstra a ação coletiva e auto-

organizativa de sujeitos permeados de um projeto dialético-crítico. Na atualidade a

experiência do MST, descrita em números por Leher (2007) traz em evidência que “o

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST é hoje estruturado em 23

estados. Estima-se que ele tenha cerca de 1 milhão de integrantes, perto de 1.200

assentamentos, uma rede de 12 mil escolas primárias e secundárias, 88 cooperativas

rurais e 96 indústrias processadoras de alimentos” (p.48); quanto aos princípios

filosóficos enfatizados “está a educação para a transformação social; para o trabalho e a

cooperação; para o desenvolvimento das várias dimensões da pessoa humana; educação

com valores humanistas e socialistas; e educação como processo permanente de

formação e transformação humana (...) os números do MST apontam para 17 mil alunos

na Ciranda Infantil (projeto premiado pela ONU) ; 75 mil crianças e adolescentes (7 aos

18 anos) nas escolas de 1ª a 8ª séries) e 800 adolescentes cursando o secundário em

escolas dentro e fora do assentamento, 200 alunos cursando nível superior” (Revista

Educação, n.220, agosto de 1999, PP.33-35).

Para finalizar, gostaria de dizer que a educação agrícola é uma das

modalidades de educação do campo, onde o eixo primordial de formação e

capacitação está permeado por teorias e práticas pedagógicas e políticas, criadas no

próprio movimento e fundamentado no respeito às novas ruralidades, as diferenças, a

política de igualdade, o respeito à especificidade de projetos sociais no campo e à

diversidade de sujeitos (Conferência Nacional Por Uma Educação do Campo,

Luziânia/GO, 2004).

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