desenvolvimento de protocormos de catasetumpileatum rchb...

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Hoehnea 33(2): 177-184,9 fig., 2006 Desenvolvimento de protocormos de Catasetum pileatum Rchb. f. in vitro: aspectos estruturais e conceituais Jane Elizabeth Kraus l , Gilberto Barbante Kerbauy l,2 e Walkyria Rossi Monteiro l Rcccbido: 09.08.2005: aceito: 09.03.2006 ABSTRACT - (Development of protoeorms of Ca/asell/III pi/ea/1I111 Rchb. f. ill vitro: structural and conceptual aspects). Histological aspects of the development of protocorms ofCa/ase/1I111 pi/ea/lIIll obtained from germinating seeds ill vitro arc shown and the controversial definition and significance of these structures arc discussed. The protocorms are constituted of a mass of parenchyma cells, delimited by a un i-stratified epidermis; the parenchyma cells of the upper part of the protoeorms are smaller than the cells of the basal part. The upper part of the protocorm is responsible for the formation of the vegetative stem apex; the first adventitious root are formed endogenously, after the differentiation of several leaves. Remains of the parenchyma cells, and a new plant with well developed shoot and root were visualized around 120-days of culture. Key words: asymbiotic germinating seeds, orchid, Orchidaceae, seedling RE UMO - (Desenvolvimento de protoeormos de Ca/ase/lIIll pi/ea/1I111 Rchb. f. ill vitro: aspectos estruturais e conceituais). Sao mo trados os aspectos histologicos do desenvolvimento de protocormos de Ca/ase/lIIll pi/ea/1I111 originados a partir de sementes cultivadas ill vitro, bem como, paralelamente, procurou-se discutir a controvertida definiyao e significado que essas estruturas representam. Os protocormos sao constituidos pOI' um conjunto de celulas parenquimaticas, revestidas pOI' uma epiderme uni-estratifieada; as celulas parenquimatieas da regiao superior sao de tamanho menor quando comparadas as demais celulas do protocormo. A poryao superior do protocormo e responsavel pela formayao do apice eaulinar vegetativo; a primeira raiz estabelece-se apos a formayao de varias folhas, sendo de natureza adventicia e de origem end6gena. POI' volta de 120 dias de cultura foram visualizados restos de celulas parenquimaticas e a nova planta com os sistemas caulinar e radicular bem desenvolvidos. Palavras-chave: germinayao assimbi6tica de sementes, orquidea, Orehidaceae, plantula IntrodU(;ao A maioria das orquideas possui sementes extremamente diminutas, com 0,005 a6 mm de comprimento (Arditti 1992), destitufdas de endosperma (Dressler 1993, Clements 1999). Os embri6es constituem-se de pequenos corpos elipsoidais formados pOl' relativamente poucas celulas que acumulam reservas (Harrison 1977, Arditti 1992), predominantemente lipfdicas. As sementes de orquideas apresentam, em geral, um padrao bastante uni fomle de germinay30 e desenvolvimento, iniciando- se pOI' intumescimento da semente que acarreta 0 rompimento do tegumenta seminal e a liberay30 do embri30. Este se desenvolve numa estrutura tuberiforme, geralmente clorofilada, 0 chamado protocormo (Arditti 1992). o termo protocormo (do grego pr%s = primeiro e korlllos = tronco de arvore, caule) foi inicialmente proposto pOI' Melchior Treub, em 1888 (Font QueI' 1979) ou 1890 (Arditti & Ernst 1993), para descrever o estagio inicial do desenvolvimento de licopodineas, que forma uma estrutura tuberiforme a partir da germinay30 de esporos. Ha, tambem, discordancia quanta ao primeiro autor a designar de protocormo a estrutura tuberiforme resultante da germina y 30 das sementes de orqufdeas. Para Font QueI' (1979) teria sido Karl Goebel, na primeira ediy30 do livro Organographie del' Pflanzen, em 1898,0 precursor do uso do termo protocormo, enquanto que para Arditti & Ernst (1993) e Cribb (1999), seria oel Bernard, em 1899. Vale ressaltar que Goebel (1889 apl/d Nishimura 1981)ja havia estudado 0 desenvolvimento do protocormo de Taeniophylllllll zollingeri Rchb. f. I. Universidade de Sao Paulo, Instituto de Biociencias, Departamento de BOlanica, Caixa Postal 11461,05422-970 Sao Paulo, SP, Brasil 2. Autor para corrcspondencia: gbtkcrba ( usp.br

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Hoehnea 33(2): 177-184,9 fig., 2006

Desenvolvimento de protocormos de Catasetum pileatum Rchb. f.in vitro: aspectos estruturais e conceituais

Jane Elizabeth Kraus l , Gilberto Barbante Kerbauy l,2 e Walkyria Rossi Monteiro l

Rcccbido: 09.08.2005: aceito: 09.03.2006

ABSTRACT - (Development of protoeorms of Ca/asell/III pi/ea/1I111 Rchb. f. ill vitro: structural and conceptual aspects).Histological aspects of the development of protocorms ofCa/ase/1I111 pi/ea/lIIll obtained from germinating seeds ill vitro arcshown and the controversial definition and significance of these structures arc discussed. The protocorms are constitutedof a mass of parenchyma cells, delimited by a un i-stratified epidermis; the parenchyma cells of the upper part of theprotoeorms are smaller than the cells of the basal part. The upper part of the protocorm is responsible for the formation ofthe vegetative stem apex; the first adventitious root are formed endogenously, after the differentiation of several leaves.Remains of the parenchyma cells, and a new plant with well developed shoot and root were visualized around 120-days ofculture.Key words: asymbiotic germinating seeds, orchid, Orchidaceae, seedling

RE UMO - (Desenvolvimento de protoeormos de Ca/ase/lIIll pi/ea/1I111 Rchb. f. ill vitro: aspectos estruturais e conceituais).Sao mo trados os aspectos histologicos do desenvolvimento de protocormos de Ca/ase/lIIll pi/ea/1I111 originados a partir desementes cultivadas ill vitro, bem como, paralelamente, procurou-se discutir a controvertida definiyao e significado queessas estruturas representam. Os protocormos sao constituidos pOI' um conjunto de celulas parenquimaticas, revestidaspOI' uma epiderme uni-estratifieada; as celulas parenquimatieas da regiao superior sao de tamanho menor quando comparadasas demais celulas do protocormo. A poryao superior do protocormo e responsavel pela formayao do apice eaulinar vegetativo;a primeira raiz estabelece-se apos a formayao de varias folhas, sendo de natureza adventicia e de origem end6gena. POI' voltade 120 dias de cultura foram visualizados restos de celulas parenquimaticas e a nova planta com os sistemas caulinar eradicular bem desenvolvidos.Palavras-chave: germinayao assimbi6tica de sementes, orquidea, Orehidaceae, plantula

IntrodU(;ao

A maioria das orquideas possui sementesextremamente diminutas, com 0,005 a 6 mm decomprimento (Arditti 1992), destitufdas de endosperma(Dressler 1993, Clements 1999). Os embri6esconstituem-se de pequenos corpos elipsoidaisformados pOl' relativamente poucas celulas queacumulam reservas (Harrison 1977, Arditti 1992),predominantemente lipfdicas. As sementes deorquideas apresentam, em geral, um padrao bastanteuni fomle de germinay30 e desenvolvimento, iniciando­se pOI' intumescimento da semente que acarreta 0rompimento do tegumenta seminal e a liberay30 doembri30. Este se desenvolve numa estruturatuberiforme, geralmente clorofilada, 0 chamadoprotocormo (Arditti 1992).

o termo protocormo (do grego pr%s = primeiroe korlllos = tronco de arvore, caule) foi inicialmenteproposto pOI' Melchior Treub, em 1888 (Font QueI'1979) ou 1890 (Arditti & Ernst 1993), para descrevero estagio inicial do desenvolvimento de licopodineas,que forma uma estrutura tuberiforme a partir dagerminay30 de esporos. Ha, tambem, discordanciaquanta ao primeiro autor a designar de protocormo aestrutura tuberiforme resultante da germinay30 dassementes de orqufdeas. Para Font QueI' (1979) teriasido Karl Goebel, na primeira edi y30 do livroOrganographie del' Pflanzen, em 1898,0 precursor douso do termo protocormo, enquanto que para Arditti& Ernst (1993) e Cribb (1999), seria oel Bernard,em 1899. Vale ressaltar que Goebel (1889 apl/d

Nishimura 1981)ja havia estudado 0 desenvolvimentodo protocormo de Taeniophylllllll zollingeri Rchb. f.

I. Universidade de Sao Paulo, Instituto de Biociencias, Departamento de BOlanica, Caixa Postal 11461,05422-970 Sao Paulo, SP, Brasil2. Autor para corrcspondencia: gbtkcrba ( usp.br

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Sob condicyoes naturais, 0 protocormo permanececomo tal ate que seja infectado pOl' um fungomicorrizico apropriado; somente ap6s esse evento teminicio a fomlacyao da gema vegetativa e seus primordiosfoliares (Harrison 1977). A formacyao da raiz ocon'emais tarde, apos 0 surgimento de varias folhas (Veyret1974, Arditti 1992).

Quando a germinacyao das sementes ocon'e sobcondicyoes assepticas (germinacyao assimbiotica, obtidavia de regra in vitro), 0 desenvolvimento do protocormose faz de forma similar, desde que seja adicionada aomeio de cultura uma Fonte adequada de carboidrato(Harrison 1977). Segundo Arditti (1992), tanto agerminac;ao das sementes quanta 0 desenvolvimentodos protocormos in vitro nao diferem muito dosmesmos eventos observados sob condic;oes naturais.Entretanto, sob condicyoes apropriadas in vitro, 0

desenvolvimento e mais rapido do que em condicyoesnaturais.

Dado 0 elevado nLlmero de especies deOrchidaceae, os estudos de estrutura e ultra-estruturadas sementes e de sua germinac;ao sao raros (Arditti1992). Sob es e enfoque pod em ser citados ostrabalhos real izados com Calopogon pulchellus (Sw.)R. Br. (Carlson 1943), Catfleya x trimos (= Caftleyamossiae C. Parker ex Hook. x Cattleya trianaei L.Linden & Rchb. f.) (Shushan 1959), Vanda Jones exR. Br. (Alvarez & Sagawa 1965), Cymbidium Sw.(Champagnat et al. 1966), Stanhopea cosfaricensisRchb. f. e Bulbophyllul1l bL!fo (Lind!.) Rchb. f. (Veyret1974), Cattleya aurantiaca (Batem. ex Lind!.) P.N.Don (Harrison 1977), Caffleya allranfiaca ePhalaenopsis lueddemanniana Rchb. f (Nishimura1981) e Eulophia yLishuiana S.H. Hu (Weatherheadef al. 1986), entre outros.

Em CatasetuIII pileatLim Rchb. f, a despeito deestudos anatomicos ja realizados abordando aontogenese da estruturas semelhantes a protocormosa paltir da cultura in vitro de apices radiculares isolados(Kraus & Monteiro 1989, Kraus et al. 2004), ate 0

presente momenta nao foi real izado nenhum estudovoltado espeeificamente ao desenvolvimento deprotocormos formados a partir de sementes dessaplanta, objetivo do presente trabalho.

Material e metodos

Obtenc;ao dos protocormos - Para a obtencyao dosprotocormos foram utilizadas sementes oriundas deum LlI1ico fruto de Catasetum pileafum, uma especiede orquidea encontrada na regiao amazonica (AM,

Brasil). A descontaminacyao das sementes foi realizadapor meio de uma soluc;ao de hipoclorito de sodio a10%, adicionada de algumas gotas de detergentedomestico, mantida sob agitacyao pOl' 15 min. A seguir,as sementes foram lavadas pOl' quatro vezes com aguadestilada e esterilizada e colocadas no meio de culturade Knudson - formula C (Knudson 1946), modificadopelo 0 uso de FeS04 .7HzO (27 mg L· 1

) e AzEDTA(37 mg L- 1

). Ao meio de cultura foram adicionados60 g L- 1 de banana nanica (MLIsa subgrupo AAA"Grande aine") madura, 109 L- I de sacarose e 8 g L- I

de agar; 0 pH do meio foi ajustado para 5,6. Em frascosde erlenmeyer com capacidade de 250 mL foramcolocados 100 mL de meio de cultura em cada um e,a seguir, foram esterilizados em autoclave pOl' 15 mina 120°C. Apos a inoculacyao das sementes, os frascosforam fechados com rolhas de borracha perfuradas,cujos furos foram preenchidos com pequenos tufosde algodao umedecidos com uma soluc;ao depermanganato de potassio. Os fracos foram mantidossob um fotoperiodo de 16 h (55 Ilmoles m-z S·I), a 26± 2°C.Histologia - Para os estudos histologicos dosprotocormo em seus di ferentes estagios dedesenvolvimento, amostras foram coletadas no 102,

202, 302, 602 e 1202 dia apos a inoculac;ao dassementes. As amostras foram fixadas em FAA 50(fol111aldeido, acido acetico e alcool etilico 50 %, I: I: 18,v/v) (Johansen 1940), desidratadas em serie butanolicaterciaria e incluidas em parafina com polimerosplasticos ("paraplast"), segundo os procedimentosdescritos em Kraus & Arduin (1997). Cortestransversa is e longitudinais, seriados e com 10 Ilm deespessura das amostras incluidas em parafina foramobtidos em microtomo rotativo. Os cortes foramafixados em laminas histologicas pOl' meio do adesivode Haupt (1930). A colorac;ao dos cortes foi feita comsafranina e verde-firme, com a utilizac;ao de acidotanieo e FeCI 3.6H zO (Foster modi ficado apLidSchneider 1981). Para a montagem das laminashistologicas empregou-se resina sintetica("permount").

Resultados e Discussao

A despeito da importancia insofismavel doprotocormo na reproducyao sexuada de orquideaslevando a formacyao de uma nova planta, ainda naoesta claro a partir de que momenta inicia-se seuestabelecimento no processo germinativo. Tal falta deentendimento tem levado a interpretacyoes equivocadas

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J.E. Kraus et al.: Protocormos de Catasetum pileatulll ill vitro 179

nos estudos basicos de germina<;ao de sementesdessas plantas, como tambem nas pesquisas defitotecnia direcionadas a micropropaga<;ao a partir detecidos meristematicos, com a forma<;ao do queconvencionou-se cunhar, em ingles, de protocorm­like body (PLB), ou seja, estrutura semelhante aprotocormo. Nao raramente, qualquer tipo deprolifera<;ao oriunda dos explantes meristematicos temsido denominado, descuidadamente, de PLB.

Segundo Pridgeon e/ al. (1999), 0 protocormoseria uma estrutura efemera resultante da germina<;aode sementes de orquideas, a paliir da qual se formariamos primordios dos sistemas caulinar e radicular. Cribb(1999), por outro lado, define 0 protocormo como umtuberculo efemero que se desenvolve apos agermina<;ao das sementes de orquideas e que se associaa LlIll fungo micorrizico apropriado, antes da produ<;aoda primeira folha e raiz da plantula.

Alguns autores denominam de protocormo aestrutura que se apresenta com a forma de um piao oucone invertido, na por<;ao superior da qual estadiferenciado apenas 0 meristema do apice caulinar(Carlson 1943) ou, entao, a partir do momenta emque alem do meristema apical, ja estao presentes osprimordios foliares, ou seja, a gema encontra-sediferenciada (Bernard 1903, Mariat 1952, Harrison1977). °termino do estagio de protocormo tambemnao apresenta muita concordancia entre os autores;para alguns, esse estagio se encerraria com 0

desenvolvimento das primeiras folhas (Mariat 1952),ou se estende ate estagios posteriores, com a forma<;aoda raiz (Veyret 1974). Segundo Alvarez & Sagawa(1965), 0 estagio de protocormo terminaria com 0

aparecimento da primeira raiz, evento esseacompanhado por necrose e desaparecimento da regiaoparenquimatica. Carlson (1943) e Nishimura (1981)empregam os termos plantula e protocormoindisti ntamente.

Apos 10 dias da inocula<;ao in vitro, as sementesde C. pi/eatu/11 apresentavam 0 tegumenta seminalrompido, podendo ser visual izados protocormos deformato conico e colora<;ao verde, similares aosdescritos para outras especies de orquideas (Mariat1952, Alvarez & Sagawa 1965, Champagnat et al.1966, Nishimura 1981, Wheatherhead et at. 1986).Vale ressaltar que a forma do protocormo varia, maspode ser caracteristica para certos taxons (Bernard1903, Veyret 1974, Clements 1995 apud Cribb 1999).Os protocormos tambem variam em tamanho, de 2 a24 mm de comprimento por 2 a 10 mm de largura,

excepcionalmente apresentando-se maiores(Clements 1999).

Cortes longitudinais ao protocormo de C. pi/ea/umevidenciaram que ele era constituido pOI' um conjuntode celulas parenquimaticas, revestidas pela epiderme;as celulas parenquim3ticas da regiao superior sao detamanho menor quando comparadas as demais celulasdo protocormo (figuras 1-2). Em alguns dosprotocormos analisados observou-se, na poryaosuperior, a presen<;a de uma regiao meristematica(figura 2), enquanto rizoides (tricomas unicelulares)foram detectados na por<;ao inferior (figura I). SegundoCribb (1999), 0 protocormo tipico seria constituidopor uma regiao meristematica na por<;ao superior(calazal), uma regiao central e uma regiao basal(micropilar), alem da epiderme com rizoides uni oupluricelulares. Protocormos com celulas parenqui­maticas de tamanho menor na regiao superior, emaiores, nas demais partes, tem sido observados emvarias especies de orquideas (Alvarez & Sagawa 1965,Harrison 1977,Nishimura 1981).

No 20° dia de incuba<;ao, na por<;ao superior doprotocormo foi observada a forma<;ao de um primordiode gema com estruturas foliaceas em inicio dediferencia<;ao (figura 3). No meristema apical caulinar,as celulas sao menores e com conteLldo citoplasmaticodenso. As celulas meristematicas apresentam intensaatividade mitotica (figura 3, detalhe superior a direita).Levando-se em considera<;ao os aspectos hormonais,e bem conhecido que as citocininas participamativamente do controle da divisao e da diferencia<;ao

celular, estando, portanto, intil11al11ente envolvidas noprocesso de formayao de gemas em diversas plantas(Peres & Kerbauy 2004). Em sementes da orquideaEpidendrum ju/gens Brongn., Mercier & Kerbauy(/991) verificaram concentra<;oes de citocininasrei ati vamente elevadas, sendo 2iP (2- isopen ten i­laden ina) a forma mais abundante, seguida pela zeatina;ambos os tipos de hormonio variaram quantitativa­mente nos protocormos desenvolvidos in vitro,dependendo da fonte nitrogenada adicionada ao meiode cultura: Ca(N03)2' (NH4)2S04' NH4N0

3ou ureia

(CO(NH2)2)' Niveis endogenos de citocininas maiselevados foram detectados nos protocormos cultivadosemmeio suplementado com NH4N0

3e (NH4)2S04'

No protocormo de C. pilea/um foram observadosamiloplastos nas celulas parenquimaticas, principal­mente naquelas localizadas na POryaO basal (figuras3-4). A presenya de amiloplastos nas celulas maiores emais diferenciadas foi relacionada com 0 fornecimento

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de energia. Acumulo de amido parece ser tipico dascelulas dos embrioes de orquideas cultivados em meioscontendo ayLlcar (Alvarez & Sagawa 1965, Arditti

1992). Sob condiyoes naturais, a maioria das sementesde orquideas acumula preferencialmente lipidios (Arditti1967), adequando-as aanemocoria.

Rizoides (tricomas) tambem foram visualizados

na epiderme da POryaO basal do protocormo de

C. pileatlil/1 com 20 dias de cultivo (figura 4). Apresenya de rizoides e uma caracteristica comum nos

protocormos de muitas especies tanto ill vitro (Harrison1977, ishimura 1981, Weatherhead et af. 1986)quanta innatllra (Poddubnaya-Arnoldi & Selezneva1957 e Poddubnaya-Arnoldi 1976 aplld Arditti 1992).Os rizoides estao relacionados a fixayao inicial do

protocormo em especies epifiticas bem como com aabsoryao de nutrientes (Arditti 1967, 1992). a

natureza, 0 provimento inicial de nutrientes ao

protocormo e realizado pOl' fungos simbiontes como,por exemplo, basidiomicetos, por meio da degradayaode reservas acumuladas ou sintese de novas substancias

metabolicamente importantes (Arditti 1967, 1992). Nacondiyao in vitro, os nutrientes necessarios para 0

de envolvimento do protocormo sao providos pelomeio de cultura e os rizoides podem representarestruturas importantes, pOl'em nao necessariamenteessenciais para a absoryao desses nutrientes.

Aos 30 dias de incubayao, os protocormosmostraram-se maiores (figura 5, parte superior, adireita) e as principais modificayoes ocorreram na suaporyao superior. Nesse estagio, os do is primordios

foliaceos e tavammais desenvolvidos (figura 5); notou-se,tambem, a presenya de cordoes procambiais, que seestendem da gema ate a poryao mediana doprotocormo (figura 6). Gemas vegetativas emdesenvolvimento sao importantes sitios de sintese deauxina, hormonio que atua na diferenciayao do tecidovascular e no seu padrao de organizayao (Aloni 1994).Assim, em C. pileatllm, a diferenciayao dos cOl'doesprocambiais da gema em direyao aporyao mediana doprotocormo pode estar relacionada aformayao previada propria gema.

Pesquisas recentes tem mostrado que a auxinadesempenha, ainda, um papel conspicuo tanto naformayao do primordio foliar quanta na filotaxia(Stieger et al. 2002, Vogler & Kuhlemeier 2003). Anatureza dos primeiros primordios foliaceos dispostoslateralmente ao meristema apical caulinar tem sido

inlerpretada de forma diversa em orquidaceas.Segundo Velenowsky (1907 apudNishimura 1981),

o primeiro dos orgaos foliaceos formados deve serconsiderado como um cotiledone e somente 0 segundocomo a folha propriamente dita. Todavia Carlson(!943) e Veyret (!974) postularam que a primeiraestrutura formada corresponderia afolha. Baseando-seno conceito de que 0 cotiledone cuma folha embrio­

mlria ou seminal, Batygina et al. (2003) eonsideraminadequado usar 0 termo cotiledone para os orgaos denatureza foliar formados durante 0 desenvolvimentopos-seminal; assim, no protocormo sao formadas folhaspropriamente ditas.

No material com 60 dias de cultivo verificou-se aformayao da primeira raiz na poryao superior oumediana do protocormo, logo abaixo da gema, e aposo desenvolvimento de varias folhas (figura 7). Emprotocormos de varias espeeies de orquidaceas foiobservado que a primeira raiz se forma adjacente agema (Nishimura 1981).0 surgimento da primeira raiz

logo abaixo da gema no protocormo de C. pileo/umpossivelmente decorre da sintese de auxinas pelapropria gema. A importancia das auxinas na formayao

de raizes e bem conhecida (Mercier 2004).Em C. pilea/um nao se observou a formayao de

uma raiz primaria exogena, como ocorre na maioria

das angiospermas (el Yamashita 1991). A primeira raizformada e de origem endogena e seus elementoscondutores mostraram-se conectados com aquele quevascularizam 0 sistema caulinar (figuras 7-8). Levandoem considerayao a natureza hipocotiledonar que Goebel(1889 apud Nishimura 1981) e Clements (1995 oplldCribb 1999) atribuem ao protocormo, a primeira raizformada em C. pilea/um, alem de ser endogena, teria

natureza adventicia. Deve ser mencionado que algunsautores (el Groff & Kaplan 1988) preferem naoempregar 0 termo adventicio e fazem usa da expressaoraiz originada no caule, a qual e mais explicita e evitaa eonotayao de que essa eondiyao e anormal nodesenvolvimento da estrutura avaliada.

Ao redor do 1200 dia de cultivo, restavam poucacelulas parenquimatica e a planta de C. pileo/limencontrava-seja formada com os sistemas caulinar eradicular bem desenvolvidos (figura 9). A presenya deraiz e do agregado celular em degenerayao indicariamo termino do estagio de protocormo ou plantula,segundo a interpretayao de A Ivarez & Sagawa (1965).

No presente trabalho verifieou-se que 0 padraode desenvolvimento do protocormo de C. pileo/um apartir da germinayao de sementes in vitro e similar ao

apresentado por outras especies de orquideas ja

estudadas. 0 padrao de desenvolvimento dos

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J.E. Kraus el al.: Protocormos de Catasetum pileatum in vitro J81

Figuras 1-6. Protoconnos de Catasetum piLeatum cultivados in vitro. Cortes longitudinais. I. Com 10 dias de cultura: notar a presenlfa decelulas parenquimaticas menores na porlfao superior e, maiores, na inferior. Riz6ides estao presentes na epiderme da porlfao inferior.2. Com 10 dias de cultura: na regiao superior nota-se um agrupamento de celulas meristematicas (seta). 3. Com 20 dias de cultura: naporlfao superior, nota-se a prescnlfa do meristema do apice caulinar vegetativo e os prim6rdios foliaceos. a porlfao basal, as celulasparenquimaticas sao maiores e contem amiloplastos. 0 detalhe, acima adireita, mostra celulas recem divididas. 4. Em maior aumento: naporlfao basal sao evidenciados os amiloplastos nas celulas parenquimaricas e os riz6ides unicelulares na epiderme. 5. Com 30 dias decultura: notar os cord6es procambiais da gema que se estendem em direlfao aporlfao central do protocormo; os 6rgaos foliares mostram-semais desenvolvidos. 0 detalhe, acima adireita, evidencia 0 aspecto geral do protocormo. 6. Cord6es procambiais atingindo a porlfao centralno protocormo, em corte subseqiiente. A =Amiloplasto, EF =Estrutura Foliacea, Ep =Epiderme, MAC =Meristema do pice CaulinarVegetativo, Pa =Parenquima, Pc =Proci'imbio, Pr =Protocormo, Ri =Riz6ides.

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182 Hoehnea 33(2): 177-184,2006

Figuras 7-9. Protocormos de Catasetum pileatum cultivados in vitro. Cortes longitudinais. 7. Com 60 dias de cultura: notar 0 sistemacaulinar e a primeira raiz formada. 8. Detalhe, em maior aumento, da regiao de conexao dos elementos condutores do caule e da raiz.9. Com 120 dias de cultura: notar a planta com os sistemas caulinar e radicular bem desenvolvidos e restos do tecido parenquimatico. araiz podem ser observados a coifa, 0 meristema subapical, 0 velamen, 0 parenquima cortical eo sistema vascular. Co = coifa, F= Folha,MAC = Meristema do pice Caulinar Vegetativo, MSR = Meristema Subapical da Raiz, Pa = Parenquima, PaC = Parenquima Cortical,R = Raiz, SV = Sistema Vascular, Ve = Velamen.

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J.E. Kraus e/ al.: Protocormos de Ca/ase/um pilea/um in vitro 183

protocormos de C. pileatwl1 in vitro deve ser, tambem,similar ao dos protocormos desenvolvidos in natura,

conforme proposto pOI' Arditti (1992), exceto pelocrescimento mais nipido dos primeiros.

Diante do exposto, somos levados a postular,que em orquideas, tanto 0 termo protocormo (sensli

lata) quanta 0 termo plantula podem ser usadosindistintamente (ef Carlson 1943, Nishimura 1981,Batygina et al. 2003), pois se referem a mesmaestrutura, resultante do desenvolvimento do embriaozig6tico germinado. E provavel que 0 termoprotocormo tenha side mais empregado nao s6 pOI'uma questao hist6rica, ma pelo fato das sementesde orquideas conterem um embriao relativamentepouco diferenciado, apresentando, durante agerminayao, um padrao de desenvolvimento inicialbastante distinto do das demais angiospermas eespecifico para 0 grupo.

Agradecimentos

Agradeccmos ao Dr. Fabio de Barros pelo auxiliona parte taxonomica e pela leitura do manuscrito. 0primeiro autor agradece ao CNPq pela bolsa de pesquisa(processo 301776/83).

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