GT 12 - Sistema mundo e crise ambiental global
O CO2 e a casa de farinha: o Programa Bolsa Floresta e os rearranjos
socioambientais na RDS do Rio Negro, AM.
Rafael Carletti Universidade Federal de São Carlos
CAPES/FAPEAM
Resumo
A emergência das mudanças climáticas e a consolidação do conceito de desenvolvimento sustentável, configuram-se como paradigmas modernos da atual questão ambiental. Discutidos nas Convenções do Clima e em Conferências globais sobre o meio ambiente, esses paradigmas, para além de estabelecerem marcos institucionais, têm, como função, estipularem parâmetros para as tomadas de decisões e implementação de políticas voltadas ao enfrentamento da crise ambiental. No que se refere às mudanças climáticas, sua identificação e reconhecimento, refletem o atual nível de desenvolvimento da sociedade capitalista urbano-industrial e suas consequências devido à elevada emissão de gases poluentes para a atmosfera. O desenvolvimento sustentável, por sua vez, tem operado como um conceito norteador de pretensas mudanças no modelo de organização da sociedade vigente, bem como subsidiado uma série de medidas no intuito de mitigar os efeitos da degradação ambiental sobre os ecossistemas. Ancorado nesses paradigmas, o Programa Bolsa Floresta está fundamentado no Pagamento por Serviços Ambientais, levando em conta ações que diminuam a emissão de gases de efeito estufa. Conectando a Amazônia com processos globais e tomando-a como espaço para resolução da crise ambiental por meio da valoração dos seus recursos naturais, o Programa enseja um rearranjo no modo de vida das populações beneficiárias que vivem em áreas protegidas, interferindo na maneira como esses grupos se reproduzem histórica, social e materialmente.
Palavras-chave: Serviços Ambientais, Desenvolvimento Sustentável, Povos Tradicionais; Política Ambiental
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1. Introdução
Neste trabalho, apresento alguns resultados do projeto de doutorado
desenvolvido até o momento, o qual tem como objetivo geral compreender a
concepção e implementação do Programa Bolsa Floresta no estado do Amazonas,
e de que forma sua elaboração está conectada com processos mais amplos, de
ordem global, que tomam a Amazônia como pretensa solução da problemática
ambiental. O Programa foi criado em 2007 e está fundamentado no Pagamento
por Serviços Ambientais (PSA), levando em conta ações que diminuam a emissão
de gases de efeito estufa. A execução do Programa fica a cargo da Fundação
Amazonas Sustentável (FAS), uma organização não-governamental, criada pelo
governo do estado para captar e gerir os recursos que são aplicados nas 16 áreas
protegidas onde o Programa é implementado. O Bolsa Floresta é destinado aos
moradores de Unidades de Conservação (UCs) do Amazonas, os quais, segundo
as diretrizes dos PSA, são aqueles que zelam pelos serviços ambientais e que,
portanto, devem ser remunerados por isso.
O Pagamento por Serviços Ambientais é um instrumento baseado no mercado
para o financiamento da conservação e considera os princípios do usuário-pagador
e provedor-recebedor, segundo os quais aqueles que se beneficiam dos serviços
ambientais devem pagar por eles, e aqueles que contribuem para a geração desses
serviços, devem ser compensados financeiramente por proporcioná-los (WUNDER,
2005). Nesse sentido, o Programa Bolsa Floresta pretende ser uma compensação
financeira para os serviços prestados pelas populações tradicionais do Amazonas
que vivem nas Unidades de Conservação onde o Programa é executado.
Ocorre que essas Reservas geralmente são ocupadas por grupos sociais que
experimentam outro tipo de vínculo com a natureza e mantêm uma relação com o
meio diferente daquela vivenciada pela sociedade capitalista urbano-industrial.
Nesse sentido, desde o início dos anos 1990, tem sido atribuído um protagonismo
cada vez maior às chamadas populações tradicionais da Amazônia, pelas diversas
instituições e organismos que apoiam essas políticas, ora conferindo a elas a
responsabilidade pelo aumento da degradação das condições naturais, ora
outorgando-lhes o dever de cuidarem dos últimos remanescentes de recursos
disponíveis.
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De maneira geral, os grupos sociais que habitam territórios tradicionalmente
ocupados na Amazônia – e que agora estão sendo reconfigurados como áreas
protegidas – são pequenos agricultores familiares e aqueles que vivem da
exploração dos recursos naturais da floresta. De modo que as relações de
produção do campesinato amazônico, ainda guardam semelhança com formações
econômicas pré-capitalistas (MARX, 1964), configuradas, predominantemente,
pela criação de animais, cultivos agrícolas e pesca artesanal.
O Programa e a Fundação carregam em seus fundamentos as premissas
marcadamente atreladas à corrente conservacionista. Isto é, entendem que a
presença de pessoas vivendo em áreas protegidas, configura-se como uma
maneira de aliar desenvolvimento social e econômico e conservação da natureza.
Por meio desse reconhecimento e relacionado com as discussões ambientais na
esfera global, o Programa busca atender as demandas mundiais contemporâneas
de conservação da biodiversidade e redução das emissões de gases de efeito
estufa, ao mesmo tempo que intervém localmente na gestão dos recursos naturais
e no modo como as pessoas manipulam esses recursos.
Porém, para que o Programa fosse implementado, levando em consideração
as premissas do desenvolvimento sustentável, dos PSA e a redução da emissão
de gases de efeito estufa, uma série de medidas restritivas de acesso a bens e
recursos naturais precisou ser adotada. Via de regra, essas medidas estão contidas
na legislação ambiental imposta aos grupos sociais no momento de transformação
dos seus territórios em UCs, impedindo, muitas vezes, a reprodução de práticas
tradicionalmente executadas pelas famílias dentro dessas áreas. Dentre essas
práticas, as principais limitações dizem respeito à agricultura, à criação de animais,
intervenção sobre a fauna silvestre (caça), pesca, extrativismo madeireiro e não
madeireiro.
Ao impedir que o agricultor amplie sua área de roçado e coloque fogo na
vegetação secundária como forma de fertilizar o solo – prática milenar executada
pelos povos originários –, os executores do Programa estão interferindo
diretamente no cultivo de culturas tradicionais, como a mandioca. Ao fazê-lo, a
produção da farinha – principal produto obtido a partir da mandioca – pode ter seu
rendimento diminuído. Esse tipo de intervenção, portanto, significa reduzir as
possibilidades de manter o modo de vida tradicional que assegura o sustento
4
familiar, tanto no que diz respeito à alimentação, quanto no que se refere à geração
de renda para as famílias.
Dessa forma, o presente trabalho busca discutir de que maneira questões
mais amplas, debatidas na esfera do ambientalismo global, como as mudanças
climáticas e o desenvolvimento sustentável, reverberam em contextos locais, com
particularidades próprias, seja por meio da implementação de políticas ambientais,
seja pela internalização dessas questões no modo de vida de grupos sociais
específicos.
2. Metodologia
A metodologia utilizada neste trabalho, privilegiou métodos qualitativos de
pesquisa social. Nesta abordagem, estão inclusas a pesquisa e revisão
bibliográficas, análise documental e inserção no campo de pesquisa. Sobre o
levantamento bibliográfico, tenho dado especial atenção aos trabalhos sobre a
Amazônia produzidos por autores amazônidas. Há pelo menos três décadas, um
número relevante de pesquisadores, sobretudo do Pará e do Amazonas, vem
possibilitando um olhar sobre a Amazônia desde dentro, trazendo uma perspectiva
decolonial sobre a região. Debruçar-se sobre esses autores tem sido importante
para poder olhar para Amazônia sob um ponto de vista crítico, o mesmo adotado
pelo pensamento social produzido por esses intelectuais do Norte1.
Outro procedimento metodológico utilizado foi o levantamento documental.
Essa etapa do trabalho buscou a análise de três principais fontes, a saber: primeiro,
os relatórios de atividades anuais da Fundação Amazonas Sustentável, que vão
desde 2008 até 2020, ano da última publicação. Também foi feita análise da Lei
3.135/2007, que trata da Política Estadual de Mudança Climática, Conservação
Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas e que deu origem ao
Programa Bolsa Floresta. Ainda, analisei também o Protocolo de Quioto, já que
este é o marco institucional das políticas ambientais pautadas no Pagamento por
1 Embora não cite com frequência os autores neste texto em específico, devido ao curto espaço e ao recorte
necessário, eles fazem parte do aporte teórico fortemente presente na escrita da Tese. Refiro-me à Marilene
Correa Silva Freitas, Renas Freitas Pinto, Luiz Fernando Sousa Santos, Marcio Sousa, Violeta Loureiro, Alex
Fiúza de Melo e Edna Castro.
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Serviços Ambientais, sequestro e comércio de carbono, além da difusão dos
instrumentos de mercado e que dá sustentação à referida Lei.
Por fim, a inserção no campo ocorreu na Reserva de Desenvolvimento
Sustentável do Rio Negro – RDS do Rio Negro. Das 16 UCs que fazem parte do
Programa, essa é a que está localizada mais próxima à cidade de Manaus. A partir
de Manaus – que funciona como um ponto de apoio em termos de estadia – é
possível chegar à Reserva tanto por via terrestre quanto por via fluvial2. A RDS
possui uma área aproximada de 103.000 hectares e abrange os Municípios de
Iranduba, Manacapuru e Novo Airão (Figura 1).
Figura 2. Mapa da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro. Fonte: Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA, 2016).
A Reserva foi criada em 2008, pela promulgação da Lei 3.355/2008, e passou
a integrar o Corredor Central da Amazônia e o Mosaico de Áreas Protegidas do
Baixo Rio Negro3, além de fazer parte da Região Metropolitana de Manaus.
2 Por via terrestre, o acesso se dá pela rodovia AM-070 (Rodovia Manoel Urbano), trecho Manaus –
Manacapuru. Chegando próximo a Manacapuru, há ramais que dão acesso à Reserva. O acesso por via fluvial
ocorre por meio de barcos de recreio, partindo de Manaus em direção ao município de Novo Airão, pelo Rio
Negro. O tempo previsto de deslocamento de Manaus para percorrer toda a RDS é de 6 horas. 3 O Corredor Central da Amazônia (CAA), localizado integralmente no estado do Amazonas, é composto por
76 áreas protegidas, sendo 14 UCs Federais (seis de Proteção Integral e oito de Uso Sustentável), 14 UCs
estaduais (três de Proteção Integral e 11 de Uso Sustentável) e 48 Terras Indígenas, abrangendo 52 milhões de
hectares. O Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro (MBRN) foi criado pela portaria n°. 483, de 14
de dezembro de 2010. Reúne 11 UCs Municipais, Estaduais e Federais de categorias diferentes e possui
7.412.849 hectares (CALDENHOF, 2013).
6
Segundo seu Plano de Gestão, o último censo de 2016 contabilizou 791 famílias,
as quais estão distribuídas em 19 comunidades ao longo da calha do Rio Negro.
Dessas, 643 famílias estão inseridas no Programa Bolsa Floresta, totalizando 2.111
pessoas (FAS, 2018).
O trabalho de campo consistiu na realização do método conhecido como
observação participante, o qual possibilita, por meio da inserção nas atividades
vividas cotidianamente pelos moradores, ter uma noção aproximada da realidade
experimentada pelos comunitários dentro da Reserva, justamente por estar numa
posição privilegiada de obtenção de informações e conhecimentos mais
aprofundados daquele determinado grupo específico (VALLADARES, 2007). Assim
sendo, permaneci durante trinta dias na Reserva, alternando minha estadia na casa
de três famílias, as quais moram em diferentes comunidades. Pelo fato dessas
comunidades estarem localizadas em pontos bem distintos dentro da Reserva4, foi
possível apreender de forma significativa as percepções dos moradores levando
em conta essa grande abrangência.
3. Breve apresentação do Programa Bolsa Floresta
O Bolsa Floresta é um Programa que funciona por meio do Pagamento por
Serviços Ambientais, originado de uma política pública do governo do estado do
Amazonas, resultante da Lei 3.135/2007, que instituiu a Política Estadual de
Mudança Climática, Conservação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do
Amazonas (AMAZONAS, 2007). O PBF defende a conservação de serviços e
produtos ambientais, cujas premissas estão compreendidas em projetos de
redução de emissão de gases de efeito estufa (GEEs), por meio da conservação e
do manejo florestal e incremento no estoque de carbono, além dos projetos de
redução de emissão por desmatamento e degradação florestal (REDD+). Esse
mecanismo de mercado, dentre outros, permite o financiamento do Programa
(VIANA et al., 2008; VIANA, 2010).
As especificações do Programa são congruentes com o mecanismo de
REDD+, que leva em consideração os elementos delineados no Plano de Ação de
4 A RDS do Rio Negro é dividida em três polos (1, 2 e 3), sendo que o polo 1 fica mais ao norte da Reserva, o
polo 2 é centralizado e o polo 3 corresponde à parte Sul da Reserva. A localização geográfica, nesse caso,
permite a caracterização social, política e econômica das comunidades, dependendo de onde elas estejam.
7
Bali5, uma vez que ambos se alinham com o objetivo da redução da emissão de
GEEs, ao mesmo tempo em que reconhecem o papel da conservação e gestão
sustentável das florestas e, consequentemente, da manutenção do estoque de
carbono nos países em desenvolvimento. O Programa também segue as diretrizes
estabelecidas nos projetos pautados no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo,
cuja adesão das comunidades e das populações que manifestem interesse em
participar desses projetos, deve ser voluntária. O próprio engajamento das
instituições ou organizações interessadas em desenvolver tais projetos, também
deve atender a premissa do voluntarismo.
Desenvolvido para atender os grupos sociais do interior da Amazônia –
sobretudo comunidades ribeirinhas –, uma série de atividades tidas como
preparatórias são realizadas nas comunidades onde se pretende implementar o
Programa. De início, é realizada uma oficina junto aos moradores, onde os técnicos
da FAS fazem uma introdução sobre o Programa, destacando seus principais
aspectos, como princípios, suas bases, metodologia, requisitos para participação,
abrangência do Programa e possíveis impactos de sua implementação naquela
comunidade. Ainda nesse primeiro momento, é realizada uma oficina onde se
discute temas referentes ao aquecimento global, às mudanças climáticas, à
conservação das florestas e ao pagamento por serviços ambientais, no sentido de
capacitar os moradores sobre as questões que dão sustentação ao Programa (FAS,
2019).
Uma vez cumprida essa etapa, cabe a família aceitar ou não participar do
Programa6. Como o Programa opera recompensando a unidade familiar, a adesão
independe que a comunidade como um todo opte por fazer parte da ação
conjuntamente. Assim sendo, a família que desejar aderir ao Programa, assina um
termo de compromisso e responsabilidade onde, além de se tornar beneficiária das
atividades previstas, deve atender a uma série de contrapartidas estabelecidas pela
5 O chamado Mapa do Caminho de Bali, com base nas recomendações do quarto relatório do Painel
Intergovernamental sobre Mudança do Clima, divulgado em 2007, define um roteiro com os princípios que
iriam guiar as negociações do regime global de mudanças climáticas a partir do segundo período do Protocolo
de Quioto (2013-2020). No Plano de Ação de Bali, foi apresentada uma proposta, encabeçada pelo Brasil e
outros países em desenvolvimento, de incluir a preservação das florestas na meta de redução das emissões de
carbono. Naquele momento, a contabilidade era feita apenas pela emissão de poluentes derivados de atividades
industriais. 6 Para aderir ao Programa, a família deve residir a pelo menos dois anos na Unidade de Conservação onde o
PBF é executado. Essa é uma das exigências da FAS.
8
Fundação como garantia de cumprimento do termo. Essas contrapartidas envolvem
a anuência e o cumprimento de nove principais critérios estabelecidos pela
Fundação, quais sejam:
i) cumprir as regras do plano de gestão da Reserva onde vivem;
ii) compromisso de não-desmatamento em áreas de floresta primária;
iii) participação em oficinas de gestão participativa;
iv) adoção de medidas para prevenção de queimadas;
v) capacitação permanente em mudanças climáticas e serviços ambientais;
vi) realizar manejo adequado do fogo em áreas de roçado;
vii) estar associado e adimplente com a associação de moradores;
viii) garantir a presença dos filhos na escola;
ix) participar dos encontros de formação de lideranças;
3.1 Remuneração e subprogramas (componentes)
Bolsa Floresta Familiar: é o carro-chefe do Programa e foi o primeiro a ser
instituído pela Fundação. Este subprograma se refere ao pagamento mensal – e
permanente – de R$ 50,00 às famílias residentes nas UCs, que assumem as
contrapartidas contidas no termo de compromisso. O valor é obrigatoriamente pago
às mulheres – chefes de família – por meio de um cartão de crédito do Banco
Bradesco7. A definição do valor da recompensa mensal oferecida às famílias foi
delineada após “extensa discussão com atores públicos, privados e as
comunidades locais” (VIANA et al., 2013). Diferentemente de outros projetos
baseados nos PSA, o Bolsa Floresta privilegia a unidade familiar. Dessa forma, a
quantidade de famílias beneficiadas e a disponibilidade de recursos financeiros
impôs-se para a definição do valor a ser pago8.
Bolsa Floresta Renda: o componente Renda oferece infraestrutura, capacitação,
maquinário e organização das atividades econômicas, envolvendo oportunidades
de geração de renda no contexto de produção agroflorestal e extrativista das
comunidades. São elegíveis todas as atividades que não produzam desmatamento,
7 Para sacar esse valor, as mulheres beneficiárias do BF Familiar devem se deslocar até uma agência do
Bradesco no município mais próximo da UC onde moram. Vale ressaltar que os homens solteiros ou viúvos
também podem receber o Bolsa Floresta Família. 8 O programa atende mais de 9.400 famílias, totalizando quase 40 mil pessoas.
9
que estejam legalizadas e que adicionem valor a floresta em pé. As ações são
realizadas, por exemplo, para agregar valor à produção de peixe, cacau, borracha,
castanha, frutas, óleos vegetais e outros produtos extrativistas (FAS, 2009).
Bolsa Floresta Infraestrutura Comunitária: este componente realiza ações de
apoio à infraestrutura comunitária e busca auxiliar o desenvolvimento nas áreas de
educação, saúde, saneamento, comunicação e transporte nas comunidades
ribeirinhas. As principais ações realizadas no sentido de melhorar a infraestrutura
das comunidades, envolvem a construção de casas de farinha, entrega de
ambulanchas9, instalação de aparelhos de rádio de comunicação, tanque para
criação de peixes, purificadores de água, casas de marcenaria, instalação de caixas
d´agua, reforma de escolas e casas de saúde, entre outros (FAS, 2010).
Bolsa Floresta Empoderamento Comunitário: por meio de ações que visam o
empoderamento, a Fundação busca fortalecer as organizações sociais de base
comunitária, estimulando a consolidação das atuais e futuras lideranças ribeirinhas
em Unidades de Conservação. As ações estão pautadas na qualificação de capital
humano, como formação político-cidadã, incluindo capacitação de conselheiros e
lideranças populares, promovendo a participação social e o fortalecimento do
protagonismo dos beneficiários na reivindicação dos direitos de cidadania (FAS,
2017).
Bolsa Floresta Empreendedorismo Ribeirinho: este subprograma pretende
desenvolver uma cultura empreendedora nas comunidades ribeirinhas da
Amazônia e atua em dois eixos temáticos: o de empreendedorismo ribeirinho e a
incubadora de negócios sustentáveis. O Programa busca levar os conceitos
básicos de gestão e do mercado para as cadeias produtivas, por meio de cursos,
consultorias, “fazedoria” e laboratórios de gestão, que são metodologias utilizadas
para a formação de empreendedores, propiciando alternativas para o
fortalecimento dos negócios locais, resultando em autonomia e protagonismo dos
grupos apoiados (FAS, 2016).
9 Ambulanchas são barcos motorizados adaptados para prestarem serviços de primeiros socorros às
comunidades ribeirinhas, geralmente promovendo o deslocamento até o pronto socorro ou hospital mais
próximo.
10
3.2 Captação de recursos e investimentos
Em 2008, quando o governo do estado criou a Fundação Amazonas
Sustentável para ser a instituição executora e gerir o Programa, houve um aporte
de recursos por parte do próprio governo e de outras instituições privadas para que
o Programa pudesse ter início. Nesse momento, o governo do Amazonas realizou
uma doação no valor de 20 milhões de reais, a empresa Recofarma da Amazônia
– representante dos produtos Coca-Cola – doou mais 20 milhões e o Banco
Bradesco também fez uma doação na mesma quantia, além de se comprometer
com o repasse de mais 10 milhões nos cinco anos subsequentes – até 2013. Dessa
forma, a FAS iniciou as atividades do Programa com 60 milhões de reais em caixa
(FAS, 2008).
No início das atividades, esse montante foi aplicado em um fundo fiduciário –
Fundo FAS – do qual a FAS retira apenas os dividendos e reaplica nos
subprogramas do Bolsa Floresta. Esse fundo é gerenciado pela FAS em parceria
com o Bradesco (Bradesco Assessment Management) que, voluntariamente, isenta
a FAS de quaisquer taxas administrativas ou de serviços bancários. Além disso, o
Banco Bradesco mantém os custos operacionais com doações anuais, baseadas
no seu título de capitalização “Pé Quente” e na anuidade dos cartões de crédito.
Os dividendos do Fundo, garantem o pagamento do BF Familiar, que corresponde
a 30% das despesas. O restante do Programa depende de outras fontes de
financiamento10.
Além dos rendimentos obtidos com a aplicação dos recursos em fundos de
investimento, a FAS também conta com verbas provenientes dos setores público e
privado, e também de doações de pessoas físicas. No setor público, a Fundação
capta recursos por meio de editais e prêmios, agências e fundos ambientais e Leis
de incentivo a projetos socioambientais. O Fundo Amazônia, gerenciado pelo
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), é uma das
principais fontes financiadoras da Fundação11. Mais de setenta empresas privadas
10 Segundo os relatórios de atividades publicados anualmente pela FAS, de 2008 até 2019, já haviam sido
investidos R$ 106.412.625,39 no Programa. 11 O Fundo Amazônia tem por finalidade captar doações para investimentos não reembolsáveis em ações de
prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e de promoção da conservação e do uso sustentável
da Amazônia Legal. Seus principais doadores são (eram) o governo da Noruega (93,8%) e o da Alemanha
(5,7%). Para obter seus recursos, é necessário concorrer aos editais lançados pelo Fundo para aprovação de
11
são parceiras do Programa, dentre elas merece destaque o Bradesco, a Coca-Cola,
a Samsumg, Instituto TIM, rede de hotéis Marriot, Natura e Lojas Americanas. Além
disso, a Fundação mantém relações institucionais com algumas organizações
internacionais, como o Banco Mundial (BM), o Banco Interamericano para o
Desenvolvimento (BID) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD). Segundo seu último relatório de atividades, a FAS contava com 187
parceiros institucionais e 74 financiadores (FAS, 2019).
4. Amazônia: a periferia do capital no centro do debate ambiental
A criação e a elaboração do Programa Bolsa Floresta, fazem parte de uma
tendência surgida no início dos anos 2000 – após a promulgação do Protocolo de
Quioto – que busca, por meio de políticas públicas ambientais, amenizar os
impactos causados pela contínua expansão das forças produtivas sobre as
condições naturais, utilizando-se dos novos instrumentos de mercado para o
enfrentamento da crise ecológica (CARNEIRO, 2005). Via de regra, as políticas
ambientais implementadas no início deste século, assumem os pressupostos do
desenvolvimento sustentável, o qual considera a necessidade de manutenção do
crescimento econômico aliado a diminuição das desigualdades sociais e redução
da pobreza, ao mesmo tempo em que advoga pela preservação dos recursos
naturais e pelo equilíbrio ecossistêmico.
Aliado a isso, a difusão do risco planetário acarretado pelas mudanças
climáticas, tem suscitado discussões e à implementação de práticas que visam
converter a Amazônia no epicentro das intervenções a fim minimizar os efeitos do
aquecimento global. Diante de suas características superlativas, sabe-se, hoje, da
sua importância para regulação do clima do planeta, para o regime de chuvas,
sequestro e armazenamento de carbono, entre outras funções ecossistêmicas
desempenhadas pela floresta (MENEZES; BRUNO, 2017).
Ao mesmo tempo, há a compreensão de que os impactos severos da
alteração do clima poderiam comprometer de forma irreversível seus ciclos
biogequímicos, por conta da transformação causada na sua cobertura vegetal,
decorrentes de um possível processo de desertificação – ou savanização (NOBRE;
projetos. Nesses quatorze anos de existência, a FAS teve dois grandes projetos aprovados, conseguindo captar
aproximadamente R$ 51.000.000,00. O prazo de execução do último projeto aprovado terminou em 2019.
12
NOBRE, 2002). Esse cenário de vulnerabilidade, tem se traduzido cada vez mais
em ações e táticas diversas promovidas por organizações estatais e não
governamentais dirigidas para implementação de políticas para Amazônia
(MENEZES; BRUNO, 2017).
Como a preocupação mundial em torno das mudanças climáticas nos países
em desenvolvimento diz respeito, sobretudo, às ações relacionadas ao
desmatamento, o entendimento de que as florestas poderiam exercer o papel
mitigador por serem grandes reservatórios e sumidouros de gases poluentes –
especialmente o carbono – tornou-se um trunfo geopolítico importante para as
regiões com alta densidade de ecossistemas preservados, como é o caso do
estado do Amazonas. Àquela altura – meados dos anos 2000 – as discussões
travadas nas Convenções do Clima, especialmente nas Conferências das Partes
(COPs), apontavam que a solução para o aumento da temperatura oriunda da alta
concentração de gases poluentes, passaria pelo desenvolvimento de inciativas que
mitigassem as emissões, sem que se alterassem, necessariamente, as atividades
econômicas causadoras do aquecimento do planeta.
Esse diagnóstico e a proposição ao enfrentamento da problemática ambiental,
tem se mostrado como uma contradição central nas políticas públicas ambientais,
uma vez que a ideia de desenvolvimento econômico – pensada como uma linha
evolutiva infinita – não pode ocorrer sem que haja disponibilidade – também
ilimitada – de exploração das condições naturais. Ainda, como a maior parte das
atividades econômicas envolvendo, por exemplo, o comércio de carbono, se dão
nas transações ocorridas no mercado financeiro, a quantidade de capital
acumulada é muito maior do que aquela empenhada nas atividades de comércio e
produção. De modo que as políticas ambientais pautadas no desenvolvimento
sustentável podem contribuir para o aumento das desigualdades e reprodução da
pobreza, sem que haja, necessariamente, redução dos danos ambientais.
Atento às tratativas que se desenrolavam na esfera global, o governo
amazonense passou a investir esforços na criação de órgãos administrativos
voltados ao meio ambiente, bem como na criação e expansão de áreas protegidas
no estado, num processo conhecido como estadualização das políticas ambientais
(NASCIMENTO, 2000). Assim sendo, entre os anos de 2003 e 2007, o estado criou
as primeiras estruturas governamentais direcionadas para a regulamentação e
13
fiscalização das atividades ambientais. Nesse período, foram instituídos o Centro
Estadual de Unidades de Conservação (CEUC), o Centro Estadual de Mudanças
Climáticas (CECLIMA), a Secretaria de Desenvolvimento Sustentável (SDS), e o
Instituo de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM)12.
Nesse mesmo ciclo, o Amazonas privilegiou a criação de Unidades de
Conservação estaduais como principal medida para conter o avanço do
desmatamento no estado. Essas medidas foram marcadas por três momentos
distintos. O primeiro, durante os anos de 2002 e 2003, quando o estado saltou de
12 para 18 Unidades de Conservação. O segundo período, correspondeu aos anos
de 2004 e 2005, sendo o momento mais significativo, quando o estado passou de
19 para 31 UCs. E, por último, o período entre 2008 e 2010, quando houve um
aumento de 31 para 42 Unidades de Conservação – número que permanece até
hoje. No total, o Amazonas aumentou em 242% a extensão de áreas protegidas
estaduais, passando de 7,4 milhões de hectares em 2003, para 19 milhões em
2010. Por conta disso, hoje, 58% do território do Amazonas é coberto por áreas
protegidas13, que o torna o estado da Amazônia Legal com maior área de floresta
preservada, tendo 98% do seu território coberto por vegetação nativa. (STERCI;
SCHWAICKEIRDT, 2010; VIANA et al., 2013).
A mudança de orientação e a institucionalização da questão ambiental pelo
estado, não ocorreram sem que houvesse a elaboração e implementação de
legislação ambiental rigorosa e o fortalecimento dos órgãos de fiscalização. No
Brasil, as Unidades de Conservação que se enquadram na categoria de uso
sustentável – ou seja, que permitem a presença de pessoas – tem nos seus Planos
de Gestão e Plano de Manejo, o horizonte jurídico que norteia as práticas que são
permitidas no interior dessas áreas. Por mais contraditório que possa parecer, as
principais limitações dizem respeito justamente ao acesso de bens e recursos
naturais utilizados tradicionalmente pelos grupos sociais locais, os quais
representam, principalmente, restrições alimentares e no rendimento econômico
das famílias.
12 Ao longo do tempo e depois desse período específico, o estado do Amazonas criou outras autarquias na
esfera ambiental, como o Departamento de Mudanças Climáticas e Gestão de Unidades de Conservação
(DEMUC) e o Departamento de Gestão Ambiental, Territorial e Recursos Hídricos (DEGAT). 13 As áreas protegidas no Amazonas estão distribuídas da seguinte maneira: 27% Terras Indígenas; 17% UCs
Federais; 13% UCs estaduais e 1% UCs municipais.
14
Na RDS do Rio Negro, o Plano de Gestão da Reserva estabelece regras de
uso dos recursos naturais, os quais dizem respeito, principalmente, às novas
diretrizes em relação ao exercício das práticas agrícolas e econômicas que podem
ser desempenhadas pelos moradores. Dentre essas, estão regras de agricultura,
de criação de animais, de intervenção sobre a fauna silvestre (caça), pesca,
extrativismo madeireiro e não madeireiro e limitação para abertura de novas áreas
de roçado. Todas essas atividades, algumas delas essenciais para a sobrevivência
das famílias, sofreu algum tipo de restrição. A mais importante foi em relação à
extração de madeira, que representava a principal fonte de renda dos moradores e
agora é proibida, a não ser se efetuada mediante plano de manejo florestal.
Segundo Menezes e Bruno (2017), essa burocratização faz parte de um
“pacote ambiental” previamente estabelecido para ser oferecido e acatado pelas
comunidades amazônicas residentes em Unidades de Conservação, naturalmente
percebidas como potencialmente predatórias e cuja aptidão para a sustentabilidade
deve ser induzida por meio de capacitações para a manutenção de condições
ambientais ideais. Esta normatização traz consigo a criminalização das formas
tradicionais de uso e ocupação do solo e recursos naturais em geral nas, agora,
áreas protegidas.
Para as autoras, buscar controlar este modo de relação com o meio ambiente
produz um risco para a manutenção da segurança alimentar dos moradores destas
áreas, além de se configurar como um paradoxo proibir o uso das condições
naturais que servem de pressuposto para categorização dessas comunidades.
Coibir cultivos agrícolas, determinando-se o tamanho máximo dos roçados ou
cercear a abertura de novas roças e criação de pequenos animais, significa reduzir
as possibilidades de manter o modo de vida tradicional que assegura o sustento
familiar, tanto no que diz respeito à alimentação, quanto no que se refere à geração
de renda.
5. O engajamento dos povos tradicionais ao (sub) desenvolvimento
sustentável
Na Amazônia, com o avanço cada vez maior das áreas desmatadas e com o
entendimento de que as áreas protegidas representam uma alternativa à mitigação
da mudança do clima, algumas formulações contemporâneas que remetem à ideia
15
do bom selvagem ecológico14, reaparecem como recurso discursivo a serviço do
ambientalismo. Com efeito, classificações como camponeses, extrativistas,
ribeirinhos, quilombolas e caboclos amazônidas, ganharam status de guardiões da
floresta, cabendo a eles a importante tarefa de manter a floresta em pé. No bojo
desse discurso, há a exaltação da tradicionalidade que, de certa forma,
homogeneiza e essencializa os grupos sociais da Amazônia, conferindo a eles um
estado puro e uma autossuficiência inexistente na sua totalidade e incompatível
com a atual globalização da sociedade capitalista.
Não raro, as políticas ambientais desenvolvimentistas são aplicadas nos
países do Sul, os quais devem perseguir os níveis de desenvolvimento dos países
do Norte, mas sem comprometer seus ecossistemas. Estes últimos, em
contrapartida, apostam no conceito de modernização ecológica15, buscando investir
em inovações tecnológicas para soluções ambientais, sem que haja perda nas suas
atividades econômicas. Tendo em vista que os países subdesenvolvidos são os
maiores detentores dos recursos naturais, recai sobre eles a necessidade – e a
responsabilidade – de cuidar das últimas reservas de valor disponíveis no planeta.
A difusão desse discurso e a exaltação dos povos da floresta é importante,
pois as políticas ambientais dependem do engajamento e da participação ativa
dessas pessoas. Quando essas políticas são implementadas por organizações
não-governamentais, por exemplo, a ideia de governança aparece como atrativo
maior para a capitulação das comunidades. Por meio de práticas que visam o
fortalecimento das parcerias e do empoderamento, espera-se a adesão massiva
desse público-alvo, apresentando como compromisso, a inserção desses sujeitos
nas arenas de negociação que geralmente se dão em espaços não estatais – como
os conselhos deliberativos – mas com a presença governamental e do setor
privado. Uma das características dessas políticas ambientais, é que elas dependem
de adesão voluntária dos seus beneficiários, o que demanda, por parte dos agentes
que as implementam, a elaboração de inúmeras estratégias de convencimento, que
14 Termo cunhado por Redford (1991), no sentido de questionar a visão romantizada, muitas vezes atribuída às
populações ou povos tradicionais, como se sua relação com o meio onde vivem fosse essencialmente
harmônica, sem que houvesse nenhum tipo de interferência negativa na natureza. 15 Segundo Blowers (1997), modernização ecológica designa o processo pelo qual as instituições internalizam
preocupações ecológicas, no propósito de conciliar crescimento econômico com a resolução dos problemas
ambientais a partir da inovação tecnológica, sem que ganhos e lucros sejam comprometidos.
16
vão desde a reprodução e internalização do discurso técnico-científico sobre a
questão ambiental, até a proposta de empreendedorismo voltadas para sua
inserção no mercado.
Para Furtado (2017), a definição da problemática ambiental como um
problema global e comum a todos, transforma os territórios tradicionalmente
ocupados em territórios comuns, os quais se tornam passíveis de implementação
de mecanismos ambientais de gestão. A lógica que fundamenta tais mecanismos
é a de que a geração de serviços ambientais – redução do desmatamento e
preservação da biodiversidade – permitirá a criação de oportunidades econômicas
para as comunidades, por meio da implementação de projetos socioambientais.
Assim sendo, a mercantilização não se restringe apenas aos serviços
ecossistêmicos e a criação de novas commodities, mas, também, na introdução de
relações mercantis na vida social comunitária.
Conforme apontam Penna-Firme e Brondízio (2007), a privação dos meios de
subsistência em áreas protegidas pelas chamadas populações tradicionais, tem
sido uma estratégia exitosa instituída pelo discurso da sustentabilidade e pelos
atores locais e globais, como forma de garantir acesso a mercados, serviços
ambientais e produtos. Segundo os autores, a pressão conservacionista e a
implementação de políticas ambientais em Unidades de Conservação, tem feito
com que muitas pessoas que desenvolviam práticas culturais acumuladas ao longo
de gerações, estejam abandonando gradualmente essas atividades, uma vez que
se tornaram ambientalmente prejudiciais e, por isso, não desejáveis pelos gestores
ambientais. Em contrapartida, os moradores são estimulados a se engajar em
alternativas sustentáveis ao desenvolvimento local, como forma de garantir seu
sustento e sua renda. Para os autores, esta tem sido a idealização favorita
empregada por certos setores do movimento ambientalista, bem como por
empresas turísticas, governos locais e nacionais e agências internacionais de
desenvolvimento.
6. Considerações Finais
A partir da ratificação do Protocolo de Quioto, nos anos 2000, abriu-se uma
possibilidade para que o mercado pudesse auxiliar na resolução da contradição
colocada pelo próprio processo de acumulação. As altas concentrações de gases
poluentes na atmosfera, revelaram-se como um efeito do acelerado
17
desenvolvimento da produção capitalista, colocando-se como um impasse para o
processo de expansão das forças produtivas. Nesse sentido, a constatação do
aquecimento do planeta e das mudanças climáticas, apresentaram-se como uma
barreira natural ao próprio modo de produção, exigindo que o mercado avançasse
por novos espaços ainda não mercantilizados.
A recomendação contida no Protocolo de transição da matriz energética e de
redução dos processos produtivos altamente dependentes de combustíveis fósseis,
conduziria ao desenvolvimento de novas tecnologias, possibilitando a abertura de
novos mercados. Além disso, o Protocolo permitiu a adoção de uma medida
bastante utilizada em outros instrumentos de gestão ambiental. Ao identificar o
carbono e outros gases poluentes como os elementos causadores do dano
ecológico, os agentes econômicos atribuíram valor a esses componentes
ambientais, possibilitando sua incorporação no processo de expansão capitalista,
porém, via financeirização. O carbono, assim como outras matérias primas, tornou-
se uma commodity ecológica.
De modo que a manutenção da floresta em pé – dogma repetido por setores
do ambientalismo local e mundial – para além de cumprir sua função ecológica que
dá sustentação ao equilíbrio ecossistêmico e permite a manutenção dos ciclos
biogeoquímicos que regulam a biosfera, tem, agora, uma função social a cumprir,
função essa atrelada aos interesses econômicos. Para tanto, para que essa nova
proposta de apropriação mercantil da natureza se concretize, é preciso que
Estados, agências internacionais, organismos multilaterais e organizações não-
governamentais, estejam alinhados, por um lado, ao discurso dos agentes
econômicos que veem nos mercados verdes uma possibilidade de expansão de
suas atividades e, por outro, às possibilidades institucionais de territorialização
desses mercados.
De maneira geral, a institucionalização dessas novas possibilidades de
mercado tem ocorrido por meio da elaboração de instrumentos jurídicos – como no
caso da Lei Estadual de Mudanças Climáticas do Amazonas – e por meio de
políticas públicas ambientais – como é o caso do Bolsa Floresta. Porém, quando
se trata de grupos sociais específicos, como as “populações tradicionais” da
Amazônia, tais políticas são implementadas de forma vertical, de modo que a oferta
de mecanismos compensatórios – como os subprogramas do Bolsa Floresta – tem
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se configurado como a única alternativa possível para amenizar os efeitos da
limitação imposta pela restrição à apropriação dos recursos naturais por essas
comunidades. Mesmo que para isso se intensifiquem os métodos e mecanismos
de controle institucional por parte dos Estados, contribuindo para intensificação de
conflitos, e que essas políticas imponham às comunidades uma nova forma de
relação política com o estado e demais instituições, e suscitem um rearranjo em
relação ao seu modo de vida tido como tradicional.
A ambivalência característica das propostas de integrar desenvolvimento e
conservação no manejo de áreas protegidas, não tem encontrado outra resposta
que não a proposição de mecanismos substitutivos para os grupos sociais locais
que sofrem os efeitos da limitação imposta pela restrição à apropriação dos
recursos naturais valorizados (BARRETO-FILHO, 2004). Do ponto de vista político,
a participação das comunidades ou “populações tradicionais” afetadas pela
implementação de áreas protegidas, tem-se mostrado como um mecanismo
compensatório efetivo para as instituições do Estado, que veem nesse dispositivo,
um atenuador dos conflitos causados pela imposição de “novos espaços na selva”
(SILVA, 2013).
Sabendo que a conservação da biodiversidade presente nas florestas e a
manutenção dos seus serviços ecossistêmicos representam as novas
possibilidades de expansão dos mercados globais, faz-se necessário pensar em
estratégias que garantam a preservação das novas reservas de valor.
Diferentemente do período colonial, a intervenção dos países do centro ocorre por
meio da implementação de políticas ambientais pensadas a partir do paradigma
contemporâneo do desenvolvimento sustentável e das mudanças climáticas, tendo
as populações nativas não mais como obstáculo, mas como parceiras de tais
políticas e principais mantenedoras das riquezas a serem exploradas.
O Carbono, antes mesmo de ser valorado e de se tornar uma bússola sobre
a qual se debruçam o ambientalismo e boa parte da comunidade científica que se
dedica à mudança do clima, já era globalmente conhecido como um elemento
químico. A casa de farinha, por sua vez, embora tenha garantido a sobrevivência
de populações por milhares de anos, sobretudo na Amazônia, no ideário da mesma
comunidade científica, pode até ter um certo valo de uso, mas poderia mesmo é
desaparecer, já que não no mercado do clima não tem valor de troca. O modo de
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vida das populações autóctones da Amazônia, ainda resiste em longínquas
trincheiras, aos avanços das modernas táticas e estratégias do instituídas pelo
capitalismo verde.
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