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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL-DESSO
RAQUEL CABRAL
A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO A SAÚDE E OS DESAFIOS PARA
EFETIVAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: uma análise sobre o SUS
mediado em Natal/RN
Natal – RN
2014
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RAQUEL CABRAL
A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO A SAÚDE E OS DESAFIOS PARA
EFETIVAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: uma análise sobre o SUS
mediado em Natal/RN
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Serviço Social, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do Grau de Bacharel em Serviço Social.
Professora orientadora: Maria Regina de Ávila Moreira
Natal/RN
2014
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Catalogação da Publicação na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Cabral, Raquel.
A judicialização do direito a saúde e os desafios para efetivação do Sistema Único de Saúde: uma análise sobre o SUS mediado em Natal/RN/ Raquel Cabral. - Natal, RN, 2014.
56f.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Regina de Ávila Moreira.
Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Serviço social.
1. Direitos sociais – Saúde – Monografia. 2. Judicialização da saúde - Monografia. 3. Políticas de saúde – Monografia. I. Moreira, Maria Regina de Ávila. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 342.7:614
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RAQUEL CABRAL
A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO A SAÚDE E OS DESAFIOS PARA EFETIVAÇÃO
DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: uma análise sobre o SUS mediado em Natal/RN
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Serviço Social, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do Grau de Bacharel em Serviço Social.
ORIENTADORA: Mª Regina de Ávila Moreira.
Aprovada em ___/___/______
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________ Profª.: Mª Regina de Ávila Moreira.
Orientadora – Docente UFRN
___________________________________________________________ Profª Josivânia Estelita Gomes de Sousa
Docente UFRN
____________________________________________________________ Assistente Social
Romeika Figueredo Bezerra-CRESS/3481
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos que contribuíram no decorrer desta jornada, especialmente:
À Deus, a quem devo minha vida, por que para Ele e por Ele são todas as coisas;
Aos meus pais, que sempre me apoiaram em tudo especialmente nos estudos e nas escolhas
tomadas, sendo o combustível dessa caminhada, principalmente por acreditarem em cada passo dado durante
minha vida. Meu agradecimento eterno aos valores transmitidos na minha formação humana, social e
acadêmica. Sem dúvida essa conquista é de vocês também;
Ao meu noivo, Pedro Jamys, melhor amigo e companheiro de todas as horas. Obrigada pelo
incentivo, compreensão, carinho e amor compartilhado durante essa jornada e por tornar minha vida cada
dia mais feliz. Sem você, essa conquista não teria o mesmo gosto;
A orientadora Profa. Maria Regina de Ávila Moreira, pela oportunidade e apoio
nа elaboração deste trabalho. A qual sempre tive grande admiração pela sua competência e pela excelente
profissional que é. Agradeço por toda dedicação e paciência;
À professora Josivânia Estelita Gomes de Sousa, pоr seus ensinamentos, paciência е confiança
ао longo dаs supervisões do estágio curricular;
As minhas supervisoras de campo, Kamila Luana Santos Marcelino e Romeika Figueredo
Bezerra, por todo auxílio durante o estágio curricular, pois juntas trilhamos uma etapa importante na
minha formação acadêmica;
A toda equipe da Defensoria Pública do Estado, tanto o Núcleo de Justiça Comunitária
quanto o Núcleo Cível, que durante o período de estágio supervisionado e não obrigatório me acolheu
maravilhosamente bem. Com vocês, aprendi valores profissionais e pessoais que carregarei comigo por toda a
vida, sem dúvida levarei um pouco de cada história e vivência comigo. Vocês conquistaram um enorme
espaço no meu coração;
Aos meus colegas pelo companheirismo e disponibilidade, por me auxiliar em vários momentos e
por fazer parte dessa caminhada tornado-a leve e alegre.
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RESUMO
CABRAL, Raquel. A Judicialização do direito a saúde e os desafios para
efetivação do Sistema Único de Saúde: uma análise sobre o SUS mediado em
Natal/RN. 2014. Trabalho de Conclusão de Curso – Serviço Social, Universidade
Federal Do Rio Grande do Norte. Natal/RN.
O presente trabalho pretende analisar o direito à saúde enquanto um direito social
fundamental conquistado por meio de lutas sociais e normatizado na Constituição
Federal em 1988. A discussão central será a respeito do fenômeno da judicialização
da saúde pública no Brasil, o qual se constituiu e vem se expandindo na sociedade
contemporânea, decorrente da omissão do Poder Público legislativo e executivo. No
intuito de ampliar as discussões da temática, foi desenvolvida uma pesquisa
quantitativa e bibliográfica, utilizando-se do método indutivo para interpretação dos
dados obtidos do Programa SUS MEDIADO, criado e efetivado pela Defensoria
Pública do Estado do Rio Grande do Norte no município de Natal, com a finalidade
precípua de constatar a interferência do Poder Judiciário na busca pela efetivação
do direito a saúde. O primeiro capítulo abordará a conjuntura histórica da política de
saúde no contexto dos direitos sociais, com ênfase na criação do Sistema Único de
Saúde e na organização da saúde no Município de Natal/RN. O segundo capítulo
apresentará os dados da pesquisa, a instituição pesquisada e por fim as conclusões
obtidas a partir dos resultados da mesma. E no terceiro capítulo serão retomados os
desafios para a constituição do direito a saúde, principalmente no modo de produção
capitalista que se encontra em vigor. Logo, pretende-se com a presente investigação
contribuir para a ampliação da discussão sobre a judicialização do direito a saúde,
no que se refere a interferência do Judiciário na questão da implementação de
políticas públicas de saúde como medida de execução desse direito.
Palavras chaves: Capitalismo; Direitos sociais; Estado; Judicialização da saúde.
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ABSTRACT
This paper discusses the right to health as a fundamental social right won through
social and regulated by the Federal Constitution in 1988. The main discussion will be
fights about the phenomenon of judicialization of public health in Brazil, which was
established and is expanding in contemporary society, due to the omission of the
legislative and executive Government. In order to broaden the discussion of the
theme, we developed a quantitative and literature search, using the inductive method
for interpreting the data obtained from the SUS MEDIATED Program, created and
made effective by the Public Defender of the State of Rio Grande do Norte in Natal
with the primary aim for the interference of the judiciary in the quest for the realization
of the right to health. The first chapter will address the historical context of health
policy in the context of social rights, with emphasis on the creation of the Unified
Health System and health organization in the city of Natal / RN. The second chapter
presents the survey data, the research institution and finally the conclusions drawn
from the results of the same. And in the third chapter will be taken up challenges to
the establishment of the right to health, especially in the capitalist mode of production
that is in force. Therefore, it is intended to present research contributes to the
broadening of the discussion about the legalization of the right to health, as regards
the interference of the judiciary in the matter of implementation of public health
policies as a means of implementing Community law.
Keywords: Capitalism; Social rights; State; Judicialization of health.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Orçamento Geral da União (Previsto para 2014)- Total = 2,383 trilhões ..30
Figura 2: Defensoria Pública do Estado - SUS MEDIADO .......................................40
Figura 3: Sala de mediação do SUS MEDIADO ..................................................... 40
Figura 4: Judicialização da saúde no Rio Grande do Norte .....................................45
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Beneficiários de planos privados de saúde, por cobertura assistencial (Brasil - 2003-2014) ................................................................................29
Tabela 2: Distribuição das ações realizadas pela UNICAT na DPE em 2014.......... 41
Tabela 3: Distribuição das ações realizadas pela SMS na DPE em 2014 .............. 41
Tabela 4: Distribuição das ações realizadas pela SESAP na DPE/2014..................42
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CAPs- Caixa de Aposentadoria e Pensões
CF- Constituição Federal
CONASP- Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária
DPE/RN- Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Norte
EBSERH- Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares
IAPs- Institutos de Aposentadorias e Pensões
INPS- Instituto Nacional de Previdência Social
ONU- Organização das Nações Unidas
OS’s- Organizações Sociais
PGE- Procuradoria Geral do Estado
PIB- Produto Interno Bruto
SUS- Sistema Único de Saúde
US- Unidade de Serviço
UTI- Unidades de Tratamento Intensivo
SESAP- Secretaria de Estado da Saúde Pública
SMS- Secretária Municipal de Saúde
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SUMÁRIO
1-INTRODUÇÃO ..................................................................,................................... 12
2-A POLÍTICA DE SAÚDE NO CONTEXTO DOS DIREITOS SOCIAIS ................ 14
2.1- MARCAS SÓCIO-HISTÓRICAS DA POLÍTICA DE SAÚDE ...........,...... 17
2.2- O SUS: CONQUISTAS E DESAFIOS..................................................... 24
2.3- A ORGANIZAÇÃO DA SAÚDE NO MUNICÍPIO DE NATAL/RN ........... 30
3- A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RN: A JUDICILIZAÇÃO DA
SAÚDE OFICIALIZADA .......................................................................................... 35
3.1- O SUS MEDIADO: OS LIMITES DAS PACTUAÇÕES........................... 40
4-DESAFIOS À CONSTITUIÇÃO DO DIREITO: OS LIMITES DO SUS NA
SOCIABILIDADE CAPITALISTA ............................................................................ 46
5- CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 51
6- REFERÊNCIAS .................................................................................................... 54
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1. INTRODUÇÃO
São inegáveis os avanços adquiridos ao longo dos anos no que diz
respeito à criação e ampliação dos direitos fundamentais, porém sua
operacionalização tem necessitado além de muitas lutas sociais, a busca pelo poder
judiciário para a resolução da inoperância das políticas públicas.
Os fatores históricos e sociais revelam que ao longo dos anos, o Estado
vem formulando estratégias para responder os anseios e as necessidades sociais de
forma seletiva, descentralizada e ineficiente. Ou seja, o Estado durante toda a
história não criou medidas capazes de enfrentar os problemas advindos da questão
social. Tão somente criou paliativos para as demandas mais urgentes da sociedade.
Na contemporaneidade não tem sido diferente, a história volta a se
reproduzir com uma nova roupagem. O Estado, no Brasil, continua a responder as
demandas sociais de forma individual, focalizada e superficial, mesmo contando com
um arcabouço de direitos constitucionais expressos e normatizados na CF 1988.
Sabe-se que ao longo da história brasileira houve avanços significativos no que diz
respeito aos direitos e garantias fundamentais, os quais foram expressamente
consagrados na norma maior do país. Porém, o Estado permanece se posicionando
diante dessas mudanças, políticas e sociais, de uma forma desapontadora, uma vez
que continuamente se nega em cumprir com os deveres firmados com a sociedade
na Constituição da República.
Diante desse fato, evidencia-se um fenômeno contemporâneo, que se
intitula como judicialização do direito a saúde. Essa tendência significa que as
questões referentes ao acesso aos serviços de saúde, estão sendo decididas por
órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Poder
legislativo e o Poder Executivo, ou seja, a judicialização envolve uma transferência
de poder para juízes e tribunais. O que resulta a expansão do Judiciário no processo
decisório das democracias contemporâneas, isto significa dizer que a instância
jurídica está de modo cada vez mais intensivo se alargado na sociabilidade
capitalista, devido a omissão do Poder Executivo e dos entes federativos na
elaboração de políticas públicas eficazes que viabilize o acesso aos direitos
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fundamentais, em especial o acesso à saúde, que são imprescindíveis para
manutenção da vida humana.
Sabe-se que a saúde é um direito fundamental de todos e dever do
Estado, cabendo a ele prestar à população; a promoção, proteção e recuperação da
saúde, expressamente trazido na Constituição Federal de 1988. Diante da ineficácia
do Estado na prestação de políticas públicas de saúde, o cidadão invoca o auxílio do
Poder Judiciário para garantir a prestatividade de serviços relacionados à saúde.
A importância desse tema se efetiva a partir das análises feitas sob a
realidade vivenciada no estágio realizado na Defensoria Pública do Estado no
período de junho de 2013 a julho de 2014. Tornou-se notório o crescimento da
procura desta instituição por parte da população para ingressar na justiça em busca
da concretização de direitos, os quais já são normatizados em lei. Todavia não são
efetivados pelo poder público, e dessa forma obriga-os a procurar alternativas para
que se tenha o acesso aos serviços básicos.
A Defensoria Pública tem um programa específico para atender
demandas referente a saúde, que se denomina O SUS MEDIADO e, foi a partir do
citado projeto que foram extraídos os dados da pesquisa e subsequentemente
analisados para elaboração da atual discussão. A pesquisa vale-se do método
indutivo, isto significa dizer que foi a partir do levantamento particular realizado no
programa supracitado, que se chegou a determinadas conclusões gerais. Além do
mais, foi utilizada a pesquisa bibliográfica para aprimorar a discussão.
Espera-se, sem pretensão de se esgotar o assunto, debater essa
realidade que tem se apresentando de forma crescente e nova, impactando o
caráter das políticas públicas, evidenciando a transferência de poder político para o
Judiciário, encarregando essa instância de suprir a ausência das instâncias
administrativas.
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2. A POLÍTICA DE SAÚDE NO CONTEXTO DOS DIREITOS SOCIAIS
São inquestionáveis os avanços políticos e sociais adquiridos ao longo
dos anos pela sociedade, fruto de intensas lutas, resultando conquistas expressivas
no campo dos direitos sociais. Vale mencionar que o reconhecimento e a proteção
dos direitos fundamentais do homem, foram alcançados gradativamente passando
por uma série de evoluções até alcançar o estágio atual, isto significa dizer que não
surgiram simultaneamente, mas aos poucos, em resposta a demanda de cada
época. Lembra bem Bobbio ao ponderar (1992, p. 5) que:
Do ponto de vista teórico [...], os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.
Na concepção de Noberto Bobbio os direitos humanos se afirmaram
historicamente em quatro gerações: 1ª Geração: Direitos Individuais – pressupõem a
igualdade formal perante a lei e consideram o sujeito abstratamente, configurando
os direitos civis e políticos, exemplo direito à vida, à liberdade, à propriedade, à
liberdade de expressão, à liberdade de religião, à participação política; 2ª Geração:
Direitos Coletivos – os direitos sociais, nos quais o sujeito de direito é visto no
contexto social, ou seja, analisado em uma situação concreta; 3ª Geração: Direitos
dos Povos ou os Direitos de Solidariedade: os direitos transindividuais, também
chamados direitos coletivos e difusos, e que basicamente compreendem os direitos
do consumidor e os relacionados à questão ecológica; 4ª Geração: Direitos de
Manipulação Genética– relacionados à biotecnologia e bioengenharia, tratam de
questões sobre a vida e a morte e requerem uma discussão ética prévia (BOBBIO,
1992).
Com base nesse posicionamento, da constituição do direito a partir de
determinados momentos históricos, percebe-se que o direito de segunda geração foi
marcado pela luta da classe trabalhadora na defesa dos direitos básicos. Tratando-
se, portanto de direitos sociais positivos, o qual se exige do Estado à prestação de
políticas públicas, impondo a ele uma obrigação de fazer, efetivando o direito à
saúde, educação, trabalho, habitação, previdência social, assistência social, entre
outros.
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A respeito dos direitos sociais pode-se afirmar que foram tardiamente
reconhecidos pelo Estado brasileiro. Trazidos no ordenamento jurídico brasileiro
apenas em 1988. A Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948 reconheceu
os direitos sociais na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em conjunto com
os direitos civis e os direitos políticos. Porém, no Brasil, apenas com a promulgação
da Constituição de 1988, que se estabeleceu um conjunto de direitos sociais
inerentes ao cidadão nos campos da educação, saúde, assistência social, trabalho e
previdência social. Os direitos fundamentais de cunho social estão explícitos em seu
artigo 6º, da seguinte forma:
São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL, 1988).
É importante apresentar uma conceituação desse termo, e o
constitucionalista JOSÉ AFONSO DA SILVA explica bem ao definir que os direitos
sociais:
São prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações desiguais. Dessa forma, possibilita ao indivíduo exigir do Estado prestações positivas e materiais para a garantia de cumprimento desses direitos (SILVA, 2010, p.286).
Como foi dito anteriormente, no Brasil, o marco da legitimação dos
direitos fundamentais sociais foi a promulgação da Constituição Federal de 1988, a
qual instituiu o Estado Democrático de Direito1, destinado a assegurar o exercício
dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida,
na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias
(Preâmbulo da Constituição de 1988).
Porém, uma década posterior, à promulgação da Carta Magna, a
conjuntura econômica e política do Estado brasileiro foi marcado pelo advento do
neoliberalismo. Essa ideologia político-econômica causou um retardamento na
implantação e desenvolvimento de alguns direitos consagrados na Lei Maior.
1 Esse processo se deu após ampla mobilização de forças democráticas em resistência a 21 anos de ditadura militar.
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Hoje se vive em tempo de negação de direitos, de contrarreforma do
Estado, em que o país se insere na dinâmica do capitalismo contemporâneo,
marcada pela busca da hegemonia do capital por meio da reestruturação produtiva e
da mundialização, pela desregulamentação dos mercados, pela redução do deficit
fiscal e do gasto público, por uma política de privatização, pela capitalização da
dívida e um maior espaço para o capital internacional, isto significa dizer que o
neoliberalismo vai à contramão dos avanços constitucionais adquiridos em 1988
(BEHRING, 2003).
Diante esse cenário político neoliberal, instaurou-se um caos social na
sociedade brasileira, uma vez que o Estado se omite a garantir o acesso e a
concretização dos direitos fundamentais inaugurados na CF, em especial no que se
diz respeito ao direito a saúde pública, de qualidade e universal. Perante essa
situação, tem se apresentado como uma alternativa, a população brasileira, a busca
pelo poder coercitivo do Judiciário, já que as vias judiciais tem se posto como uma
opção eficaz, trazendo respostas às demandas essenciais.
Deste modo, o fenômeno da judicialização da saúde pública, ou seja, a
necessidade de instauração de procedimentos na esfera jurídica com o objetivo de
ter acesso aos benefícios e/ou atendimento no Sistema Único de Saúde, vem
crescendo significativamente nos últimos anos. Avalia-se que a judicialização da
questão social tem grande visibilidade na sociabilidade capitalista vigente, tornando
inclusive uma estratégia do neoliberalismo no que diz respeito ao acesso às políticas
públicas.
Para melhor compreender as facetas desse fenômeno que se apresenta,
é imprescindível conhecermos a história da política de saúde, suas particularidades
e avanços, até chegar à situação atual que se encontra a saúde brasileira, em
específico a saúde do município de Natal/RN. Assim sendo, esse capítulo trará a
discussão do surgimento das primeiras medidas protecionistas que o Estado
desenvolveu para a sociedade, até chegar na conjuntura atual, em que os cidadãos
buscam a esfera judiciária para compelir o Estado de cumprir com seus deveres e
obrigações, os quais deveriam ser contemplados nas políticas públicas formuladas,
planejadas e executadas pelo governo.
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2.1 MARCAS SÓCIO-HISTÓRICAS DA POLÍTICA DE SAÚDE
Sabe-se que a saúde nunca ocupou lugar central dentro da política do
estado brasileiro, e a evolução histórica das políticas sociais está relacionada
diretamente com a evolução político-social e econômica da sociedade brasileira.
Esse processo evolutivo obedeceu aos avanços do capitalismo.
Sendo assim, é importante saber que sempre existiu algum tipo de
proteção social entre os homens, desde primórdios essas atividades defensivas
eram exercidas por determinados segmentos, são exemplo: a família, a igreja (ações
que se vinculavam a obra cristã) e até mesmo casas de caridade sociais. Essas
ações eram voltadas a determinados grupos ou indivíduos que não tinham o mínimo
para sobrevivência e manutenção da vida.
No Brasil, ao longo da história, a filantropia e assistência social estiveram
associadas intimamente à prática de caridade, ou seja, dependiam de iniciativas
voluntárias e isoladas de auxílio aos pobres e desvalidos. Os problemas sociais
eram mascarados sob a forma de fatos isolados, a pobreza era tratada como
disfunção pessoal dos indivíduos (DAMASIO, 2009). No século XVIII, a assistência
médica era pautada na filantropia e na prática liberal. No século XIX, em decorrência
das transformações econômicas e políticas, algumas iniciativas surgiram no campo
da saúde pública e já nos últimos anos do século, a questão saúde surge como
reivindicação do movimento operário (BRAVO, 2001).
Antes do reconhecimento da questão social como o conjunto das
expressões das desigualdades da sociedade, não se existia a formulação de
políticas sociais que beneficiasse de forma universal e gratuita a população, existia
um conjunto de medidas coercitivas que controlava as classes subalternas. Porém,
com o avanço do processo de urbanização e industrialização intensificou-se o
empobrecimento da classe trabalhadora e a pauperização das condições de trabalho
da classe operária, desta forma a sociedade burguesa sentindo-se ameaçada pela
insatisfação dessa classe, como meio de enfrentamento recorreu à implementação
de políticas sociais. Conforme a concepção de Iamamoto a questão social pode ser
definida como:
O conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a
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apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade (IAMAMOTO, 1999, p. 27).
A atenção à saúde com responsabilidade do Estado emerge como
expressão da Questão Social no Brasil no início do século XX. Esse século surge
como desafiador para a população, como sendo a época das transformações
econômicas, políticas e sociais decorrentes dos processos de trabalho e de
produção; no qual recai sobre o homem/indivíduo, toda responsabilidade para
manter uma boa qualidade de vida. Mesmo dispondo de um aparato tecnológico
sofisticado, a saúde se materializa como precária o seu acesso, visto que neste
processo de desenvolvimento social, a saúde não é só dispor de condições
psicológicas, físicas e naturais do corpo. Mas, vai muito além do que isso. É
necessário dispor de condições dignas e qualidade de vida.
A partir do século XX, o Estado passou a intervir na proteção social e,
percebeu-se então que essa ganhou mais importância e visibilidade, sendo o Estado
por direito o principal garantidor da proteção social e tendo recursos destinados para
o financiamento dessas, devendo amparar os cidadãos em diversas situações, entre
essas a velhice, desemprego, doença e fome. Porém, todo direito concedido pelo
Estado sempre foi ligado à relação capital e trabalho, sobretudo se fazendo notório
nas implicações da exploração da força de trabalho, que se expressa nas precárias
condições de vida da população subalternizada.
No que diz respeito à constituição da Seguridade como política pública na
sociedade brasileira, é válido destacar os sistemas de socorros mútuos e a criação
das Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs), em 1923, conhecida como Lei Elói
Chaves, a qual se torna o grande marco da previdência social, que estabeleceu a
primeira caixa de aposentadoria e pensão, de início para todos os ferroviários do
país e depois para outras categorias profissionais, beneficiando com aposentadoria
por invalidez, por tempo de serviço, pensão por morte para os dependentes e
assistência médica.
Nos anos de 1989 a 1930:
Foram criados e implementados os serviços e programas de saúde pública em nível nacional (central). À frente da diretoria Geral de Saúde Pública, Oswaldo Cruz, ex-aluno e pesquisador do Instituto Pasteur, organizou e implementou progressivamente, instituições públicas de higiene e saúde no Brasil. Em paralelo, adotou o modelo das 'campanhas sanitárias', destinado a combater as epidemias urbanas e, mais tarde, as endemias rurais. (...) Em termos de poder, o próprio nome sugere que o modelo campanhista é de
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inspiração bélica, concentra fortemente as decisões, em geral tecnocráticas, e adota um estilo repressivo de intervenção médica nos corpos individual e social (LUZ, 1991, p.78).
Durante esses anos a saúde era centrada na prática liberal, as
instituições tinham um cunho caritativo e filantrópico, destinadas aos pobres e
indigentes, exemplo dessas práticas eram as campanhas sanitárias para higienizar
as áreas urbanas das epidemias. A assistência médica era destinada a quem
trabalhava e consequentemente contribuía, ou seja, a proteção era apenas para os
que se encontravam no mercado de trabalho. Esse era um tipo de acesso à
seguridade social que se dava pela via do trabalho e, no Brasil chegava a ser uma
minoria que tinha acesso a esses benefícios. As ações governamentais até meados
do século XX estiveram ou voltadas para atender demandas pontuais, procurando
incorporar os problemas de saúde que atingiam determinados grupos sociais, ou
foram voltadas àqueles que contribuíam com a previdência social.
Em 1930 ascende ao Governo o Presidente Getúlio Vargas com a
“Revolução de 30” e marcará a era de desenvolvimento industrial no Brasil. Neste
momento, o Estado estendeu a todas as categorias do operário urbano organizado
os benefícios da previdência, sendo as CAPs substituídas pelos Institutos de
Aposentadoria e Pensões (IAPs). Com a ampliação das caixas e interesses por
parte do Estado com o montante de dinheiro gerada pelas caixas, esse passou a
administrar os IAP’s. Apesar de significar um avanço para o Brasil, vale salientar que
esses benefícios continuavam restritos para as categorias profissionais e seus
dependentes. Ou seja,
A medicina previdenciária, que surgiu na década de 30, com a criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), pretendeu estender para um número maior de categorias de assalariados urbanos os seus benefícios como forma de “antecipar” as reivindicações destas categorias e não proceder uma cobertura mais ampla (BRAVO, 2001, p. 5).
A década de 1930 foi significativa na configuração de políticas sociais no
Brasil, estabelecendo um arcabouço jurídico e material que conformaria o sistema
de proteção social até um período recente (CONASS, 2011).
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A constituição de 19462 teve o importante papel de redemocratizar o
Brasil e, dentre as principais mudanças, destaca-se que os direitos fundamentais
passam a ter a proteção oficial pelo Estado.
Os marcos institucionais desse período foram:
1. Criação do Ministério da Saúde, em 1953, velha aspiração dos médicos da saúde pública;
2. Reorganização dos serviços nacionais no Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu), em 1956;
3. Implementação da campanha nacional contra a lepra e das campanhas de controle e erradicação de doenças, como a malária, de 1958 a 1964;
4. Realização da 3ª Conferência Nacional de Saúde, em 1963.
No período de 1945 a 19643 houve melhorias nas condições sanitárias no
setor público. No entanto, o setor privado cresceu e se organizou nesse momento
pressionando o financiamento através do Estado, defendendo a privatização da
saúde. Apesar dessas pressões, a assistência médica previdenciária até 1964, era
fornecida basicamente pelos serviços próprios dos Institutos (BRAVO, 2001).
A partir de 1964 o Brasil entrou no período mais conturbado da história,
representou um retrocesso político e social para os brasileiros, momento de
supressão de direitos e garantias, afetando profundamente a saúde pública e a
medicina previdenciária. Em 1966 foi estabelecida a unificação do IAPs no Instituto
Nacional de Previdência Social (INPS), o qual concentrava todas as contribuições
previdenciárias.
A saúde pública nesse período foi marcada pela prática médica curativa,
assistencialista, individual com ações voltadas a saúde coletiva. Além de privilegiar
uma prática médica curativa, em detrimento de medidas de ações preventivas de
interesse coletivo, a política de saúde acabou por propiciar um processo
2 A constituição de 1946 é conquista da derrubada da ditadura de Getúlio Vargas, instaurada em 1937 e que durou até 1945. 3 Em 1945, a queda de Getúlio Vargas foi seguida pela reestruturação do regime democrático no Brasil, pondo fim à Era Vargas. Em dezembro de 1945, o Marechal Eurico Gaspar Dutra venceu as eleições para presidente. Em 1950, Getúlio Vargas vence as eleições. Juscelino Kubitschek foi eleito presidente nas eleições de 1955, assumindo em 1956 até 1961, quando passou o cargo para Jânio Quadros que governou 206 dias até renunciar o cargo, o vice-presidente João Goulart, conhecido como Jango, assumiu após uma rápida crise política: os militares não queriam aceitá-lo na presidência, alegando ser comunista, porém, em 1963, João Goulart recuperou a chefia de governo com o plebiscito que aprovou a volta do presidencialismo. No entanto em 31 de março de 1964, o movimento militar eclodiu em Belo Horizonte e espalhou-se rapidamente por todo o Brasil, praticamente sem reação da esquerda, o golpe militar encerrou o governo do presidente democraticamente eleito João Goulart.
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incontrolável, por parte dos setores privados, que, na busca do superfaturamento,
multiplicavam e desdobravam os atos médicos, optavam por internações mais caras,
enfatizavam procedimentos cirúrgicos desnecessários, alem de utilizar pouco
pessoal técnico e equipamentos antigos, entre outros expedientes (CORDEIRO,
2004).
Faltavam recursos para o investimento no público, enquanto o setor
privado crescia graças ao financiamento do Estado com recursos advindos da
Previdência Social.
Na década de 1970, a assistência médica financiada pela Previdência Social conheceu seu período de maior expansão em número de leitos disponíveis, em cobertura e em volume de recursos arrecadados, além de dispor do maior orçamento de sua história. Entretanto, os serviços médicos prestados pelas empresas privadas aos previdenciários eram pagos por Unidade de Serviço (US) e essa forma de pagamento tornou-se uma fonte incontrolável de corrupção (CONASS, 2011, p.17).
Portanto, com a privatização da esfera pública prevalece a lógica do lucro
e da capitalização, o modelo de assistência médica voltado para a alta tecnologia,
de caráter individual e curativo. Diante dessa conjuntura intensificam-se as críticas
ao modelo de saúde vigente, movimentos populares e de profissionais da área.
A década de 1980 inicia-se com um movimento cada vez mais forte de
reivindicação do modelo de saúde vigente, os movimentos demandavam a
democratização do sistema, a participação popular, à universalização dos serviços,
à defesa do caráter público do sistema de saúde à descentralização. Foi nesse
contexto que se originou o Conselho Consultivo de Administração da Saúde
Previdenciária (CONASP), o qual deveria atuar como organizador e racionalizador
da assistência médica, tendo como prioridade as ações primárias, com ênfase na
assistência ambulatorial e integração dos três níveis, e no sistema regionalizado e
hierarquizado. Dentro do CONASP surgiram as Ações Integradas de Saúde (AIS),
que acarretaram avanços significativos (CONASS, 2011).
Em 1985 no Brasil dá-se o processo de redemocratização após 21 anos
de ditadura militar (1964/1985), período marcado pela opressão, censura,
perseguição política, supressão dos direitos constitucionais e principalmente pela
falta de democracia.
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Um importante fato desta década foi a 8ª Conferência de Saúde4, com o
tema Democracia é Saúde, a qual influenciou e impulsionou a constitucionalização e
a universalização do direito a saúde, marcando um momento importante no
processo de concepção da constituição cidadã nos anos 1980, a qual marcou o
início do restabelecimento dos princípios democráticos no país, representando um
avanço nas conquistas pelos direitos e garantias fundamentais, sejam eles
individuais, coletivos, sociais ou políticos. Sendo resultado das reivindicações da
população nas ruas, nos fóruns sociais realizado pelo movimento Sanitário, o fruto
de toda esta luta pela saúde pública foi à proposta dos fundamentos do Sistema de
Saúde Único (SUS), no qual está contido o legado do conceito de saúde ampliada:
A principal proposta da Reforma Sanitária é a defesa da universalização das políticas sociais e a garantia dos direitos sociais. Nessa direção, ressalta-se a concepção ampliada de saúde, considerada como melhores condições de vida e de trabalho, ou seja, com ênfase nos determinantes sociais; a nova organização do sistema de saúde por meio da construção do SUS, em consonância com os princípios da intersetorialidade, integralidade, descentralização, universalização, participação social e redefinição dos papéis institucionais das unidades políticas (União, Estado, municípios, territórios) na prestação dos serviços de saúde; e efetivo financiamento do Estado (CFESS, p.19 2010).
Segundo Bravo (2014, p. 8):
A saúde, nessa década, contou com a participação de novos sujeitos sociais na discussão das condições de vida da população brasileira e das propostas governamentais apresentadas para o setor, contribuindo para um amplo debate que permeou a sociedade civil. Saúde deixou de ser interesse apenas dos técnicos para assumir uma dimensão política, estando estreitamente vinculada à democracia.
Nessa conjuntura de concepção da Constituição cidadã inaugurou-se um
novo sistema de proteção social pautado na concepção de Seguridade Social que
universaliza os direitos sociais concebendo a Saúde, Assistência Social e
Previdência como questão pública, de responsabilidade do Estado. É a partir dessa
década que veremos a abordagem da universalização dos direitos e sobre o
significado da seguridade social:
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (BRASIL, 1988).
4 8ª Conferencia Nacional de Saúde realizada entre 17 a 21 de março de 1986 em Brasília - Distrito Federal. O temário central versou sobre: I A Saúde como direito inerente a personalidade e à cidadania; II Reformulação do Sistema Nacional de Saúde, III Financiamento setorial.
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Isto significar dizer que a partir dessa década os debates e embates de
milhares de cidadãos ganharam uma força maior, pois suas discussões e propostas
foram normatizadas no ordenamento jurídico brasileiro, significando que a partir
daquele momento que os cidadãos brasileiros podiam exigir do Estado a efetivação
e a tutela de seus direitos, que estavam garantidos explicitamente na Constituição.
Em contrapartida, ao normatizar os direitos sociais o Estado assumiu o
dever de prestar atendimento por meio de políticas sociais que garantissem o
acesso gratuito, universal, laico e de qualidade aos bens essenciais e necessários
da população, que são eles: saúde, educação, lazer, segurança, habitação e
assistência social.
Porém, em 1990 ascende o neoliberalismo no Brasil, atacando o caráter
público das políticas sociais, pois essas deviam ser garantidas pelo Estado para
diminuir as desigualdades sociais e amenizar os efeitos da acumulação capitalista.
Porém, o Estado se omite em atender as demandas da classe trabalhadora e
fortalece a defesa dos interesses do mercado. Os serviços apresentam-se como
mercadorias pela via de privatização. Foi a partir da década de 1990 que:
[...] instalou ‑ se uma forte tendência neoliberal de desmonte e contrarreformas do Estado, fazendo com que as políticas não fossem capazes de atender às demandas societárias e aos quesitos de proteção de direitos sociais determinados pela Constituição. Tampouco o movimento social e os sindicatos, centrais sindicais e entidades representativas dos trabalhadores tiveram força suficiente para fazer valer esses direitos para amplas parcelas da população brasileira (BORGIANNI, 2013, p. 426).
Com isso, a defesa do papel do Estado na saúde para o atendimento dos
segmentos mais pobres da população tem sido fortalecida, pois com a pressão do
desfinanciamento, a universalização está longe de ser alcançada. Considera-se que
a proposição de políticas focalizadas é a “anti-política” social, na medida em que
permite a “inclusão” não por direito de cidadania, mas por grau de pobreza, não
garantindo a base de igualdade necessária a uma verdadeira política social
(SOARES, 2004).
O caráter conservador do projeto neoliberal se expressa, de um lado, na naturalização do ordenamento capitalista e das desigualdades sociais a ele inerentes tidas como inevitáveis, obscurecendo a presença viva dos sujeitos sociais coletivos e suas lutas na construção da história; e, de outro lado, em um retrocesso histórico condensado no desmonte das conquistas sociais acumuladas, resultantes de embates históricos das classes trabalhadoras, consubstanciadas nos direitos sociais universais de cidadania, que têm no Estado uma mediação fundamental. As conquistas sociais acumuladas são transformadas em ‘problemas ou dificuldades’, causa de ‘gastos sociais
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excedentes’, que se encontrariam na raiz da crise fiscal dos Estados (IAMAMOTO, p. 02-03).
Ao observar os fatores históricos mencionados entendem-se os motivos
das políticas públicas atuais possuírem uma baixa eficiência, um caráter clientelista,
paternalista e não universalizante. Durante a maior parte da história viu-se políticas
de saúde seletivas, centralizadas, ineficientes e contributivas, ou seja, a saúde
brasileira passou por um longo processo de desenvolvimento, até ser reconhecida
como um direito de todos, garantido pelo Estado de forma gratuita (BRAVO, 2004).
2.2- O SUS: CONQUISTAS E DESAFIOS.
É inquestionável que a saúde é um direito fundamental de todos e dever
do Estado, cabendo a ele prestar à população: a promoção, proteção e recuperação
da saúde, visto que está expressa na Constituição Federal de 1988.
É o que estabelece expressamente o art. 196 da Lei Magna de 1988:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Foi a partir da difusão e ampliação desse debate, que se colocou a saúde
na pauta política, e assim aprovou-se o Sistema Único de Saúde. A implantação
desse projeto iniciou-se nos anos 1990 após ampla mobilização social. Tem como
grande marco normativo a Lei Orgânica da Saúde (lei nº 8.080/90) que dispõe sobre
as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o
funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. De acordo,
com essa lei, o SUS é definido pelo artigo 4º como “O conjunto de ações e serviços
de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e
municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder
Público, constitui o SUS” (BRASIL, 1990).
O SUS tem como características principais: a universalidade, a
integralidade, a regionalização e hierarquização, a equidade, a descentralização e a
participação popular, além do mais, deve ser eficaz, eficiente e democrático.
Seguindo os princípios trazidos na Lei n. 8.080, no Art. 7º que diz:
As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
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I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;
II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;
III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral;
IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie;
V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde;
VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário;
VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática;
VIII - participação da comunidade;
IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo:
a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios;
b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde;
X - integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico;
XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população;
XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; e
XIII - organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos. (BRASIL, 1990)
Ao analisar esses princípios que norteiam o SUS, verifica-se que cada um
está intrinsecamente ligado ao outro, pois a proposta desse Sistema Único é
universalizar o acesso às ações e serviços de saúde, garantido esse direito a todas
as pessoas, sem distinção de qualquer característica, incluindo a promoção da
saúde, a prevenção de doenças, o tratamento e a reabilitação. Além disso, deve
articular a política de saúde com outras políticas públicas, para assegurar uma
atuação intersetorial entre as diferentes áreas que tenham repercussão na saúde e
qualidade de vida dos indivíduos. O poder e a responsabilidade entre os três níveis
de governo de ser distribuído, hierarquizando o sistema público de saúde em três
níveis: baixa (unidades básicas de saúde), média (hospitais secundários e
ambulatórios de especialidades) e alta complexidade (hospitais terciários).
O princípio da hierarquização é consagrado como basilar para sua
operacionalização, este princípio refere-se a possibilidade de organizar as unidades
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conforme o grau de complexidade dos serviços, ou seja, o a construção de uma rede
que articula as unidades mais simples às unidades mais complexas. Conforme
disciplina o Art. 8º da lei 8.080/1990:
Art. 8º As ações e serviços de saúde, executados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), seja diretamente ou mediante participação complementar da iniciativa privada, serão organizados de forma regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade crescente.
O SUS utiliza-se da política de promoção da saúde como estratégia,
articulando assim, diversas outras políticas para consolidação do seu projeto.
Pensar num projeto de saúde ampliada é pensar em que condições estes sujeitos se
encontram na sociedade, como vivem o que lhes são dados enquanto homens e
mulheres sujeitos de direitos e deveres sociais. Os objetivos do Sistema Único de
Saúde, são especificados no Art. 5º da lei 8.080/90:
São objetivos do Sistema Único de Saúde SUS:
I - a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde;
II - a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a observância do disposto no § 1º do art. 2º desta lei;
III - a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas. (BRASIL, 1990)
É inegável que a sociedade vem passando por transformações e junto
com elas surgem diariamente novas necessidades, fazendo com que a saúde
também alcance novos desafios, e um dos maiores desafios a ser superado é a
implementação de uma política de saúde voltada para população, que de fato
reverta índices que vão da defasagem do saneamento básico à serviços de saúde
de alta complexidade:
O pleno exercício desse direito, entretanto, exige a superação das barreiras econômicas, sociais e culturais que ainda se interpõem entre os usuários e o sistema de serviços de saúde. Do ponto de vista econômico, ainda que a população não precise pagar diretamente pelos serviços (o financiamento é assegurado pelo Estado, mediante a utilização de fundos públicos), não se pode negar que a enorme parcela da população pobre, que vive em pequenos municípios com baixo grau de desenvolvimento econômico ou habitam a periferia das grandes cidades, não dispõem de condições mínimas de acesso aos serviços, às vezes até porque não tem como pagar o transporte necessário para chegar a uma unidade de saúde. Por outro lado, o Estado precisa dispor de um volume de recursos financeiros capaz de ser investido na ampliação da infra-estrutura do sistema, isto é, na construção e reforma de unidades de saúde, na compra de equipamentos e insumos, na contratação e pagamento de pessoal qualificado a trabalhar na produção de ações e serviços de saúde de distintas naturezas e graus de complexidade (TEIXEIRA, p.4)
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No entanto, o que se observa é um sistema de saúde precário e
ineficiente, que obriga uma parte da população a procurar a saúde privada por meio
de planos de saúde, os quais também não atendem os anseios e necessidades da
população, obedecendo a lógica capitalista. Enquanto a população carente e
vulnerável que não pode se enquadrar nessa nova realidade, fica a mercê das
deficiências e das crises do sistema público de saúde.
A capitalização da saúde é outro fenômeno que vem crescendo e se
expandindo por todo Brasil, porém não será analisado no presente trabalho. Vale
mencionar o posicionamento de Vera Telles a respeito da mercantilização dos
direitos:
A destituição dos direitos – no caso brasileiro, a recusa de direitos que nem mesmo chegaram a se efetivar – significa também a erosão das mediações políticas entre o mundo social e as esferas públicas, de tal modo que estas se descaracterizam como esferas de explicitação de conflitos e dissenso, de representação e negociação; é por via dessa destituição e dessa erosão, dos direitos e das esferas de representação, que se ergue esse consenso que parece hoje quase inabalável, de que o mercado é o único e exclusivo princípio estruturador da sociedade e da política, que diante de seus imperativos não há nada a fazer a não ser a administração técnica de suas exigências, que a sociedade deve a ele se ajustar e que os indivíduos, agora desvencilhados das proteções tutelares dos direitos, podem finalmente provar suas energias e capacidades empreendedoras (TELLES, 1998, p.42).
A tabela a seguir demonstra essa realidade do crescimento de planos de
saúde privados.
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Tabela 2- Beneficiários de planos privados de saúde, por cobertura assistencial (Brasil -
2003-2014)
Ano
Beneficiários em planos privados de assistência
médica com ou sem odontologia
Beneficiários em planos privados
exclusivamente odontológicos
Dez/2003 32.074.667 4.325.568
Dez/2004 33.840.716 5.312.915
Dez/2005 35.441.349 6.204.404
Dez/2006 37.248.388 7.349.643
Dez/2007 39.316.313 9.164.386
Dez/2008 41.468.019 11.061.362
Dez/2009 42.706.147 13.280.371
Dez/2010 45.175.151 14.545.246
Dez/2011 46.517.113 17.003.648
Dez/2012 48.278.725 19.169.961
Dez/2013 50.464.395 20.643.993
Jun/2014 50.930.043 21.078.384
Fonte: Sistema de Informações de Beneficiários/ANS/MS - 06/2014
Frisa bem Natalia Cuminale em seu artigo publicado no portal da revista
Veja:
O Sistema Único de Saúde tinha um objetivo claro: universalizar o atendimento aos brasileiros, que, em troca, pagam altos impostos. Como é de conhecimento público, não foi isso o que aconteceu. Passados 22 anos, usuários enfrentam filas e esperam meses e até anos para conseguir realizar uma cirurgia eletiva - os procedimentos não emergenciais. Seria ainda pior se parte da população - 26,3% - não tivesse abandonado o SUS,
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pagando um valor extra por planos privados de saúde (Artigo publicado no portal da Veja em 26.08. 2008).
A crise atual do SUS é ocasionada por uma série de fatores de ordem
social, político e econômico. O orçamento nacional mostra claramente onde estão as
prioridades para a destinação dos recursos públicos. O orçamento para 2014 aponta
uma previsão de gasto de 4,11% do Produto Interno Bruto (PIB) na área da saúde
no Brasil, enquanto mais de 40% é gasto para pagar a dívida externa, percebe-se
uma discrepância de prioridades de investimentos do governo. Esse endividamento
do país tem custos sociais, revelando-se por meio das estatísticas de desemprego,
falta de moradia, redução nos investimentos da educação, saúde, saneamento. É
notório que o percentual destinado a saúde não é suficiente para atender as
necessidades do SUS. Segue abaixo o demonstrativo do orçamento da União para
2014, confirmando o baixo percentual destinado a saúde.
Figura 2: Orçamento Geral da União (Previsto para 2014)- Total = 2,383 trilhões
Fonte: Gráfico extraído do site da Auditoria Cidadã da Dívida.
Essa situação de insuficiência dos recursos e ineficiência dos serviços
são problemas de caráter geral que atinge brutalmente os estados da federação
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brasileira, o estado do Rio Grande do Norte (RN) não fica fora dessa realidade
caótica da saúde. No tópico seguinte enfatizaremos a situação da Capital do RN.
2.3- A ORGANIZAÇÃO DA SAÚDE NO MUNICÍPIO DE NATAL/RN
A organização do sistema de saúde em Natal é determinada por um
modelo de atenção, que são duas: a básica e a especializada em média e alta
complexidade, tanto ambulatorial, quanto hospitalar. Em Natal a prioridade nos
serviços é dada pelo eixo da Estratégia Saúde da Família - ESF; atendendo a
pessoa em sua singularidade, de sua família e toda comunidade a sua volta. No
município de Natal é através da rede básica que há o primeiro contato e do
acolhimento da população pela equipe de saúde, que possibilita a promoção da
saúde e prevenção de doenças e questões sanitárias, já que essa equipe tem a
oportunidade de acompanhar de perto a realidade de seus usuários.
Segundo a portaria GM/MS nº. 648 de 28 de março 2006, a atenção
básica caracteriza-se como.
Conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. É desenvolvida por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias democráticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas às populações de territórios bem delimitados, pelas quais assume a responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade existente no território em que vivem essas populações.
Na atenção especializada o usuário tem acesso a uma linha da produção
de cuidados estruturados em projetos: Alta complexidade - Urgência e emergência,
Especialidades - Hospital, apoio diagnóstico e terapêutico, medicamentos. Na
atenção básica prioriza obrigatoriamente as áreas da Saúde da criança, Saúde
Mental, Saúde do adolescente, Urgências, Saúde da mulher, Meningite, Saúde do
Idoso, Malária, Saúde do Adulto, Hepatites, virais, Saúde Bucal, Hanseníase, Saúde
da Pessoa com Deficiência, Tuberculose, Saúde do Trabalhador, DST/AIDS.
Na atualidade a garantia do direito universal a saúde chega a ser um
grande desafio para a implantação do sistema único de saúde no país e não tem
sido diferente no município de Natal. A construção de redes de serviços
competentes que atendam a população com efetividade é um desafio complexo, que
envolve a compreensão de várias unidades, seus diferentes perfis assistenciais e a
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32
articulação funcional, entre elas os mecanismos de gestão, financiamento e
avaliação de resultados.
A situação atual da saúde pública do Rio Grande do Norte é trágica. Os
hospitais públicos de Natal, Walfredo Gurgel, Santa Catarina, João Machado, estão
superlotados, faltam os materiais mais básico até os mais imprescindíveis para
manutenção da instituição, além de não oferecem as mínimas condições de trabalho
para os profissionais. A superlotação do hospital demonstra o fato de que estamos
em um Sistema Único de Saúde que está sendo sucateado e privatizado. Uma rede
de atendimento que está sendo violentamente atacada desde o âmbito municipal,
estadual e federal. No município de Natal as Organizações Sociais (OS’s) foram
utilizadas para privatizar unidades e só não permaneceram porque o Ministério
Público interveio. Nos hospitais estaduais o sistema de cooperativas conspira contra
o sistema público e também em nível federal, a entrega dos hospitais universitários
como o Onofre Lopes para a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares
(EBSERH) é um claro ataque à saúde pública.
Os hospitais do Estado estão em crise, há um caos generalizado no
setor, com a ausência de leitos, medicamentos e insumos em níveis altíssimos. A
maioria dos pacientes está em macas nos corredores, esperando vagas de
Unidades de Tratamento Intensivo (UTI'’s) e sem tratamento humano. Por todas as
unidades de saúde, é comum a falta de materiais básicos. O quadro caótico do
Hospital Walfredo Gurgel, o maior do Rio Grande do Norte em urgência e
emergência, se tornou preocupante, os pacientes sofrem uma série de violações e
desrespeitos diariamente.
Em 2006, a rede municipal de saúde de Natal era composta por 147
unidades, sendo 80 públicas municipais, 10 estaduais e 4 federais. De forma
complementar, prestando serviço ao SUS municipal, conta-se com 6 unidades
filantrópicas e 47 unidades privadas contratadas (Redesenhando a Rede de Saúde
na cidade do Natal/ Janeiro de 2007).
A Secretaria Municipal de Saúde de Natal (SMS/Natal) faz articulações
com essas organizações da rede de serviços com atuação transversalizada, atuando
em uma perspectiva de atenção integrada, cabendo a essa:
I – promover medidas de prevenção e proteção à saúde da população do
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Município de Natal, mediante o controle e o combate de morbidades físicas,
infectocontagiosas, nutricionais e mentais;
II – promover a fiscalização e o controle das condições sanitárias, de
higiene, saneamento, alimentos e medicamentos;
III – promover pesquisas, estudos e avaliação da demanda de
atendimento médico, paramédicos e farmacêuticos;
IV – promover contratação supletiva de serviços médicos, paramédicos e
farmacêuticos, em situações emergenciais;
V – promover campanhas educacionais e informativas, visando à
preservação das condições de saúde e a melhoria na qualidade de vida da
população;
VI – implementar projetos e programas estratégicos de saúde pública;
VII – promover medidas de atenção básica à saúde;
VIII – capacitar recursos humanos para a saúde pública;
IX – atender e orientar, com cordialidade, a todos quantos busquem
quaisquer informações que se possa prestar relacionadas ao sistema de saúde da
Cidade do Natal, em particular aqueles gerenciados pela Secretaria Municipal de
Saúde;
X – proceder, no âmbito do seu Órgão, à gestão e ao controle
financeiro dos recursos orçamentários previstos na sua Unidade, bem como à
gestão de pessoas e recursos materiais existentes, em consonância com as
diretrizes e regulamentos emanados do Chefe do Poder Executivo;
XI – atender ao disposto na Lei Federal n° 8.080, de 19 de setembro de
1990;
XII – manter, em local visível em cada unidade de Saúde, informações
para os cidadãos acessarem a Ouvidoria através de telefone ou “site”, fazendo valer
os seus direitos a um atendimento digno;
XIII – exercer outras atividades correlatas. (informações obtidas no site
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da SMS-Natal)
Segundo informações da Secretaria de Saúde de Natal, disponíveis no
site do órgão, a atenção à saúde é igual a uma complexa rede que exige mais do
que uma simples ação solitária ou setorial. Na sua dimensão de bem estar físico,
psíquico e social ela é necessariamente uma coprodução que tem de trabalhar com
as oportunidades, com os agravos e com os fatores dos agravos. Portanto, é
importante reconhecer o usuário como sujeito e participante ativo no processo de
produção da saúde.
Na SMS/Natal, o acolhimento surgiu como uma estratégia para a
reorganização do processo de trabalho, melhorando a qualidade dos serviços de
saúde e o fluxo de entrada dos usuários, através de uma escuta qualificada
possuindo como objetivo a identificação de riscos e suas vulnerabilidades.
Em Natal, como em todo Brasil, ainda não vemos a implantação de um
sistema de monitoramento e da avaliação de políticas públicas dos setores e
especialmente na área da saúde. O monitoramento é responsável pela análise da
política durante a execução, dando retorno aos progressos e aos problemas
identificados na rede da saúde. A avaliação corresponde a uma investigação
sistemática do mérito para ter o resultado (positivo ou negativo) da execução da
política. No caso da política de saúde, tanto uma quanto outra (monitoramento e
avaliação) deveriam ser feitas em continuidade, ou seja, com o caráter permanente
e sob a perspectiva do controle social.
Vale destacar que o controle social é a política pela qual a sociedade
pode regular de forma participativa as políticas públicas, ou seja, fiscalizar as ações
do Estado, garantindo sua participação e estabelecendo um compromisso entre
gestores e os usuários junto aos conselhos para que haja a eficiência, eficácia e
efetividade garantindo os princípios da constituição.
Raichelis (2000) considera controle social como um dos elementos
constitutivos da estratégia política da esfera pública:
[...] implica o acesso aos processos que informam decisões da sociedade política, que devem viabilizar a participação da sociedade civil organizada na formulação e na revisão das regras que conduzem as negociações e arbitragens sobre os interesses em jogo, além da fiscalização daquelas decisões, segundo critérios pactuados (RAICHELIS, 2006, p. 9).
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Bravo (2002, p. 45), igualmente partindo do aspecto legal, coloca que o
sentido do controle social inscrito na Constituição de 1988 “é o da participação da
população na elaboração, implementação e fiscalização das políticas sociais”.
Considera os Conselhos de saúde “como inovações ao nível da gestão das políticas
sociais que procuram estabelecer novas bases de relação Estado-Sociedade com a
introdução de novos sujeitos políticos na construção da esfera pública democrática”
(BRAVO, 2000, p. 41-3).
As Conferências e Fóruns de saúde também são espaços fundamentais
para o controle social das condições necessárias para a implementação das
políticas. É por meio do controle social que é possível expor os problemas na área
da saúde no âmbito municipal, estadual e nacional. Porém, esses espaços ainda
não são ocupados em grande quantidade, acreditamos que sejam tanto pela falta de
incentivos, informações como por questão de hábito ao controle social, devidos há
décadas anteriores a falta de oportunidade e repressão a participação.
E o que temos notado é que o poder executivo e legislativo tem se
eximido de garantir políticas públicas que enfrentem essas demandas universais que
perpassam toda a população e o poder judiciário tem tomado para si esse encargo.
Já que é mais vantajoso e conveniente para o Estado conceder uma decisão
favorável, por meio de uma ação judicial, para uma demanda individual e pontual, do
que elaborar, planejar, implementar e monitorar uma política pública efetiva que
beneficiaria todos aqueles que necessitam. Vale destacar que os pedidos
jurisdicional que chegam à justiça são demandas individuais que não atinge a
coletividade, essas pessoas que procuram essa instâncias são pessoas um pouco
mais instruída do que a massa da sociedade, uma vez que o acesso ao judiciário é
extremamente burocratizado e limitado, dificultando e até mesmo impendido a
população mais necessitada da sociedade tenham acesso a essa novo fenômeno.
Frente a essa realidade de ineficiência de um sistema de saúde público e
universal, vê-se a procura do judiciário, levando centenas de pessoas a recorrerem à
justiça para a garantia desse direito positivado na Carta Magna e, veremos adiante
dados que comprovam que essa situação fática.
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3- A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RN: A
JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE OFICIALIZADA.
No contexto retratado no capítulo anterior, deu-se a expansão institucional
do Ministério Público bem como da Defensoria Pública. Neste sentido a Defensoria
Pública do Estado é uma instituição encarregada pela Constituição Federal de
prestar assistência jurídica integral e gratuita às pessoas que não têm condições de
pagar um advogado, garantindo os princípios constitucionais de acesso à justiça e
igualdade entre as partes, e o direito à efetivação de direitos e liberdades
fundamentais. Atuando em qualquer espécie de caso, desde que seja de
competência da Justiça Estadual, sempre na defesa de um cidadão ou de um grupo
de cidadãos hipossuficientes nos termos da lei. Nesse sentido, age garantindo o
direito de pessoas sem condições de arcar com custas processuais, nem honorários
advocatícios. Deste modo, é de primordial importância o papel da Defensoria no
acesso à Justiça, visto que visa melhorar e tornar digna a vida da população
brasileira que necessita de uma resposta do judiciário.
O conceito jurídico de hipossuficentes encontra definição no ordenamento
jurídico brasileiro através da Lei Federal nº 1.060/1950, na qual estabelece critérios
para concessão de assistência judiciária aos necessitados, conforme o texto:
Art. 2º. Gozarão dos benefícios desta Lei os nacionais ou estrangeiros residentes no país, que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil, militar ou do trabalho.
Parágrafo único. - Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.
Com base nesse artigo a Lei Complementar Estadual do RN de n.
251/2003 apresenta uma definição mais precisa daqueles que são considerados
hipossuficientes, citando como necessitado todo aquele que possui renda mensal
individual de até 02 salários mínimos5 ou renda familiar (soma de todas as rendas
individuais dividida pelo número de pessoas da família) de até 01 salário mínimo. Ao
analisar essa definição percebe-se que o direito de acessar ao Judiciário
5 O salário mínimo vigente no Brasil equivale ao valor de 724,00 (setecentos e vinte e quatro reais).
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gratuitamente é restrito, ou seja, mais uma vez se cria uma forma de selecionar as
pessoas que terão acesso a esse direito.
Vale mencionar que a assistência jurídica integral e gratuita aos
hipossuficientes é direito e garantia fundamental de cidadania, inserido
na Constituição Federal, sendo dever da União, dos Estados e do Distrito Federal
instalar a Defensoria Pública em todo o país.
Por conseguinte, com o encargo de atender e de facilitar o acesso a
Justiça das pessoas carentes, a Defensoria apresentou uma proposta de criação do
programa “SUS MEDIADO”, junto a Procuradoria Geral do Estado, a Secretaria de
Saúde do Estado, a Defensoria Pública da União, a Procuradoria Geral do Município
de Natal e a Secretaria de Saúde do Município de Natal, o qual foi lançado em 14 de
fevereiro de 2012, tendo como parceiros os respectivos entes citados.
Acrescente-se a isso, que a parceira tem por objetivo o estabelecimento
de ampla cooperação entre os partícipes, o intercâmbio de ações e a difusão de
informações, visando garantir maior efetividade às políticas públicas de saúde no
Estado do Rio Grande do Norte: evitar demandas e assegurar o acesso dos usuários
hipossuficientes ao SUS, a medicamentos e procedimentos médicos de
responsabilidade do Estado do Rio Grande do Norte e dos Municípios participantes,
previstos no Sistema Único de Saúde – SUS.
As sessões de mediação para resolução administrativa das questões de
saúde amparadas pelo programa ocorrem todas às terças-feiras, através de uma
Câmara de Conciliação, composta por uma representante da Unidade Central de
Agentes Terapêuticos (UNICAT), uma representante da Secretária Estadual de
Saúde Pública (SESAP), uma representante da Secretária Municipal de Saúde de
Natal (SMS) e pelo assistido, que se reúnem na Sede da Defensoria Pública do
Estado, uma vez por semana, com o escopo precípuo de solucionar a demanda
extrajudicialmente, garantindo a esse a efetivação, no plano concreto, do direito à
saúde. Ainda, através do referido programa, assegura-se ao cidadão que não teve o
seu caso solucionado no âmbito extrajudicial, a possibilidade de opor demanda
judicial própria, através de Defensor Público Estadual ou Federal, para efetivação do
seu direito.
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Diante do crescente aumento de demandas de saúde no nosso Estado e
com a finalidade de resolver alguns litígios no âmbito extrajudicial e dessa forma
acelerar a garantia do acesso aos serviços de saúde, foi que a Defensoria propôs
realizar esse programa citado acima. Assim, esse visa não somente apresentar
soluções administrativas, como também facilitar o acesso ao judiciário da população
desprovida de recursos financeiros e principalmente de conhecimento.
Nessa ordem de ideias, a Constituição Federal consagra ser o direito
social à saúde um direito de todos e dever do Estado, devendo o mesmo ser
garantido por intermédio de políticas públicas que visem tanto à redução do risco de
doenças e outros agravos quanto ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Daí incumbir ao Poder Público
dispor, nos termos da lei, sobre a regulamentação, fiscalização e controle dos
serviços públicos de saúde, devendo, sua execução, ser feita diretamente ou por
intermédio de terceiros.
Percebe-se que dos direitos positivados o mais importante sem dúvida é o
direito a vida, o qual é um direito público subjetivo inalienável e indisponível de todo
e qualquer ser humano, exigindo prestações positivas por parte do Poder Público, de
modo que não se submete à "reserva do possível" 6 , ou seja, independe das
disponibilidades orçamentárias do ente público responsável pela sua prestação, uma
vez que nada justifica a negativa da falta de fornecimento de medicamentos,
realizações de exames, cirurgias e até mesmo vagas de UTI’s a pessoas
desprovidas de recursos financeiros para adquiri-los.
Dirley Cunha Junior afirma que: “nem a reserva do possível, nem a
reserva de competência orçamentária do legislador podem ser invocados como
óbices, no direito brasileiro, ao reconhecimento e à efetivação de direitos sociais
originários a prestações”. Deste modo, pactuamos da posição de Leyla Brito de
Castro Sampaio quando aduz que:
A imposição por parte do Executivo do argumento da reserva do possível como grande barreira para a promoção de uma melhor e maior implementação de políticas públicas e de qualidade, e como salvador e
6 Reserva do possível estabelece limites a efetividade dos direitos fundamentais prestacionais, como os direitos sociais.
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justificador das suas omissões gerou total descrédito. Na verdade, ainda que a situação seja de complexa resolução, não seria plausível que a reserva do possível justificasse o injustificável, haja vista ser inquestionável a falta de organização administrativa, os gastos públicos desmedidos e desnecessários em serviços e bens dispensáveis, e a má gestão em todas as esferas públicas, uma vez que não são estabelecidas metas prioritárias pautadas na transformação da realidade social garantidora de melhor qualidade de vida através da oferta do mínimo vital. É irrefutável a dificuldade de lidar com o argumento da reserva do possível, principalmente no que tange a prestações relacionadas à saúde. Quando se está diante de um questão individual o problema se agrava, basicamente porque não há como o Judiciário dimensionar os recursos disponíveis para tanto.
Igualmente, o at. 2º. da Lei n. 8.080/90, que regula as ações e serviços de saúde, prescreve que:
Art. 2º - A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1º - O dever do Estado de garantir a saúde consiste na reformulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1990).
Logo para que haja procedência nessas ações judiciais impetradas pelas
Defensorias Públicas, referente à saúde, interposta em desfavor do Estado, os (as)
defensores (as) apoiam-se na necessidade de garantia do direito fundamental à
saúde, previsto no artigo 196 da Constituição Federal, no artigo 125 da Constituição
Estadual e na Lei 8.080/90. Sustenta-se assim a necessidade de intervenção do
Poder Judiciário para efetivação de políticas públicas de saúde em favor das
pessoas carentes, diante da omissão do Poder Público e a inaplicabilidade do
princípio administrativo da reserva do possível, visto que o direito á saúde e à vida
prevalece sobre limitações de ordem orçamentária.
Diante da necessidade de proteção e efetivação desse direito líquido e
certo de todo cidadão brasileiro a saúde pública, as Defensorias Públicas (tanto
Estadual como da União) atuam na defesa destes direitos violados diariamente por
essa lógica seletiva, focalizada e descentralizada das políticas sociais, que
apresentam esses serviços de saúde como mercadorias pela via da privatização.
A seguir fotos do programa SUS Mediado realizado na DPE/RN:
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Figura 2- Defens
Fonte: Foto tira
Figura 3- Sala de
Fonte: Foto tirada
soria Pública do Estado - SUS MEDIADO
irada no dia 10.06.2014 (terça-feira), na Defensoriadia do programa SUS MEDIADO.
de mediação do SUS MEDIADO
da em 20.10.2014 na Defensoria Pública do Estad
40
ria Pública do Estado no
ado/RN.
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3.1- O SUS MEDIADO: OS LIMITES DAS PACTUAÇÕES.
Cumpre, pois, analisar os dados correspondentes ao mês de Fevereiro de
2014, correspondente ao programa SUS MEDIADO.
Tabela 2: Distribuição das ações realizadas pela UNICAT na DPE em 2014.
UNICAT
DATA ATENDIMENTOS RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA
AÇÃO JUDICIAL
DPU** OUTROS
04/02/2014 8 1 1 5 1
11/02/2014 8 0 2 6 0
8/02/2014 9 0 5 4 0
25/02/2014 6 0 2 4 0
TOTAL 31 1 10 19 1
Fonte: elaboração própria a partir dos dados extraídos do programa SUS MEDIADO/2014/RN.
Tabela 3: Distribuição das ações realizadas pela SMS na DPE em 2014.
SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE – SMS
DATA ATENDIMENTOS RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA
AÇÃO JUDICIAL
DPU** OUTROS
04/02/2014 8 4 4 0 0
11/02/2014 9 7 2 0 0
18/02/2014 10 9 1 0 0
25/02/2014 11 5 5 1 0
TOTAL 38 25 12 1 0
Fonte: elaboração própria a partir dos dados extraídos do programa SUS MEDIADO/2014/RN
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Tabela 4: Distribuição das ações realizadas pela SESAP na DPE/2014.
SETOR DE REGULAÇÃO DA SESAP
DATA ATENDIMENTOS RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA
AÇÃO JUDICIAL
DPU** OUTROS
04/02/2014 7 0 4 0 3
11/02/2014 * * * * *
18/02/2014 2 0 1 0 1
25/02/2014 2 0 2 0 0
TOTAL 11 0 7 0 4
Fonte: elaboração própria a partir dos dados extraídos do programa SUS MEDIADO/2014/RN.
*Não houve atendimento nesta data.
** Defensoria Pública da União: é instituição essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa dos
necessitados, em todos os graus, perante o Poder Judiciário da União (a Justiça
Federal, a Justiça Eleitoral, a Justiça do Trabalho e a Justiça Militar).
É importante esclarecer que as resoluções administrativas são atos
normativos que partem de autoridades superiores, mas não do chefe do executivo,
através das quais disciplinam matéria de sua competência específica. Todos os
cidadãos tem o direito a propor uma ação judicial, por meio de um processo, a fim de
obter uma resposta do Poder Judiciário, no entanto antes que se chega nessa fase é
necessário que se esgote todas as possibilidades administrativas.
Ao analisar os dados evidenciamos que no mês de fevereiro/2014, 49
novas demandas foram encaminhadas para a via judicial por não apresentar solução
no plano extrajudicial, sendo 29 (vinte nove) litígios da competência da Defensoria
Pública do Estado para ingressar com ações correspondentes as demandas
solicitadas. E, 20 (vinte) são da competência da Defensoria Pública da União, as
quais são encaminhadas, a fim de requerer efetivação da sua demanda.
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43
Os dados revelam que o objetivo do programa SUS MEDIADO não tem
sido alcançado, pois o mesmo pretendia solucionar as lides no plano administrativo,
sem precisar que as pessoas recorressem ao poder judiciário para ter seu direito
efetivado. No entanto, observa-se o baixo número de resoluções administrativas, por
parte dos órgãos que compõem o programa. E, com isso confirma-se que o Estado
tem se omitido em garantir políticas públicas que enfrentem essas demandas
colocadas pela Questão Social que perpassam essa sociedade.
Em relação a essas ações que são impetradas pela Defensoria para
viabilizar o acesso à saúde, os resultados tem sido satisfatórios, na sua grande
maioria, ou seja, ao pleitear esse direito líquido e certo o demandante tem alcançado
seu objetivo, o seu desígnio no que se diz respeito à prestação jurisdicional
realizada pelo estado7.
Porém, o caminho que é preciso percorrer para se ter garantido este
direito, é burocrático, moroso e desgastante, fazendo com que muitas pessoas que
necessitam dessa intervenção jurídica desistam de pelejar por seu direito aos
serviços de saúde. O processo judicial no todo é extremamente corrosivo em todos
os aspectos, seja ele físico ou psíquico, uma vez que as pessoas que chegam à
procura desse órgão já sobrevieram de uma série de violações de direitos, além da
fragilidade em relação à demanda que lhe fizera chegar até ali, já que essa está
estreitamente relacionada ao bem maior de qualquer ser humano, a VIDA. Além de
todos esses desgastes, ainda se tem a burocracia legislativa, pois cada ação
estabelece que seja seguido um procedimento legal, ou seja, cada uma tem suas
particularidades e exigências próprias, dificultando ainda mais a situação dos
usuários.
Assim, é bastante comum haver a desistência de ingressar na Justiça,
devido a vários fatores, dentre eles: as condições objetivas e/ou subjetivas dos
assistidos, pois muitos não têm recursos financeiros suficientes para se locomover
diversas vezes a instituição ou a outros órgãos necessários; outra barreira diz
respeito às regras do sistema jurídico. Esse fator é referente à competência
7Jurisdição: poder que detém o Estado para aplicar o direito ao caso concreto.
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territorial8 e atuação da Defensoria a qual é limitada; outro obstáculo e o mais
importante deles é a questão da utilidade da decisão, pois alguns até conseguem
ultrapassar os limites e óbices impostos pela burocracia, entretanto, quando se
alcança o objetivo esse não tem mais importância alguma, uma vez que a vida, em
geral, não mais existe para que seja executada a medida. É habitual acontecer nas
ações que demandam vagas em Unidade de Tratamento Intensiva (UTI), quando os
familiares até chegam a acionar o Judiciário. Porém, quando a decisão vem ser
proferida, o usuário já veio a óbito.
Vale mencionar que em 2013 o Governo do Estado foi condenado a
pagar, R$ 40 milhões em demandas judiciais originárias no âmbito da Secretaria de
Estado da Saúde Pública (SESAP). Com esse montante seria possível abastecer o
Hospital Walfredo Gurgel – o maior do Estado – por quase um ano. Atualmente,
segundo a Procuradoria Geral do Estado (PGE), 4,6 mil ações judiciais com a
mesma temática tramitam no Judiciário. A demanda é de usuários do SUS que são
obrigados a recorrer à Justiça para conseguir, na maioria das vezes, um leito de UTI,
medicamentos ou procedimentos cirúrgicos. Portanto:
Ocorre que nessa esteira, forma-se um circulo vicioso para todos os envolvidos, através do qual o Judiciário se mostra cada vez mais parcial, as demandas individuais satisfeitas por meio de decisão judicial afetam as contas públicas e, nesse sentido, afetam por consequência a implementação das políticas e programas que deveriam beneficiar a uma coletividade, enquanto o dinheiro está sendo utiliz