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Ordem Soberana e Militar do Templo de
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Prioratus Ibericus
Estudos II
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Ordo Templi
Ordem Soberana e Militar do Templo de
Jerusalm Universal
Prioratus Ibericus
Estudos II A cavalaria perfeita
e as virtudes do bom cavaleiro
no Livro da Ordem de Cavalaria
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Ordo Supremus Militaris Templi Hierosolimitani Universalis
(c) 1994 / 2013 - Magisterial Council / Prioratus Ibericus / Luis de Matos
"Estudos II - A cavalaria perfeita e as virtudes do bom cavaleiro no
Livro da Ordem de Cavalaria (1275), de Ramon Llull"
Por: Ricardo da COSTA (c)
1 Edio - Maio 2013
Akademia Templria de Sintra
akademia.osmthu.org
Reservados todos os direitos. proibida a reproduo total ou parcial desta publicao.
Destina-se exclusivamente a uso privado.
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Estudos II
A cavalaria perfeita
e as virtudes do bom cavaleiro
no Livro da Ordem de Cavalaria
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ndice
Introduo 9
I. O cavaleiro (miles) 10
II. A cerimnia de iniciao do cavaleiro (adoubement) 11
III. A cavalaria, terror da poca: as guerras privadas (fehde) 13
IV. A cristianizao da cavalaria de Sat: a Paz de Deus 14
V. O processo civilizador da Igreja: o juramento do cavaleiro 16
VI. A produo luliana 19
VII. A Arte luliana 20
VIII. O Livro da Ordem de Cavalaria 22
IX. A oposio virtudes/vcios no Livro [...] 27
Fontes Consultadas 33
Bibliografia Citada 33
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A cavalaria perfeita
e as virtudes do bom cavaleiro no
Livro da Ordem de Cavalaria
de Ramon Llull
Ricardo da COSTA
In: FIDORA, A. e HIGUERA, J. G. (eds.) Ramon Llull caballero de la fe.
Cuadernos de Anurio Filosfico - Srie de Pensamiento Espaol.
Pamplona: Universidad de Navarra, 2001, p. 13-40.
(o texto foi traduzido para o espanhol)
e a nobreza de coragem elegeu o cavaleiro sobre os homens que lhe esto em baixo em
servido, nobreza de costumes e de bons ensinamentos convm ao cavaleiro, pois
nobreza de coragem no poderia subir na alta honra de cavalaria sem eleio de
virtudes e de bons costumes. Ramon Llull. Livro da Ordem de Cavalaria, VI, 1 (a
partir de agora como LOC).
Quando Ramon Llull escreveu essas linhas, por volta de 1280, a cavalaria j era
uma ordem firmemente estabelecida no seio da sociedade do ocidente medieval
europeu. Depois da religio, ela encarnava, para os espritos da poca, os valores
mestres da cultura (DUBY, 1989, 23), sua mais forte concepo de vida
(HUIZINGA, s/d, 58).
Com sua obra, Llull pretendia iluminar com valores morais e ticos os novos
pretendentes cavalaria, registrando por escrito os cdigos cavaleirescos, a
sacralizao do rito de passagem (adoubament), a simbologia das armas do
cavaleiro e principalmente as virtudes que o cavaleiro deveria conhecer e os vcios
que deveria evitar para honrar a ordem de cavalaria e se tornar um cavaleiro de
bons costumes e bons ensinamentos (LOC, VI, 1, 89).
S
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Destes vrios temas tratados por Ramon, gostaria de analisar mais detalhadamente
aqui o ltimo ponto: a questo das virtudes e vcios, um dos temas mais frequentes
na literatura e filosofia medieval e presente em quase todas as obras de Llull, como
veremos adiante. Para isso, farei antes uma breve anlise da cavalaria medieval,
seus cdigos, preceitos para, a seguir, tratar dos ideais cavaleirescos lulianos,
especialmente as virtudes crists tratadas no Livro da Ordem de Cavalaria.
I. O cavaleiro (miles)
No tempo de Ramon, a palavra miles era utilizada para definir o indivduo
pertencente cavalaria. A origem destes milites de difcil preciso e delimitao.
Inicialmente, isto , no final do sculo IX, aps a dissoluo do imprio carolngio,
os historiadores perceberam que este grupo social encontrava-se bastante prximo
da aristocracia rural originria da nobreza carolngia (os nobiles ou nobiliores).
Trabalhavam a seu servio em determinadas regies no existiam sequer
militeslivres (PACAUT, s/d, 374). Mas com o passar do tempo este grupo
nobilitou-se, ascendeu socialmente e passou a ser confundido com a prpria
nobreza.
Este processo de fuso foi brilhantemente analisado por Georges Duby: deixando
de lado as obras literrias neste caso mais propensas a distores e analisando
uma documentao jurdica proveniente da Borgonha, dos cartulrios da abadia de
Cluny um tipo de material muito mais afeito identificao dos estatutos sociais
dos envolvidos em discusses de bens e negociatas Duby reconstituiu a evoluo
do sentido da palavra miles, desde o seu surgimento, em 971, at o sculo XIII.
Segundo Duby, inicialmente, miles designava apenas a superioridade social do
vassalo. Mas de 1032 at 1100 o vocbulo substituiu gradativamente as outras
formas que exprimiam a distino social, passando a designar toda a aristocracia
laica (DUBY, 1989, 24-26). Este processo, precoce na Borgonha, difundiu-se para
as outras regies da Europa, de modo que, no tempo em que Llull escreveu seu
tratado, a cavalaria estava estreitamente associada nobreza hereditria detentora
de terras.
No entanto, preciso advertir que esta assimilao nunca foi completa e, em alguns
lugares, como no Sacro Imprio, a cavalaria manteve-se sempre como um estrato
social dependente e distinto da nobreza (PACAUT, s/d, 375). Outro exemplo desta
diversidade medieval o reino de Portugal: at meados do sculo XIII, seus
cavaleiros (milites nobiles) constituam a camada mais baixa da nobreza, utilizando
este termo apenas para diferenci-los dos camponeses e cavaleiros-vilos - homens
livres, no-nobres e grandes proprietrios (MATTOSO, s/d, 548; COSTA, 1998,
104-108).
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II. A cerimnia de iniciao do cavaleiro (adoubement)
Assim, pelo menos na Frana, por volta do ano mil, a cavalaria passou a existir
como uma instituio social, exclusiva da nobreza. Mas para o processo se tornar
completo era necessrio estabelecer com preciso as regras que determinariam o
ingresso do pretendente. Embora ainda profana e domstica, a cerimnia de
iniciao (adoubement) j estava solidificada neste mesmo perodo.
Ela acontecia entre os 18 e 20 anos: ser cavaleiro distinguia o adolescente do
adulto. O rapaz era introduzido no grupo de cavaleiros do senhor da fortificao,
do castelo ou da torre, o castelo (castellanus, ou, em lngua vulgar, sire) o
detentor do poder pblico, aquele que tinha o poder de ban (um poder militar,
judicial e econmico) (LE GOFF, 1983, I, 127). O castelo recebia dos camponeses
as exaes (exactio ou consuetudo), o fornecimento de vveres (DUBY, 1992, 78).
Em troca disso, ironicamente, tinha a responsabilidade de conservar a paz (DUBY,
1999, 115).
Convidado a mostrar suas capacidades viris num simulacro de combate, o
pretendente, se vitorioso, recebia um golpe curto e seco na nuca ou no rosto (a
cole ou paume), sinal de aceitao por parte do grupo e que foi marcado com o
carter cavaleiresco (BLOCH, 1987, 330). Esta bofetada era um dos sinais
comemorativos da poca: o contato entre a mo do investidor e o corpo do
investido servia como uma espcie de transmisso da energia exclusiva do novo
estatuto, exatamente como o tapa que o bispo dava no clrigo que era ordenado
padre (BLOCH, 1987, 327).
Ento o castelo presenteava o jovem cavaleiro com suas armas, um casaco de
couro, a cota de malha (haubert), o elmo, a espada. Elas eram consideradas
mgicas, especialmente a espada, pois tornavam-se parte do cavaleiro e de seu
modo de vida Ramon Llull dedica boa parte de seu Livro simbologia das
armas do cavaleiro (COSTA).
A investidura muitas vezes terminava com a quintana: o novo cavaleiro, montado
em seu cavalo, atravessava um escudo com um golpe de sua lana, gesto simblico
que indicava a mudana de categoria. A partir da, at que se casasse e se tornasse
chefe de uma linhagem, o jovem seria um sergent, o servidor armado do castelo, e
ficaria agregado manada (maishie), o squito de guerreiros solteiros que o
castelo tinha o dever de alimentar e levar sempre consigo nas cavalgadas, essas
aventuras violentas que aconteciam sempre a cada primavera (DUBY, 1999, 119-
120).
Entre seus membros havia diferenas notveis de fortuna. Os historiadores
precisaram basicamente duas categorias de cavaleiros. Acima, uns poucos, os que
possuam um castelo. Formavam parte de uma elite, pois tinham o poder de ban.
Abaixo, a grande maioria dos cavaleiros, os que pertenciam categoria de milites
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gregarii, pois viviam sombra de um senhor (DUBY, 1992, 75). Levando uma vida
relativamente pobre, muitos destes milites gregarii tinham uma existncia semi-
camponesa, pois dirigiam sozinhos o cultivo de suas pequenas propriedades
(PERROY, 1994, vol. VII, 22). Existiam mesmo aqueles que, para no descer ao
nvel dos camponeses, optavam em sair pelo mundo em busca de aventura. Muitos
destes eram secundognitos.
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III. A cavalaria, terror da poca: as guerras privadas (fehde)
Este grupo social representava a violncia, o esprito de agresso e pilhagem da
poca, pois qualquer pretexto era motivo para esses homens turbulentos lanarem-
se uns contra os outros. Estavam assim, sempre matando, em movimento: nas
batalhas, caando o javali, organizando torneios.
Mas o maior sofrimento que infligiam s populaes especialmente aos
camponeses eram as guerras particulares, as vinganas, chamadas de fadas
(fehde), isto , o direito da vtima de um prejuzo causar ao seu autor prejuzo igual.
Nestas fadas, a principal estratgia cavaleiresca era arruinar o inimigo matando e
aleijando o maior nmero possvel de camponeses, alm de destruir suas plantaes
e celeiros. O objetivo era reduzir as fontes de renda do inimigo.
Por exemplo, Thomas de Marle, sire de Coucy a partir de 1116, nas palavras do
abade Suger, um lobo raivoso ajudado pelo Demnio, alm de tomar terras de
conventos provavelmente um dos motivos da censura eclesistica , em suas
guerras privadas cortava pessoalmente a garganta dos que considerava rebeldes e
torturava os prisioneiros pendurando-os pelos testculos at o peso do corpo
arranc-los (TUCHMAN, 1990, 10).
Essas violncias aconteciam porque as prticas judicirias eram lentas e imperfeitas:
no existiam tribunais regulares que recebessem a queixa e agissem contra o
agressor. Assim, o cavaleiro que sofria um dano por parte de um de seus pares
devia fazer justia com suas prprias mos. Toda discrdia entre cavaleiros
resultava em conflito armado. O carter do processo estimulava as agresses: os
juzes eram apenas conciliadores, no impunham a sentena. Isso encorajava o
recurso violncia, e os maiores prejudicados eram os camponeses (PERROY,
1994, 29-30).
Alm disso, essa violncia era institucionalizada: a cavalaria estava integrada ao
sistema feudo-vasslico. Para o vassalo, o senhor era como seu pai, pois deveria
proteg-lo, aconselh-lo e aliment-lo. Mais do que isso: desde o ano 1000
difundiu-se por todos os lados a ideia que o senhor de uma manada tinha o dever
de, alm de dar cavalos, armas e outros tantos adornos militares, conceder uma
terra, uma tenncia (tenure), um benefcio que durasse o tempo do devotamento do
cavaleiro e que simbolizasse os laos de dependncia de homem para homem.
O senhor deveria mostrar-se generoso com seus homens. At que quebrassem a
palavra empenhada, estes vassalos deveriam receber um espao fsico, uma igreja,
um dzimo, um campo arrendado a camponeses, enfim, uma renda regular que o
sustentasse: era o feudo. Esse gesto de largueza por parte do senhor se tornou to
comum que, pouco a pouco, entre 1030 e 1075, o sentido do ato se inverteu: o
feudo passou ento a determinar a fidelidade e os servios do vassalo, e se tornou
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hereditrio. A partir de ento, o senhor teve a seu dispor cada vez mais vassalos que
desconhecia, e o sistema passou a oferecer cada vez mais fissuras, brechas para a
quebra dos votos de fidelidade (DUBY, 1999, 125).
IV. A cristianizao da cavalaria de Sat: a Paz de Deus
Desta forma, o tempo da cavalaria foi tambm, por excelncia, o tempo do
feudalismo. Nos reinos nascidos da partilha do imprio carolngio (Frana,
Alemanha, Borgonha-Provena e Itlia), do sculo X ao XIII, as duas instituies
se desenvolveram e se mesclaram num imbricado sistema de relaes pessoais. O
servio militar dos cavaleiros (servitium) era, para o senhor, o principal motivo do
contrato vasslico.
Com o armamento completo ou apenas uma parte dele, o cavaleiro deveria tomar
parte da cavalgada, integrar um simples servio de escolta ou mesmo servir de
guarda num dos castelos do senhor, o chamado stagium - existiam ainda uma srie
de pequenos servios obrigatrios para o vassalo, como, por exemplo, segurar a
cabea do rei quando este, no decurso de uma travessia, aliviava o estmago
vomitando (GANSHOF, s/d, 122-140).
A paz que o castelo tinha o dever de manter era como um frgil fio ao sabor do
vento. Pois o tempo dos feudais foi, sobretudo, o tempo dos saques, dos dios
atrozes entre as linhagens, violncias que as crnicas fartamente ilustram. por
esse motivo que, por volta de 1130, So Bernardo, ao enaltecer as virtudes da nova
cavalaria dos templrios, no se cansa de criticar a militia saeculari, que ele chama
de malcia (malitiae), num jogo de palavras (milcia/malcia) que mostra a plena
compreenso dos clrigos a respeito da origem social desse tenso estado de coisas:
Vs, milicianos, como haveis se equivocado to estupendamente? Que fria os tem
arrebatado para verem a necessidade de combaterem at se esgotarem com tanto
dispndio sem outro salrio que a morte ou o crime? Cobristes vossos cavalos com
sedas, pendurastes telas belssimas em vossas couraas; pintastes as lanas, os
escudos e as selas; recarregastes os arreios e esporas de ouro, prata e pedras preciosas.
E com toda essa pompa se lanastes morte com um furor cego e nscia insensatez.
O que so essas coisas, arreios militares ou vaidades de mulher? Ou credes que pelo
ouro a espada inimiga se amedronte para respeitar a formosura das pedras e no
transpasse seus tecidos de seda?
Por experincia, vs sabeis muito bem que so trs as coisas de que mais necessita o
soldado em combate: agilidade com reflexos e precauo para defender-se; total
liberdade de movimentos em seu corpo para poder movimentar-se continuamente, e
deciso para atacar. Mas vs afagastes a cabea como as damas, deixastes crescer o
cabelo at cair sobre os olhos; vestistes vossos prprios ps com amplas e largas
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camisas; sepultastes vossas covardes e afeminadas mos dentro de luvas que as
cobrem por completo.
E, o que todavia mais grave pois isso os leva ao combate com grandes
ansiedades de conscincia , que guerras to mortferas se justificam com razes
to enganosas e pouco srias. Pois, o que ordinrio, o que s induz guerra at
provocar o combate a no ser em vosso caso so sempre paixes de iras
incontrolveis, o af de vanglria ou a ambio de conquistar territrios alheios. E
estes motivos no so suficientes para poder matar ou expor-se morte com uma
conscincia tranquila. (BERNARDO DE CLARAVAL, 1983, II, 501-503)
Atravs dos olhos de quem podemos observar esse mundo, os clrigos, a cavalaria
era de Sat, no de Deus. Era necessrio civiliz-la, ou, em outras palavras,
cristianiz-la. Com o binmio cavalaria/feudalismo, a cristianizao da cavalaria
veio acompanhada da campanha da Paz de Deus. O objetivo desta campanha era
pr fim s violncias exercidas pelos homens da guerra e proteger todo o restante
da sociedade no-beligerante (camponeses, mercadores e religiosos no armados
sim, pois muitos clrigos participavam de batalhas e campanhas militares).
Vrias assembleias foram reunidas com esse objetivo: Charroux, no Poitou (989),
Le Puy (990), Limoges e Anse, no Mconnais (994) (BONNASSIE, 1985, 163). A
melhor descrio dessas grandes assembleias foi feita pelo monge e cronista Raoul
Glaber (1044), considerado a melhor testemunha da primeira metade do sculo XI
(DUBY, 1986, 23):
Foi ento [no milsimo ano da Paixo do Senhor], primeiro nas regies da
Aquitnia, que os abades e os outros homens dedicados santa religio comearam
a reunir todo o povo em assembleias, para as quais se trouxe numerosos corpos de
santos e inumerveis relicrios cheios de santas relquias. A partir da irradiaram,
pela provncia de Arles, depois pela de Lyon; e assim, por toda a Borgonha e at nas
regies mais recuadas da Frana, foi anunciado em todas as dioceses que em
determinados lugares, os prelados e os grandes de todo o pas iam reunir assembleias
para o restabelecimento da paz e para a instituio da santa f.
Quando a notcia destas assembleias foi conhecida de toda a populao, os grandes,
os mdios e os pequenos para elas se dirigiram, cheios de alegria, unanimemente
dispostos a executar tudo o que fosse prescrito pelos pastores da Igreja: uma voz
vinda do Cu e falando aos homens sobre a terra no teria feito melhor. Porque todos
estavam sob o efeito do terror das calamidades da poca precedente, e atazanados
pelo receio de se verem retirar no futuro as douras da abundncia.
Um documento dividido em captulos, continha ao mesmo tempo o que era proibido
fazer e os compromissos sagrados que se tinha decidido tomar para com o Deus todo
poderoso. A mais importante destas promessas era a de observar uma paz inviolvel;
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os homens de todas as condies, qualquer que fosse a m ao de que fossem
culpados, deviam a partir da poder andar sem receio e sem armas. O ladro ou
aquele que tinha invadido o domnio de outrem estava submetido ao rigor de uma
pena corporal.
Aos lugares sagrados de todas as igrejas devia caber tanta honra e reverncia que, se
um homem, punvel por qualquer falta, a se refugiasse, no sofreria nenhum dano,
salvo se tivesse violado o dito pacto de paz; ento era agarrado, retirado do altar e
devia sofrer a pena prescrita. Quanto aos clrigos, aos monges e s monjas, aquele
que atravessasse uma regio na sua companhia no devia sofrer nenhuma violncia
de ningum (citado em DUBY, 1986, 164-165).
O movimento, popular e com o firme apoio dos oratores, se espalhou at o norte da
Frana. Era uma exclusividade francesa, o resultado da impotncia do rei francs,
pois no Sacro Imprio o soberano ainda era capaz de manter a ordem e a justia. A
violncia dos cavaleiros na Frana era tanta que Paz de Deus juntou-se, a partir
dos anos 1020-1040, outro movimento: a Trgua de Deus, uma imposio de
armistcio semanal, inicialmente de dois dias, mas que chegou a quatro (da noite de
quarta-feira at a manh de segunda). Era um remdio, uma tentativa dos clrigos
de pr ordem no caos face debilidade da autoridade rgia. Os poderes
eclesisticos assumiram a tarefa, utilizando a principal arma de seu ofcio: a
excomunho.
V. O processo civilizador da Igreja: o juramento do cavaleiro
Esta tentativa de conter a pulso agressiva dos cavaleiros era sacramentada por
meio de um juramento, quando o guerreiro colocava suas mos sobre relquias
sagradas, mgicas, e fazia uma srie de promessas de paz. Lendo inversamente uma
dessas promessas, registrada pelo bispo Gurin de Beauvais por volta dos anos
1023-1025, pode-se imaginar o insustentvel e sombrio cotidiano das populaes
que viviam junto aos senhores da guerra e o temor que deveria passar pela cabea
de um campons ou clrigo ao avistar um enxame daqueles milites gregarii:
No invadirei de forma alguma uma igreja. Em razo da sua salvaguarda tambm
no invadirei as adegas que esto nos termos de uma igreja, salvo no caso de um
malfeitor ter infringido esta paz, ou em virtude de um homicdio, ou da captura de
um homem ou de um cavalo. Mas se por estes motivos eu invado as ditas adegas,
no trarei nada a no ser o malfeitor ou o seu equipamento, com perfeito
conhecimento.
No atacarei o clrigo ou o monge se no trazem as armas do mundo, nem aquele
que caminha com eles sem lana nem escudo; no tomarei o seu cavalo, salvo em
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caso de flagrante delito que me autorize a faz-lo, ou a no ser que tenham recusado
reparar a sua falta num prazo de quinze dias depois do meu aviso.
No tomarei o boi, a vaca, o porco, o carneiro, o cordeiro, a cabra, o burro, o feixe
que traga, a gua e o seu potro no adestrado. No agarrarei o campons nem a
camponesa, os sargentos ou mercadores, no ficarei com os seus dinheiros; no os
arruinarei tomando-lhes os seus haveres sob o pretexto da guerra do seu senhor, e
no os chicotearei para lhes retirar a sua substncia.
O macho ou a mula, o cavalo ou a gua e o potro que esto na pastagem, no
despojarei ningum deles, desde as calendas de Maro at o Dia de Todos os Santos,
salvo se os encontro a causarem-me danos.
No incendiarei nem destruirei as casas, a no ser que a encontre um cavaleiro
inimigo ou um ladro; a menos tambm que estejam adjuntas a um castelo que seja
mesmo um castelo.
No cortarei, arrancarei ou vindimarei as vinhas de outrem, sob o pretexto da
guerra, a no ser que estejam sobre terra que e deve ser minha. No destruirei os
moinhos e no roubarei o trigo que a se encontre, salvo quando estiver em cavalgada
ou em expedio militar pblica, e se for sobre a minha prpria terra.
Com perfeito conhecimento meu no concederei nem apoio nem proteo ao ladro
pblico e provado, nem a ele nem a seu empreendimento de banditismo. Quanto ao
homem que conscientemente infringir esta paz, deixarei de proteg-lo, desde que o
saiba; e se agiu inconscientemente e que venha a recorrer minha proteo ou bem
farei uma reparao por ele, ou bem obrigarei a faz-la no prazo de quinze dias,
depois do que estarei autorizado a pedir-lhes contas ou retirar-lhe-ei a minha
proteo.
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No atacarei e nem despojarei o mercador ou o peregrino, salvo se cometerem uma
m ao. No matarei o gado dos camponeses, a no ser para a minha alimentao
e da minha escolta.
No capturarei o campons e no lhe retirarei a sua subsistncia por instigao
prfida do seu senhor.
No atacarei as mulheres nobres, nem os que circularo com elas, na ausncia do seu
marido, a no ser que os encontre cometendo alguma m ao contra mim com o seu
movimento; observarei a mesma atitude para com as vivas e as monjas.
Tambm no despojarei aqueles que transportam o vinho em carroas, e no ficarei
com os seus bois. No prenderei os caadores, os seus cavalos e ces, exceto no caso de
serem nocivos a mim ou a todos aqueles que tomaram o mesmo compromisso e o
observam para comigo (...)
Desde o comeo da Quaresma at a Pscoa no atacarei o cavaleiro que no use as
armas do mundo e no lhe retirarei a subsistncia que tiver consigo. Se um
campons fizer mal a um outro campons ou a um cavaleiro, esperarei quinze dias;
depois do que, se no fizer reparao desprender-me-ei dele, mas s tomarei de seus
haveres o que est legalmente fixado (citado em DUBY, 1986, 166-167).
Todas essas promessas mostram a virulncia cavaleiresca contra a sociedade feudal
do sculo XI. A Paz de Deus, a Trgua de Deus e os juramentos dos cavaleiros
sobre as relquias frearam um pouco as pulses, os mpetos agressivos dos
guerreiros. Mas ainda faltava cristianizar os rituais cavaleirescos para tornar
completo esse processo civilizatrio.
Para a consecuo deste processo, a partir do sculo XI elaborou-se o ideal
cavaleiresco, sempre baseado nas prescries da Paz e na Trgua de Deus. Os
oratores perceberam que no bastava evitar a brutalidade dos cavaleiros contra os
fracos: passaram ento a exigir do cavaleiro que protegesse a sociedade no-
beligerante com suas armas (PACAUT, s/d, 377).
A sacralizao dos gestos pelos quais as armas eram entregues ao cavaleiro recm
ingresso na ordem tinha como objetivo estender o reino de Cristo ao mundo dos
homens atravs da espada em forma de cruz Ramon Llull no esquecer essa
imagem cristolgica da espada:
Ao cavaleiro dada a espada, que feita semelhana da cruz, para significar que
assim como nosso Senhor Jesus Cristo venceu a morte na cruz na qual tnhamos
cado pelo pecado de nosso pai Ado, assim o cavaleiro deve vencer e destruir os
inimigos da cruz com a espada. E porque a espada cortante em cada parte, e
cavalaria existe para manter a justia, e justia dar a cada um o seu direito, por
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isso a espada do cavaleiro significa que o cavaleiro mantm a cavalaria e a justia
com a espada (LOC, V, 2, 77).
A sacralizao do ritual de adoubement pode tambm ser percebida pela mudana
do vocabulrio: ...no se arma apenas um cavaleiro. Procede-se sua ordenao.
(BLOCH, 1987, 329). Os clrigos procuraram assim transformar a entrega das
armas num sacramento ento entendido como um ato de consagrao.
Em resumidas contas, era este o estado de coisas quando Ramon Llull escreveu o
Livro da Ordem de Cavalaria, ou seja, a no ser num curto espao de tempo e em
circunstncias especiais como a cruzada, por exemplo (tema que, por sua
extenso, propositalmente no tratei aqui) a tica cavaleiresca forjada pelos
religiosos para esse grupo social no vigorou. Talvez o Livro da Ordem de
Cavalaria seja, alm de uma proposta de entrelaar a filosofia da Igreja com a
prtica guerreira das ordens de cavalaria, o registro escrito pstumo de um ideal j
h muito abandonado, ou poucas vezes seguido na prtica.
De qualquer modo, para compreender o sentido da obra de Ramon e suas
propostas utpicas, necessrio v-la na perspectiva maior do conjunto das obras
lulianas, para ento tentar precisar o universo de sentidos que Ramon atribui s
virtudes e vcios.
VI. A produo luliana
A vasta produo luliana duzentas e quarenta e quatro obras sobreviveram at
os dias de hoje foi dividida pelos especialistas em quatro etapas (Bonner, 1989.
Citarei como OS):
1) Fase pr-artstica (1271-1274, fim da poca de estudo at sua viso no monte
Randa),
2) Fase quaternria (1274-1289, subdividida em dois ciclos [Ciclo da Ars
compendiosa inveniendi veritatem [ca.1274-ca.1283] e Ciclo da Art demostrativa
[1283-1289]),
3) Terceira fase (1290-1308, perodo caracterizado por uma tentativa de facilitar a
compreenso de sua Arte) e
4) Fase ps-artstica (1308-1315. J com mais de setenta anos, Llull passou a se
preocupar com problemas concretos, filosficos [campanha anti-averrosta] e lgicos,
alm de livros polemistas).
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O Livro da Ordem de Cavalaria se insere no incio do ciclo da Ars compendiosa
inveniendi veritatem (ca.1274 - ca.1283), isto , ainda no incio de sua produo
literria. A obra uma aplicao prtica de sua Arte. Para que o leitor compreenda
seu sentido, necessrio explicar o que era a Arte luliana, segundo seu prprio
autor.
VII. A Arte luliana
A Arte luliana (Ars) era um sistema de pensamento aplicvel a qualquer tema ou
problema especfico, uma tentativa de unificar todo o pensamento da cultura
medieval e um instrumento para investigar a verdade das criaturas tendo como
pressuposto apriorstico a verdade de Deus,
criada com o objetivo de converter os infiis
(PRING-MILL, 1962, 31-32).
A Ars luliana era mais que uma doutrina: era
uma tcnica, um sistema, um modo de
exposio tcnico de uma cincia
(BONNER, OS, I, 64) uma definio
bastante anloga ao perodo: os medievais
consideravam o conceito de ars como uma
doutrina do fazer humano. Para os
medievos, arte era sobretudo uma tcnica,
...a especializao do professor, assim como
o tm as suas o carpinteiro ou o ferreiro.
Aps Hugo de Saint-Victor, So Toms, no
sculo seguinte, extrairia todas as consequncias dessa proposio. Arte toda
atividade racional e justa do esprito, aplicada tanto produo de instrumentos
materiais como intelectuais: uma tcnica inteligente do fazer. (LE GOFF, 1993,
57).
Arte era uma ordem fundamental do esprito (CURTIUS, 1996, 77). Esta
concepo baseava-se em dois fundamentos: um cognoscitivo (ratio, cogitatio),
outro produtivo (faciendi, facctibilium). Arte, para o medievo, era sobretudo um
conhecimento de regras, atravs das quais coisas poderiam ser produzidas. Era uma
virtude, uma ...capacidade de fazer algo, e, portanto, uma virtus operativa, virtude
do intelecto prtico. A arte inscreve-se no domnio do fazer, no do agir (...) a
teoria da arte , antes de mais nada, uma teoria da profisso. (ECO, 1989, 131-
132).
Arte era tambm a maneira pela qual Ramon Llull enfocava a filosofia ou a
teologia: ele quase no discutia um conceito isoladamente (como faziam seus
contemporneos Toms de Aquino e o franciscano Duns Scotus [c.1265-1308 ]).
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Em lugar disso, apresentava um grupo de conceitos, onde o que interessava era o
lugar que eles ocupavam e a sua relao com os outros conceitos limtrofes
(BONNER, OS, vol. I).
Por fim, a aplicao da Arte luliana possua cinco usos, segundo seu prprio
criador:
1) Conhecer e amar a Deus amar a Deus era um preceito cristo (Mc 12,30 e Lc
10, 27), mas amar e conhecer a Deus era uma caracterstica da teologia muulmana,
o que indica uma influncia islmica no pensamento de Ramon (GAY
ESTELRICH, 1974, 47-51),
2) Unir-se s virtudes e odiar os vcios, um processo que, segundo Llull, refrearia as
paixes com a virtude da temperana (voltarei adiante a estas questes relativas s
virtudes),
3) Confrontar as opinies errneas dos infiis por meio das razes convincentes, ou
necessrias,
4) Formular e resolver questes e
5) Poder adquirir outras cincias em um breve espao de tempo e tirar as concluses
necessrias segundo as exigncias da matria.
Isto fazia da Arte luliana uma cincia das cincias, proporcionando critrios para
um ordenamento preciso e racional de todo o conhecimento (ROSSI, 1960, 44-45;
BONNER, OS, 69-71).
Figura da "Ars Magna", Ramon Llull, 1305
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VIII. O Livro da Ordem de Cavalaria
No se sabe o local da redao da obra, nem sua datao precisa: provavelmente
entre os anos 1279-1283. O Livro apologtico e doutrinrio, tem contedo
missional e pretende ocupar espao na formao dos novos pretendentes
cavalaria, iluminando o caminho dos novios com valores espirituais, morais e
ticos.
Llull inicia seu livro com um pequeno Prlogo, que difere bastante em sua forma
literria do restante da obra. A histria simples: vendo a proximidade da morte,
um velho cavaleiro escolheu a vida eremita da floresta. Um dia, um escudeiro que
viajava adormeceu em seu cavalo e foi levado pelo animal presena do eremita. O
escudeiro tinha o desejo de ser feito cavaleiro, e viajava para participar de cortes
reunidas por um grande rei. Maravilhados um com o outro, eles conversaram.
Quando o escudeiro disse ao eremita no conhecer as regras da cavalaria, o velho
deu a ele um antigo livro, escrito para restaurar a honra, a lealdade e a ordem que os
cavaleiros deveriam ter. O jovem, agradecido, chegou corte do prestigioso rei e
presenteou-o com o livro dado pelo eremita, para que todos pudessem l-lo com
frequncia e tivessem sempre presentes em suas almas os ideais da cavalaria (LOC,
Prlogo, 2-11).
Ramon utilizou neste Prlogo vrios motivos novelescos provenientes do chamado
Ciclo do Graal - tema desenvolvido por Chrtien de Troyes no sculo XII na obra
Perceval, e se relaciona a crenas clticas (como o caldeiro da abundncia, por
exemplo). Pouco mais tarde, Robert de Boron comps uma trilogia na qual o Graal
se tornou a taa em que Cristo bebeu na ltima ceia e que mais tarde continha seu
sangue recolhido por Jos de Arimateia na crucificao.
No sculo XIII foram desenvolvidas vrias obras annimas com base no
manuscrito de Boron, as quais tratavam da busca espiritual do Graal pelos
cavaleiros do rei Artur. O Graal seria o objeto perfeito, capaz de garantir a
prosperidade ao reino de Camelot. S o cavaleiro perfeito, isto , puro e sem
pecados (Galaaz), seria capaz de encontrar o Santo Vaso (ZIERER, 1999).
Dos temas tratados no Ciclo do Graal, Llull utilizou: a floresta como lugar da
solido reflexiva, o velho cavaleiro feito ermito, a relao cavaleiro-ermito e o
escudeiro que adormece e levado pelo cavalo (SOLER I LLOPART, 1988, 15).
A forma literria da obra se reduz praticamente ao Prlogo e aplicao alegrica
na quinta parte do tratado: o restante dedicado argumentao dialtica com um
discurso alegrico didtico-moral para Llull, cincia escrita em livros , se
estabelecendo ento um claro contraste entre as partes (SOLER I LLOPART, 1989,
21).
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J no Prlogo o leitor percebe os propsitos da obra. A cavalaria e o povo cristo se
perderam, preciso trazer o rebanho de volta, ilumin-lo. A obra possui um
sentimento de nostalgia: era necessrio fazer-se o soerguimento da cavalaria, j que
o quadro era absolutamente decadente: cavaleiros ladres e traidores de sua causa,
reis e prncipes malvados.
Para Llull, as maiores misses do cavaleiro seriam: pacificar os homens, manter e
defender o cristianismo e vencer os infiis. A cavalaria deveria estar a servio da f
crist. Para tanto, o cavaleiro deveria imbuir-se dos mais nobres ideais, pois esta era
uma misso divina, e s os puros de corao deveriam ter acesso a ela. Sendo
assim, a cavalaria deveria escolher seus combatentes entre os nobres.
Llull limita o nmero de cavaleiros e afirma que os pretendentes devem ser ricos,
para poderem possuir todo o armamento necessrio ao seu ofcio: ...cavalaria no
observa multido de nmero (LOC, III, 1, 53). Isto fica ainda mais claro quando
da festa que acontece aps a sagrao do cavaleiro: o nobre que ir armar o
cavaleiro novio deve dar presentes aos convidados, e o novo cavaleiro tambm:
Naquele dia deve ser feita grande festa de oferecimento, de convites, justas, e das
outras coisas que convm festa de cavalaria. E o senhor que faz cavaleiro deve
presentear ao novo cavaleiro e aos outros novos cavaleiros; e o cavaleiro novo deve
presentear, naquele dia, porque quem recebe to grande dom como a ordem de
cavalaria, sua ordem desmente se no d segundo deve dar. Todas estas coisas e
muitas outras que seriam longas de contar pertencem ao fato de dar cavalaria (LOC,
IV, 13, 75).
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Na quinta parte da obra (Do significado que existe nas armas de cavaleiro LOC, V,
77- 87), Llull desenvolve uma argumentao alegrica: a atribuio de um
significado a cada uma das armas do cavaleiro. Em todos os casos, Llull insiste em
explicar uma relao analgica entre signo e realidade, estabelecendo um sentido
existente entre o mundo fsico e o metafsico, uma transcendncia (SOLER I
LLOPART, 1989, 12).
As obrigaes materiais restringem consideravelmente os nobres que desejam
ingressar na cavalaria, tornando-a quase um corpo de elite. A Igreja deve cercar a
cavalaria com seus ideais para que ela no se perca nos pecados mundanos. Isto
est bem claro quando Llull afirma que a maior amizade existente deve se dar entre
clrigos e cavaleiros:
Muitos so os ofcios que Deus tem dado neste mundo para ser servido pelos homens;
mas todos os mais nobres, os mais honrados, os mais prximos dos ofcios que
existem neste mundo so ofcio de clrigo e ofcio de cavaleiro; e por isso, a maior
amizade que deveria existir neste mundo deveria ser entre clrigo e cavaleiro (LOC,
II, 4, 25).
Da o elogio milcia dos templrios feito cem anos antes por So Bernardo: as
ordens militares (templrios, hospitalrios e posteriormente os cavaleiros
teutnicos) seriam a personificao do ideal cavaleiresco: ofcio de clrigo e de
cavaleiro juntos num s homem, duas bases da pirmide social unidas no ideal da
guerra santa.
Outro ponto que unia as duas instituies (Igreja/Cavalaria) era o cerimonial que
antecedia a sagrao do novio. A confisso e a data para a entronizao do
cavaleiro (qualquer festa honrada do ano cristo) indicavam que se tratava de uma
cerimnia de carter religioso. O jejum em honra do santo do dia e a observncia
de no participar da festa em si (o cavaleiro no deveria ouvir jograis, considerados
transmissores do pecado) eram sinais do sagrado totalmente inseridos neste
universo blico:
O escudeiro deve jejuar na viglia da festa, por honra do santo da festa. E deve vir a
Igreja orar a Deus na noite antes do dia em que deve ser feito cavaleiro; deve velar e
estar em preces e em contemplao e ouvir palavras de Deus e da ordem de cavalaria;
e se escuta jograis que cantam e falam de putarias e pecados, no comeo da entrada
na ordem de cavalaria comea a desonrar e a menosprezar a ordem de cavalaria
(LOC, IV, 3, 67).
Com os dez mandamentos e os sete sacramentos da Igreja, todos eles jurados pelo
cavaleiro na missa solene da sagrao (LOC, II, 5-8, 69-71), a Igreja revestia o
cerimonial militar com uma aurola sagrada indissolvel. O ideal cavaleiresco
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luliano muitas vezes quebrado na prtica tinha assim um propsito firme de
entrelaar a filosofia da Igreja com a prtica guerreira das ordens de cavalaria. Tal
meta visava o restabelecimento de um passado mtico glorioso, ligado diretamente
nobreza e cavalaria do tempo de Carlos Magno, rei-perfeito na concepo
medieval.
Vimos que, desde o final do sculo XII, a cavalaria era criticada pelo clrigos, por
no cumprir sua misso primeva e adquirir valores mundanos, como, por exemplo,
os torneios (LE GOFF, 1994, 267-279). Mas no tempo de Ramon, e especialmente
no final de sua vida (sc. XIV), as prprias monarquias, em determinadas ocasies,
tambm faziam coro aos eclesisticos: muitos cavaleiros se transformavam em
exrcitos de mercenrios e se aliavam s milcias urbanas: eram as chamadas
Grandes Companhias, o terror do sculo XIV (TUCHMAN, 1990, 205-213).
Diante de tamanha presso, a cavalaria se refugiou nesta ideologia cavaleiresca que
Ramon defende, construda com elementos eclesisticos e nobilirquicos. A
ideologia um sistema de representaes globalizante, deformante e estabilizador,
que pretende preservar as relaes sociais. Ela no um reflexo do vivido, mas um
projeto de agir sobre a realidade social (DUBY, 1982, 21), permitindo ao grupo
criar uma identidade comum que coordene suas aes e faa-o agir coletivamente.
Numa mesma sociedade coexistem vrias ideologias concorrentes, correspondendo
a diferentes estratos culturais, tnicos e de relaes de poder (DUBY, 1995).
Associada a um sistema de crenas, a ideologia medieval baseava-se em textos da
teologia crist. A Igreja pretendeu, a partir do sculo XI, moralizar o mundo
militar, moldar a cavalaria a um cdigo tico particular. Atravs da literatura
clerical composta para um auditrio guerreiro, pouco a pouco foi tomando corpo
uma ideologia prpria ao grupo de cavaleiros, a ideologia cavaleiresca, realizao
do esquema ideolgico das trs ordens do feudalismo (DUBY, 1995, 144).
Os eclesisticos ofereciam uma ideologia cavaleiresca baseada em sua prpria
concepo de sociedade. Apesar de matizaes diversas, percebo duas tendncias
bsicas da atuao da Igreja sobre a cavalaria. A primeira, mais antiga e radical,
pretendia a integrao da cavalaria na instituio eclesistica. Vimos que seu maior
representante foi So Bernardo, que justificava a violncia dos cavaleiros templrios
atravs de uma finalidade correta:
Mas os soldados de Cristo (os templrios) combatem seguros nas batalhas do Senhor,
sem temor algum por pecar ao se colocarem em perigo de morte e por matar o
inimigo. Para eles, morrer ou matar por Cristo no implica criminalidade alguma e
reporta a uma grande glria (...) o soldado de Cristo mata com segurana de
conscincia e morre com mais segurana ainda (BERNARDO DE CLARAVAL,
BAC, 503).
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curioso o fato de Llull ignorar completamente esta obra de So Bernardo
embora o catalo trate do cavaleiro secular, e o santo, do monge-cavaleiro
(OLIVER, 1958, 175-186).
De qualquer modo, visto em retrospecto no conjunto da cavalaria medieval, esta
corrente de interveno eclesistica demonstrou pouca eficcia. Apesar de seu
mpeto inicial, levado a cabo atravs das ordens militares (na Europa,
principalmente com a expanso para o Leste Drag Nach Osten promovida
pelos cavaleiros teutnicos na Prssia [MILITZER, 1993, 165-193]), ela fracassou
definitivamente com a decadncia dessas mesmas ordens militares (templrios
[BARBER, 1991], hospitalrios e teutnicos) e com a perda definitiva da Terra
Santa em 1291 (NICHOLSON, 1995, 125-128).
A segunda linha ideolgica, mais moderada e de maior alcance temporal,
legitimava a funo da cavalaria na sociedade e reconhecia sua violncia, em
determinadas condies, como o meio lcito para um fim. Por exemplo, o papa
Gregrio VII (1073-1085) pretendia submeter a cavalaria a seu programa de
reforma, fundando uma militia Petri (DUFFY, 1998, 94-99).
No entanto, tal corrente ideolgica desejava controlar os cavaleiros por meio de
uma tica, atribuindo cavalaria ideais, objetivos e normas de comportamento
sacralizando o grupo com um cerimonial e a criao do conceito de ordo. O Livro
da Ordem de Cavalaria se insere nesta segunda tradio ideolgica. Era sua
proposta oferecer uma ideologia cavaleiresca com o objetivo de formar um projeto
social coerente atravs de cinco pontos:
1) Funo
2) Determinao da posio social
3) Construo de um sistema tico, baseado na anttese virtude vcio
4) Proposta de mecanismos de reforma e
5) Oferecimento de um esquema tipolgico imaginrio (SOLER I LLOPART,
1988, 47).
A principal finalidade da obra era instruir os cavaleiros nas virtudes prprias da
ordem de cavalaria, tema que passo agora a analisar.
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IX. A oposio virtudes/vcios no Livro da Ordem de
Cavalaria
Ramon desenvolve o tema virtudes/vcios praticamente em todas as sua obras,
pois, como vimos, este era um dos cinco usos possveis de sua Arte. No Livro da
Ordem de Cavalaria, Llull trata do tema com o objetivo de legitimar a ordem
cavaleiresca, ou, em suas palavras, torn-la bem acostumada (LOC, V, 1, 89).
Ramon inicia ento com as virtudes teologais e cardeais:
Todo cavaleiro deve conhecer as sete virtudes que so raiz e princpio de todos os bons
costumes e so vias e carreiras da celestial glria perdurvel. Das quais sete virtudes
so as trs teologais e as quatro cardeais. As teologais so f, esperana, caridade. As
cardeais so justia, prudncia, fortaleza, temperana (LOC, V, 2, 89).
Virtude (virtus) deriva de vir (virilidade, vigor, homem, masculinidade). O sculo
XIII considerado o tempo da virtus por excelncia, isto , o tempo da vontade
como potncia da vida. Para os filsofos medievais, o racionalismo deveria ceder
terreno ao voluntarismo, pois se pensava o divino como um ser volitivo (BHLER,
1983, 96).
Por outro lado, conceitualmente, virtude significa fora, poder, eficcia de uma
coisa (FERRATER MORA, 1982, 419), algo merecedor de admirao, que
tornaria seu portador uma pessoa melhor, moral ou intelectualmente
(BLACKBURN, 1997, 405).
Desde Plato e Aristteles, o conceito foi entendido, para o primeiro (virtudes
cardeais), como uma capacidade de realizar uma tarefa determinada (PLATO, A
Repblica, Livro I, 353a, 49-50); para o segundo (virtudes morais ou excelncia
moral), como um hbito racional, que tornaria o homem bom (ARISTTELES,
tica a Nicmanos, Livro II, 2, 1103b, 35-36 e Livro II, 6, 1106, 40).
Estas quatro virtudes cardeais (prudncia, justia, fortaleza e temperana) pontos
referenciais para a potncia do homem , eram utilizadas por todos os pensadores
medievais. Toms de Aquino, ainda defendeu o conceito de virtude aristotlica
como uma consequncia dos hbitos humanos, mas sobretudo como perfeio da
potncia (capacidade de ser alguma coisa) voltada para seu ato (TOMS DE
AQUINO, Suma Teolgica, volume III, q. 55).
So Toms ainda aproveitou este sistema referencial para demonstrar que s as
virtudes morais poderiam ser chamadas de cardeais, pois exigiriam a disciplina dos
desejos (rectitudo appetitus), virtude perfeita (Suma, II, 1, q. 52). De fato, esta a
base de todas as citaes medievais posteriores sobre as virtudes cardeais, inclusive
Ramon Llull, que se vale principalmente da ideia de virtude como hbito.
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Por outro lado, as virtudes teologais. Elas se encontram em So Paulo (c.10-66
d.C.), em sua Primeira Epstola aos Corntios, escrita por volta dos anos 50-57 d.C.
Ao comentar o uso e a hierarquia dos carismas um dos problemas cruciais do
cristianismo primitivo So Paulo, trata da importncia da caridade (Ainda que
eu falasse lnguas, as dos homens e as dos anjos, se eu no tivesse a caridade, seria
como um bronze que soa ou como um cmbalo que tine) (Bblia de Jerusalm,
1991, 1Cor, 13, 1, 2.164).
No final desta passagem, So Paulo fala das trs virtudes teologais: f, esperana e
caridade, sendo que a caridade no sentido grego de gape, um amor de dileo,
que quer o bem do prximo, sem fronteiras, que busca a paz no sentido mais puro,
o amor que a prpria natureza de Deus a maior delas (Bblia de Jerusalm,
1Cor, 13, 13, 2.166).
Sempre junto dessas virtudes, o pensamento em Deus. Estes atributos (imperativos)
deveriam ser encadeados. Tambm para Ramon Llull as virtudes deveriam ser
ativas: atravs de sua ao, de sua prtica social, a ordem dos cavaleiros seria
reconhecida pelo restante do corpo social.
E o que Llull entendia exatamente por virtude? O estudo das virtudes lulianas se
insere no mbito da tica, de uma tica das virtudes. A tica, junto com a
Metafsica e a Epistemologia, considerada um dos trs pilares da Filosofia, e
estuda a natureza e os fundamentos do pensamento e da ao moral, em geral,
cincia da conduta.
A tica luliana possua base aristotlica, privilegiando as virtudes. Ramon
comparava as correspondncias e contrariedades entre virtudes e vcios, tpica de
seu tempo, partindo de uma gnese filosfica de cunho psicolgico: o que
impulsionava o homem a filosofar era a admirao, o ato de maravilhar-se, pelo
assombro do espetculo da natureza e pela falta de caridade e devoo a Deus por
parte dos homens de seu sculo.
Esta estupefao dava lugar a uma conscincia moral que justificava uma atitude
apologtica: o homem cristo deveria difundir a f. Assim, a tica luliana estava
dividida em quatro segmentos:
1) a chamada primeira inteno (a preocupao com a soluo do problema da
finalidade do universo)
2) os dois movimentos da alma (para o bem e para o mal) em relao liberdade
3) a conscincia como diretriz da conduta prtica
4) o sentido correcionista da tica (TOMS Y JOAQUN CARRERAS Y
ARTAU, EL, vol. I, 1, 1957).
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Mas o que interessa ressaltar na tica luliana sua montagem atravs de contrrios.
Seria mesmo uma tica da polaridade: os princpios de concordncia e
contrariedade, de perfeio e imperfeio, cuja explicao pode encontrar-se no
substrato ideolgico da poca. Os pensadores medievais pensavam suas idias em
termos dualistas; o sculo XIII realizou um esforo intelectual de sntese de
contrrios (ROBERT LOPEZ, 1965, 359).
Esta polaridade est assim expressa no captulo VI do Livro da Ordem de Cavalaria
(LOC, VI, 89-107): virtudes teologais (f, esperana e caridade), virtudes cardeais
(justia, prudncia, fortaleza e temperana) e os vcios, ou sete pecados capitais
(glutonia, luxria, avareza, preguia, soberba, inveja e ira).
A f o alicerce do cavaleiro: dela decorrem a esperana e a caridade. Sete so as
qualidades decorrentes da f, quatro da esperana, quatro da caridade:
As Virtudes Teologais e suas qualidades no Livro da Ordem de Cavalaria
Para Ramon, o cavaleiro adquiria todas as virtudes teologais, necessrias e
fundamentais ao seu ofcio, atravs da f. E de todas as qualidades decorrentes da
f, as duas obrigaes mais importantes para o cavaleiro do sculo XIII: a
peregrinao Terra Santa e a luta na cruzada. Da f decorreriam tambm as
outras duas virtudes teologais (caridade e esperana), o que fazia o sistema luliano
ser entrelaado por um profundo sentido unitrio.
F Esperana Caridade
Com a F o cavaleiro tem a
Viso de Deus e de Suas obras
Com a Esperana o cavaleiro tem
coragem
Com a Caridade o cavaleiro tem
amor a Deus
Esperana O cavaleiro lembra-se de Deus na
batalha
O cavaleiro tem piedade dos
desafortunados
Caridade O cavaleiro vence a batalha O cavaleiro tem misericrdia dos
vencidos
Verdade O cavaleiro suporta fome e sede Com a caridade o cavaleiro suporta
o peso de seu nobre corao
O cavaleiro vai para a cruzada --- ---
O cavaleiro torna-se mrtir --- ---
O cavaleiro defende os clrigos --- ---
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Esse mesmo entrelaamento acontecia com as virtudes cardeais e os vcios que elas
combateriam:
As Virtudes Cardeais, suas qualidades e os Vcios (os Sete Pecados Capitais) no
Livro da Ordem de Cavalaria
Atravs da justia, o cavaleiro teria o conhecimento do mal e a possibilidade de
evitar as injrias. A justia serviria ao cavaleiro em seu dia-a-dia, no em combate.
J a prudncia sim, seria a virtude necessria na guerra. Com ela, o cavaleiro
conheceria os pressgios, o bem e o mal, se esquivaria dos golpes e venceria as
batalhas.
Com a temperana, o cavaleiro viveria na perfeio filosfica, sem excessos nem
faltas. Mas seria com a fortaleza que o cavaleiro combateria todos os vcios, os sete
pecados que poderiam lev-lo aos caminhos do Inferno, ...carreiras pelas quais
vai-se aos infernais tormentos que no tm fim (LOC, VI, 95) .
Justia Prudncia Fortaleza Temperana
Com a Justia o
cavaleiro evita as injrias
e as coisas tortas
Com a Prudncia o
cavaleiro tem
conhecimento das coisas
vindouras
Virtude com a qual o
cavaleiro combate os
sete pecados capitais:
Inveja, Acdia, Luxria,
Glutonia, Avareza,
Soberba, Ira
Virtude que est no meio
de dois vcios: o excesso
e a falta
--- O cavaleiro se esquiva
dos danos corporais e
espirituais
--- ---
--- O cavaleiro vence as
batalhas
--- ---
--- O
cavaleiro conhece o bem
e o mal
--- ---
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No mesmo captulo, Llull ainda ope diretamente as virtudes aos vcios, alterando
um pouco a relao acima e criando uma srie de binmios contrrios:
Glutonia Abstinncia
Luxria Fortaleza
Avareza Fortaleza
Acdia Fortaleza
Soberba Fortaleza e Humildade
Inveja Fortaleza
Ira Coragem, Caridade, Abstinncia e Pacincia
De todas as virtudes, a fortaleza seria a mais necessria ao cavaleiro, pois ela
combateria a luxria, a avareza, a preguia, a soberba e a inveja, pecados mortais
que provavelmente assolavam a cavalaria da poca. Na descrio de todos os
vcios, Ramon d exemplos de como os cavaleiros eram tentados. Por exemplo, por
causa de sua riqueza, necessria ao seu ofcio (LOC, III, 16, 61), a soberba tentava
o cavaleiro, montado em seu grande cavalo, guarnecido com todas as suas armas.
Ele s teria foras para combat-la atravs da fortaleza e humildade, que o
lembrariam a razo pela qual era cavaleiro (LOC, VI, 14, 99).
Assim, atravs de sries de binmios contrrios, submetidos a uma lei de formao,
o sistema luliano de virtudes e vcios formava um todo unitrio. Seu objetivo era
reproduzir no ser humano a imagem da Divindade, traduzindo as dignidades
divinas em virtudes humanas (S. TRAS MERCANT, 1969, 119-121).
Esta unidade do sistema luliano de virtudes se baseava em dois polos: o amor (as
virtudes, inteno final do homem) e o pecado (os vcios, fora desviadora da
inteno final para qual cada homem foi criado) (S. TRAS MERCANT, 1970,
135).
Por fim, o que mais importante destacar que, para Ramon Llull, atravs do
conhecimento das virtudes, raciocinando-as, que nossa inteligncia se elevaria
de Deus (LEOPOLDO EIJO GARAY, 1974, 25). Com esse conhecimento, o
cavaleiro viveria de acordo com a nobreza de seu ofcio: manter, defender e
multiplicar a f catlica, reger as terras e gentes pelo pavor, vilas e cidades,
defender seu senhor, proteger as vivas, rfos e despossudos, fazer justia,
defender os caminhos e lavradores, cavalgar, caar, esgrimir, justar e fazer tvolas
redondas (LOC, II, p. 23-51).
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A proposta utpica do Livro da Ordem de Cavalaria nunca pde realizar-se. O
sculo XIV, com o fortalecimento das monarquias europeias, a Guerra dos Cem
Anos e a Grande Peste, viu o fim de todos os projetos cavaleirescos e dos sonhos de
harmonia do sistema feudal baseado no conhecimento das virtudes e vcios criados
pelos clrigos e leigos como Ramon Llull. Terminava a Idade Mdia (DUBY,
1992).
Na verdade, este tratado, alm de ser um projeto civilizador cristo, um registro
tardio de um ideal, o ideal cavaleiresco, um sonho na maior parte das vezes
aviltado pelos homens de ento.
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Fontes consultadas
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Nota sobre a autoria:
Ricardo da Costa (Ricardo Luiz Silveira da Costa, 16 de Dezembro de 1962 - ) um destacado medievalista brasileiro.
Dedica-se ao estudo da Idade Mdia europeia adoptando os temas e objectivos da Nova Histria (Nouvelle Histoire).
Escreveu extensamente sobre uma grande variedade de temas e traduziu numerosos documentos do filsofo catalo Ramon
Llull (1232-1316). Professor da Universidade Federal do Esprito Santo, em Vitria, Brasil.
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Ordo Supremus Militaris Templi Hierosolimitani Universalis
A Ordo Supremus Militaris Templi Hierosolimitani Universalis (OSMTHU), ou seja, a
Ordem Soberena e Militar do Templo de Jerusalm Universal, um ramo da Ordem do
Templo despertada por Fabre-Palapran no sculo XIX. No reclama nenhuma ligao
histrica Ordem do Templo medieval. , no entanto, inspirada pelo mesmo esprito de
servio e Cavalaria. A Ordem prope aos seus membros o estudo da histria do Templo e das
antigas Tradies de Cavalaria atravs do despertar das artes, lendas, rituais, celebraes e
ensinamentos espirituais dos passado de modo a poder conduzir uma vida de realizao e paz
interior no presente.
O Priorado Geral da Ibria (Prioratus Ibericus) o Priorado Geral que organiza as estruturas
locais da Ordem nos territrios da Pennsula Ibrica e territrios administrados por Portugal e
Espanha (incluindo as Ilhas Canrias, Madeira, etc.).
www.osmthu.org
Akademia Templria de Sintra
A Akademia Templria de Sintra uma associao que promove o estudo e a
divulgao das fontes histricas e tradicionais da Cavalaria Espiritual,
incluindo histria, lendas, gestas, arte, msica e todo o tipo de estudos que
ajudam a conhecer e apreciar a Cavalaria nos seus diversos matizes.
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: non nobis domine non nobis : : sed nomine tua da gloriam :