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1 INTRODUO
Definida, de modo geral, como a propriedade que tem uma palavra de possuir variados
sentidos relacionados entre si, a polissemia considerada, de acordo com a abordagem cognitiva,
um fenmeno semntico que no s exprime necessidades pragmtico-discursivas dos usurios
de uma lngua como reflete a sua forma de perceber a realidade, de categorizar seres, eventos e,
por conseguinte, de interpretar o mundo.
Admitindo que o verbo uma categoria polissmica e que o significado perspectivista,
subjetivo, enciclopdico, flexvel e deve ser examinado em situaes reais de uso, busca-se
analisar a polissemia do verbo tomar, nesta tese, levando em considerao os mecanismos
conceptuais que esto envolvidos na formulao dos sentidos que integram o seu complexo
semasiolgico, como isso acontece e por qu. Para tanto, recorre-se teoria experiencialista da
linguagem, orientao hermenutica do significado e aos pressupostos tericos da Lingustica
Cognitiva.
Parte-se do princpio de que os mltiplos valores semnticos do verbo tomar
organizam-se, sincrnica e diacronicamente, em torno de um ou mais centros prototpicos, dos
quais outros usos derivam, por meio de transformaes de esquemas imagticos, instanciaes
(especificaes/generalizaes) e extenses metonmicas e/ou metafricas. Para confirmar tal
hiptese, adota-se o modelo baseado no uso e aplicam-se mtodos empricos de anlise
qualitativa, quantitativa, variacional e multidimensional a um corpus constitudo por alguns
textos falados, restritos ao sculo XX, e por vrios textos escritos nos trs perodos da lngua
portuguesa arcaico, clssico e contemporneo.
Tem-se por objetivos principais identificar as provveis tendncias de uso do verbo
tomar nos perodos j citados; discutir os mecanismos cognitivos possivelmente envolvidos na
conceptualizao dos sentidos desse item lexical; detectar os valores semnticos mais
prototpicos e os mais perifricos no decorrer dos sculos, representando-os por meio de
complexos multidimensionais e radiais, e apontar exemplos de variao, mudana e conservao
de sentidos nos diferentes estgios da lngua portuguesa bem como nas variedades europeia e
brasileira. Para isso, levam-se em conta as dimenses semntico-sinttica e pragmtico-discursiva
que fundamentam a rede de significao de tomar e tambm os fatores scio-histricos e
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culturais que podem ter contribudo para a prototipizao ou desprototipizao de determinados
usos.
A anlise interpretativa dos dados do corpus fundamenta-se nos princpios e postulados
das Teorias do Prottipo, da Metfora Conceptual, dos Esquemas de Imagens, dos Frames e nos
estudos realizados por Langacker (2006, 1999, 1991), Talmy (2000, 1988), Silva (2006a,1999),
Geeraerts (2006a) Newman (1996), Lakoff e Johnson (1980, 2002), Lakoff (1987), Johnson
(1987), Taylor (1996), Heine (1997), Batoro (2000), Teixeira (2000), Fernandes (2000),
Coimbra (1999), Miranda e Name (2005), Castilho (2001), Salomo (1999, 2008), Almeida
(2009), dentre outros.
Portanto, nessa perspectiva que est elaborado o presente trabalho, o qual foi orientado
pela Prof. Dr. Therezinha Maria Mello Barreto, integrante do Programa de Ps-Graduao em
Letras da Universidade Federal da Bahia- UFBA, e coorientado pelo Prof. Dr. Augusto Soares da
Silva, integrante do Programa de Ps-Graduao em Lingustica Cognitiva da Faculdade de
Filosofia da Universidade Catlica Portuguesa, por meio do Programa de Doutorado com Estgio
no Exterior PDEE - financiado pela Capes. Os seis captulos que o constituem intitulam-se: 1
Introduo; 2 A polissemia sob o enfoque cognitivo; 3 Aspectos metodolgicos; 4 Fundamentos
tericos para anlise semasiolgica do verbo tomar; 5 A polissemia do verbo tomar nos
diferentes perodos da lngua portuguesa e 6 Consideraes Finais.
Na Introduo, indicam-se o tema, a justificativa, os objetivos, a metodologia adotada, os
pressupostos tericos e a estruturao do trabalho.
No segundo captulo, traa-se um breve histrico acerca do estudo da polissemia, sob o
enfoque da Lingustica Cognitiva, destacando o contexto do seu surgimento, os postulados que
fundamentam esse modelo terico, suas linhas de investigao, suas principais teorias e o seu
objeto de estudo. Tecem-se tambm, nesse captulo, algumas consideraes sobre categorizao,
prottipo e prototipicidade, metfora e metonmia conceptuais, esquemas de imagens, modelos
cognitivos idealizados e frames.
No terceiro captulo, especificam-se os procedimentos estruturais e metodolgicos
adotados para a realizao da pesquisa, a exemplo da escolha do mtodo de anlise, da
constituio do corpus de lngua escrita selecionado, de sua caracterizao e tratamento.
No quarto captulo, trata-se, em linhas gerais, dos fundamentos tericos que subsidiam a
anlise semntica de tomar. Inicialmente, discute-se a sua provvel origem latina, buscando-se
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pistas em obras lexicogrficas sobre um possvel sentido prototpico desse item lexical desde as
suas origens. Depois, parte-se para a indicao do(s) frame(s), do(s) modelo(s) cognitivo(s)
idealizado(s), dos domnios conceptuais bsicos que fundamentam os usos fsico-espaciais do
referido verbo e dos domnios no bsicos para os quais esses sentidos se estendem metonmica
e/ou metaforicamente. Por ltimo, procede-se descrio dos esquemas de imagens configurados
pelo ato de tomar, indicam-se as dimenses que embasam as relaes estabelecidas no seu
complexo semasiolgico e o seu provvel significado esquemtico.
No quinto captulo, expe-se a anlise da polissemia do verbo tomar nos trs perodos
da lngua portuguesa: o arcaico, o clssico e o contemporneo. Para isso, adota-se a abordagem
multidimensional e a representao esquemtica por meio de redes radiais. Seguindo uma linha
cronolgica, analisam-se os usos fsico-espaciais e destacam-se aqueles mais salientes bem como
suas provveis instanciaes em cada fase da lngua portuguesa. Na sequncia, examinam-se as
projees desses usos em domnios abstratos da experincia humana e identificam-se as relaes
que estabelecem entre si e com os demais. Ao final, apontam-se os casos de verbo-suporte, de
formas fixas e de sentidos vagos ou opacos.
Por ltimo, no sexto captulo, antes das Referncias, tecem-se as Consideraes Finais,
onde so sintetizados os resultados obtidos, a partir da anlise das ocorrncias encontradas no
corpus.
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2 A POLISSEMIA SOB O ENFOQUE COGNITIVO
2.1 ALGUMAS BREVES PALAVRAS SOBRE O ESTUDO DA SIGNIFICAO AO LONGO
DA HISTRIA
A investigao sobre a natureza da linguagem e a origem do significado no recente.
Muitos pensadores, desde a Antiguidade Clssica, j se interessavam por estudar fenmenos
referentes significao. Questes sobre a mudana semntica e sobre a multiplicidade de
sentidos das palavras, incluindo aspectos relativos homonmia, polissemia (antes mesmo de
esse nome existir) e metfora inquietaram vrios filsofos, que, para explic-las, recorreram
Filosofia Especulativa e Retrica. Segundo Ullmann (1964, p. 8), [...] no ser talvez exagero
afirmar que muitos dos assuntos fundamentais da semntica moderna se anunciam j em
observaes espordicas de escritores latinos e gregos.
Tambm, na Idade Mdia, perodo extenso que vai do sculo V d.C. ao XV, alguns
estudiosos investigaram o significado das palavras, voltando-se para o pensamento religioso, para
a busca do sentido literal ou figurado, nico ou mltiplo dos textos bblicos e para a etimologia,
sem demonstrar um maior aprofundamento sobre essas questes. Mais tarde, nos sculos XVII e
XVIII, embora pesquisadores de diferentes reas do saber tenham dado continuidade ao estudo da
significao e dos problemas que a cercam, as iniciativas foram espordicas. Contudo, foi no
sculo XIX e, mais especificamente, depois da publicao do livro intitulado Essai de
Smantique, Science des significations1, do francs Michel Bral, em 1897, que as pesquisas
relativas ao significado, incluindo a investigao da polissemia, tiveram uma maior
proeminncia.
Ainda que esse autor tenha deixado um importante legado para a histria da Semntica e
ele tenha sido um dos precursores dos estudos semntico-lexicais sob os enfoques histrico,
psicolgico e hermenutico, antecipando questes e princpios relativos investigao do
significado das palavras e do fenmeno polissmico que s voltaram a ser revistos quase um
sculo mais tarde2, os estudiosos que o sucederam preferiram seguir outros caminhos. As
1 A obra consultada para a realizao do presente trabalho foi a traduo para o portugus, intitulada Ensaio de
Semntica: cincia das significaes (1992). 2 Dentre as vrias questes abordadas por Bral (1992, p. 103) relativas polissemia, que foram retomadas
posteriormente por tericos funcionalistas e cognitivistas, est a ideia de que o sentido novo, qualquer que seja ele,
no acaba com o antigo. Ambos existem um ao lado do outro. O mesmo termo pode empregar-se alternativamente
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primeiras dcadas do sculo XX, por exemplo, apresentaram diferentes tendncias para os
estudos da significao, dando lugar a distintas semnticas3 relacionadas s teorias a que se
filiaram. Pode-se afirmar, em consonncia com Pires de Oliveira (2006, p. 18), que cada
semntica elegeu a sua noo particular de significado, atendendo s premissas tericas e
metodolgicas sobre as quais se apoiavam; ora retomando, ora negando algumas posturas e
modelos j verificados em outros momentos. O estudo da polissemia no ficou indiferente a essas
alternncias.
Prevaleceram, nessa poca, as tendncias formalistas, como o Estruturalismo e o
Gerativismo, as quais deram nfase ao estudo das relaes sintagmticas e paradigmticas
estabelecidas pelas unidades lingusticas. Ainda que o fenmeno polissmico tenha sido
analisado, segundo essas abordagens, por meio da identificao de traos distintivos mnimos ou
semas, no houve um interesse mais direcionado para o referido tema. Esse quadro s comeou a
mudar, quando, nas dcadas de 60 e 70, alguns linguistas inconformados com a pouca ateno
destinada s pesquisas sobre a significao mobilizaram-se em favor de uma teoria interpretativa
do significado, na tentativa de integrar os estudos semnticos aos sintticos priorizados at ento.
Contudo, o propsito dessa iniciativa no alcanou o xito esperado, uma vez que a
anlise semntica, nessa perspectiva, servia to somente para auxiliar a interpretao da estrutura
sinttica das sentenas (principal objeto de investigao do modelo gerativista), persistindo ainda
as hipteses da autonomia da linguagem (considerada um sistema auto-suficiente e independente
dos seus usurios) e da modularidade da mente. Tratava-se, conforme define Geeraerts (2009, p.
97), da combinao de um mtodo estruturalista de anlise, com um sistema formalista de
descrio e com uma concepo mentalista de significado4, o que j havia sido notado por
Taylor (1989, p. 16), ao assinalar que o estudo do significado, segundo esse enfoque, era
descritivo e, ao mesmo tempo, por influncia do modelo chomskyano, altamente formal, pois o
sujeito era concebido como um indivduo dotado de uma competncia gramatical, lingustica, que
lhe permitia apenas interpretar sentenas como formas lgicas. O crebro humano era, portanto,
no sentido prprio ou no sentido metafrico, no sentido restrito ou no sentido amplo, no sentido abstrato ou no sentido concreto. 3 As vrias designaes que acompanham o nome Semntica podem comprovar a diversidade de linhas de
investigao semntico-lexical surgidas nesse perodo (muitas ainda hoje em vigor), uma vez que mudam de acordo
com as diferentes maneiras de abordar os fenmenos relativos significao. Tm-se, como exemplos, a Semntica
Estrutural, a Semntica Formal ou Semntica das Condies de Verdade, a Semntica Argumentativa, a Semntica
da Enunciao, a Semntica das Condies de Uso, a Semntica Cognitiva, dentre outras possibilidades. 4 Segundo Geeraerts (2009, p. 97), o enfoque interpretativo dado semntica era uma combination of a structuralist
method of analysis, a formalist system of description, and a mentalist conception of meaning.
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considerado uma mquina, um mdulo independente das outras partes do corpo, cuja interao
com o que est no seu entorno pouco relevante. Nesse sentido, a linguagem era vista como uma
faculdade no relacionada ao desenvolvimento cognitivo e sensrio-motor dos indivduos e de
outros aspectos relativos experincia humana.
Diante desse cenrio e da insatisfao com os rumos que os estudos lingusticos,
sobretudo os semnticos, estavam assumindo, alguns gerativistas insurgiram-se contra a teoria
chomskiana. Tais embates epistemolgicos, ocorridos entre fins dos anos 70 e comeo dos anos
80, culminaram na organizao de um novo modelo terico para o estudo da significao, que
recebeu o nome de Semntica Gerativa, o qual, posteriormente, deu origem Semntica
Cognitiva. No texto intitulado Is deep structure necessary?, escrito em 1967, Lakoff e Ross
definem as bases desse novo modelo, ao apontarem que uma das principais diferenas entre a
anlise interpretativa do significado e a gerativa reside no fato de que, para a primeira corrente, o
componente semntico independente do sinttico e, para a segunda, o componente sinttico
gera as estruturas que so interpretadas como sintticas e semnticas ao mesmo tempo.
(LOBATO,1986, p. 267). Essa distino passa a ser crucial para os estudos que iro se
desenvolver, a partir desse momento, sob a gide do Cognitivismo. Merecem destaque as
palavras de Salomo (2009, p. 20-21), quando descreve as causas dessa ciso e do consequente
surgimento da Lingustica Cognitiva:
De fato, um dos mais expressivos prceres da lingustica cognitiva, o linguista
americano George Lakoff, da Universidade da Califrnia, em Berkeley, identifica
o programa intelectual da lingustica cognitiva como herdeiro da semntica
gerativa, movimento cismtico do paradigma gerativo-transformacional, emergente no decurso das chamadas guerras lingusticas, travadas nos
belicosos, ainda que romnticos, anos sessenta.
As razes substantivas do cisma, para alm das mais triviais (de poltica acadmica), residem em duas dificuldades objetivas: de um lado, a relutncia de
Chomsky em abordar a questo do sentido com a mesma energia e audcia que
devotara questo da sintaxe e, de outro lado, a intratabilidade, no interior do paradigma gerativo, de uma caracterstica indescartvel das lnguas humanas
como produes histricas sua idiomaticidade. Em ambos os casos, ameaando
a elegncia das solues formais, avultava a feia cabea do uso lingustico, que se
tentara escantear para a no-rea da performance.
Com a finalidade de mostrar quais os contributos da Lingustica Cognitiva para os estudos
semntico-lexicais e qual a sua importncia para o estudo da polissemia, tecer-se-o, a seguir,
algumas consideraes (sem nenhuma pretenso de serem exaustivas ou minuciosas, uma vez que
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alguns manuais de Introduo Semntica j o fazem) sobre o contexto de seu surgimento, seus
princpios e as linhas de investigao que enfocam a polissemia.
2.2 O CONTEXTO DE SURGIMENTO DA LINGUSTICA COGNITIVA E O INTERESSE
PELA INVESTIGAO DA POLISSEMIA
Nem sempre possvel afirmar com preciso quando comea e quando termina um
modelo terico. O nascimento de uma teoria lingustica, normalmente, o resultado da
convergncia de uma srie de trabalhos, de influncias e de condies externas durante um
perodo de gestao mais ou menos extenso5. (CUENCA; HILFERTY, 1999, p. 11).
No foi diferente com a Lingustica Cognitiva. Muitas so as hipteses para indicar uma
data precisa para o seu surgimento, pois no se tem um fato concreto e isolado para demarc-lo.
Sabe-se, de modo geral, que esse modelo terico teve incio na segunda metade do sculo XX, na
Califrnia, de onde se estendeu para outras localidades, tornando-se um importante movimento
internacional. Sabe-se, tambm, que se enquadra no campo das cincias cognitivas que se
desenvolveram nesse perodo, com a finalidade de estudar os diferentes aspectos da cognio
humana, cujo marco inaugural costuma ser considerado o livro Methaphors we live by6,
publicado por George Lakoff, em parceria com Mark Johnson, em 1980.
Para alguns autores, entretanto, o nascimento dessa teoria ocorreu em 1987, quando foram
publicados o primeiro volume de Foundations of cognitive grammar, de Langacker, e o livro
Women, fire and dangerous things, de Lakoff, obra que, segundo Batoro (2000, p. 131), uma
importante referncia para outros trabalhos produzidos nessa rea. Silva (2004, p. 1; 2006b,
p.52), por sua parte, concorda que os primeiros estudos em Lingustica Cognitiva surgiram, no
incio da dcada de 80, tanto nos EUA como em alguns pases da Europa. Contudo, tanto o
referido autor como Geeraerts (2006a, p. 22) asseveram que a institucionalizao e a
consolidao desse modelo terico como paradigma cientfico s ocorreu um pouco depois, a
partir da criao da International Cognitive Linguistics Association e da realizao do primeiro
International Cognitive Linguistics Conference, fatos ocorridos em Duisburg, na Alemanha, em
5 Casi siempre resulta difcil y hasta cierto punto arbitrario situar la fecha y el lugar de nacimiento de um modelo
lingustico, puesto que no se trata de um hecho concreto y aislable, sino que, normalmente, es el resultado de la
convergencia de uma serie de trabajos, de influencias y de condiciones externas durante um perodo de gestacin
ms o menos largo (CUENCA; HILFERTY, 1999, p. 11). 6 Esse livro foi traduzido para o portugus, em 2002, com o ttulo de Metforas da vida cotidiana.
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1989, seguidos da fundao da revista Cognitive Linguistics e da coleo Cognitive Linguistics
Research, publicada pela Mouton de Gruyter, em 1990.
Independentemente de possveis discordncias para determinar quando iniciaram os
estudos lingusticos no mbito da Semntica Cognitiva, cabe registrar que o contexto scio-
histrico em que esse modelo terico surgiu foi favorvel ao seu desenvolvimento, uma vez que,
conforme se ressaltou, era notria a insatisfao de alguns linguistas ante as teorias formalistas
vigentes. Dentre os que se manifestaram contrrios a essa postura, destacam-se Mark Johnson,
Leonard Talmy, Ronald Langacker e, sobretudo, George Lakoff, j citado anteriormente.
Influenciados pelas cincias cognitivas, que buscavam entender e descrever os mecanismos de
funcionamento da mente humana e, mais especificamente, instigados pelos avanos da
Inteligncia Artificial e da modelagem computacional, esses autores passaram a tratar os
fenmenos semntico-lexicais sob a tica cognitivista e a considerar que a experincia e a
cognio esto intrinsecamente implicadas na estrutura e no funcionamento da linguagem,
definindo assim alguns princpios bsicos para essa nova teoria, que viriam a nortear o estudo de
fenmenos semnticos, como a polissemia.
Convm destacar que, embora a Lingustica Cognitiva represente um movimento terico
oponente alegada autonomia da gramtica e posio secundria atribuda ao significado pelo
Gerativismo chomskiano, ambas as abordagens so mentalistas e, portanto, cognitivas na sua
essncia, porque concebem a linguagem como faculdade mental e procuram estudar as estruturas
mentais responsveis pelo conhecimento. Alm disso, o surgimento da Lingustica Cognitiva
deve-se existncia e aos desdobramentos da Lingustica Gerativa. Contudo, no se pode
esquecer que as duas apresentam diferenas cruciais em relao ao tipo de mentalismo que
adotam.
Ao referir-se a essa questo, Geeraerts (2006a, p. 3) adverte, sob pena de se cometerem
equvocos com generalizaes, acerca do cuidado que se deve ter ao empregar o epteto
cognitivo para esses dois modelos, ressaltando ainda que a teoria cognitiva interessa-se por
explicar a relao entre conhecimento e linguagem em termos semnticos e funcionais, ao passo
que a teoria gerativa procura saber como esse conhecimento adquirido em termos formais. Dito
de outro modo, o que distingue o sentido atribudo ao termo cognitivo parece ser a forma como
a trade conhecimento, significado e linguagem abordada pela Gramtica Gerativa e pela
Lingustica Cognitiva.
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Sem se opor ao que j foi dito, mas antes complementando, Salomo (1999, p. 74)
argumenta que a determinao de tratar a linguagem como capacidade de conhecimento do
sujeito e do mundo que o cerca define o programa cognitivista, contrapondo-o inacessabilidade
da cognio experincia defendida pelo formalismo e pelo cognitivismo modularista praticado
por Noam Chomsky, Jerry Fodor e Stephen Pinker. Por outro lado, a autora supracitada ressalta
que a nfase no uso da linguagem aproxima o programa cognitivista da tradio funcionalista,
fato que j havia sido destacado por Langacker (1999, p. 14), ao considerar essas duas
abordagens complementares, apesar da existncia das variadas linhas metodolgicas e vises
tericas que as caracterizam.
Como se v, foi nesse cenrio ecltico, heterogneo e, ao mesmo tempo, interdisciplinar
que a Lingustica Cognitiva nasceu e que as pesquisas sobre a polissemia ampliaram-se e
consolidaram-se, aps um longo tempo de pouca ou quase nenhuma visibilidade, conforme
ressalta Silva (2006a, p. 26) no excerto transcrito a seguir:
Finalmente, a semntica cognitiva, que emerge no incio dos anos 80 e tem nos trabalhos de Lakoff, Langacker e Talmy as suas referncias mais
representativas, redescobre a polissemia. Explorando a tendncia
mentalista aberta por Katz, mas rompendo com o princpio, tanto
generativista como estruturalista, da autonomia do significado e da linguagem e com o modelo chomskyano de competncia, a semntica
cognitiva redescobre a importncia da polissemia, quer nos seus aspectos
qualitativos, quer, e sobretudo porque praticamente ignorados at ento, nos seus aspectos quantitativos. E no s a redescobre como a coloca no
centro da sua investigao, a qual, ao contrrio de outras correntes
lingusticas, comeou justamente pela semntica lexical.
Assim, consolidada como uma teoria cientfica que, embora no tenha um nico fundador
nem uma rea de pesquisa especfica, ao longo dessas trs dcadas, apesar da sua grande
diversidade terica e metodolgica, a Lingustica Cognitiva vem se firmando, paulatinamente,
com variadas linhas de investigao, distribudas em diferentes partes do mundo que se dedicam
a estudar no s a polissemia como outros fenmenos semnticos. Entre os modelos tericos e os
nomes mais representativos, no cenrio mundial, destacados por Silva (2004, p. 1722; 2007, p.
53), esto: I) a Semntica Cognitiva, que estuda, em linhas gerais, o significado como
conceptualizao e tem como representantes George Lakoff, Ronald Langacker e Leonard
Talmy; II) a Gramtica Cognitiva, que investiga as construes como objeto primrio de
descrio e o conhecimento gramatical que est representado na mente dos falantes, cujos
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modelos mais elaborados so a Gramtica Cognitiva, de Ronald Langacker, e a Gramtica das
Construes, de Adele Goldberg e de William Croft; III) a Teoria do Prottipo, que se dedica a
estudar a categorizao lingustica, a polissemia, a mudana semntica, a variao lxica, a
anlise das categorias em forma de redes radiais e redes esquemticas, que tem por representantes
John Taylor, Dirk Geeraerts, George Lakoff e Ronald Langacker; IV) a Teoria da Metfora
Conceptual, que apresenta estudos sobre metfora e metonmia conceptuais, tanto no nvel do
lxico como nos da gramtica e do discurso, e tambm se dedica a estudar os esquemas de
imagens ou padres de movimento no espao, a manipulao de objetos e interaes perceptivas,
cujos expoentes so George Lakoff e Mark Johnson, dentre outros; V) a Teoria dos
Marcos/Quadros Conceptuais ou Frame Semantics, com Fillmore e sua implementao no
projeto FrameNet; VI) a Teoria dos Espaos Mentais, com Gilles Fauconnier; VII) a Teoria da
Integrao Conceptual ou Blending Theory, considerada complementar Metfora Conceptual,
com Gilles Fauconnier e Mark Turner; VIII) a Teoria dos Modelos Culturais e o desenvolvimento
da Lingustica Cultural, com Gary Palmer, George Lakoff, Michael Tomasello e Zoltan
Kvecses; IX) a Teoria da Gramaticalizao, com Paul Hopper e Elizabeth Trougott, Elizabeth
Trougott e Richard Dasher; X) a Teoria da Subjetivao, com Ronald Langacker, e desenvolvida
mais recentemente por Angeliki Athanasiadou, Costas Canakis e Bert Cornillie; e XII) a Teoria
Neural da Linguagem, com George Lakoff, que tem como ramificao a Lingustica
Neurocognitiva.
Nos espaos lusfonos, Brasil e Portugal, as pesquisas em Lingustica Cognitiva tm se
mostrado tambm abrangentes e centram-se na anlise do lxico, com nfase no estudo da
polissemia e de fenmenos que a propiciam, voltando-se ainda para a gramtica e para o discurso.
So muitos os nomes que se destacam e vrios os grupos de pesquisas que vm desenvolvendo
estudos nas diferentes linhas mencionadas.
No Brasil, os pesquisadores cognitivistas fundaram a Associao Brasileira de Lingustica
Cognitiva, consolidando essa rea de estudos no pas, que conta com vrias publicaes. Entre os
nomes e grupos de pesquisa (GP) que se destacam, podem-se citar: Maria Margarida Salomo e
Neusa Salim Miranda, integrantes do GP de Gramtica e Cognio, que vm desenvolvendo um
programa cientfico, na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), articulado com o
paradigma da Lingustica Cognitiva implantado na Califrnia, e tm como projeto a Hiptese
Sociocognitiva da Linguagem, em que instauram uma perspectiva social, cultural e interacional
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sobre a cognio e a linguagem; Maria Lcia Leito de Almeida, Lilian Ferrari e Carlos
Alexandre Gonalves, dentre outros, tambm integrantes do GP de Gramtica e Cognio e
pesquisadores das Universidades Estadual e Federal do Rio de Janeiro (UERJ e UFRJ), os quais
tm se dedicado a distinguir polissemia/indeterminao, flutuao categorial e construo
morfolgica de palavras, de compostos e mesclas lexicais; Mara Zanotto e Heronides Moura que
compem o grupo de Indeterminao e metfora; Edwigs Morato e Rosana Novaes Pinto
inserem-se em Prticas Disursivas, Processos de Significao e Afasia; Eleonora Albano lidera o
grupo Modelamento de Texto e Sinal Acstico em Portugus e Loureno Chacon Jurado Filho, o
grupo Oralidade e Letramento. Ana Cristina Macedo e Paula Lenz Lima, Emlia Farias e Aline
Bussons, por sua vez, integram a equipe de Cognio e Lingustica e Metfora e Cognio;
Cristina Magro lidera Cognio, Linguagem e Cultura; Heliana Mello, Tommaso Raso, Maria
Luiza Lima, Adrtiana Tenuta, Ulsike Schroeder e Jnia Ramos fazem parte do grupo
INCOGNITO Interfaces Linguagem, Cognio e Cultura; Lucienne Espndola coordena
Metforas, Gneros Discursivos e Argumentao; Srgio Nascimento, Ricardo Almeida, Luiz
Souza, Solange Faraco, Lucilene Bronzato e Carmen Lima constituem o grupo de
Indeterminao e Metfora no Discurso; Mrcia Zimmer dirige o grupo Processos Cognitivos de
Leitura em Lngua Materna e Lngua Estrangeira, e Helosa Moraes Feltes, Carina Granzoto,
Morgana Kich e Gabriela Vial integram o grupo de Lngua, Sociedade e Cognio.
No que se refere aos estudos desenvolvidos em Portugal, seus principais representantes
distribuem-se em diferentes centros de pesquisa e enquadram-se nos domnios da Semntica
Cognitiva, da Gramtica Cognitiva, da Gramaticalizao e Discurso e de estudos
interdisciplinares, conforme ressalta Silva (2007, p.57-60). H, portanto, nomeadamente: Isabel
Hub Faria, Jos Pinto de Lima e Clotilde Almeida, na Faculdade de Letras de Lisboa e Hanna
Batoro, na Universidade Aberta de Lisboa; Mrio Vilela, na Faculdade de Letras do Porto; Ana
Macrio Lopes, na Faculdade de Letras de Coimbra; Rosa Ldia Coimbra, na Universidade de
Aveiro; Jos Teixeira, na Universidade do Minho, e Augusto Soares da Silva, na Faculdade de
Filosofia da Universidade Catlica Portuguesa, do Centro Regional de Braga.
Os inmeros encontros, simpsios, workshops, conferncias e congressos realizados em
diferentes continentes, no mbito dos estudos cognitivistas, evidenciam o seu processo rpido e
contnuo de crescimento, que se confirma pelo volume de publicaes disponveis (artigos,
papers, livros, dissertaes, teses etc.). Essa rea do conhecimento dispe hoje de um importante
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acervo de obras eletrnicas e bibliogrficas7, o que constitui uma forte evidncia da importncia e
da notoriedade atribudas ao estudo da linguagem sob o enfoque cognitivo nos ltimos tempos.
Para melhor compreender como a polissemia estudada sob essa abordagem, sero
apresentados, a seguir, alguns princpios e postulados da Lingustica Cognitiva que fundamentam
o estudo do referido fenmeno.
2.3 PRINCPIOS E POSTULADOS DA LINGUSTICA COGNITIVA QUE NORTEIAM O
ESTUDO DA POLISSEMIA
Acredita-se que um dos grandes desafios das cincias cognitivas foi e ainda explicar
como o homem transforma em modelos mentais as informaes e o conhecimento adquiridos, por
meio das suas experincias e das suas percepes sensoriais, e depois os transmite atravs de
diferentes linguagens. Psiclogos, linguistas e cientistas cognitivistas, de modo geral, buscam
responder algumas das questes referentes ao assunto, defendendo que entre a linguagem e o
mundo fsico existe um nvel intermedirio: o da cognio. Essa palavra de origem latina,
definida por Cunha (1986, p. 193) como a aquisio de um conhecimento e, por extenso,
conhecimento, percepo, outrossim conceituada por Batoro (2000, p. 63), com base no que
afirma Pinker (1990), como o estudo da inteligncia humana em todas as suas formas.
A capacidade do homem de pensar atravs do uso de linguagens, de conhecer, de perceber
e de construir representaes mentais, a partir de percepes sensoriais e da formular conceitos
pautados em experincias, confere cognio humana um grande poder e uma estreita relao
com a linguagem e com os processos de construo de sentidos. Essa viso compartilhada por
Svorou (1994, p. 2-3), que considera a cognio um nvel intermedirio entre o mundo fsico e a
linguagem, por meio do qual possvel lembrar de eventos de percepo, manipulao e reao,
armazenados na memria individual, que, por sua vez, retm conhecimentos sobre os efeitos do
mundo fsico no indivduo e do indivduo no mundo fsico bem como sobre o sistema de valores
7Dentre as obras indicadas por Geeraerts (2006a, p. 20-23), podem ser citados os manuais de introduo
Lingustica Cognitiva, de Ungerer e Schmid (1996), de Violi (2001); de Taylor (2003); de Dirven e Verspoor (2004);
de Croft e Cruse (2004) e de Evans e Green (2006); o Handbook of Cognitive Linguistics, editado por Dirk Geeraerts
e Hubert Cuyckens, e os peridicos Cognitive Linguistics e a Annual Review of Cognitive Linguistics. Pode-se
contar-se, ainda, com cinco sries especificamente dedicadas a trabalhos em Lingustica Cognitiva, a saber:
Cognitive Linguistic Research ou CLR; Aplications of Cognitive Linguistics ou ACL; Human Cognitive Processing;
Cognitive Linguistics in Practice e Constructional Approaches to Language.
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culturais vigentes e as interaes sociais estabelecidas pelos membros de uma determinada
cultura.
Todavia, o importante papel que a cognio desempenha no processamento do raciocnio
e na elaborao da linguagem nem sempre foi reconhecido pelas teorias lingusticas que
despontaram no sculo XX e que ainda hoje vigoram. Separar propriedades da linguagem de
propriedades do pensamento humano e, por conseguinte, desvincular o seu estudo da cognio,
na maioria das vezes, foi o caminho mais escolhido, o que no se aplica Semntica Cognitiva.
Embora tributria de modelos tericos anteriores, dos quais herdou e tambm negou
algumas das suas caractersticas, ao descrever alguns fenmenos semnticos, como a polissemia
de itens lexicais e gramaticais8, explicando o que est subjacente sua concretizao, a
Semntica, desenvolvida no enquadramento cognitivo, leva em conta fatores cognoscitivos,
emocionais, sociais e culturais que interferem na formulao do pensamento e da linguagem.
Esse tipo de abordagem contrape-se a teorias que veem o significado como reflexo da realidade
objetiva ou o consideram impreciso, obscuro, uma incgnita, ambguo, de natureza
controversa ou movedio, conforme destacaram autores como Marques (2003), Ilari e Geraldi
(2006), entre outros9.
Substituiu-se, assim, a concepo reificada de significado por uma concepo processual
voltada para a criao de sentido: [...] os sentidos de um determinado item no so dados, mas
construdos; so interpretaes que surgem de um contexto particular [...] (SILVA, 2003, p.
150-151, grifo do autor). Essa maneira de analisar os fenmenos semnticos, a exemplo da
polissemia, no s distingue a perspectiva cognitivista de outros modelos mentais ou tendncias
dos estudos semntico-lexicais como fundamenta a base epistemolgica da Semntica Cognitiva,
que se ancora em alguns princpios, sintetizados por Geeraerts (2006a, p. 4-6), a saber:
a) o significado lingustico perspectivista, porque constri o mundo de um modo
particular, segundo a perspectiva de quem o interpreta;
b) o significado lingustico dinmico e flexvel, porque muda e acompanha as
transformaes do mundo;
8 Deve-se pontuar que o fenmeno da polissemia no se restringe ao lxico, pois se encontra, tambm, em categorias
morfolgicas, sintticas, discursivas e fonolgicas do portugus. Estudos, como os de Almeida et al. (2009), sobre
construes parassintticas do portugus, vogal temtica nominal e gnero, sufixos, dentre outros, tm evidenciado
isso. 9 Essa postura parece justificar o comportamento receoso e, s vezes, refratrio de linguistas, como o norte-
americano Bloomfield (1933), que excluiu do seu escopo de anlise as pesquisas referentes significao.
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c) o significado lingustico enciclopdico e no-autnomo, porque construdo na e
atravs da linguagem e reflete as experincias dos seres humanos, e
d) o significado lingustico baseado na experincia e no uso, porque
experiencialmente construdo, o que se evidencia no uso da linguagem.
Conforme se pode perceber, a nfase dada ao estudo do significado como produto da
conceptualizao humana e da experincia individual surge como refutao tese autonomista da
linguagem, defendida principalmente pelas correntes tericas formalistas que se contrapem a
uma nova perspectiva, segundo a qual, a linguagem passa a ser vista como uma faculdade
integrada cognio e no mais como um mdulo isolado. Tal concepo, que constitui um dos
postulados bsicos da Semntica Cognitiva, salientada por Pires de Oliveira (2006, p.43), ao
afirmar que o significado est no corpo que vive, que se move, que experimenta vrias relaes
com o meio (e no na correspondncia entre palavras e coisas simplesmente), o que tambm
compartilhado por Silva (2004, p. 2), quando assevera que:
[...] as mentes individuais no so entidades autnomas, mas corporizadas-encarnadas e altamente interactivas com o seu meio;
e atravs dessa interao e acomodao mtua que a cognio e
a linguagem surgem, se desenvolvem e se estruturam. No existe,
pois, propriamente linguagem humana independentemente do contexto scio-cultural. Mas no menos verdade que a
linguagem reside primeiramente nas mentes individuais, sem as
quais a interaco no poderia ocorrer.
Faz-se oportuno salientar que, nessa perspectiva de anlise da linguagem, os significados
no resultam apenas de uma representao mental particular, e, portanto, subjetiva do mundo
(decorrente apenas da ateno, da percepo, da memria do indivduo). Se assim o fosse,
incorrer-se-ia no erro de considerar o mito do subjetivismo como a melhor opo para
combater o mito do objetivismo, to difundido pela tradio filosfica ocidental10
. Trata-se,
pois, de uma viso muito mais ampla e integradora, uma vez que entra em questo, sobretudo,
conforme j se destacou, a interao do indivduo com o que est sua volta. A proposta buscar
10 O mito do subjetivismo inclui, segundo Lakoff e Johnson (2002, p. 340 e 341), as seguintes posies subjetivistas:
o sentido individual; a experincia puramente holstica; os sentidos no tm qualquer estrutura natural; o contexto
desestruturado e o sentido no pode ser natural ou adequadamente representado. J para as teorias objetivistas, o
significado no passa de uma relao abstrata entre representaes simblicas e a realidade objetiva. Os conceitos,
por sua vez, so entendidos como representaes mentais gerais ou entidades lgicas, altamente abstratas, bem-
definidas e no se referem a experincias individuais, pois os conceitos bsicos independem das relaes
estabelecidas entre os seres humanos e o mundo que os cerca.
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um equilbrio entre a objetividade absoluta, de um lado, e a intuio puramente subjetiva, de
outro, oferecendo, para isso, uma explicao experiencialista da compreenso e da verdade. Isso
significa dizer que as verdades so relativas, na medida em que esto aliceradas no sistema
conceptual dos indivduos, que, por sua vez, fundamentado nas suas experincias e nas de
outros membros de sua cultura, em suas interaes dirias com outras pessoas e com os
ambientes fsico e cultural em que esto inseridos. (LAKOFF; JOHNSON, 2002, p. 303).
Resumidamente, pode-se afirmar que a explicao de significado perpassa uma longa
tradio em filosofia da linguagem, em que se opem teorias referenciais e teorias conceptuais.
De um lado, tem-se uma concepo de significado como algo diretamente conectado com
elementos do mundo (e, por isso mesmo, objectivamente analisvel em termos de condies-de-
verdade, atravs de uma lgica formal) e, de outro, uma concepo do significado como uma
entidade mental e inevitavelmente conectada com a experincia humana11
. (SILVA, 2006b, p.
14).
Em face disso, pode-se dizer que adotar uma perspectiva cognitiva e, portanto,
experiencialista de significado, para explicar a polissemia, admitir uma postura conceptualista,
como j enfatizou Langacker (2007, p. 431), o que implica defender uma concepo scio-
interacional, ou melhor, uma integrao entre significado, cognio e experincia corprea,
social, cultural e histrica. Ademais, sendo o significado baseado no uso e na experincia, entra
em cena um princpio fundamental para a compreenso dessa abordagem, esquecido pelas teorias
lingusticas proeminentes do sculo XX: a relao entre conhecimento lingustico e conhecimento
enciclopdico; este ltimo, proveniente da interao humana e das relaes estabelecidas com os
outros (experincia social) e com o mundo (experincia fsica).
Por fim, como mais um princpio da Lingustica Cognitiva, considerado pedra angular
da abordagem cognitiva, identifica-se a categorizao. Definida como a habilidade humana de
identificar similaridades e diferenas entre entidades e, consequentemente, entre os grupos que
essas entidades constituem, a categorizao est presente em todas as relaes dos indivduos
com o seu meio fsico e interfere em seu convvio social e intelectual, de modo que, ao se
11 Silva (2006b, p. 14) acrescenta que essas vises antagnicas acerca de um mesmo contedo de investigao
refletem, portanto, o objetivismo e o experiencialismo ou realismo corporizado (embodied realism) que caracterizam,
respectivamente, as teorias formalistas e as teorias funcionalistas da linguagem e, por conseguinte, do significado.
Para as primeiras, a cognio uma atividade independente da mente, organizada em mdulos no formato de um
programa de computador e o significado formal, objetivo, descontextualizado e autnomo. Para as ltimas, a
cognio resulta da confluncia de elaboraes mentais integradas experincia, ao social, ao cultural, ao emocional
etc., e, por conseguinte, o significado conceptual, psicolgico, fenomenolgico, experiencial e contextual.
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moverem no mundo, automaticamente e, de forma inconsciente, os homens categorizam pessoas,
animais, objetos fsicos e tambm eventos, aes, emoes, relaes espaciais, sociais e entidades
cientficas. De acordo com Lakoff (1987, p. 5), no h nada mais bsico do que a categorizao
para o pensamento, para a percepo, para a ao e para fala12
.
A ideia de que a categorizao envolve experincia, percepo e interao com o mundo
est expressa tambm em uma passagem do livro Metforas da vida cotidiana transcrita a seguir:
Para compreender o mundo e agir nele, temos de categorizar os objetos e as experincias de forma que passem a fazer sentido para ns. Algumas de
nossas categorias emergem diretamente de nossa experincia, devido
forma de nossos corpos e natureza de nossas interaes com as outras
pessoas e com o nosso ambiente fsico e social. (LAKOFF; JOHNSON,
2002, p. 218).
Tal afirmao defendida por esses mesmos autores no livro Philosophy in the Flesh: The
Embodied Mind and Its Challeng To Western Thought (1999, p. 19; 22), onde voltam a afirmar
que os conceitos formulados pelo homem no refletem apenas a realidade externa, mas so
crucialmente definidos pelo seu corpo, pelo seu crebro e, especialmente, pelo seu sistema
sensrio-motor. A todo momento, so produzidas ou entendidas declaraes de extenses
razoveis em que so empregadas categorias de sons da fala, de palavras, de frases, de oraes e
categorias conceptuais. Segundo Ungerer e Schimd (1996, p. 38), essas categorias resultam de
conceitos alojados na mente, ou seja, do lxico mental do indivduo e refletem a organizao de
suas experincias. Devido a isso, linguistas, sobretudo cognitivistas, tm dado especial ateno a
esses processos, j que produzir e entender uma lngua implica conceptualizar e categorizar.
Convm ressaltar, no entanto, que a categorizao no privilgio da raa humana.
Lakoff e Johnson (1999, p. 17-19) lembram que todos os seres vivos categorizam. At mesmo a
ameba categoriza as coisas que encontra em comida e no comida, para mov-las ou no em sua
direo. Todavia, a relao de dependncia entre a constituio biolgica dos seres humanos (o
seu aparato sensorial e a sua habilidade para se movimentar e manipular objetos) e as
peculiaridades do seu sistema conceptual (a capacidade de raciocnio do seu crebro) propiciam
ao homem interagir com o mundo de forma diferente dos outros animais, facultando-lhe inmeras
possibilidades de conceptualizao e de categorizao.
12 Categorization is not a matter to be taken lightly. There is nothing more basic than categorization to our thought,
perception, action, and speech (LAKOFF, 1987, p. 5).
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Embora esses dois processos sejam o foco das investigaes da Semntica Cognitiva,
como j destacou Feltes (2007, p. 108), a ideia de que as categorias so definidas por
propriedades comuns acompanha a histria das sociedades h mais de dois mil anos. Sua
explicao respalda-se em variados enfoques e teorias, no decorrer dos sculos. Existem,
portanto, a Teoria Clssica, a Teoria Natural e, por ltimo, a Teoria do Prottipo, segundo o
modelo desenvolvido por Rosch, na dcada de 70, e o de Lakoff, na dcada de 80. Para melhor
entend-las, seguem alguns breves comentrios.
A Teoria Clssica de categorizao ou Aristotlica13
no foi o resultado de um estudo
emprico, mas uma posio filosfica defendida, a priori, com base em especulaes e seguida
como uma verdade inquestionvel. (LAKOFF, 1987, p. 6). Embora seu principal representante
tenha sido Aristteles que, na Antiguidade Clssica, estudou, dentre outras coisas, as categorias
gramaticais, seus reflexos ainda so percebidos em algumas correntes tericas contemporneas. A
crena no significado autnomo, por exemplo, determinado por princpios lgicos e
independentes de quaisquer mecanismos cognitivos, foi compartilhada (e pode-se dizer que ainda
) por variadas teorias de condies necessrias e suficientes (TCNS), incluindo o Estruturalismo,
o Gerativismo e algumas correntes tericas da Psicologia e da Filosofia.
Dentre os aspectos que se sobressaram no modelo clssico de categorizao, podem-se
citar: a) a definio das categorias a partir de um conjunto fixo de propriedades consideradas
necessrias e suficientes; b) o fato de as categorias possurem fronteiras claramente delimitadas e
c) o fato de todos os membros de uma categoria apresentarem estatuto semelhante. (TAYLOR,
1989, p. 22-24). Isso pressupunha que se um elemento no partilhasse traos comuns em relao
a outros elementos no faria parte de uma mesma categoria.
Nessa perspectiva, os conceitos eram objetivos e desembodied, ou seja, no corporizados,
conforme designa Johnson (1987), pois no havia relao entre significado e experincia humana.
Isso significa dizer que o conhecimento lingustico era dissociado do enciclopdico, o que refora
a ideia autonomista da linguagem propagada pelas teorias formalistas, conforme j se ressaltou.
Tal abordagem limitava-se s relaes internas ao sistema, ao contexto lingustico (sintagmtico,
13 Embora seja empregado esse epteto para nomear o enfoque dado categorizao, na Antiguidade Clssica, Silva
(1999, p. 17, nota 17) considera-o inapropriado, uma vez que, na obra de Aristteles e na tradio filosfica
ocidental, j se encontravam reflexes ou mesmo concepes sobre a categorizao compatveis com a teoria do
prottipo.
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paradigmtico) e exclua o referente (a coisa qual o significado e o significante se referem), a
histria, e, principalmente, a forma como o sujeito percebe e conceptualiza o mundo exterior.
Devido ao rigor dos critrios estabelecidos e s suas incongruncias, o modelo baseado na
proposta aristotlica no ficou inclume a crticas e a globalidade dessa abordagem foi posta em
discusso por pesquisadores de diferentes reas do saber, incluindo os da Lingustica. Contudo,
questionamentos mais acirrados s surgiram com os cognitivistas.
Em 1953, uma nova concepo de categorizao, tambm conhecida como Teoria
Natural, foi difundida por Ludwig Wittgenstein. O autor do livro Investigaes Filosficas14
, ao
questionar quais as propriedades definidoras da categoria jogo, notou, ao contrrio do que se
pregava at ento, que os vrios membros que a integram no compartilhavam nem, muito
menos, precisavam compartilhar de um conjunto de propriedades comuns, o que o levou a
afirmar que uma categoria no estruturada em termos de caractersticas criteriais partilhadas,
mas por uma rede de similaridades entrecruzadas.
O referido filsofo concluiu que alguns conceitos encontrados para o termo jogo, mesmo
sendo heterogneos, organizavam-se em grupos, cujos limites eram difusos e os seus membros
podiam compartilhar ou no alguns atributos. A observao de Wittgenstein (1953, 1994, p. 51-
52) resultou na constatao da existncia de uma rede de semelhanas entre os elementos de uma
categoria, em pequena e/ou grande escalas, que se sobrepunham umas s outras e se
combinavam, tal como ocorre entre os membros de uma famlia, quando se observam a estatura,
os traos fisionmicos, a cor dos olhos, o andar, o temperamento, dentre outras caractersticas.
A essas similaridades ele deu o nome de semelhanas de famlia ou parecenas de
famlia (family resemblance). Tal noo, depois defendida por alguns pesquisadores que lhe
sucederam, repercutiu consideravelmente na Semntica que veio a desenvolver-se, por volta dos
anos 70, quando o estudo da categorizao ganhou uma explorao emprica mais ampla e
sistemtica, tornando-se uma grande rea de estudo dentro da Psicologia e da Lingustica, devido,
principalmente, ao trabalho pioneiro da psicloga Eleanor Rosch que, nesse perodo, em repdio
viso objetivista clssica da categorizao, passou a dedicar-se ao estudo da estrutura interna
das categorias, realizando vrias pesquisas que culminaram no desenvolvimento da Teoria do
Prottipo.
14 A traduo do livro citado utilizada neste trabalho datada de 1994.
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Essa pesquisadora, juntamente com sua equipe, observaram, por meio de estudos
baseados na aplicao de testes, inquritos e experincias com informantes, segundo preceitua a
Psicolingustica, que as categorias, em geral, tinham melhores exemplares (muitas vezes
definidos por critrios que iam desde a escolha dos falantes frequncia de uso) e organizavam-
se, de forma gradual, em torno de um significado nuclear que era representado por um membro
tpico, denominado prottipo15
, com o qual outros membros, mais perifricos, se associavam
por similaridade.
Ao demonstrar que no necessrio haver uma nica propriedade comum a todos os
elementos de uma categoria e que nem todos os seus membros precisam ser iguais, j que pode
haver elementos mais caractersticos, mais representativos que outros e, portanto, mais
prototpicos, a referida pesquisadora rompeu com a concepo clssica de categorizao,
passando, ento, a considerar que o grau de similitude com um prottipo que determina se um
elemento pertence a uma categoria e no mais condies necessrias e suficientes.
Deve-se salientar, contudo, que, em decorrncia de o termo prottipo apresentar variados
sentidos, como j afirmaram Wierzbicka (1985, p. 343), Vilela (2002, p. 19-26) e tambm
Geeraerts (2006b, p. 18-22), a sua definio no est isenta de problemas. Para esse ltimo autor,
a prpria noo de prottipo prototpica, visto que a prototipicidade no encerra apenas um
fenmeno ou um nico efeito, como j se pensou, mas compreende um feixe de fenmenos, de
caractersticas e de efeitos que se inter-relacionam, por compartilharem propriedades
parcialmente semelhantes.
Talvez por isso a Teoria do Prottipo, nos moldes psicolingusticos, embora tenha
representado um grande avano em relao s teorias anteriores, no deva ser vista como uma
soluo milagrosa, conforme pondera Kleiber (1995, p. 60): O erro da verso estndar est em
ter intentado dar uma explicao nica formao de exemplares idneos16
.
Segundo ele, a falta de preciso terminolgica e o fato de considerar o prottipo uma
entidade unificadora, organizadora da categoria ou ainda representante direta de um conceito
15
Embora em alguns dicionrios, lexicgrafos atribuam palavra prottipo a noo de primeiro tipo ou exemplar; original, modelo, a designao de prottipo est normalmente atrelada s acepes empregadas nas reas de
Informtica e Tecnologia. Entre as definies dadas a prottipo, esto: Verso parcial e preliminar de um sistema de
computador ou de um novo programa, destinado a teste e aperfeioamento; ou ainda, produto fabricado
individualmente ou produzido de modo artesanal, e segundo as especificaes de um projeto para a fabricao em
srie, com o propsito de servir de teste antes da fabricao em escala industrial, ou da comercializao.
(FERREIRA, Aurlio, 1999, p. 1656). 16El error de la version estndar est en que ha intentado dar una explicacin nica, a la formacin de ejemplares
idneos (KLEIBER, 1995, p. 60).
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foram alguns dos equvocos daqueles que idealizaram e estudaram as categorias sob o enfoque
psicolingustico.
Em vista disso, ao final dos anos 70 e incio dos 80, as crticas manuteno do modelo
clssico e da explicao psicolingustica para justificar a formao de categorias propiciaram o
surgimento de uma nova proposta. Tentou-se, a partir dali, explicar o processo de categorizao,
no mais por meio de condies necessrias e suficientes ou da simples depreenso de um
prottipo, considerado, at ento, uma mera representao mental ou um simples exemplar
padro, mas atravs do Experiencialismo de Lakoff17
.
O referido lingista, ainda que tenha preservado alguns aspectos das teorias
wittegenesteiniana e roschiniana, evidenciando uma perspectiva metodolgica interdisciplinar18
,
buscou fazer algo diferente, na tentativa de explicar, do ponto de vista lingustico e cognitivo,
como o homem categoriza as coisas, por que motivos e quais as implicaes ou os efeitos disso,
levando em conta, sobretudo, a relao entre cognio e experincia, antes esquecida.
Ao refutar a ideia do prottipo como melhor exemplar da categoria e consider-lo um
efeito de prototipicidade (tese que j havia sido defendida por Rosch, nos estudos realizados em
fins dos anos 70), a Teoria Experiencialista do Prottipo, difundida por Lakoff, ou Teoria do
Prottipo na sua verso ampliada, revisada ou polissmica, conforme denomina Kleiber
(1995, p. 159), props um novo olhar sobre o processo de categorizao e sobre os conceitos
relativos ao prottipo, distinguindo-se, assim, no s da Teoria Clssica como da Teoria do
Prottipo, na sua verso inicial ou stndar.
Abandonou-se, pois, a tese da equivalncia entre grau de representatividade e grau de
pertena a uma categoria similaridade com o prottipo, passando a v-lo como um elemento
secundrio, uma vez que os efeitos de prototipicidade so mais relevantes. Nesse sentido, buscou-
se levar em considerao alguns elementos que foram deixados de lado pela Semntica
17 Deve-se salientar que o Experiencialismo, defendido por Lakoff (1987) e enfatizado na Semntica Cognitiva,
refere-se a todo tipo de experincia humana: o movimento dos corpos, a percepo das coisas, a forma de ver o
mundo e agir nele, a integrao social etc. 18Cabe aqui registrar que as noes de categorizao e de prottipo tais como so apresentadas por Lakoff e Johnson
(1980) e por Lakoff (1987), mesmo tendo emergido das pesquisas realizadas, na dcada de 70, e tendo sido
influenciadas por Rosch e por seus colegas, ganharam novos matizes, ao serem empregadas pela Semntica
Cognitiva, de cunho experiencialista, nos anos 80. Mas, no se pode negar que os trabalhos realizados por
Wittegeinstein (1953), no mbito da Filosofia; Berlin e Kay (1969), no mbito da Antropologia, e por Rosch e seus
colegas (na dcada de 70), no mbito da Psicologia, desempenharam um papel determinante na construo do
paradigma cognitivo, assim como a Teoria da Computao, a Inteligncia Artificial, dentre outras cincias
cognitivas, que tm contribudo para explicar o fenmeno da prototipicidade.
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Estrutural, como os limites difusos das categorias lexicais, a existncia de escalas de tipicalidade
entre os seus membros, a natureza dinmica do significado das palavras e a importncia da
metfora e da metonmia como fenmenos conceptuais e no apenas lingusticos. Tais
caractersticas acabaram por criar um campo propcio e bastante fecundo para o estudo da
polissemia, que passou a ser vista como um processo de categorizao prototpica fundamentado
na experincia humana por relaes de natureza cognitiva.
2.4 TEORIAS DA LINGUSTICA COGNITIVA QUE SUBSIDIAM PESQUISAS SOBRE A
POLISSEMIA
2.4.1 A Teoria do Prottipo
Tanto Geeraerts (2006b, p. 7) quanto Kleiber (1995, p. 155) admitem que um dos grandes
contributos da Teoria do Prottipo para a Lingustica Contempornea foi o desenvolvimento de
um modelo vlido para explicar a polissemia dos itens lexicais. Posicionamento semelhante foi
adotado por Lakoff (1987, p. 378), ao afirmar que esse fenmeno lingustico um caso especial
de categorizao prototpica, em que os sentidos de uma palavra so considerados membros de
uma categoria.
Em face do que prope a Semntica Cognitiva e, por extenso, a Teoria do Prottipo,
considera-se que a palavra polissmica apresenta um sentido prototpico com o qual outros
sentidos mais ou menos salientes inter-relacionam-se, por similaridades parciais e por
parecenas de famlia. Ao referir-se a um exemplo como AB-BC-CD-DE-etc., com base no que
j haviam postulado Rosch e Mervis (1975), Coimbra (2002, p. 1) afirma que todos os
significados que pertencem a uma mesma categoria polissmica ficam agrupados no apenas por
algo em comum partilhado por todos eles mas a partir de associaes e encadeamentos sucessivos
sobre um significado bsico, primeiro, mais representativo ou central, que o prottipo A.
Em outras palavras, as categorias polissmicas so complexas, conforme define
Langacker (1991a), porque apresentam uma estrutura interna que abarca mltiplos sentidos, com
diferentes graus de representatividade, permitindo variadas interpretaes. Tal viso contrape-se
ao modelo terico estruturalista, uma vez que a noo de polissemia associada da existncia de
um ncleo comum de significao entre as palavras, depreendido por meio de anlises
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componenciais e de campos lxicos19
, d lugar ideia de que esse processo resulta de
categorizaes prototpicas. Da, considerar-se que a estrutura semntica de uma categoria
prototpica assume a forma de uma rede radial, conforme define Lakoff (1987), cujo membro
central ou mais saliente o protttpico e os demais no centrais ligam-se a ele por generalizaes,
especializaes, metforas, metonmias, transformaes de esquemas de imagens etc.
A noo de salincia empregada em Lingustica Cognitiva, de acordo com Schmid (2007,
p. 119-120), pode indicar salincia cognitiva e salincia ontolgica. No que se refere
salincia cognitiva, unidades cognitivas podem ser ativadas, quando so requeridas no
processamento da fala ou na produo textual, por exemplo. Nesses casos, ou a ativao de um
conceito pode ser controlada por um mecanismo de seleo consciente, passando a ser o foco de
ateno do indivduo que o processa na memria corrente, ou a ativao pode ser estendida
(spreading activation), visto que um conceito, ao ser ativado, pode desencadear outros. J a
salincia ontolgica refere-se ativao de propriedades inerentes e mais ou menos
permanentes de entidades do mundo real. Em outras palavras, o autor explica que devido
natureza de cada entidade, algumas apresentam qualidades que tm um potencial maior para
atrair a ateno do que outras. Isso verificado na fase de aquisio da linguagem pelas crianas,
em relao a pessoas, animais, cores, brinquedos. Como se observa, os dois processos interligam-
se, visto que entidades mais salientes ontologicamente tm maior chance de serem o foco da
ateno e, portanto, de apresentarem maior salincia cognitiva.
Para Lakoff (1987, p. 280-281), o que propicia a categorizao a capacidade de
conceptualizao do homem, evidenciada pela sua habilidade para formar estruturas simblicas
correlacionadas a estruturas preconceptuais ou perceptuais da experincia diria; para fazer
projees de um domnio fsico para um abstrato, e para construir conceitos complexos, usando
esquemas de imagens. Da ser possvel depreender que a causa para a ligao entre os vrios
sentidos de um item lexical polissmico bem como a identificao dos seus diferentes graus de
salincia e de semelhana esto na natureza cognitiva da linguagem, isto , nos diferentes
19
Mesmo considerando as limitaes da abordagem smica ou distribucional, faz-se importante salientar que a anlise componencial proposta pelas Semnticas Formalistas, mais especificamente Estruturalista e Gerativista, para
anlise semntica dos itens lexicais no foi de todo rechaada pela Semntica Cognitiva. Tal colocao,
aparentemente paradoxal, fundamenta-se no posicionamento defendido por alguns cognitivistas, a exemplo de
Geeraerts (1988, 2006b) e Silva (1999), que consideram esse tipo de anlise um instrumento heurstico indispensvel
em uma primeira fase da descrio semntica. [...] a anlise componencial deve ser usada, no para definir os itens
lexicais (nem muito menos como objecto final de anlise), mas antes para traar o seu campo de aplicao (SILVA,
1999, p. 74).
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modelos conceptuais construdos pelos usurios da lngua, denominados idealized cognitive
model (ICM) ou modelos cognitivos idealizados (MCI), responsveis por estruturar o
pensamento e embasar a formulao de conceitos. Esses modelos so tambm entendidos como
culturais, uma vez que o sistema conceptual e vrias categorias geradas pelo ser humano so
cognitivas e culturais20
. Nesse caso, pode-se concluir, por extenso, que os prottipos refletem a
flexibilidade dos sentidos e a sua intrnseca relao com as transformaes scio-histricas e
culturais do mundo.
Como possvel constatar, esses modelos no so entidades cognitivas isoladas, mas
inter-relacionadas, que se combinam e interagem, quando a linguagem processada, formando
networks. Silva (1997a, p. 14), tal como o fazem Ungerer e Schmid (1996, p. 48-49), cita o
exemplo do modelo cognitivo estar na praia, que compreende vrios contextos e situaes
associados a outros modelos cognitivos, a exemplo do mar, do sol, das frias, da areia, da pesca
etc.
importante ressaltar, contudo, que, mesmo sendo a polissemia um fenmeno dinmico e
instvel de criao de sentidos, construdo a partir do conhecimento enciclopdico do indivduo e
das suas necessidades sociocomunicativas, no catico, pois a flexibilidade que lhe inerente
no ocorre de forma aleatria nem ilimitada, o que restringe e neutraliza a ampliao dos novos
sentidos, estabilizando a mudana semntica. fora da flexibilidade [...] junta-se a fora da
estabilidade (SILVA, 2006a, p. 61), ou seja, apesar da capacidade de fronteira elstica que os
conceitos tm e da sua contnua reformulabilidade (TEIXEIRA, 2005, p. 26), as mudanas
semnticas no so abruptas, mas graduais.
Para ilustrar as correlaes mentais que se estabelecem entre os sentidos prototpicos e os
sentidos perifricos dentro de uma categoria polissmica bem como para descrever a sua estrutura
semasiolgica, podem ser utilizados diferentes modelos, a saber: a) redes esquemticas,
propostos por Langacker (1987); b) redes radiais, difundidos por Lakoff (1987); c) grupos de
sobreposio (overlaping set model), introduzidos por Geeraerts (1990), e d) complexos
multidimensionais, defendidos por Silva (2006a).
Embora a arquitetura da rede esquemtica de Langacker (1987, p. 371) seja alvo de
crticas, por introduzir a dimenso hierrquica da esquematicidade, a sua vantagem ilustrar
20 Esses modelos no so universais, porque dependem da cultura, da localidade em que a pessoa cresce e vive.
(UNGERER; SCHMID,1996, p. 50).
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como, possivelmente, se estabelecem as relaes entre significados esquemticos, sentidos
prottipicos e sentidos perifricos21
. Ao se optar por esse modelo para descrever um complexo
polissmico, podem-se representar os vrios usos de um item lexical por meio de retngulos ou
ns, que se interligam, reproduzindo diferentes relaes de elaborao, com vrios nveis de
esquematicidade, representadas por setas contnuas, e vrias cadeias de extenso, indicadas pelas
setas descontnuas, conforme se verifica na figura a seguir:
Figura 1 - Modelo de Rede Esquemtica (network)
Fonte: Silva (2006a, p. 71)
Segundo Lakoff (1987, p. 69-70), em uma teoria esquemtica, cada esquema um
network de ns e ligaes. Todo n em um esquema corresponde a uma categoria conceptual e as
propriedades da categoria dependem do papel daquele n em um dado esquema, das suas relaes
com outros ns no esquema, da relao daquele esquema com outros esquemas e da total
interao daquele esquema com outros aspectos do sistema conceptual.
No muito diferente das redes esquemticas o modelo das redes radiais ou radial
model, apresentado pelo prprio Lakoff (1987) e de grande aplicabilidade no estudo da
polissemia. A configurao estrutural desse modelo pressupe a existncia de um centro
prototpico em torno do qual outros elementos mais ou menos perifricos, mais ou menos
salientes encontram-se inter-relacionados. Esses membros no centrais podem ser variantes do
prottipo ou variantes de outras variantes (BRUGMAN; LAKOFF, 2006, p. 109) e podem
interligar-se aos outros membros ou entre si, por meio de encadeamentos sucessivos. Na figura a
21 Silva (2006a) pondera, entretanto, que o modelo da rede pode ser inadequado, se no for bem interpretado, ou seja,
se os sentidos forem considerados isoladamente, como ilhas bem delimitadas, representando os nicos significados
que uma palavra pode assumir, pois a estrutura de uma categoria polissmica no rgida.
Prottipo Extenso
Esquema
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seguir, o elemento prototpico ocupa o crculo do meio, os menos centrais situam-se esquerda e
o mais perifrico, direita. Em algumas redes, o ncleo prototpico pode vir destacado e a cadeia
de relaes entre os elementos que a constituem pode assumir vrias direes, conforme se
verifica na figura a seguir.
Figura 2 - Representao de uma rede radial
Fonte: Lewandowska-Tomaczczyk (2007, p. 156)
Um outro modelo para ilustrar a categorizao prototpica o overlapping set model, isto
, grupos em sobreposio, proposto por Geeraerts (1989). Nesse modelo, os elementos bsicos
so agrupados com base nas caractersticas que compartilham e nos sentidos que expressam. As
sobreposies desses elementos so apresentadas por meio de diagramas que mostram as
salincias estruturais. Trata-se de uma ilustrao cuja rea de sobreposio mxima corresponde
ao centro prototpico da categoria e as demais reas representam elementos de menor
prototipicidade, conforme demonstram Geeraerts (1989, p. 599), Silva (1999, p. 42) e
Lewandowska-Tomaczczyk (2007, p. 155), na figura reproduzida a seguir:
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Figura 3 - Representao de redes de sobreposio ou overlapping
Fonte: Silva (1999, p. 42)
Por fim, uma outra maneira de representar a categorizao e de descrever as consequentes
relaes prototpicas de um item lexical bem como a sua polissemia levar em considerao a
sua multidimensionalidade, pois se entende que uma categoria polissmica um espao
muldimensional e sua estrutura pode ser o resultado da combinao de duas ou mais dimenses
que esto na base das suas ligaes semnticas. Na ilustrao exposta a seguir, Silva (2006a, p.
247) busca mostrar, por meio de um complexo multidimensional, a polissemia do objeto indireto
(OI), considerando a combinao das dimenses espacial e funcional. As linhas tracejadas que
saem do crculo, embora no estejam especificadas, visam a mostrar que dali partem os distintos
sentidos do OI:
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Figura 4 - Representao do complexo multidimensional do prottipo do OI em portugus
Fonte: Silva (2006a, p. 247)
Essas diferentes possibilidades de explicar e representar a polissemia de um item lexical,
sob o enfoque cognitivista, permitem depreender que as inter-relaes de sentidos podem ser
provenientes de instanciaes ou elaboraes (especificaes, generalizaes, transformaes de
esquemas imagticos) e de extenses semnticas (projees metafricas e/ou metonmicas). Da
considerar-se que a anlise semasiolgica de uma categoria polissmica no pode prescindir da
reviso, ainda que sucinta, das teorias que explicam qual a relao desses mecanismos
conceptuais com a polissemia lexical.
2.4.2 A Teoria da Metfora e da Metonmia Conceptuais
O desenvolvimento da Teoria da Metfora Conceptual ou TMC deve-se aos estudos
realizados por George Lakoff e seus colegas a partir da dcada de 70. O livro Methaphors we life
by (1980), j citado, alm de ser considerado por muitos um ponto de partida para os estudos
cognitivistas sobre a metfora e tambm sobre a metonmia (fenmeno semntico no menos
importante), foi um dos marcos iniciais para a consolidao da TMC como uma das linhas de
investigao da Lingustica Cognitiva.
Para Zanotto et al. (2002, p. 11), ao proporem a reformulao do paradigma at ento
vigente, Lakoff e Johnson romperam no s com o modelo objetivista da metfora e da
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metonmia mas tambm com a tradio retrica, que, durante muito tempo, dominou a cultura
ocidental. Nesse sentido, os processos metafricos e metonmicos deixaram de ser vistos como
simples figuras de linguagem ou tropos, de natureza essencialmente lingustica, tpicos do texto
literrio, para serem intrerpretados como fenmenos conceptuais, responsveis pela mudana de
significados, pela gramaticalizao e pela polissemia, ocupando assim um lugar de destaque no
campo dos estudos semnticos.
A centralidade da metfora e da metonmia, na abordagem cognitiva da significao
lexical, testemunhada por Silva (2006a, p. 111) na afirmao que se segue:
Esta deslocao para o plano do sistema conceptual de fenmenos
tradicionalmente identificados na linguagem e relegados para um
nvel anormal e este reconhecimento da naturalidade e ubiquidade do pensamento metafrico e metonmico enformam a teoria
cognitiva contempornea da metfora e da metonmia,
inicialmente explorada no trabalho seminal de Lakoff e Johnson
(1980) e, depois, em Lakoff (1987), enquadrando filosoficamente a nova abordagem [...]
Como se pode constatar, no excerto transcrito, os fenmenos metafrico e metonmico so
concebidos como elementos essenciais para a categorizao do mundo. Ambos evidenciam como
aspectos da vida cotidiana podem associar-se a situaes mais complexas ou desconhecidas da
experincia humana e refletir as formas de perceber, de pensar e de organizar o raciocnio. A
interpretao desses fenmenos, antes considerados inerentemente lingusticos, segundo tal
perspectiva, confirma a integrao entre corpo/mente e ilustra o experiencialismo ou realismo
corporizado (embodied realism) do pensamento e da linguagem difundido por Lakoff e Johnson
(1980, 2002), por Lakoff (1987) e por Johnson (1987). Em outras palavras, estudar a metfora e a
metonmia, sob o enfoque cognitivo, representa conhecer a maneira como o homem que emprega
esses mecanismos de construo de sentidos vive, como se relaciona em sociedade, como executa
tarefas, como concebe a felicidade, a sade, o amor, o poder, dentre outros aspectos da vida.
Segundo a Teoria da Metfora e da Metonmia Conceptuais (TMC), a relao entre
conceitos concretos e abstratos estabelece-se por meio de um processo de transferncia nomeado
mapping22
, que significa projeo entre domnios conceptuais e resulta da conceptualizao de
um domnio mental ou de experincia, em lugar de outro. Para explicar como isso ocorre, pode-se
22 O termo mapping, segundo Grady (2007, p. 190), foi emprestado da matemtica, para referir-se s
correspondncias metafricas sistemticas entre ideias relacionadas entre si.
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reportar a trs princpios da teoria: a unidirecionalidade, a motivao experiencial e a
invarincia.
Embora questionado por alguns estudiosos, o princpio da unidirecionalidade refere-se
tendncia de se criarem metforas tpicas, ou seja, de se usar uma fonte mais concreta para
descrever um alvo mais abstrato, que se deve, segundo Silva (2006a, p. 132), necessidade de
simbolizar as conceptualizaes de uma maneira mais fcil de serem apreendidas durante a
interlocuo, pois, ao falar do abstrato em termos do concreto, cria-se a iluso da objetividade e
facilita-se a comunicao. O outro princpio o da motivao experiencial, segundo o qual, as
associaes entre domnios no so arbitrrias, mas experiencialmente motivadas, uma vez que
refletem a forma como os indivduos percebem e interpretam o mundo. (GRADY, 2007, p. 192).
J o princpio da invarincia determina que a projeo do domnio fonte no pode violar a
estrutura esquemtica do domnio alvo, de modo que, em uma mudana semntica, mesmo
ignorando-se detalhes da imagem fonte, as estruturas esquemticas devem ser preservadas.
(OAKLEY, 2007, p. 223).
Em sntese, diz-se que a metfora estabelece uma relao de similaridade, envolvendo a
interao entre diferentes domnios; enquanto a metonmia estabelece uma relao de
contiguidade dentro de um mesmo domnio, isto , de um domnio matriz, ligando um contedo
fonte a um contedo alvo menos acessvel, conforme definem Panther e Thornburg (2007, p.
240). Para ilustrar tais relaes, veja-se a figura a seguir:
Figura 5 - Metfora vs. Metonmia
Metfora Metonmia
Domnio Origem Domnio Alvo Domnio
Fonte: Silva (2003, p. 28, adaptada de CUENCA; HILFERTY, 1999, p. 111)
A B C
A A
1 2
3
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Tal distino, no entanto, no ponto pacfico. H tericos da Semntica Cognitiva que
acreditam em uma oposio entre os dois fenmenos, outros, em um continuum (uma vez que as
fronteiras entre ambos no so to rgidas), e outros ainda que veem na metonmia a primariedade
cognitiva sobre a metfora, a exemplo de Taylor (1989, p. 124) e de Barcelona (2000, p. 4), para
os quais, a metonmia um processo de extenso, provavelmente, mais bsico que a metfora.
Panther e Thornburg (2007, p. 240), por seu turno, alm de citarem as contribuies de Ruiz de
Mendoza e Otal Campo (2002) e de Geeraerts (2002) para a elucidao da polmica que circunda
esse tema, fazem referncia a Goossens (1990, 2002) que, em seu estudo sobre a interao entre
metfora e metonmia, a que denomina metaphtonymy ou metaftonmia, apresenta quatro tipos
de interao, a saber: metfora proveniente de metonmia, metonmia dentro da metfora,
demetonimizao dentro de uma metfora e metfora dentro da metonmia.
Uma outra questo de fundamental importncia para um melhor entendimento do
processo de metaforizao distinguir metforas e metonmias conceptuais, como esquemas ou
padres do sistema conceptual, de metforas e metonmias lingusticas ou expresses metafricas
e metonmicas, como realizaes lingusticas desses padres de conceptualizao. Em linhas
gerais, as metforas conceptuais so esquemas abstratos que servem para agrupar expresses
metafricas. J essas ltimas podem representar casos individuais das primeiras.
Barcelona (2000, p. 5), seguindo essa linha de raciocnio, assegura que a expresso
lingustica pode, eventualmente, deixar de ser usada metaforicamente e metonimicamente, mas a
projeo conceptual correspondente pode ainda viver e refletir-se em muitas outras expresses
lingusticas. Quer isto dizer que as metforas conceptuais so mais estveis, ao passo que as
expresses metafricas podem ser temporrias, pois os domnios de experincia em que so
empregadas no so os mesmos em todas as culturas e variam, conforme a poca, a sociedade, a
comunidade de fala em que surgiu ou o modelo cultural adotado.
Para Lakoff e Johnson (2002, p. 71, 75, 134), h trs grandes grupos de metforas
conceptuais: as ontolgicas, as orientacionais e as estruturais. As ontolgicas so bastante
comuns no pensamento humano e relacionam eventos, atividades, emoes, ideias e processos a
entidades e substncias. As orientacionais partem de experincias culturais e fsicas e esto
associadas orientao espacial. Por ltimo, as estruturais, assim como as outras duas,
fundamentam-se em correlaes sistemticas pautadas na experincia, o que permite usar um
conceito estruturado e detalhado de maneira clara para estruturar um outro conceito.
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51
A Teoria da Metfora Conceptual tem recebido, desde o seu surgimento com Lakoff e
Johnson (1980, 1999), muitos contributos e algumas revises. Ao admitir que os mapeamentos
metafricos so experiencialmente mais bsicos e no to complexos quanto o que propunha o
modelo de anlise metafrica de Lakoff e Johnson (1980), Grady (1997), por exemplo, cria a
Teoria das Metforas Primrias, com vistas a explicar a base experiencial do domnio origem e
do domnio alvo bem como a analisar o que motiva a metfora e como ela acontece. Busca-se,
assim, estabelecer a relao entre experincias acumuladas pelo homem e a gerao de metforas
primrias (GRADY, 1997, 2007; LAKOFF; JOHNSON, 1999), consideradas naturais,
provenientes de conexes neurais, e consequncias inevitveis de associaes que se repetem na
vida diria, em contraposio s metforas complexas, convencionais e no experienciais, muitas
vezes, originadas a partir da combinao das prprias metforas primrias. (GRADY, 2007, p.
194).
Alm de evidenciar como se do as motivaes e as correlaes experienciais no processo
de formao de metforas, a Teoria Geral da Metfora Primria ou Teoria Integrada da Metfora
Primria, busca explicar, dentre outras coisas, como ocorre a aquisio das projees metafricas
pelas crianas. A referida teoria constitui-se de quatro componentes: a Teoria da Fuso, de
Christopher Johnson, que diz respeito ao processo de aprendizagem, na fase da infncia, em que
so fundidas experincias sensrio-motoras e no sensrio-motoras; a Teoria da Metfora de
Grady (1997), que defende que as metforas complexas so moleculares e construdas por meio
da integrao de metforas primrias; a Teoria Neural da Metfora, estudada por Lakoff e
tambm por Narayanan, que se posiciona em favor de que as associaes feitas no perodo de
fuso resultam em conexes neurais permanentes estabelecidas entre redes neurais que definem
domnios conceptuais; e, por ltimo, a Teoria da Integrao Conceptual ou Blending, que defende
a formao de mesclas conceptuais, a partir de conexes entre domnios conceptuais distintos.
(FELTES, 2007, p. 163).
Essa ltima teoria, desenvolvida por Fauconnier em parceria com Turner (2002),
originria da Teoria dos Espaos Mentais do prprio Fauconnier, sendo complementar Teoria
Contempornea da Metfora Conceptual, conforme descreve Silva (2006a, p. 147):
Esta nova teoria procura explicar como que falantes e ouvintes registam
correspondncias conceptuais e constroem novas inferncias durante o
processo discursivo. A ideia nova e central a de que na projeo conceptual, tal como decorre no discurso, os domnios origem e alvo (ou
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espaos input) so projetados num espao integrado (blend), cuja
estrutura conceptual no deriva inteiramente dos espaos input.
De acordo com essa perspectiva, a conceptualizao surge a partir da integrao ou
mesclagem ou blending, em que so projetados elementos de diferentes espaos. Esse processo
envolve no dois domnios, como na teoria da metfora conceptual, mas, pelo menos, quatro
espaos mentais. (SILVA, 2006a, p. 148). H, nesse caso, um espao amlgama (blended
space), tambm denomindado espao mescla, que integra, de modo parcial, estruturas
especficas dos demais espaos e apresenta uma estrutura emergente prpria. (COIMBRA, 1999,
p. 61).
Embora a Teoria da Integrao Conceptual seja muito utilizada em estudos semnticos
realizados no Brasil e Fauconnier e Turner (2002) busquem mostrar a importncia do processo de
integrao conceptual no desenvolvimento da polissemia, seus princpios no foram seguidos na
presente tese, diferentemente do que se fez em relao s Teorias do Prottipo, da Metfora e da
Metonmia Conceptuais, j mencionadas, e dos Esquemas de Imagens e dos Frames, que, por
exercerem tambm um importante papel nos estudos da mudana semntica, da gramaticalizao
e de categorias polissmicas, fundamentam a anlise a ser apresentada.
2.4.3 A Teoria dos Esquemas de Imagens
Como j se sabe, um dos principais objetivos da Semntica Cognitiva mostrar que
grande parte do conhecimento humano no esttico nem meramente proposicional ou apenas
conceptualmente abstrato, mas embasado e estruturado por aes corporais que derivam de
processos motores, perceptuais, conhecidos como esquemas de imagens, esquemas corporais
ou esquemas imagticos.
Segundo Heine (1997, p. 45), a Teoria dos Esquemas de Imagens tem sido aplicada em
distintas reas, como a Psicologia Cognitiva, a Psicologia Social e a Antropologia. Oakley (2007)
afirma que as suas noes so tambm empregadas nas investigaes psicolingusticas de Gibbs
(1994) e Gibbs e Colston (1995), na crtica literria de Turner (1987), na gramtica de Langacker
(1987) e de Talmy (1983), e em estudos relativos matemtica e modelagem computacional.
Na Lingustica, a noo atribuda a esquemas surgiu a partir das pesquisas empricas
sobre relaes espaciais, realizadas por Talmy e por Langacker, na dcada de 70. Mas, foi no ano
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53
de 1987, que a designao esquemas de imagens, tal como se conhece em Semntica
Cognitiva, apareceu simultaneamente, nos livros The body in the mind, de Johnson, e Women,
fire, and dangerous things, de Lakoff, despontando como um tema de grande importncia23
. O
seu clssico locus , segundo Oakley (2007, p. 214), a Teoria da Metfora Conceptual,
conforme assevera: Desde ento, esquemas de imagens tm ajudado Johnson (1987, 1993) a
estabelecer uma epistemologia e uma filosofia moral e tem ajudado Lakoff (1987) a articular uma
teoria de categorizao24
.
Alguns estudos, e mais precisamente os realizados por Johnson (1987), sugerem que
diferentes esquemas de imagens e vrias de suas transformaes aparecem regularmente no
pensamento, no raciocnio e na imaginao das pessoas, motivando a sua forma de pensar, de
raciocinar e de imaginar. (GIBBS, JR.; COLSTON, 1995; 2006, p. 241). Tais rotinas envolvem a
coordenao de mltiplos atos de sentir, perceber, mover, conceptualizar. Utilizando as palavras
de Oakley (2007, p. 215, 218), esses esquemas glue, isto , colam, unem redes semnticas
radiais complexas e embasam o conhecimento e os significados fundamentais construdos pelos
seres humanos.
importante salientar, entretanto, que o esquema propriamente dito no uma imagem
rica, isto , no corresponde a uma imagem real, concreta ou a uma pintura mental. Como adverte
Lakoff (1987, p. 444), o termo imagem, nesse caso, no se limita ao campo da viso e, por
conseguinte, no meramente pictrico, visto que existem imagens auditivas, olfativas e imagens
referentes dinmica de foras que atuam sobre o homem, sendo possvel at construir uma
imagem mental de alguma coisa que nunca foi vista e da desenvolver conceitos.
Trata-se, pois, de estruturas esquemticas, no proposicionais, que no se referem a uma
representao semntica especfica nem a uma imagem esttica. Ao contrrio da fixidez que
aparentam os diagramas que as representam, podem ser modelos dinmicos e flexveis, porque
ilustram aes e adequam-se s situaes em que se manifestam, surgindo diretamente da
experincia corprea com o mundo.
Embora esses esquemas e subesquemas no constituam uma lista fechada, pois no h um
consenso quanto ao nmero total existente, Johnson (1987), Hampe (2005, p. 2) e Oakley (2007,
23 Vale ressaltar, entretanto, que foi Immanuel Kant, no sculo XVIII, um dos primeiros estudiosos a pensar sobre a
relao entre conceito e percepo. Para ele, esquemas eram estruturas da imaginao. 24 The locus classicus of image schema theory is Lakoff and Johnsons (1980) conceptual theory of metaphor. Since
then, image schema theory has helped Johnson (1987, 1993) establish an epistemology and moral philosophy and has
helped Lakoff (1987) articulate a theory of categorization (OAKLEY, 2007, p. 214).
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p. 217) citam os seguintes: continente/contedo, tambm conhecido como container ou
recipiente, origem-percurso-meta, ligao, parte-todo, centro-periferia, balana, fora,
possibilidade, bloqueio, contrafora, atrao, compulso, restrio, remoo, diverso, contato,
escala, perto-longe, superfcie, cheio-vazio, processo, ciclo, interao, fuso, combinao,
ruptura, objeto, coleo, para cima-para baixo, frente-trs, movimento inanimado, movimento
inanimado, movimento prprio, movimento causado, locomoo e expanso, reta, resistncia,
direita-esquerda.
Alguns desses esquemas so mais gerais; outros, mais especficos. Alguns so mais
primrios, porque so gestalts25
experienciais; outros sugerem uma estrutura mais complexa.
Alguns so construdos como cenas dinmicas ou estticas; outros, como processos ou estados.
De modo geral, conectam-se a uma vasta gama de experincias que manifestam uma estrutura
re