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Carta dos Editores Em seu primeiro nœmero, Meridiano 47 Boletim de AnÆlise da Conjuntura Internacional, traz artigos que versam sobre temas diversos, alguns claramente associados às prioridades da política externa brasileira, outros nªo tanto. Queremos com isso, por um lado, informar nossos leitores a respeito de fenômenos importantes, quase urgentes, para a inserçªo internacional de nosso país. Por outro lado, queremos tambØm despertar-lhes a atençªo para processos que ocorrem em Æreas temÆticas e geogrÆficas aparentemente distantes de nossos interesses no plano internacional. Aos autores da presente ediçªo foi oferecido o desafio de ultrapassarem a simples exposiçªo dos argumentos favorÆveis e desfavorÆveis a aspectos específicos a esses fenômenos. Pedimos-lhes que levantassem questıes, que provocassem o debate e que acaso apontassem soluçıes para problemas relacionados direta ou indiretamente à inserçªo internacional do Brasil. Assim, o nœmero de estrØia de Meridiano 47 trata especialmente da inserçªo do Brasil na economia internacional. Alcides Costa Vaz discute o relançamento do Mercosul, jÆ decidido pelos governos dos países do bloco, ressaltando a oposiçªo de setores específicos nas principais economias e apontando provÆveis ganhos associados a este relançamento. Ainda sobre o plano regional, Virgílio Caixeta Arraes informa- nos a respeito das dificuldades inerentes à consolidaçªo democrÆtica de diversos países na AmØrica do Sul. Carlos Roberto Pio da Costa Filho analisa o grau de abertura da economia brasileira, debatendo as interpretaçıes apressadas acerca da natureza supostamente neoliberal das políticas governamentais em curso. Na seqüŒncia, ao discutir características reais e abordagens teóricas do atual sistema internacional, Antonio Jorge Ramalho da Rocha contesta a hipótese de que o aumento de foros políticos no plano internacional poderia, por si só, promover maior equilíbrio e previsibilidade na regulaçªo das relaçıes internacionais contemporâneas. Pio Penna Filho analisa as dificuldades enfrentadas pela `frica sub-sahariana ao final da Guerra Fria, destacando o movimento de renascimento da `frica e a liderança demonstrada pelo governo sul-africano nos œltimos anos. Por seu turno, Paulo Antônio Pereira Pinto aponta a carŒncia de estudos prospectivos, no Brasil, a respeito da `sia Pacífico, regiªo em que se ora redefinem, a um só tempo e de maneira profunda, espaços econômicos e articulaçıes políticas. MERIDIANO 47 RELA˙ÕES INTERNACIONAIS SOB O PRISMA DE BRAS˝LIA Antônio Jorge Ramalho da Rocha Antônio Carlos Lessa O RELAN˙AMENTO DO MERCOSUL Alcides Costa Vaz AMÉRICA LATINA INQUIETA: A QUESTˆO PARAGUAIA Virgílio Caixeta Arraes AFRICAN RENAISSANCE E A POL˝TICA EXTERNA SUL-AFRICANA Pio Penna Filho PODER E AUTORIDADE EM TEMPOS DE GLOBALIZA˙ˆO Antonio Jorge Ramalho da Rocha BRASIL, ECONOMIA ABERTA? Carlos Roberto Pio da Costa Filho `SIA-PAC˝FICO DIN´MICA PRÓPRIA E FORTALECIMENTO DA CIDADANIA. Paulo Antônio Pereira Pinto ISSN 1518-1219 Boletim de AnÆlise de Conjuntura em Relaçıes Internacionais N” 1 Julho 2000

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Page 1: Carta dos EditoresCarta dos Editores Em seu primeiro nœmero, Meridiano 47 Œ Boletim de AnÆlise da Conjuntura Internacional, traz artigos que versam sobre temas diversos, alguns

Carta dos Editores

Em seu primeiro número, Meridiano 47 � Boletim de

Análise da Conjuntura Internacional, traz artigos que versam

sobre temas diversos, alguns claramente associados às

prioridades da política externa brasileira, outros não tanto.

Queremos com isso, por um lado, informar nossos leitores a

respeito de fenômenos importantes, quase urgentes, para a

inserção internacional de nosso país. Por outro lado, queremos

também despertar-lhes a atenção para processos que ocorrem

em áreas temáticas e geográficas aparentemente distantes de

nossos interesses no plano internacional.

Aos autores da presente edição foi oferecido o desafio

de ultrapassarem a simples exposição dos argumentos

favoráveis e desfavoráveis a aspectos específicos a esses

fenômenos. Pedimos-lhes que levantassem questões, que

provocassem o debate e que acaso apontassem soluções para

problemas relacionados direta ou indiretamente à inserção

internacional do Brasil.

Assim, o número de estréia de Meridiano 47 trata

especialmente da inserção do Brasil na economia internacional.

Alcides Costa Vaz discute o relançamento do Mercosul, já

decidido pelos governos dos países do bloco, ressaltando a

oposição de setores específicos nas principais economias e

apontando prováveis ganhos associados a este relançamento.

Ainda sobre o plano regional, Virgílio Caixeta Arraes informa-

nos a respeito das dificuldades inerentes à consolidação

democrática de diversos países na América do Sul. Carlos

Roberto Pio da Costa Filho analisa o grau de abertura da

economia brasileira, debatendo as interpretações apressadas

acerca da natureza supostamente neoliberal das políticas

governamentais em curso. Na seqüência, ao discutir

características reais e abordagens teóricas do atual sistema

internacional, Antonio Jorge Ramalho da Rocha contesta a

hipótese de que o aumento de foros políticos no plano

internacional poderia, por si só, promover maior equilíbrio e

previsibilidade na regulação das relações internacionais

contemporâneas. Pio Penna Filho analisa as dificuldades

enfrentadas pela África sub-sahariana ao final da Guerra Fria,

destacando o movimento de �renascimento da África� e a

liderança demonstrada pelo governo sul-africano nos últimos

anos. Por seu turno, Paulo Antônio Pereira Pinto aponta a

carência de estudos prospectivos, no Brasil, a respeito da Ásia

� Pacífico, região em que se ora redefinem, a um só tempo e de

maneira profunda, espaços econômicos e articulações políticas.

MERIDIANO 47RELAÇÕES INTERNACIONAISSOB O PRISMA DE BRASÍLIA

Antônio Jorge Ramalho da RochaAntônio Carlos Lessa

O RELANÇAMENTO DOMERCOSUL

Alcides Costa Vaz

AMÉRICA LATINA INQUIETA:A QUESTÃO PARAGUAIA

Virgílio Caixeta Arraes

AFRICAN RENAISSANCEE A POLÍTICA EXTERNA

SUL-AFRICANAPio Penna Filho

PODER E AUTORIDADE EMTEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO

Antonio Jorge Ramalho da Rocha

BRASIL, ECONOMIA ABERTA?Carlos Roberto Pio da Costa Filho

ÁSIA-PACÍFICO � DINÂMICAPRÓPRIA E FORTALECIMENTO

DA CIDADANIA.Paulo Antônio Pereira Pinto

ISSN 1518-1219

Boletim de Análise deConjuntura em Relações

Internacionais

Nº 1Julho � 2000

Page 2: Carta dos EditoresCarta dos Editores Em seu primeiro nœmero, Meridiano 47 Œ Boletim de AnÆlise da Conjuntura Internacional, traz artigos que versam sobre temas diversos, alguns

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Entre as profundas

transformações por que vem

passando a sociedade brasileira

nos últimos anos, destaca-se a

difusão da consciência, entre

atores em diferentes estratos da

sociedade, da necessidade de

pensar a inserção internacional

do Brasil. É certo que o

aprofundamento do MERCOSUL

e as �crises� a ele associadas,

bem como o impacto dos fluxos

de capital sobre o desempenho

econômico do país, contribuíram

para essa conscientização. Uma

evidência dessa maior

preocupação dos brasileiros com temas relacionados

ao campo internacional salta aos olhos: a recente

criação de grande número de centros de pesquisa e

ensino e a consolidação dos primeiros catálogos

editoriais integralmente dedicados ao campo de estudo

das relações internacionais. Este aumento quantitativo

é muito bem visto pelos que atuam na área há muitos

anos, uma vez que encerra promessas de contribuições

para a reflexão sobre novas áreas de estudo e sobre

novas maneiras de pensar a política exterior do Brasil.

Com o objetivo de contribuir para a

consolidação do debate sobre temas afetos aos

desafios da inserção internacional do Brasil

contemporâneo, o Instituto Brasileiro de Relações

Internacionais - IBRI, instituição decana da reflexão

especializada no país, constituiu Meridiano 47 �

Boletim de Análise de Conjuntura em Relações

Internacionais, veículo de periodicidade mensal que

publicará análises sobre temas relevantes para a

inserção internacional do Brasil. Mais do que tratar

com rigor esses temas, ou sobre

eles produzir material acadê-

mico altamente especializado,

Meridiano 47 tem como objetivo

difundir o debate, produzir idéias

originais e identificar problemas

relevantes a que os especialistas e

os formuladores de políticas não

estejam dedicando atenção

merecida.

Meridiano 47 é uma

homenagem que o IBRI faz a

Brasília (cidade cortada por aquela

linha), onde está funcionando

desde 1993, com o que renova o

seu compromisso permanente

com a análise de alto nível na área de relações

internacionais, há muito firmado com a publicação

ininterrupta da Revista Brasileira de Política

Internacional � RBPI, que desde 1958 é testemunha �

e muitas vezes veículo preferencial � dos movimentos

intelectuais e políticos que renovaram a ação

internacional do Brasil, assumindo desde logo um

papel de relevo na cultura política e acadêmica do

país.

Veiculado exclusivamente em RelNet - Site

Brasileiro de Referência em Relações Internacionais,

iniciativa conjunta do REL-UnB e da Fundação

Alexandre de Gusmão, vinculada ao Ministério das

Relações Exteriores do Brasil (FUNAG-MRE), o boletim

Meridiano 47 é uma publicação inteiramente digital.

A exemplo das demais publicações da RelNet, seu

principal objetivo é o de congregar a comunidade

brasileira de relações internacionais em torno da oferta

pública e gratuita de serviços de informação e de

pesquisa (disponível em http://www.relnet.com.br).

Meridiano 47: Relações Internacionaissob o prisma de Brasília

Antônio Jorge Ramalho da RochaAntônio Carlos Lessa

�...seu principalobjetivo é o de

congregar acomunidade brasileira

de relaçõesinternacionais emtorno da oferta

pública e gratuita deserviços de

informação e depesquisa...�

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Reunidos em Buenos Aires nos primeiros diasde maio, os Ministros de Relações Exteriores, Economiae Defesa do Brasil e da Argentina acordaram uma sériede medidas visando revigorar e redirecionar o processode integração do Mercado Comum do Sul, segundo oespírito da proposta do Presidente Fernando de La Rua,quando ainda candidatopresidencial, de relançar obloco econômico. A propostae as iniciativas recém definidaspossuem como pano defundo, primeiramente, ovácuo na implementação dasmedidas acordadas emdezembro de 1994 � queconformariam a etapa deconsolidação da uniãoaduaneira �, inscritas naAgenda 2000, tal como se tornou conhecida. Emsegundo lugar, há que se referir aos avanços dasnegociações da Área de Livre Comércio das Américas(ALCA), que também, desde a Cúpula de Miami,quando foi formalmente proposta, passou arepresentar talvez o mais importante fator de pressãosobre o Mercosul no sentido de demovê-lo da inérciaque marcou sua evolução a partir da assinatura doProtocolo de Ouro Preto. Em terceiro lugar, cabedestacar os recorrentes conflitos comerciais entre Brasile Argentina, significativamente agudizados porconjunturas econômicas desfavoráveis em ambospaíses, sobretudo a partir do segundo semestre de1998 quando as economias dos dois principaisparceiros do Mercosul se viram alcançadas pela crisefinanceira que já havia assolado outras economias ditasemergentes mesmo no até então próspero sudesteasiático, além da Rússia, culminando com adesvalorização cambial no início de 1999 no Brasil ecom o quadro recessivo da economia argentina queperdurou ao longo de todo aquele ano.

O Relançamento do MercosulAlcides Costa Vaz *

Em tal contexto, os conflitos comerciaisassumiram grande poder de contaminação, colocandoem perspectiva, para muitos, até mesmo a dissoluçãodo próprio bloco. Mesmo admitindo o óbvioexagero de tal idéia, é preciso considerar que acredibilidade do Mercosul se viu comprometida

interna e externamente peloscontenciosos comerciais entreBrasil e Argentina, os quaisestavam lastreados, para oprimeiro, na ineficiência devários setores produtivosargentinos que não souberamtirar proveito do tratamentodiferenciado que lhes foiconcedido temporariamente eque expirou ao final de 1998;para o segundo, as desavenças

estavam relacionadas antes de mais nada, àcompetitividade tida como espúria que adesvalorização cambial conferia às exportaçõesbrasileiras no mercado argentino.

Frente a esses problemas e desafios, Brasil eArgentina confrontam a necessidade de revitalizar oprocesso de integração e de imprimir-lhe um novodirecionamento estratégico que se desdobra, segundose apreende do que foi anunciado em Buenos Aires,em três vertentes: a primeira relaciona-se à própriaagenda intra-Mercosul com o envolvimento de temasvoltados para a consolidação da união aduaneira, masque também ultrapassem o domínio comercial esinalizem uma nova transição, desta vez para o estágiode mercado comum, objetivo nominal do Tratado deAssunção, para o que se pretende, em um primeiromomento, estabelecer parâmetros comuns eharmonizar indicadores com vistas à coordenação depolíticas econômicas no bloco. A segunda vertentecontempla as relações externas do Mercosul emâmbito regional e continental onde as relações com o

* Professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). Mestre em Relações Internacionais pela UnBe doutorando em Sociologia da Universidade de São Paulo (USP)

�Frente a esses problemas edesafios, Brasil e Argentina

confrontam a necessidade derevitalizar o processo de

integração e de imprimir-lheum novo direcionamento

estratégico�

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Pacto Andino e a atuação conjunta nas negociaçõesda ALCA representam pontos relevantes, e as relaçõescom a União Européia que, a despeito do impulsopolítico conferido durante a Cúpula do Rio de Janeiro,não lograram ainda avanço efetivo em direção aopretendido e inédito acordo de livre-comércio inter-regional. A terceira e não menos expressiva vertenteconstitui-se em torno do esforço de promover maiorcoordenação no plano político, onde se reafirmou apolítica de defesa como âmbito inicial de atuação.

A iniciativa de relança-mento do Mercosul,impulsionada conjuntamente pelo recém-empossadogoverno argentino e pelo governo brasileiro, possui omérito de reafirmar a vontade e o comprometimentopolítico de ambos países com o propósito da integraçãoem um momento particularmente difícil e de procurarinscrever o tema da coordenação macroeconômicade modo efetivo na agenda do bloco e dos respectivospaíses membros. Apesar disso, esta claro, para todos,que as condições domésticas ainda são desfavoráveisàquele propósito, tomando-se em conta as diferençasquanto ao regime cambial e os desequilíbrios fiscaiscom os quais se debatem Brasil e Argentina e o fatode não terem sido completamente assimilados, de umlado, os impactos decorrentes da desvalorização damoeda brasileira; de outro lado, a estagnação daeconomia Argentina. Ademais, apesar dos sinais derecuperação evidenciados nos últimos meses, emambos os países, muitos setores produtivosencontram-se atualmente fragilizados. Tambémsinaliza a disposição de fortalecer o bloco na fase em

que as negociações da ALCA se encaminham para adefinição dos termos do acordo pretendido, em queas divergências de interesses deverão ser tratadasobjetivamente. Preservar e fortalecer o Mercosul, nessesentido, significa melhores condições de salvaguardare promover os interesses de seus integrantes naquelecontexto negociador.

Visto desde essa perspectiva, o ditorelançamento do Mercosul pode significaroportunidade de retirar o processo de integração doquadro de letargia em que mergulhou nos últimosanos, conduzindo-o a uma nova etapa em que possaprevalecer um revigorado impulso empreendedorsobre os problemas enfrentados no plano comercial.Contudo, não se deve desconsiderar o risco dedesgaste político e de erosão ainda maior dacredibilidade do Mercosul caso o anunciadorelançamento termine afigurando-se apenas comogesto declaratório desprovido de conseqüênciastangíveis para os governos e as sociedades cujosinteresses movem o processo de integração ou comoresposta efêmera a uma conjuntura desfavorável. Oanunciado detalhamento das ações a seremconduzidas e sua incorporação em uma nova agendade transição permitirá entrever qual das alternativasprevalecerá: a pirotecnia que encanta os olhos de todosno momento em que se produz mas que devanescelogo em seguida ou a sobriedade do empreendimentoorientado para a consecução de metas e compromissosfactíveis e respaldados política e socialmente em cadaum dos quatro países que integram o Mercosul.

Como publicar Artigos em Meridiano 47

O Boletim Meridiano 47 resulta das contribuições de professores, pesquisadores, estudantes depós-graduação e profissionais ligados à área, cuja produção intelectual se destine a refletir acercade temas relevantes para a inserção internacional do Brasil. Além disso, o Boletim Meridiano 47conta com a colaboração permanente de um corpo de professores e estudantes de mestrado edoutorado dos Departamentos de Relações Internacionais e de História da Universidade de Brasília.

Os arquivos com artigos para o Boletim Meridiano 47 devem conter até 90 linhas (ou 3 laudas)digitadas em Word 2000 (ou compatível), espaço 1,5, tipo 12, com extensão em torno de 5.500caracteres. O artigo deve ser assinado, contendo o nome completo do autor, sua titulação e filiaçãoinstitucional. Os arquivos devem ser enviados para [email protected], indicando na linhaAssunto �Contribuição para Meridiano 47�.

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Na madrugada do dia 19 de maio último(sexta-feira), um pequeno grupo de militares tentouderrubar o governo do Presidente Macchi, nãologrando êxito. O Executivo paraguaio acusou oGeneral Lino Oviedo, atualmente na reserva, quetentara já em 1996 derrubar o Presidente Wasmosy.Oviedo se defendeu afirmando que a tentativa foi umaarmação incentivada pelo governo atual, que sefortaleceria politicamente naseleições de agosto próximo. Dequalquer modo, chamou aatenção o fato de poucosinsurretos terem agido comtanto desembaraço na capitalAssunção (chegaram a alvejar asede do congresso). O próprioMinistro da Defesa, NelsonArgaña, parece que tinhainformações sobre uma possíveltentativa de sublevação. Ademissão do Chefe de Políciaainda não está bem esclarecida(por que a demissão se ele não teria apoiado o golpe?).Não há ainda clareza suficiente para explicaçõesdefinitivas sobre o quase natimorto golpe.

Contudo, paira a percepção de que boa parteda América do Sul enfrenta graves turbulências emseu périplo democrático. Esgotado o ciclo militarditatorial, há pouco mais de uma década, as jovensdemocracias não conseguem satisfazer os anseiossociais das populações e resolver os problemaseconômicos mais graves, com exceção da inflação,praticamente eliminada.

Um rápido olhar demonstra que a crise seagrava em todo o continente e com ela há ocrescimento das tentações ditatoriais e populistas porparte de alguns setores. O Paraguai não está sozinho.Na Colômbia, o país está esfacelado, com uma guerracivil sem fim próximo. Em função disso, o atualPresidente Pastrana propôs um referendo paradissolver o Congresso Nacional e assim poder executar�reformas� que dariam melhores condições degovernabilidade. O Peru possui um governo populista,

América Latina inquieta: a questão paraguaiaVirgílio Caixeta Arraes *

o qual, com a renúncia de seu único opositor de peso,esta semana, na eleição presidencial, ganhará mais ummandato. A OEA expressou de modo formal suadesconfiança em relação à lisura do processo eleitoral.

Na Venezuela, há incertezas sobre o caminhoque o grupo do Presidente Chavez tomará nacondução política do país e comenta-se que as eleiçõesgerais poderiam ser adiadas. O Equador está

promovendo mudanças radicaisem sua economia � o processode dolarização � como forma deconter a revolta popular,expressa de modo bem presenteno início do ano. A Argentinavive um momento de incertezaseconômicas, com temores dedesvalorização de sua moeda.Quanto ao Chile, um velhofantasma da Guerra Fria aindaprovoca calafrios no país: o casoPinochet. Por fim, o próprioBrasil, que retoma instrumentos

jurídicos da antiga ditadura militar, a Lei de SegurançaNacional, para argüir delitos contra o patrimôniopúblico. Além disso, está na pauta da agenda políticao fim da reeleição e a retomada dos debates sobre amudança de regime (parlamentarismo).

O Paraguai é o país mais pobre do MERCOSUL� pouco mais de mil dólares de renda per capita. É opaís que possui, dentro do Mercado Comum, tradiçõesdemocráticas menos viçosas. Nas últimas décadas,vivenciou poucos períodos democráticos satisfatórios,assemelhando-se a vários outros países latino-americanos. Teve uma das ditaduras mais duradourasda história contemporânea, a do General AlfredoStroessner (1954-89), atualmente exilado no Brasil.Mesmo após o término desta ditadura, o país temtido dificuldades para encontrar o prumodemocrático.

É um país com fortes marcas rurais (seu motoreconômico é a soja e o algodão), extraindo boa partede suas exportações desse setor. Nem com oMERCOSUL a industrialização aconteceu. Destaca-se,

* Professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). Mestre em História das Relações Internacionaispela mesma universidade.

�Um rápido olhar demonstraque a crise se agrava em

todo o continente e com elahá o crescimento dastentações ditatoriais epopulistas por parte de

alguns setores. O Paraguainão está sozinho.�

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no entanto, pela peculiar vocação natural para o setorhidrelétrico cujo resultado maior foi uma parceria como Brasil: Itaipu, que lhe permite perceber créditos pelaexportação da energia. Em função de circunstânciasgeográficas, seus parceiros naturais são o Brasil e aArgentina, os quais não tergiversaram em convidar opaís para constituir o embrião do MERCOSUL � aassinatura do acordo, em março de 1991, realizou-seem Assunção.

Ante isso, pode-se afirmar que a importânciado país cresceu consideravelmente no plano regionalà medida que obteve mais responsabilidades externas.O MERCOSUL promoveu, de modo gradativo, aliberalização do comércio entre os parceiros, oestabelecimento de uma tarifa externa comum, alémdo compromisso de os países membros respeitaremos preceitos democráticos � a cláusula democrática,a qual desempenhou importante papel, ainda que,indiretamente, no fracasso do golpe militar tentadona semana passada.

A tentativa abortada de golpe militardemonstrou um amadurecimento dos países-membros no sentido de pressionar contra; por outro,mostra o quão longe o MERCOSUL está de constituirórgãos supranacionais, como a União Européia, àmedida que turbulências ou rupturas internasameaçam a normalidade democrática. Tal se vincula àquestão da forte tradição presidencialista na região �o que gera a pouca separação entre as funções deEstado e as de Governo. Assim, o estabelecimento deórgãos supranacionais poderia ser visto ecompreendido como uma renúncia à soberania.

Após o golpe, todos os países-membros doMERCOSUL foram unânimes em demonstrar apoioao governo constitucional. O presidente FernandoHenrique Cardoso afirmou que, se o golpe tivesse sidobem sucedido, o Paraguai seria expulso do MERCOSUL

e sofreria pesadas sanções. Isto em um momento emque, segundo pesquisa do Jornal ABC, o maisimportante diário paraguaio, 61% da população estáinsatisfeita com a gestão atual e 66% queremmudanças no rumo dado pela atual gestão. Apenas oinsignificante índice de 0,6% considera boa a situaçãodo país com 40% da população vivendo em estadode indigência e cerca de 20% da populaçãodesempregada. A tentativa de golpe dificulta aindamais o processo de captação de investimentosestrangeiros, inclusive de empresas brasileiras.

Não há dúvidas de que o fracasso do golpefortalece politicamente o atual presidente à proporçãoque elimina a alternativa oviedista (detenção de umacentena de aliados e o fechamento de uma estaçãode rádio), mas as tensões sociais permanecem, emuma economia estagnada há anos. A situação políticado Paraguai reveste-se de importância para o Brasilem função dos �brasiguaios� (cerca de 250 milbrasileiros que trabalham principalmente em atividadesagrícolas e que são o 3.º contingente populacionalvivendo fora do país) e da segurança da hidrelétricade Itaipu. Além disso, o Brasil é o país para o qual oParaguai mais exporta.

Atualmente, o Paraguai possui uma democraciatutelada em função das iniciativas tomadas pelos demaismembros do MERCOSUL, os quais asseguram acontinuidade das formas democráticas. Se não fosseassim, é possível que o país já estivesse sob jugoditatorial, fardado ou não. A grande preocupação, antea instabilidade que ronda novamente o continente, é osurgimento de �autoritarismos híbridos�, no dizer doWashington Office on Latin America (WOLA), ou de�regimes globalitários�, na visão do Le MondeDiplomatique, onde as instituições do modelodemocrático são mantidas de modo formal,funcionando, desta forma, limitadamente.

Sobre Meridiano 47O Boletim Meridiano 47 não traduz o pensamento de qualquer entidade governamental nem se filia a organizações oumovimentos partidários. Meridiano 47 é uma publicação digital, distribuído exclusivamente em RelNet - Site Brasileirode Referência em Relações Internacionais (www.relnet.com.br), iniciativa da qual o IBRI foi o primeiro parceiro deconteúdo. Para ler o formato digital, distribuído em PDF (Portable Document Format) e que pode ser livremente reproduzido,é necessário ter instalado em seu computador o software Adobe Acrobat Reader, versão 3.0 ou superior, que é descarregadogratuitamente em www.adobe.com.br.

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A política externa da�Nova África do Sul�, expressãocomumente usada para designara realidade sul-africana na era pós-apartheid, certamente possuivárias características, mas éfortemente marcada, pelo menosno campo da retórica, pela idéiade �Africa Renaissance�, ourenascimento africano, umamarca registrada do governoThabo Mbeki, o sucessor deNelson Mandela na presidência daRepública. Mas, qual seria osignificado dessa idéia e qual a suareal vinculação com a políticaexterna da República da África doSul no final do século XX?

O termo Africa Renaissance faz referência aum suposto renascimento africano, estabelecendo umparalelo direto com o que a historiografia registracomo sendo o fim da idade das trevas na Europa, natransição da Idade Média para a Idade Moderna,quando houve uma retomada mais vigorosa nodesenvolvimento econômico e avanços em váriosplanos da vida material e espiritual, como na arte,cultura, ciência e tecnologia. Nesse sentido, seriarealmente apropriado usar-se o termo �renascimento�para a realidade africana do final do século XX, quandoo continente, no geral, apresenta um quadro desoladorem praticamente todos os níveis?

Com efeito, não são poucos os problemas quea África enfrenta no final do século XX. As guerras civisparecem intermináveis; a estrutura econômica estáquase que totalmente desvinculada dos processosprodutivos mais avançados (na verdade, excetuando-se a África do Sul, o resto do continente, em termoseconômicos e produtivos, parece ter parado no tempo);os investimentos externos na África quase quedesapareceram, resultando que menos do que 2% dototal dos investimentos externos diretos registrados em1998 se dirigiram para a África Sub-Sahariana, sendoque desses, a maior parte concentra-se em poucos países(África do Sul, Gabão, Angola e Nigéria, os três últimos

African Renaissance e a PolíticaExterna Sul-africana

Pio Penna Filho *

destacando-se por seremprodutores de petróleo); boa partedos países padece de um malterrível: a corrupção generalizada;a maior parte dos cientistas eintelectuais africanos emigrou emdireção ao norte, única opçãopara a continuidade do seutrabalho; a infância e juventudeafricana parece fadada aoinsucesso, com as esperançasde futuro prematuramentecomprometidas; a desigualdadeentre gêneros atinge níveisalarmantes; doenças sob controleem outras partes do mundoreaparecem em África, geralmente

aproveitando-se da desnutrição e da ausência decampanhas de saúde pública, doenças mortais tornaram-se epidêmicas, como a Aids (estima-se que dois terçosdos seres humanos infectados encontram-se nocontinente africano); parte expressiva das liderançaspolíticas africanas demonstram um apego sem limitesao poder, centrando sua preocupação em encontrarfórmulas que lhes permitam perpetuar-se à frente doEstado � uma entidade virtual em alguns países africanos�, que por sua vez é geralmente apreendido como meiopara alavancar fortunas individuais e de pequenos grupospróximos ao dirigente. Assim, de fato, o contexto geralna África pode facilmente ser comparado às era das�trevas�, urgindo o renascimento.

Quando Thabo Mbeki começou a divulgar aidéia do renascimento africano, estava implícito emsua proposição que havia chegado a hora da África eque havia vários sinais de que o quadro tão desoladorestava sendo substituído. Segundo o próprio Mbeki, aidéia do renascimento africano não era nova, masdesde que foi formulado pela primeira vez nunca sereuniram condições objetivas para a sua concretização.Na última década do século, no entanto, essascondições estariam presentes. As mais importantes,segundo o presidente sul-africano, seriam: a) aliquidação total do colonialismo, com o fim do regimedo apartheid na África do Sul, b) a falência do modelo

* Professor do Departamento de História da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). Mestre e doutorando em História das RelaçõesInternacionais da Universidade de Brasília (UnB).

�Quando Thabo Mbekicomeçou a divulgar a idéiado renascimento africano,

estava implícito em suaproposição que havia

chegado a hora da África eque havia vários sinais de

que o quadro tãodesolador estava sendo

substituído.�

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neocolonial, c) o fim da guerra fria e, portanto, dasingerências externas no continente, pelo menos nosníveis em que existiram durante a maior parte dasegunda metade do século XX, e d) a aceleração doprocesso de globalização, que abre novas perspectivaspara a África.

Como conseqüência dessas transformações,haveria um claro indicativo para mudançassubstanciais no continente como um todo e quealguns princípios deveriam ser consolidados para aconcretização da renovação � e redenção �continental. Assim, a democracia é encarada, demaneira geral, como o pré-requisito fundamental. Masa idéia do renascimento comporta também outrosvalores, que seriam complementares ao princípiodemocrático, como por exemplo, o resgate dosdireitos humanos, a proteção ambiental e aconsolidação de sociedades livres do preconceito raciale sexual e das diferenças étnicas. No plano interno,pois, os governos africanos deveriam dar especialatenção ao bem-estar do cidadão e deveriam agirsempre com responsabilidade social e boa governança,resgatando a cidadania e a função social do Estado.

No plano externo, Mbeki lançou um apelo àcomunidade internacional, chamando a atenção parao fato de que o renascimento africano está vinculadocom o resgate dos valores humanos mais profundos,haja vista o grave quadro de exclusão social a que ospovos africanos estão sendo submetidos. Trata-se, pois,de um desafio lançado à comunidade internacional paraauxiliar as novas lideranças africanas a encontrarem umrumo para o continente. Nesse sentido, o que Mbekipede é que se proceda à revisão da dívida externa dospaíses do continente, que os países ricos voltem a investirna África e que eles elaborem políticas comerciais maisgenerosas, abrindo os seus mercados para os produtosprocedentes do continente, e que também se retome

os projetos de assistência tendo em vista odesenvolvimento da África.

Há, no entanto, plena consciência por partedas lideranças sul-africanas e, no caso, por parte dopresidente Thabo Mbeki, de que a comunidadeinternacional só se voltará para a África caso osafricanos consigam, por eles mesmos, estabeleceremcondições internas mínimas para o incremento dosinvestimentos e da ajuda internacional. Os paíseseuropeus, via de regra os maiores doadores de recursospara os países africanos, parece estarem chegandoao limite da tolerância com relação à sua contribuiçãoe ajuda aos africanos. A corrupção, as guerras, amalversação do dinheiro público, tudo isso colocasérios entraves para a manutenção dos esquemas decooperação e doação que vinham sendo praticados.

Hoje, além das transformações na economiainternacional, reestruturada sob o prisma doneoliberalismo e que demonstra requerer alto grau deespecialização e conhecimentos técnicos, pode-se dizerque o maior entrave para o renascimento africanoreside no plano interno dos países daquele continente.Apesar das expectativas surgidas no início da décadade 1990 com o fim do apartheid e, posteriormente,com o que prometia ser uma onda de democratizaçãono continente, com o fim da ditadura nigeriana, muitopouco se concretizou. Os limites das própriasiniciativas sul-africanas podem ser verificados nosúltimos acontecimentos no Zimbabwe, país vizinhoda África do Sul governado há vinte anos pelo regimede Robert Mugab, que vem sistematicamentedesrespeitando princípios fundamentais da política derenascimento africano: a democracia, os direitoshumanos e a ordem constitucional, fato que nãomereceu uma palavra sequer de repreensão de umdos maiores entusiastas do renascimento africano �justamente do presidente Thabo Mbeki.

O que é o IBRI

O Instituto Brasileiro de Relações Internacionais � IBRI, associação com finalidades culturais e sem fins lucrativos,tem a missão de promover a ampliação do debate acerca das relações internacionais contemporâneas e dosdesafios da inserção internacional do Brasil. Fundado em 1954 no Rio de Janeiro, onde atuou por quasequarenta anos, e reestruturado e reconstituído em Brasília em 1993, o IBRI desempenha desde as suas origensum importante papel na difusão dos temas atinentes às relações internacionais e à política exterior do Brasil.O IBRI atua em colaboração com instituições culturais e acadêmicas brasileiras e estrangeiras, incentivando arealização de estudos e pesquisas, organizando foros de discussão e reflexão, promovendo atividades deformação e atualização para o grande público (conferências, seminários e cursos), e mantendo programa depublicações, em cujo âmbito edita a Revista Brasileira de Política Internacional � RBPI.

Presidente de Honra: José Carlos Brandi AleixoDiretor Geral: José Flávio Sombra SaraivaDiretoria: Antônio Carlos Lessa, Jennifer Cristino Raposo, Luiz Fernando Ligiéro

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Sobre o futuro daglobalização muito já se disse. Dopossível surgimento de um estadoglobal ao estabelecimento depadrões de governabilidadeglobal, em que atores sociaisdesempenhariam papel maisrelevante; do fim do estadonacional a sua transformação emum �estado virtual�, responsávelapenas por regulamentar setoresespecíficos da economia,historicamente sob seus auspícios,de modo a atrair fluxos de capitale a garantir a segurança dapropriedade estabelecida nosterritórios sob sua jurisdição. Agora, fala-se danecessidade de competição entre instituições políticasno plano internacional como forma de fazer frente àcompetição entre agentes econômicos, cuja atuaçãojá ocorre em âmbito global, na esperança de que oequilíbrio idealizado por Smith possa fazer-se presentenão no mercado propriamente dito, mas no chamado�mercado político�. A idéia, não inteiramentedesprovida de sentido, fundamenta-se num idealpluralista de organização política. Em poucas palavras,supõe-se que, na medida em que se instale adesconcentração política da regulamentação dasatividades econômicas (financeiras e comerciais), osatores sociais terão mais e melhores alternativas paraveicular seus interesses, tornando real uma espéciede democracia representativa na esfera internacional.Como resultado, essa chamada a �institucionalizaçãoda irracionalidade dos mercados� tornaria possívelmaior representatividade dos excluídos do jogo daglobalização, combatendo, com as armas dacompetição política, os aspectos negativos dacompetição econômica.

Embora bem intencionada, tal proposta nãoencontra fundamento na realidade nem resiste a umaanálise mais rigorosa. Vamos aos argumentos. Oprimeiro, mais evidente, aponta para a necessidade

Poder e autoridade em tempos deglobalização

Antonio Jorge Ramalho da Rocha *

de se observar que as falhasinerentes aos mercados, a queusualmente os analistas se referemcom o conceito de �irracionalidadedos mercados�, são apenas umdado da realidade com o qualdevemos lidar fazendo uso darazão. Não existe propriamenteuma irracionalidade, mas apenasuma não-racionalidade nosmercados. Imaginar que aresultante das interações de atoresracionais produza um resultadoharmônico sempre, ou na maioriadas vezes, é tão ingênuo quantoimaginar que tal interação

produzirá resultados negativos com a mesmafreqüência. Ambas as atitudes são irresponsáveis epodem servir a justificar omissões que, no futuro,poderão implicar questionamentos de ordem moralbastante delicados. É preciso observar que, deixadosa si próprios, os mercados produzirão resultados quepodem não agradar às sociedades - e isso vale tantopara os mercados propriamente ditos como para os�mercados políticos�. Sua justaposição traria apenasresultantes de ordem diversa, provavelmente aindamais complexas, mas ainda resultantes.

Uma atitude mais responsável seria identificaras estruturas de incentivos em que ora interagemdiferentes agentes políticos e econômicos. Em seguida,caberia agir com vistas a concertar ações queengendrem uma estrutura regulatória conducente aproduzir o maior numero possível de virtudes públicasa partir dos vícios privados, na feliz definição, porMandeville, do dilema fundamental de que se ocupamos cientistas políticos. Ou, na imagem de Maquiavel,cabe identificar os locais onde se pode construir diques,e a natureza dos diques apropriados, a fim de controlara força das águas, exatamente por serem turbulentas.Não há mágica nisso. Não são apenas os processosnaturais que fogem ao controle humano e a experiênciarecomenda aprender com os erros do passado, a fim

* Professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). Mestre em Ciência Política pelo InstitutoUniversitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ e doutorando em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP).

�Trata-se, pois, de umasolução que passa pelo

campo moral; trata-se deconsolidar uma noção desociedade internacional,

em paralelo à dediferentes sistemas

internacionais, em que ospapéis sociais se definam

claramente.�

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de evitar que se repitam no presente. Exemplo já clássicodesse aprendizado, no plano econômico, foi acapacidade demonstrada pelas instituições de diferentespaises de evitar que a crise da bolsa de 1987 produzisseefeitos semelhantes aos da crise de 1929. Na mesmalinha, a intervenção no sistema internacional quandoda quebra do fundo Long Term Capital Management,em meio às crises do sistema financeiro internacionalnos últimos anos, constitui evidência de que hoje já épossível construir diques, embora imperfeitos, capazesde conter, parcialmente, a fúria das águas em que fluemcapitais, investimentos, expectativas de arrecadação deimpostos, de criação de empregos... Em suma, nãoapenas já se consegue controlar melhor os processoseconômicos internacionais, mas já é consenso, entreleigos e especialistas, a necessidade de que os governosvenham a fazê-lo, embora ainda não esteja claro deque maneira.

Isso nos leva, contudo, ao problema das falhasinerentes às instituições responsáveis por regular asatividades econômicas, políticas e sociais. Sim, porqueda mesma forma que existem falhas nos mercadostambém existem falhas nos estados e nas organizaçõespor eles constituídas. Nada garante que osresponsáveis por tais instituições serão virtuosos osuficiente para produzir estruturas de incentivoseficazes do ponto de vista da produção dos melhoresresultados possíveis para o conjunto dos atoresenvolvidos nesses processos, assim como nadagarante que alguém representará os interesses dosexcluídos. Mais que isso (e aqui vai um segundoargumento ressaltando a fragilidade da proposta dese institucionalizar a competição política comosolução para �o futuro da globalização�) apenas osatores que percebem benefícios superiores aos custosda ação coletiva tenderão a organizar-se paraparticipar dessas instituições globais. O argumento nãoé novo; Olson já demonstrou sua validade para osplanos doméstico e internacional. Antes dele, osteóricos das elites, em especial Michels, discutiram,de forma sofisticada, a tendência de cristalização dasposições relativas dos atores sociais, inerente àinstitucionalização de processos políticos. Cabeobservar que a participação nesses processos implicacustos, e a história na humanidade não nos autoriza aafirmar que a generosidade e o altruísmo caracterizamo comportamento da maioria das pessoas durante amaior parte do tempo. Nada faz supor que, porocorrerem no plano internacional, tais processos nãovirão a produzir resultados semelhantes aos queobservamos nos processos políticos domésticos.

Em resumo, a idéia de se institucionalizar acompetição política, per se, baseia-se em uma visãolimitada dos processos políticos, que coloca emevidência apenas os comportamentos interessadosdos atores envolvidos. Sua implementação nãogarante, sequer aponta, a tendência de criação deestruturas que transformem o ambiente internacionalem algo que permita maior inclusão dos atores sociaisdispersos no globo, menos ainda a dos que estão nasmargens do chamado processo de globalização. Asolução não passa pela produção de competiçãopolítica tout-court, mas pela reconstrução de processose de análises políticas, de modo a neles incluir nãoapenas explicações do mundo como ele é, mastambém indicações do mundo como ele deve ser.Trata-se de reconhecer que relações de poder e deautoridade constróem-se ao longo do tempo, eimplicam o estabelecimento de responsabilidadesmútuas. Conduzir o sistema econômico internacionala produzir resultados �racionais� (leia-se, estabilidade,crescimento e distribuição de riqueza percebida comorelativamente justa) com mais freqüência do queproduz crises implica estabelecer sistemas regulatórioseficazes. Tais sistemas fazem com que a interação deindivíduos racionais resulte em processos previsíveis,razoavelmente aceitáveis por todos os participantesnesses simultâneos jogos de poder. Por sua vez, issorequer a legitimidade dos reguladores, como ficouevidente em Seattle.

Trata-se, pois, de uma solução que passa pelocampo moral; trata-se de consolidar uma noção desociedade internacional, em paralelo à de diferentessistemas internacionais, em que os papéis sociais sedefinam claramente; uma sociedade, emboraincipiente, respaldada por uma noção de justiça aceitapelos indivíduos que a constituem. Uma sociedade quecertamente se estabelecerá por meio dos estadosnacionais, atualmente responsáveis por negociar talsistema de regras. Afinal, apenas com tais parâmetrosserá possível avaliar eficiência das autoridades,nacionais ou internacionais, ao regular as relaçõeseconômicas internacionais. Não por acaso, o velhomestre florentino, famoso por sua análise dosprocessos políticos fundamentais e por sugerir aoPríncipe a melhor maneira de agir para alcançar seusobjetivos políticos, dedicou ainda maior atenção àanalise das instituições políticas, tais como as de Roma.Sua tese era a de que apenas boas instituições seriamcapazes de perpetuar a virtude por ventura criada pelainteração dos homens em sociedade. Uma tese aindaa ser vivenciada no plano internacional.

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Já se tornou praticamenteum consenso, no debate políticonacional, descrever como �neoli-berais� as políticas seguidas nosúltimos dez anos pelos diferentesgovernos que comandaram o Brasil.A política de abertura da economia� ou �liberalização comercial� �,juntamente com a de privatização,constitui uma das principaisreferências usadas para justificar estacaracterização. A pergunta queproponho desenvolver neste artigo,expressa em seu título, visa colocarem cheque as visões apressadas do processo de aberturacomercial seguido pelo país, assim como discutirsucintamente a validade das interpretações queconsideram a economia brasileira uma economiaaberta.

Abertura abrupta e sem critérios? A maiorparte dos críticos da abertura comercial brasileira nãodesenvolveu estudos aprofundados para sustentar suasafirmações de que tal processo se fez com muitarapidez, sem critérios, sem consultas ao setor privado edesprezando a �baixa competitividade� das empresasbrasileiras.

Ao contrário do que dizem os críticos, noentanto, cabe lembrar que:

(i) o processo de abertura foi iniciado em 1986(e não em 1991), quando a então Comissão de PolíticaAduaneira, do Ministério da Fazenda, começou aelaborar a primeira reforma tarifária � finalmentelançada em maio de 1988 (Decreto-Lei 2434/88);

(ii) tanto no caso da reforma tarifária de 1988,quanto no da definição do cronograma de abertura(1990-93), os representantes do Ministério da Fazendadiscutiram os critérios da liberalização � por exemplo,que seria preferível: liberalizar gradualmente; mantertarifas diferenciadas entre os setores; iniciar a aberturapelos setores de bens de capital e intermediários, parasó em seguida liberalizar os bens finais; entre outros -,assim como o ritmo de reduções tarifárias com cadaum dos setores econômicos. Por fim,

(iii) o efeito da abertura comercial sobre asempresas estabelecidas no país foi indiscutivelmentepositivo, tanto em razão de ter �forçado� um aumentode sua eficiência, medido pelos ganhos de produtividaderegistrados desde 1991, quanto por ter provocado umprocesso de �desconcentração industrial�, isto é, por terpromovido o deslocamento das empresas do centro-sul

Brasil, Economia Aberta?Carlos Roberto Pio da Costa Filho *

sobretudo para as regiões sul enordeste.

Assim, cabe ressaltar que,em razão da abertura comercial,nenhum setor econômico desa-pareceu. Todos tiveram que cortarcustos e modernizar suas plantasprodutivas; muitos tiveram querealocar seus negócios, masninguém foi banido da economia.O país inteiro lucrou com a quebrado protecionismo indiscriminado,ainda mais porque a liberalizaçãofoi central para a derrubada da

inflação e para atrair empresas estrangeiras maisdinâmicas.

Brasil, economia aberta? Expostas as razõesque me levam a questionar as interpretações apressadasdo processo de abertura comercial brasileira, dasdécadas de 1980 e 1990, passo agora a meu segundopropósito neste artigo. É válido afirmar que aliberalização comercial transformou a economiabrasileira de uma das mais fechadas do mundo, nosanos 1960-80, numa economia aberta, segundopadrões internacionais? A resposta é negativa.

Recentemente, a revista The Economist,publicou um índice para medir o grau de aberturados principais mercados emergentes � chamado�Emerging Market Access Index�. Este índice, elaboradopela Tuck School of Business, da Dartmouth University,é apenas uma referência, mas serve bem aos propósitosde nossa discussão. Pois bem, dos 38 países listadospelo semanário londrino, o Brasil ficou na trigésimaprimeira posição(!), muito atrás do Chile (segundo doranking), do Peru (quinto), da Venezuela (nono), doMéxico (décimo-quinto), da Argentina (décimo-oitavo),e da Colômbia (décimo-nono), para ficar apenas comnossos vizinhos continentais. No ranking dos mercadosemergentes, somos mais abertos apenas que a Malásia,a Ucrânia, o Equador, a Índia, a Arábia Saudita, aChina, e o Uzbequistão.

Não pretendo argumentar, aqui, que seria idealque o Brasil estivesse no topo do ranking, ao lado deSingapura, Chile e Hong-Kong. Afinal, a complexidadee a dimensão de nossa economia representamobstáculos naturais a que mantenhamos uma estruturade proteção muito liberal. O que se trata, na verdade,é apenas desmistificar a visão, corrente no país, de quea nossa é uma economia aberta e desprovida deproteção em relação aos produtos estrangeiros.

* Professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). Mestre e doutorando em Ciência Política doInstituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ.

�No ranking dosmercados emergentes,

somos mais abertosapenas que a Malásia, a

Ucrânia, o Equador, aÍndia, a Arábia Saudita,

a China, e oUzbequistão.�

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Na Ásia-Pacífico, de acordo com a maioria dasanálises disponíveis, estariam em curso processos que,com base em suposto consenso regional � mas, naprática, gerados em centros situados fora da área �viriam a permitir a edificação de estruturas políticas eeconômicas, moldadas segundo parâmetros ocidentaise que chegariam tanto a assegurar o crescimentosustentado da área, quanto a mantê-la vinculada anormas de livre mercado e democracia liberal.Nota-se, no entanto, que há também uma dinâmicamuito mais rica, que, a partir deuma acelerada integraçãoeconômica, faz surgir agenda depreocupações próprias quebusca solucionar questões desegurança, transformaçõessociais, culturais e políticas.

Nessa perspectiva, paramelhor relação de empatia comos desenvolvimentos destaárea, seria necessário procurarconhecer melhor as tendênciase paradigmas que estãoamadurecendo, na medida emque estas sociedades encaramo desafio de criar, em nívelregional, um marco de referência que permita revertero fenômeno avassalador da globalização, quereorganiza o sistema político e econômico mundial,aprofundando a internacionalização da produção,impondo uma cultura uniforme com traços ocidentaise determinando as formas de inserção das distintasregiões do planeta.

Novas modalidades de paz estão sendocriadas, por exemplo, em oposição às estruturas deconfrontação existentes durante o período debipolaridade mundial. Surgem, assim, articulaçõescomplexas, a incluir atores regionais e externos,conexões entre economias, setores financeiros esistemas de valores. O conceito de segurança regional,que ora se discute, leva em conta noção de ameaçasmais abrangentes, que inclui não apenas a agressãomilitar, mas também limitações impostas nos setoreseconômico, científico-tecnológico, político e cultural.Nota-se, também, tendência à multilaterização, como

Ásia-Pacífico – Dinâmica Própria eFortalecimento da Cidadania

Paulo Antônio Pereira Pinto *

foro de coordenação dos fatores de segurançaregional, a exemplo do debate anual estabelecido, apartir da criação do �ASEAN Regional Forum �.

Verifica-se, ademais, que o interesse acadêmicoquanto à evolução dos regimes políticos na Ásia-Pacíficointensificou-se, desde o término da guerra fria.Recentemente, novas perguntas têm sido formuladas,entre estas, a que diz respeito à possibilidade de ofenômeno universal da falência do autoritarismo vir aproduzir o mesmo tipo de padrões democráticos, nos

termos aceitos pelo Ocidente,no continente asiático, ondeexperiências históricas, muitasvezes milenares, provocaram aemergência de formaçõessociais organizadas de formasbastante originais. Na mesmaperspectiva, coloca-se o debatequanto ao desenvolvimento dosistema capitalista e das práticasde economia de mercado empaíses, até recentemente, deacelerado crescimento, ondepersonalidades fortes oupartidos políticos com longapermanência no poder, levaram

o Estado a desempenhar papel preponderante nofuncionamento das forças de mercado.

Quando se analisa a integração econômica daárea, cabe questionar, da mesma forma, se esteprocesso em curso acontecerá, inevitavelmente,através da réplica aqui das normas de economia demercado e de governança nos moldes anglo-saxões,decorrentes da expansão do �production sharing�, dalivre circulação dos atores econômicos globais e damundialização de valores de organização políticavigentes no Ocidente. A alternativa a ser examinadaseria a possibilidade de vir a prevalecer o somatóriode interesses compartilhados por diferentes �redes�asiáticas - formada cada uma por chineses, indianos,malaios, japoneses e outros - que, após a consolidaçãodesse processo de �convergência de civilizações�,gradativamente, negociariam uma agenda comumcom os norte-americanos e, em seguida, com outraspartes do mundo.

* Diplomata. As opiniões veiculadas nesse artigo não refletem o ponto de vista do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.

�A maioria das informaçõesdisponíveis sobre a Ásia-Pacífico,no entanto, reitera-se, são comfreqüência acompanhadas porincertezas quanto ao futuro da

área, relacionadasprincipalmente com o papel

nela a ser desempenhado peloschineses.�

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Nesse contexto, cumpre ressaltar o papel deforça motora desempenhado pelos chineses deultramar, espalhados pela Ásia-Pacífico. Graças a estesatores econômicos, criaram-se marcos de referência,incluindo valores, idéias, crenças, consolidadas atravésde uma história compartilhada, numa geografiadeterminada. Laços foram estabelecidos, assim, a partirdo fato de falarem o mesmo dialeto, pertencerem àmesma família ou serem originários de um únicopovoado, província ou região. A relação de confiança,que tais condições conferem a transações comerciaise financeiras nesta parte do mundo, supera acapacidade de coerção ditada por muitos diplomaslegais no Ocidente.

Ocorre, assim, a emergência de uma áreaeconômica de interesses recíprocos e de megaproporções, que exercerá influência determinante noritmo de integração e cooperação de uma �GrandeChina� que, segundo alguns , poderá, futuramente, incluirnão apenas Hong Kong, Macau e Taiwan, mas, também,os �overseas Chinese�, situados em países vizinhos.

A maioria das informações disponíveis sobre aÁsia-Pacífico, no entanto, reitera-se, são com freqüênciaacompanhadas por incertezas quanto ao futuro daárea, relacionadas principalmente com o papel nela aser desempenhado pelos chineses. Assim, identificam-se ameaças à estabilidade interna e de fragmentação,daquele país, na medida em que novas forças políticasemergentes poderiam contestar o poder centralizadordo Partido Comunista.. Há referências freqüentes,também, à ameaça de expansionismo da RPC para oequilíbrio regional. Paralelamente, são formuladasexpectativas excessivamente otimistas relativas àpossibilidade de que a China venha a ser, a curto prazo,

o próximo poder econômico mundial, bem como apotência militar capaz de rivalizar com os EstadosUnidos da América.

Ressente-se, contudo, da escassez de estudosprospectivos, que levem em conta uma visão daintegração de fatores culturais, políticos, econômicose de segurança, que viesse a constituir um projeto daÁsia-Pacífico para o milênio. Tratar-se-ia, em suma,de buscar, por um lado, identificar a dinâmica regionalque se desenrola, sem que seja imposta por estruturasde poder geradas no Ocidente ou por agenda depreocupações externas, mas, sim, ditada por valoresinternos.

Por outro, cabe observar a questão central daparticipação do cidadão desta parte do mundo, noesforço diário de perceber a sociedade a que pertencecomo uma parte da proteção de suas aspirações einteresses individuais e coletivos. Isto é, para aobtenção do progresso desta área, será necessário oestabelecimento de moldura estável, que leve emconta articulações entre grupos étnicos com passadohistórico, obrigações morais e deveres comuns.

Nessa perspectiva, em colunas seguintes,procurar-se-á analisar, através do acompanhamentocotidiano que o posto de observação em Taipéproporciona., desenvolvimentos como oressurgimento da influência político-cultural chinesa,como fator de estabilidade no Sudeste Asiático. Damesma forma, serão acompanhados temas como osda questão de Taiwan e assuntos do Timor Leste, porexemplo, na medida em que, nesses territórios,legitima-se algo parecido com o que seria possívelchamar de sociedade civil, com o fortalecimento deuma noção de cidadania.

Meridiano 47Boletim de Análise de Conjuntura em Relações Internacionais

ISSN 1518-1219

Editor: Antonio Jorge R. da RochaEditor-adjunto: Antônio Carlos Lessa

Redação: [email protected]

Conselho Editorial:Alcides Costa Vaz, Amado Luiz Cervo, Estevão R. Martins, Francisco Doratioto,José Flávio S. Saraiva, Luiz Fernando Ligiéro

Diagramação e Editoração Eletrônica: Samuel Tabosa de Castro � 9956-1028

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