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III Congreso Latinoamericano de Historia Económica y XXIII Jornadas de Historia Económica
Simposio 19: La Gestión de las Finanzas Públicas en el siglo XX:
Abordajes desde un Enfoque de Largo Plazo
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AS POLÍTICAS ECONÔMICAS EM KEYNES: REFLEXÕES PARA A
ECONOMIA BRASILEIRA NO PERÍODO 1995 - 2011
Fábio Henrique Bittes Terra1
Instituto de Economia – Universidade Federal de Uberlândia
Fernando Ferrari Filho Faculdade de Ciências Econômicas – Universidade Federal de Uberlândia e Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
1. Introdução
A teoria econômica de John Maynard Keynes propõe uma deliberada atuação do
Estado na economia com o objetivo de prevenir crises de demanda efetiva inerentes à
dinâmica de economias monetárias. Entretanto, Keynes, em sua mais influente obra, qual seja,
The General Theory of Emplyment, Money and Interest (doravante GT), explora
marginalmente quais seriam as características da política econômica para concretizar a ação
estatal, salvas algumas poucas passagens concentradas, basicamente, no último capítulo do
referido Livro.
A partir dos anos 1970, esforços foram dedicados ao resgate das prescrições de
política econômica nas obras de Keynes, como se pode ver em Davidson (1972; 1982),
Minsky (1982, 1986), Kregel (1985; 1994-5) e Carvalho (1992), entre outros. Isso ocorreu em
função da interpretação equivocada, por parte do mainstream, das proposições keynesianas de
política econômica, inadvertidamente confundidas com políticas de easy money e de
desequilíbrios orçamentários. Nesse particular, a recuperação das proposições keynesianas
destina-se a mostrar que as políticas econômicas de Keynes buscam a expansão da demanda
efetiva e o pleno emprego sem negligenciar, contudo, a estabilidade monetária e os equilíbrios
orçamentário e externo.
Neste contexto, o presente artigo objetiva, inicialmente, resgatar e apresentar as
prescrições de política econômica de Keynes, enfocando as políticas monetária, fiscal e
1
O apoio financeiro da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) é
reconhecido com gratidão.
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cambial. Uma vez apresentadas as referidas políticas, faz-se uma breve reflexão sobre a
condução das políticas econômicas no Brasil, após a introdução do Plano Real, em julho de
1994, e, mais especificamente, no período pós-crise financeira internacional, 2007/2008. A
ideia central do artigo, portanto, consiste em analisar a economia brasileira ao longo desse
período a partir da lógica da política econômica keynesiana.
Para tanto, o artigo está estruturado em três seções, além desta introdução. Na seção
que se segue, apresentam-se as políticas monetária, fiscal e cambial na perspectiva
keynesiana. Na seção 3, analisam-se a partir do referencial teórico desenvolvido na seção 2, as
políticas econômicas pós-Real, inclusive aquelas implementadas durante a crise financeira
internacional. Por fim, na seção 4, são apresentadas as considerações finais do artigo.
2. As políticas monetária, fiscal e cambial em Keynes
Como se sabe, Keynes define as economias capitalistas como economias
empresariais ou economias monetárias de produção. A característica essencial de uma
economia monetária é que a moeda não é apenas um meio de troca, mas é um ativo capaz de
resguardar as alterações nas expectativas dos agentes em termos de “mudanças de pontos de
vista sobre o futuro” (Keynes, 1964: 4), pois reserva poder de comando sobre a riqueza social
ao longo do tempo, possuindo liquidez máxima para saldar tanto transações à vista quanto
contratos para pagamentos futuros. A depender da forma pela qual a preferência pela liquidez
(ou seja, a demanda por moeda) dos empresários for condicionada pelas expectativas deles
sobre o futuro, induzir-se-ão “movimentos de substituição das formas de riqueza, aumentando
ou diminuindo a demanda por ativos reprodutíveis e, assim, aumentando ou diminuindo a
renda gerada na produção de novos itens” (Carvalho, 1994: 47).
Para suavizar o ritmo das “mudanças de pontos de vista sobre o futuro”, por parte
daqueles que possuem capacidade de comando sobre a atividade econômica, ou seja, os
empresários, Keynes propôs uma nova filosofia social para resolver “os principais problemas
da sociedade econômica em que vivemos [...] [quais sejam] sua incapacidade para
proporcionar o pleno emprego e a sua arbitrária distribuição de renda” (1964: 372). Para
tanto, Keynes pretendia que
[o] Estado deverá exercer uma influência orientadora sobre a propensão a consumir,
seja através de seu sistema de tributação, seja, em parte, por meio da fixação da taxa
de juros e, em parte, talvez, recorrendo a outras medidas [...] Eu entendo, portanto,
que uma socialização algo ampla dos investimentos será o único meio de assegurar
uma situação aproximada de pleno emprego (1964: 378, itálicos adicionados).
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A orientação estatal proposta por Keynes baseia-se tanto na construção de um
arcabouço institucional favorável aos negócios privados, como apontam Ferrari Filho e
Conceição (2005), quanto, e principalmente, pela operacionalização de políticas econômicas
que corroborassem para mitigar as incertezas pertinentes às expectativas empresariais acerca
de suas tomadas de decisão de gastos de investimento. Conforme define Carvalho (2008), a
política econômica keynesiana se caracteriza por um princípio de mobilização. Ela objetiva
impulsionar, sobretudo, os estoques de recursos que se desviam da demanda efetiva e, logo,
da realização das expectativas dos empresários, agentes dos quais dependem o emprego e o
aumento da riqueza na sociedade.
Pois bem, no que concerne às políticas econômicas em Keynes, à política monetária
caberia realizar, por meio da administração da taxa de juros da economia, o alinhamento dos
preços relativos dos ativos passíveis de investimento no sistema econômico. Keynes (1964:
225-226) argumenta que todos os ativos possuem intrinsecamente uma taxa de juros,
equivalente à sua taxa de retorno. Nesse cenário, pela comparação entre os diversos ativos e
suas remunerações, os agentes podem destinar recursos – caso lhes seja mais vantajoso, em
termos de liquidez, custo de carregamento e quase-renda – à circulação financeira, que não
expande diretamente a atividade econômica. Cabe à taxa de juros básica da Autoridade
Monetária (de agora em diante, AM) evitar que o desvio de recursos da circulação industrial
ocorra além do necessário à manutenção da estabilidade monetária.
Para tanto, os juros básicos devem ser mantidos em pleno conhecimento público e
em um patamar considerado normal, conforme o hábito dos agentes. Como aponta Carvalho
(1999: 275) “as pessoas formam uma expectativa da taxa de juros normal e esperam que as
taxas atuais gravitem ao seu redor”. Como há um desconhecimento do futuro, a taxa de juros
não pode se transformar em alvo de especulação, o que tornaria volátil o investimento
produtivo. Decorre disso, a necessária estabilidade na trajetória de operacionalização dos
juros da política monetária.
Carvalho (1994) chama a atenção para uma ilustração representativa de como a
política monetária atua na determinação da composição de portfólio dos agentes. Segundo o
autor (1994: 43-44),
[assim] se constrói a pirâmide invertida que caracteriza a visão keynesiana da
relação entre a moeda e os demais ativos financeiros [...] No vértice está a moeda
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legal, e sobre esse vértice se apóiam os outros ativos, em camadas sucessivas,
definida cada uma pelos arranjos institucionais que estabelecem as regras de
conversibilidade entre os grupos [...] e pela relação entre as taxas de retorno obtidas
em cada coleção de ativos
Em função de os mecanismos de transmissão da política monetária sobre a demanda
efetiva dependerem do modo pelo qual a preferência pela liquidez dos agentes é afetada pelas
modificações nas taxas de juros dos diversos ativos, os efeitos da política monetária sobre a
demanda efetiva são mais incertos, o que não quer dizer que não sejam importantes e
requeridos. A política monetária impacta, inicialmente, as condições de liquidez do mercado
monetário para, em seguida, motivar diferentes decisões nos agentes. Dessa maneira, caso o
interesse do Estado seja promover a ampliação do volume de capital da sociedade, é cabível a
redução da taxa de juros para estimular investimentos produtivos2. Porém, há momentos em
que a política monetária pode pouco contribuir para a estabilização dos ciclos dinâmicos das
economias monetárias. A limitação da política monetária em induzir expansões na demanda
efetiva se expressa quando a incerteza leva os agentes, sejam consumidores, sejam
investidores, a preferirem reter moeda, independentemente do nível de juros estipulado pela
AM. Nesse cenário, comum em momentos de crise econômica, vigora a armadilha da
liquidez que faz com que a função reserva de valor da moeda torne-se o objeto de desejo dos
agentes. Por atuar de modo indireto sobre o sistema econômico, podendo, em algumas
ocasiões, pouco impactar sobre a preferência pela liquidez dos agentes e sobre a demanda
efetiva, Keynes (1980a: 350) argumenta que
[n]ão é muito correto que eu confira importância primaz à taxa de juros. Confiro
importância primaz à escala de investimento e me interesso na taxa de juros como
um dos elementos para se alcançar isto. Mas, devo considerar a intervenção estatal
como encorajadora de investimento um fator mais importante.
Logo, a intervenção estatal para Keynes apresenta-se, principalmente, na forma de
política fiscal, que é, por um lado, a administração de gastos públicos – algo completamente
diferente de déficit público – e, por outro lado, a política de tributação. Essa última política
objetiva permitir que políticas de rendas sejam realizadas e, sobretudo, busca viabilizar as
2
Ademais, a taxa de juros em patamar compatível com a eliminação da escassez de capital significa
ainda a eutanásia do rentier, classe que não é remunerada pelos seus “riscos e o exercício da habilidade e do
julgamento”, mas por “explorar o valor da escassez do capital” (Keynes, 1964: 375-376).
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fontes de recursos para o financiamento da política de gastos públicos, que, na perspectiva
original de Keynes, centra-se na constituição de dois orçamentos: o corrente e o de capital3.
O orçamento corrente diz respeito ao fundo de recursos necessários ao fornecimento
dos serviços públicos à população, tais como saúde pública, educação, infraestrutura urbana,
defesa nacional e previdência social. Para Keynes (1980a), o orçamento corrente deveria ser
sempre superavitário ou, no limite, equilibrado. A título de ilustração de sua preocupação com
o equilíbrio orçamentário, Keynes (1980a: 204-205) argumenta que, no bojo dos debates que
se travaram na Inglaterra sobre o sistema de Seguridade Social que deveria ser construído
após a Segunda Guerra Mundial4, as pensões a serem pagas “constituir-se-iam em um severo
fardo, ao ser necessário pagar pensões para as quais não havia fundos acumulados e,
simultaneamente, acumular fundos para pensões futuras”.
A necessidade de inibição de déficits públicos no orçamento corrente deriva das
consequências deles sobre uma economia monetária, entre as quais, destacam-se: (i) a criação
de dívidas de “peso morto”, isto é, dívidas para as quais nenhum serviço lucrativo foi
constituído em contrapartida para equilibrar seu pagamento futuro; (ii) a pressão sobre a taxa
de juros da economia, em função da demanda por recursos privados para financiar os saldos
deficitários do setor público; e, (iii) o risco de, a depender do ritmo de crescimento e do perfil
do endividamento vis-à-vis o crescimento econômico e o aumento das receitas públicas, o
Estado ficar refém de criar dívida nova para pagar dívida velha. Nesse contexto, Keynes
(1980a: 278) aponta que
[é] provável que o montante de superávit flutue de ano a ano para os casos usuais.
Mas, eu não devo objetivar alcançar a compensação das flutuações cíclicas do
sistema econômico por meio do orçamento corrente. Eu devo deixar esta tarefa ao
orçamento de capital.
O orçamento de capital é aquele em que se discriminam as despesas públicas
referentes a investimentos produtivos do Estado para a manutenção da estabilidade no sistema
econômico. Ou seja, esses investimentos devem ser realizados com objetivos claros de
regulação do ciclo econômico. O orçamento de capital pode ser deficitário, desde que os
3 Encontram-se no Capítulo 5 do volume XXVII dos Collected Writings of John Maynard Keynes,
denominado Employment Policy, as descrições de Keynes sobre a política orçamentária. Elas foram debatidas
com diversos interlocutores, no ensejo dos problemas que a Inglaterra enfrentaria no pós-Segunda Guerra
Mundial, entre os quais o fim do pleno emprego. Para mais, veja: Keynes (1980a). 4 As discussões se travaram no Comitê Inter-Departamental para a Seguridade Social, iniciado em junho
de 1941, e se centraram, principalmente, entre Keynes e William Beveridge, chairman do referido Comitê. Para
mais, veja: Keynes (1980a: Capítulo 4).
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superávits obtidos no orçamento corrente o financiem. Dessa forma, a dívida por ventura
construída pelo déficit no orçamento de capital seria relacionada não a atividades estatais de
tomada de empréstimos nos mercados financeiros, mas a “atividades produtivas ou semi-
produtivas que substituirão gradualmente a dívida de peso morto” (Keynes, 1980a: 277).
Portanto, diferente do que o analista desavisado tem em mente, a política fiscal de
gasto público keynesiana não tem caráter de instrumento de última instância. Nesse
particular, a estabilização automática, de acordo com Keynes (1980a: 322), é “um programa
de longo prazo [de investimentos públicos] que seja capaz de reduzir a amplitude potencial de
flutuação para limites muito mais estreitos”. Seguindo o argumento do autor, a principal
tarefa do estabilizador automático seria o de prevenir largas flutuações dinâmicas através de
um programa estável e contínuo de investimentos de longo prazo. Não seria sua função
socorrer um pico ou um vale da trajetória do sistema econômico, mas, sim, evitar que picos
ou vales venham a ocorrer.
Uma vez estabelecido um programa de longo prazo de investimentos públicos, as
flutuações que se apresentarem no curto prazo podem ser contornáveis, seja por meio da
antecipação de algumas medidas futuras, haja vista o surgimento dos primeiros sintomas de
insuficiência de demanda efetiva, seja pelo postergar de algum projeto de investimento do
orçamento de capital, porquanto se percebam quaisquer sinais de excesso de demanda
agregada. Logo, a administração do orçamento de capital keynesiano não busca apenas a
promover fases de expansão, mas deve ser requisitada, inclusive, para evitarem-se episódios
de excesso de demanda agregada. Como aponta Keynes (apud Szmrecsányi, 1984: 194),
[d]ecorre, então, que a maior quantidade de dinheiro, disponível para gasto, nos
bolsos dos consumidores vai se deparar com uma quantidade de bens que não é
aumentada [Assim] [...] o consumidor voltaria para casa com dinheiro a lhe queimar
os bolsos [...] [de forma que] é preciso arranjar alguns meios de retirar do mercado
o poder aquisitivo; senão os preços deverão subir [...] ou seja, prevalecerá o método
de inflação.
A possibilidade de equilíbrio do saldo do orçamento de capital no longo prazo torna
mais racional e viável o orçamento público em sua totalidade, fomentando ao longo do tempo
a construção de superávits e, por conseguinte, poupança pública, em ambas as partes do
orçamento keynesiano. Torna-se, assim, ainda mais distante a incursão em déficits
orçamentários que, conforme ratifica Keynes (1980a: 352), advirá se “o volume de
investimentos planejados falhar na produção do equilíbrio”. Nessas condições, e somente
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nelas, “[o] equilíbrio [orçamentário] poderá ser encontrado por meio do desequilíbrio [...] do
orçamento corrente”. Não obstante, para não restarem dúvidas quanto a sua intenção ao
prescrever modos de funcionamento à política fiscal, Keynes argumenta que “então,
decididamente [...] [não se deve permitir] que se confunda a ideia fundamental do orçamento
de capital com o particular – e um tanto quanto desesperado – expediente do déficit” (1980a:
353-354).
O papel fundamental destinado ao gasto com o investimento vis-à-vis o gasto em
consumo, em termos da dinâmica da demanda agregada em uma perspectiva keynesiana,
concentra-se, em especial, sobre dois aspectos. Primeiramente, o estoque acumulado de
riqueza na sociedade depende essencialmente das decisões de investimento, pois essas
decisões mobilizam recursos ociosos na forma de máquinas, equipamentos e, principalmente,
de trabalho humano. Na medida em que o estoque de capital de um sistema econômico não
tenha alcançado sua saturação, há espaço para o emprego de mais fatores produtivos, no
intento de ser criar mais riqueza. Em segundo lugar, conforme Carvalho (2008), o aumento
inicial da riqueza, devido à passagem de recursos de um indivíduo para outros no ato de
investir, é capaz de gerar um circuito de gastos e, então, novos aumentos de renda por meio
do efeito multiplicador.
Ademais, o orçamento de capital deve constituir investimentos públicos
complementares aos investimentos da iniciativa privada5 (Carvalho, 1999). Deve-se promover
a complementaridade entres as iniciativas privada e pública sendo que essas últimas, par
excellence, devem funcionar como indutoras das primeiras e, assim, como estabilizadoras das
flutuações cíclicas do sistema econômico. Não é demais salientar que as expectativas dos
agentes são o fator desestabilizador do sistema e que, portanto, é sobre elas que atuará a
política fiscal de gasto com investimento. Tão claro deve ser isso que Keynes elabora a noção
de orçamento de capital para que o investidor produtivo tenha, compromissada consigo, a
atuação estatal.
Em suma, em um mundo incerto, no qual agentes arriscam sua possibilidade de
comando sobre a riqueza social a fim de conseguirem mais desse poder no futuro, a política
fiscal deve ser aquilo de mais sólido com que a iniciativa privada tem contato. Nessa direção,
5 Cabe ainda apontar que os investimentos do orçamento de capital devem estar relacionados a inversões
tecnicamente sociais, que são aquelas “decisões que não são feitas por outros se o Estado não as fizer” (Kregel,
1985: 37).
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argumenta Minsky (1986: 6), “se o mecanismo de mercado tiver que funcionar bem, nós
devemos nos arranjar para constranger a incerteza devida aos ciclos de negócios, para que as
expectativas que guiam os investimentos possam refletir a visão de um progresso tranquilo”.
No que diz respeito à política cambial, as proposições de Keynes direcionam-se para
a articulação de um regime de taxa de câmbio administrada que objetiva assegurar tanto o
equilíbrio externo quanto a estabilidade dos preços. Em sua International Clearing Union,
Keynes (1980b) deixa clara essa ideia ao sinalizar que um dos objetivos de um arranjo
cambial fixo, mas alterável em conformidade com as circunstâncias, deveria ser o de reduzir
as incertezas sobre os preços futuros dos ativos e dos bens tradeables quando os agentes
econômicos fossem tomar decisões de fechamento de contratos de câmbio (Ferrari Filho,
2006: Capítulo 3).
Ademais, Keynes preocupou-se em enfatizar que a dinâmica externa de economias
monetárias não poderia prescindir de instrumentos que viabilizassem simetrias entre as
relações comerciais e financeiras dos países. Nesse sentido, Keynes propôs a criação de um
international market maker que deveria (i) emitir uma moeda de aceitação universal, (ii)
assegurar as condições para que os desequilíbrios comerciais fossem automaticamente
compensados de forma que os países deficitários não ficassem reféns da necessidade de
atração de capitais para financiar seus balanços de pagamentos, (iii) sinalizar as regras de
administração cambial e (iv) instituir mecanismos de controle de capitais.
Explorando três dos quatro objetivos a serem buscados pelo international market
maker, a compensação automática dos desequilíbrios comerciais, a vigência de um câmbio
administrado e a adoção de controle de capitais cumprem dois papeis fundamentais para
Keynes, quais sejam, por um lado, tornam menos incertas as expectativas empresariais. Por
outro lado, sinalizam maior liberdade à política monetária tanto por dificultarem efeitos pass-
through da taxa de câmbio para os preços domésticos quanto por possibilitarem que a taxa de
juros não seja a todo tempo utilizada para atrair capitais externos especulativos6. Em suma, a
política cambial em Keynes pretende estabelecer, de forma intertemporal, o equilíbrio das
contas externas e a maior autonomia possível da política monetária – a qual, assim, pode se
dedicar à estabilização automática do ciclo.
6 Não é por menos que Keynes (apud Szmrecsányi, 1984: 203) afirma que “[n]ão podemos ter esperança
de controlar as taxas internas de juros, se os movimentos de recursos de capital para fora do país forem
ilimitados”.
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Como aponta Marcuzzo (2005: 2), a teoria de Keynes é um anúncio daquilo que
precisa ser realizado para que “sustente-se o nível de investimento [...] mas isso deve ser
interpretado mais no sentido de estabilizar a confiança dos negócios do que um plano para
obras públicas financiadas por lançamento de dívida”. Isso, porque, de acordo com Marcuzzo
(2005: 2)
[a] confiança [de Keynes] na socialização dos investimentos ao invés de em uma
política fiscal objetivando a suavização dos níveis de consumo ao longo do ciclo de
negócios mostra seu interesse sobre o tamanho do déficit; e, a importância atribuída
aos incentivos dados ao mercado para alcançar-se o nível desejado de emprego.
Evidencia-se, enfim, que a política econômica keynesiana, tanto em sua concepção
quanto em sua operacionalização, pretende a manutenção dos níveis de demanda efetiva. O
fim esperado por Keynes pela coordenação das economias monetárias é mitigar as
possibilidades de existência de um contínuo desemprego involuntário, por meio da
estabilização das expectativas empresariais. Tendo essa ideia em mente, na próxima seção
faz-se uma análise da condução das políticas econômicas no Brasil ao longo do período pós-
Real.
3. Considerações sobre a política econômica pós-Real sob uma perspectiva keynesiana
3.1 A lógica do Plano Real e a operacionalização das políticas monetária, fiscal e cambial
O Plano Real foi articulado com base na mesma lógica dos programas de
estabilização econômica implementados nos países em desenvolvimento, em especial nos
países latino-americanos, no início dos anos 1990, baseados na instituição de uma âncora
cambial, reforma do setor público e liberalização econômica. A experiência com os
programas de estabilização econômica alicerçados na referida lógica acabou mostrando
desdobramentos, quase sempre, com a seguinte sequência: (i) no primeiro momento, ocorre
uma queda abrupta da taxa de inflação acompanhada por uma sobreapreciação da taxa de
câmbio7; (ii) com a estabilidade da taxa de câmbio nominal e a queda da inflação doméstica
vis-à-vis a internacional, a taxa real de câmbio aprecia-se, levando os saldos da balança
comercial a deterioram-se, contribuindo, assim, para déficits de transações correntes do
balanço de pagamentos; (iii) tais desequilíbrios passam a ser financiados pela entrada de
7 Uma dependência por fluxos de capitais internacionais causa, entre outros problemas, a apreciação da
taxa real de câmbio. Assim sendo, na ausência de outros mecanismos compensatórios, o crescimento dos
desequilíbrios comerciais acaba deixando o país em uma situação de crescente vulnerabilidade externa.
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capitais estrangeiros, em especial especulativos e direcionados para títulos públicos; (iv) a
dívida pública se eleva e o custo de rolagem dela acaba pressionando o déficit público; (v)
déficits gêmeos – externo e fiscal – causadas pela própria articulação da política econômica,
geram desconfiança nos agentes; e (vi) crises cambiais manifestam-se.
Com o Plano Real, não foi diferente. Por um lado, ele obteve sucesso no controle do
processo inflacionário. Porém, por outro lado, a deterioração da balança comercial levou o
País a incorrer em déficits em transações correntes que foram financiados pelo ingresso de
poupança externa de caráter predominantemente especulativo8. A opção por essa estratégia
acabou por induzir ataques especulativos ao Real ao longo da segunda metade dos anos 1990,
diga-se de passagem, quase todos decorrentes de um mix de “crise de contágio” e de evidência
dos desequilíbrios macroeconômicos da economia brasileira, em especial o externo, a ponto,
inclusive, de acentuar o grau de vulnerabilidade e fragilidade externa do País. Nesse
particular, no início de 1999, quando a estratégia de financiamento do déficit externo crônico
da economia brasileira esgotou-se e o grau de confiança dos agentes econômicos na política
econômica deixou de existir, não houve alternativa a não ser a mudança do regime monetário-
cambial: substituição da banda cambial por uma taxa de câmbio flexível e implementação do
regime de metas para a inflação (de agora em diante, RMI.
Pois bem, desde o Plano Real, a política de juros da AM tem tido um papel ativo e
dominado pela manutenção da estabilidade do nível de preços: entre 1994 e 1999, a política
monetária foi operacionalizada de forma a atrair fluxos de capital externo e, por conseguinte,
equilibrar o balanço de pagamentos, essencial para assegurar a estabilidade da taxa de câmbio,
âncora das expectativas de preços. A partir da adoção do RMI, os juros básicos direcionaram-
se tanto em trazer a inflação para o centro da meta, quanto em inibir eventuais efeitos pass-
trough do câmbio para os preços domésticos (Arestis et ali, 2009). Desta forma, ao longo dos
anos de estabilidade dos preços, a política monetária tem sido articulada de forma
conservadora, implicando, assim, taxas de juros elevadas. Nesse ínterim, é importante
8 Embora o financiamento do déficit público do País fosse feito, em boa parte, por capitais externos, isto
não implicou no crescimento do seu passivo externo. O influxo de capitais destinou-se a títulos denominados em
moeda doméstica, amplamente indexados à taxa de juros e à variação cambial (hedge cambial). Embora essa
estratégia tenha significado a redução da exposição do passivo externo do País à volatilidade cambial, ela
implicou em elevados ônus às finanças públicas e, por fim, ela não contribuiu para resguardar as reservas
cambiais de refluxos dos capitais estrangeiros.
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salientar que apenas nos meses imediatamente após a crise do subprime houve flexibilidade
monetária.
Para ilustrar o argumento do parágrafo acima, o Gráfico 1, a seguir, mostra a
evolução da taxa de juros básica da economia brasileira no período pós-Real. Apesar de
apresentaram um viés de baixa ao longo período, os juros básicos brasileiros equivaleram a,
em média, 22,6% ao ano, entre 1995 e 2009, patamar, sem dúvidas, elevado. No período de
âncora cambial, para dados entre 1995 e janeiro de 1999, a taxa de juros acumulou média
anual equivalente a 33,6%, enquanto que, entre junho de 1999 e dezembro 2009, portanto
RMI com câmbio flutuante, – a média alcançou 16,4% a.a.. É possível apreender, pelo
Gráfico 1, o menor patamar dos juros básicos no pós-Real, ocorrido entre 2008 e 2009 em
função da política monetária contracíclica implementada para enfrentar o contágio na
economia brasileira pela crise do subprime. Nesse particular, a taxa de juros básica passou de
13,75% a.a. em janeiro de 2009 para 8,75% a.a. em dezembro do mesmo ano, menor patamar
estabelecido para o período pós-Real.
53,38
26,5628,75
37,0631,4
17,44 17,33 19,19
23,39
16,25
19,06
15,09 11,88
12,499,94
0
10
20
30
40
50
60
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
%
Anos
Gráfico 1 - Taxa de juros básica nominal da economia brasileira (% média anual) 1995 a 2009
Juros básicos
Fonte: Elaboração própria baseada em Ipeadata (2012).
Nota: Entre dezembro de 1996 e março de 1999, calculou-se os juros médios anuais baseados na TBan, então
taxa de juros básica da economia brasileira. Para todos os outros momentos usou-se a Over-Selic.
Ao conduzir sua política de juros, a AM tem como objetivo alcançar a estabilidade
dos preços implicando – via juros – diferentes usos de moeda dos agentes. A influência sobre
os agentes só é possível, pois, como aponta Keynes (1964), os juros representam uma
alternativa de investimento utilizada pelos agentes em suas tentativas de ampliação da riqueza
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que possuem. Dessa forma, como os juros apresentados no Gráfico 1 materializaram a política
monetária no período pós-Real?
Entre 1995 e 1999, período de âncora cambial com ampla mobilidade de capitais e
déficit em transações correntes, a taxa de juros da política monetária precificou o que os
capitais internacionais especulavam como prêmio para investirem sua riqueza no Brasil e
permitirem, dessa forma, a continuidade da administração cambial que servia como âncora
das expectativas de preços futuros dos agentes. Ademais, pesava sobre a decisão da AM, no
exercício da política de juros, a manutenção de patamares cambiais que inibissem o risco de
repasse de desvalorizações cambiais aos preços domésticos. Assim, pressionada a precificar
os investidores estrangeiros, a taxa de juros doméstica carregou um diferencial notável em
relação à taxa de juros internacional, resultando em um forte influxo de capitais para o País
com duas consequências imediatas para a economia brasileira.
Por um lado, a apreciação do câmbio nominal e a queda da inflação, valorizaram a
taxa de câmbio real e levaram à reversão do saldo comercial brasileiro. Como ressaltam
Bresser Pereira e Nakano (2003), o financiamento do balanço de pagamentos passou a
depender da atração de poupança externa. Nesse particular, a vulnerabilidade externa do País
ampliou-se, pois o déficit externo foi financiado, em grande parte, por capitais especulativos
de curto prazo, que pediam remuneração e liquidez elevadas. A opção de ativo com essas duas
características no Brasil foi ofertada pela AM, que precisava do capital externo para a
administração cambial: títulos públicos indexados à elevada taxa de juros.
Por outro lado, como o saldo do fluxo monetário com o exterior é um fator
condicionante da base monetária, para evitar que o influxo de capital se transformasse em hot
money e colocasse em risco a estabilidade monetária recém alcançada, foi preciso realizar
maciça esterilização de meios de pagamento, além de encarecimento da concessão de crédito
bancário ao público. Ambas as ações foram executadas por operações de mercado aberto da
política monetária, cujo instrumento utilizado foi, novamente, títulos públicos com
remuneração indexada aos juros básicos9.
9 Somou-se à indexação à taxa de juros, a partir de 1998, títulos públicos, cuja remuneração era dada
pela magnitude da desvalorização cambial que ocorresse no tempo de custódia do título pelo detentor. Essa
modalidade de remuneração decorreu da desconfiança dos agentes sobre a continuidade da administração
cambial no Brasil. Ao ocorrer a desvalorização, entre dezembro de 1998 e janeiro de 1999, esses títulos,
chamados hedge cambial¸ implicaram elevado pagamento financeiro aos seus detentores, fazendo com que o
Brasil detivesse elevados dispêndios financeiros em 1999. Nesse ano, os juros pagos pelos títulos públicos
alcançaram R$ 127,2 bilhões, valor 75,0% superior ao de 1998, conforme Ipeadata (2012).
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Ou seja, os juros elevados foram o preço pago pela AM brasileira aos agentes
financeiros externos e domésticos para consecução da estabilidade monetária. Como as ações
da referida Autoridade são, em realidade, conduzidas com títulos de emissão do Tesouro
Nacional do Brasil, o regime de âncora cambial resultou em ônus sobre as finanças públicas,
através da expansão dos gastos financeiros e da dívida pública.
Por sua vez, a partir da adoção do RMI, em julho de 1999, a lógica da política de
juros da AM alterou-se. Os esforços não mais se concentravam em remunerar os capitais
internacionais para que investissem no País, mas voltaram-se à compressão da demanda
agregada para o alcance da meta estabelecida de inflação. Porém, (i) a taxa de juros atua
principalmente, e de forma defasada, pela sequência crédito, demanda, inflação e (ii) a
inflação possui diversos condicionantes, além de apenas a demanda, que vão desde a
indexação e os preços administrados até os preços internacionais das commodities, tem-se
apenas um instrumento, a taxa de juros, para diversos fatores, atuando em diferentes
momentos. Em suma, a AM utilizou-se de um único instrumento, os juros, de atuação indireta
e defasada, para controlar uma variável multideterminada, qual seja, a inflação. Neste
particular, para cumprir a sua política restritiva, a AM precisou fazer com que os detentores
de poder de investimento ratificassem a constrição monetária, demandando os títulos públicos
que desviariam meios de pagamento para a circulação financeira, viabilizando, assim, o
controle da base monetária. O Gráfico 1, acima, mostrou o preço pago pela AM para provocar
tal desvio: juros médios anuais de 16,4%.
Aliás, o modus operandi do RMI, via elevadas taxas de juros, somado ao regime de
câmbio flutuante e operando em um contexto de continuidade da ampla abertura econômica,
acabaram não evitando a instabilidade da taxa de câmbio nominal, como destaca o Gráfico 2,
a seguir. Ilustra-se que mesmo sem a necessidade de atração de capitais externos para a
consecução da administração cambial, o Brasil continuou sendo um receptor de capitais
externos voláteis, que se encaminhavam ao País para compor ativos de risco e de curto prazo.
Caso contrário, não era seria de se esperar a volatilidade cambial após a introdução do câmbio
flutuante em 1999, como demonstra o Gráfico 2.
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0
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.07
%Gráfico 2 - Volatilidade (desvio-padrão) da taxa de câmbio (%) 1995
a 2009
Voltatilidade câmbio nominal Volatilidade câmbio real efetivo
Fonte: Elaboração própria baseada em informações de Ipeadata (2012).
Outra tendência do período do câmbio flutuante, não obstante a volatilidade cambial,
foi a apreciação cambial. Excetuando-se 1999 e 2002-03, em que ataques especulativos à
economia brasileira determinaram desvalorizações cambiais intensas, e 2008, consequência da
crise do subprime, a trajetória cambial dos anos do RMI é de contínua apreciação, como
mostra o Gráfico 3, abaixo.
0102030405060708090
100110120130140150160170
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2008
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.01
2009
.07
Bas
e 05
/200
5 =
100
Gráfico 3 - Taxas de Câmbio Real Efetiva e Nominal, 1995-2009 (Base 05/2005 = 100)
Taxa de Câmbio Real Efetiva Taxa de Câmbio Nominal
Fonte: Elaboração própria baseada em informações do Ipeadata (2012).
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Por que a constante valorização cambial? Em primeiro lugar, pela elevada taxa de
juros em um momento de liquidez internacional, que vai de 2003 a 2008 (não é necessário ser
enfadonho e repetir as argumentações de Keynes sobre como funcionam os juros em uma
economia monetária da produção, em que vigora irrestrita movimentação de capitais com o
exterior). Em segundo lugar, com o aumento dos preços das commodities exportadas pelo
Brasil, por conta da demanda aquecida com a liquidez internacional de 2003 a 2007,
acumularam-se, pela primeira vez desde a introdução do Real, superávits em transações
correntes no referido período (BCB, 2012). Ainda que esse dado seja importante, por
representar que houve valorização cambial por acúmulo de dólares próprios, a volatilidade
cambial apresentada no Gráfico 2 mostra que o País continuou passível de bruscas reversões
nas condições de oferta e demanda de seu mercado cambial, efeito dos fluxos financeiros
entre o País e o resto do mundo.
Pois bem, restam serem feitas reflexões sobre os impactos do que se pode chamar,
preponderância ou dominância da política monetária no Brasil, sobre o crescimento
econômico e a política fiscal. Conforme demonstra o Gráfico 4, abaixo, por um lado, a taxa de
variação anual do PIB brasileiro não somente foi baixa – a média anual foi da ordem de 2,9%
– como apresentou, durante todo o período 1995-2009, uma dinâmica à la stop-and-go10
.
10
A propósito, somente em três anos seguidos, 2005, 2006 e 2007, o PIB cresceu a taxas crescentes,
respectivamente, 3,2% a.a., 4,0% a.a. e 6,1% a.a.. Nos outros anos do período 1995-2009, o crescimento do PIB
ou foi negativo ou ocorreu tanto a taxas oscilantes.
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28,4428,6328,58
29,3331,07
30,3631,87
32,4731,93
32,8234,05
34,02
34,46
34,85
34,28
4,42
2,15
3,38
0,040,25
4,31
1,31
2,66
1,15
5,71
3,16
3,96
6,09 5,13
-0,60
-1,00
0,00
1,00
2,00
3,00
4,00
5,00
6,00
7,00
-5,00
0,00
5,00
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25,00
30,00
35,00
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2009
PIB
-V
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o an
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r
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ga T
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/PIB
Grafico 4 - Variação anual do PIB e carga tributária/PIB (%) 1995 a 2009
Carga Tributária/PIB Variação do PIB
Fonte: Elaboração própria baseada em Ipeadata (2012).
Nota: Valores de fim de período a valores-base a preços de 2008.
Tendo como referência a teoria keynesiana, uma das possíveis causas para esse
comportamento do produto brasileiro pode ter sido o desincentivo ao investimento, ao
consumo e às exportações, decorrente tanto da política monetária contracionista quanto da
apreciação cambial. Mais especificamente, o alto custo do crédito afeta as decisões de
investimento produtivo das seguintes formas: (i) por meio da construção de estoques
involuntários, via compressão de consumo, (ii) por intermédio de as expectativas dos
investidores serem confrontadas por uma política monetária que visa unicamente a
estabilidade do nível de preços e, assim, restringe continuamente a demanda agregada e (iii)
custo oportunidade ao investimento produtivo e ao consumo.
Outro dado apresentado pelo Gráfico 4, acima, é a carga tributária proporcionalmente
ao PIB. Pode-se perceber que a arrecadação de tributos eleva-se continuamente ao longo do
período, com exceção de reduções pouco substanciais nos anos de 1997, 2000, 2003 e 2009.
Muito embora a carga tributária tenha aumentado, e, como mostra o Gráfico 5 abaixo, o setor
público tenha auferido poupanças primárias durante quase todo o período 1995/2009 (com
exceção, apenas, de 1997), o Estado brasileiro incorreu em necessidades de financiamento
nominais ao longo de todo o período pós-Real.
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%/P
IBGráfico 5 - Necessidades de Financiamento do Setor Público -
Primárias e Nominais - e Juros Nominais (% do PIB) - 1995 a 2009
Resultado Primário Resultado Nominal Juros Nominais
Fonte: Elaboração própria baseada em BCB (2012).
O déficit nominal significa, em outros termos, que o contingenciamento de gastos
primários foi incapaz de facear os elevados dispêndios financeiros incorridos pelo Estado.
Destaque-se que, se a ocorrência de superávits primários foi constante, o pagamento de juros
não pode ter derivado de desequilíbrios fiscais primários. Logo, os déficits nominais
decorreram dos gastos financeiros do setor público que, se não foram originados por déficits
da política fiscal (uma vez que houve recorrentes superávits primários) somente podem ter
sido causados pelo uso de títulos de dívida pública que deram vazão à política monetária.
Considerando o argumento acima, o resultado do desajuste imputado pelos fluxos
financeiros (haja vista os dispêndios públicos de juros nominais em relação ao PIB, conforme
Gráfico 5) às contas públicas foi um crescimento vertiginoso da dívida líquida do setor
público (DLSP). Por sinal, ela salta de 29,0% do PIB em 1995, para 52,1% em 200311
, maior
patamar do período 1999/2009. A partir de então, a relação DLSP/PIB passou a decrescer,
notadamente entre 2007 e 2008. Porém, como o próprio Gráfico 6 deixa claro, a redução da
relação DLSP/PIB foi causada por redução monetária do estoque da dívida apenas em 2008.
Ao longo de todos os outros anos após 2004, a redução da relação DLSP/PIB decorreu apenas
do crescimento econômico, ou seja, de expansões do PIB.
11
O pico alcançado pela DLSP em 2002 foi influenciado pelo ataque especulativo quando da eleição
presidencial na qual Lula da Silva logrou sucesso. Com livre mobilidade de capitais, a taxa de câmbio
desvalorizou-se em função do refluxo de investimentos externos e a taxa de juros foi elevada para tentar
confrontar a turbulência. Em setembro de 2002 a taxa de câmbio nominal alcançou R$3,89/US$, maior patamar
do período pós-Real. Para conter a fuga de capitais, os juros foram elevados, incidindo sobre uma DLSP
expandida pelo ajuste cambial, fazendo com que o nível de endividamento verificado em 2002 se estendesse a
2003, com fortes repercussões sobre os gastos financeiros do setor público (Gráfico 5).
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1.000.000
1.200.000
1.400.000
1.600.000
0,00
10,00
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06
20
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20
08
20
09
R$
Milh
ões%/P
IBGráfico 6 - Dívida líquida do setor público (%/PIB e R$ Milhões)
1995 a 2009
%/PIB R$ Milhões
Fonte: Elaboração própria baseada em BCB (2012).
Enfim, diante de todos os dados expostos e pensando-os a partir das proposições de
política econômica de Keynes, pode-se argumentar que não há na política fiscal brasileira a
noção de orçamento de capital. Mas, há algo como um orçamento financeiro destinado às
operações da política monetária. O saldo do confronto entre o orçamento financeiro e os
recursos fiscais de natureza primária disponíveis para custeá-lo é continuamente deficitário,
implicando em perene necessidade de financiamento nominal do setor público brasileiro.
Corrobora essa afirmação, o crescimento da DLSP em termos monetários, mesmo diante de
constantes e crescentes superávits primários.
Os fluxos financeiros da política monetária, ao exigirem a construção de superávits
primários para seu custeio, inibem os dispêndios públicos instigadores de demanda efetiva
(consumo e investimentos públicos). Considerando-se, pelos dados apresentados, que, (i) em
média anual, os juros pagos pelo setor público foram equivalentes a 7,8% do PIB entre 1995 e
2007; (ii) nesse mesmo período o superávit primário acumulou média anual de 2,4% do PIB;
(iii) a carga tributária média do setor público foi de 30,0% do PIB por ano, tem-se que o
pagamento dos juros nominais representou 23,3% de todos os recursos públicos, enquanto o
superávit primário representou 8,0% desses recursos. Isso significa que 31,3% de tudo o que o
setor público arrecadou foi engessado, não impactando, ou pouco impactando, a depender da
forma como se distribuiu o pagamento de juros, sobre a demanda agregada da economia
brasileira. Esse montante engessado, por sua vez, equivaleu a, média anual, 9,0% do PIB
destacado da realização de demanda efetiva, entre 1995 e 2007 (BCB, 2012, e Ipeadata,
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2012). Em última instância, foi esse o preço para a manutenção da estabilidade monetária no
Brasil.
Por fim, de forma bastante diferente do que um eventual déficit no orçamento de
capital keynesiano propõe – a manutenção da confiança dos empresários – os déficits
financeiros (nominais) incorridos pelo Estado brasileiro não constroem as suas fontes de
pagamento futuro, não promovem a manutenção das taxas de empregos e são incapazes de
provocar redistribuição de renda. Cabe lembrar que déficits financeiros originam-se do
pagamento de juros e esses pagamentos se dedicam à remuneração de rentistas. À medida que
o superávit primário é uma poupança de recursos que busca equilibrar, ainda que apenas
parcialmente, o impacto do déficit nominal sobre as finanças públicas, com efeito, o que se
tem é um repasse de recursos do conjunto da população para os detentores dos títulos
públicos, o que impede a melhora da distribuição de renda no País. Melhorar a distribuição de
renda, um dos problemas mais graves do sistema capitalista para Keynes, era um dos
objetivos centrais da sua filosofia social proposta em sua GT.
3.2 Foram keynesianas as políticas contracíclicas brasileiras?
Para enfrentar a crise econômica internacional iniciada no mercado hipotecário
subprime americano em fins de 2007, o governo brasileiro implementou, a partir de fins de
2008, diversas ações contracíclicas de política econômica, notadamente de cunho fiscal e
monetário. No primeiro caso, vale destacar: (i) a redução da alíquota dos Impostos, de Renda
sobre Pessoa Física (IRPF), de Operações Financeiras (IOF) e sobre Produtos Industrializados
(IPI); (ii) a ampliação dos valores pagos nos benefícios do “Bolsa Família”; (iii) a instituição
do programa de habitação “Minha Casa, Minha Vida”; e (iv) a criação e intensificação no
aporte de recursos em linhas especiais e subsidiadas de financiamento à produção agrícola, à
compra de materiais de construção, à construção de infraestrutura, entre outras fontes
especiais de crédito.
No que tange às medidas contracíclicas da política monetária, o Banco Central do
Brasil (BCB) (i) flexibilizou a utilização e as regras de recolhimento do depósito compulsório,
utilizando-o para injetar liquidez nos mercados monetário e financeiro nacional e para
financiar empréstimos do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES); (ii) agilizou a compra por parte dos bancos públicos, sobretudo Caixa Econômica
Federal e Banco do Brasil, de instituições financeiras em risco de insolvência; e (iii) iniciou
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uma série de cortes na taxa de juros básica de janeiro a julho de 2009, reduzindo-a de 13,75%
para 8,75% (BCB, 2012).
Como mostra Ferrari Filho (2009), entre fins de 2008 e início de 2009, a tese de
“descolamento” da economia brasileira em relação à crise econômica mundial foi refutada,
uma vez que o Brasil passou a sofrer diretamente, mesmo tendo implementado medidas
contracílicas, os impactos então sentidos pelos países desenvolvidos. Como resultado da crise,
a atividade econômica refreou-se significativamente, com uma queda de 0,6% do PIB em
2009, ante um crescimento de 5,1% em 2008. Nesse período, os principais indicadores que
dinamizam a demanda agregada da economia brasileira, quais sejam, investimento, consumo
e exportações, caíram significativamente: a taxa de investimento recuou 20,3%, o consumo
privado decresceu 1,1% e as exportações declinaram 22,1% no primeiro semestre de 2009
(Ferrari Filho, 2009).
A despeito da morosidade das Autoridades Econômicas em agirem diante da crise, as
políticas fiscal e monetária de estímulo à demanda agregada implementadas no primeiro
trimestre 2009 acabaram surtindo algum efeito, principalmente no que toca à redução da taxa
de desemprego no País, que de 6,8% em dezembro de 2008, alcançou 9,0% em março de
2009, retornando a 6,8% em dezembro desse ano. Ademais, não se assistiu a grandes falências
no sistema financeiro nacional, como as que ocorreram nos países centrais.
No entanto, não se pode dizer que as políticas contracílicas implementadas tenham
sido keynesianas. Keynes reclamava uma situação de normalidade perene do sistema
econômico, que viabilizasse ao investidor melhores expectativas sobre o futuro, estimulando-
o a abrir mão de sua liquidez. Como visto na segunda seção deste artigo, as políticas
econômicas keynesianas propõem a ação contínua do Estado no sentido de se evitarem
trajetórias recessivas e não, como foi o caso no Brasil, de se esperar do Estado o resgate da
recessão depois que o sistema econômico esteja em crise. Enfim, não se trata de remediar,
mas de profilaxia.
Mesmo com atraso e com medidas relativamente tímidas, como a modesta redução da
taxa de juros básica dado o cenário crítico que circunscrevia a economia mundial e, por
conseguinte, a brasileira, as Autoridades Econômicas lograram êxito no combate à crise.
Assim sendo, caso o argumento keynesiano de o Estado utilizar de perenes estabilizadores
automáticos de demanda efetiva tivesse sido o convencionalmente adotado, certamente
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haveria uma dinâmica menos cíclica da economia brasileira. Crises de demanda efetiva, como
a que foi vivenciada pelas economias mundial e brasileira entre 2008 e 2009, poderiam ser
menos impactantes e de menor duração. Ao perceber que a expectativa do empresário é o
fator causal das crises e, ao mesmo tempo, é a causadora da prosperidade do sistema
econômico, Keynes propôs políticas econômicas estabilizadoras automáticas que viabilizem
bases seguras à ação empresarial. Todavia, Keynes propôs não bases de resgate, como se fez
no Brasil, mas de compromisso constante.
4. Considerações Finais
A preocupação de Keynes dizia respeito, essencialmente, a como promover a maior
riqueza social possível e que fosse passível de usufruto pela maior quantidade de indivíduos,
tendo como elemento central nessa produção de riqueza os empresários e seus animal spirits,
a todo tempo confrontados pela incerteza inerente ao futuro. Nesse dilema e coerente com sua
preocupação, Keynes propôs a intervenção estatal como forma de basear as expectativas
empresariais.
A intervenção estatal, nos escritos originais de Keynes, por um lado, centra-se em
três ações: monetária, fiscal e cambial. No que diz respeito à condução da política monetária,
a ideia é que sua instrumentalização, via taxa de juros, não rivalize com o investimento
produtivo e, assim, não impacte desfavoravelmente sobre a escala de investimentos, fonte da
geração de empregos, riqueza e distribuição de renda da sociedade. A política fiscal, para
Keynes, é a mais importante atuação estatal e estrutura-se (i) na política de tributação e (ii) na
noção de um orçamento bipartite, segregado em orçamento corrente e orçamento de capital. O
primeiro, cujo objetivo é financiar os serviços estatais básicos, deveria ser sempre
superavitário. O segundo, que objetiva ancorar as expectativas por meio da estabilização
automática dos ciclos das economias monetárias, poderia ser deficitário, desde que financiado
pelos superávits do orçamento corrente, no curto prazo, e pelos lucros advindos dos
investimentos realizados pelas suas próprias ações de estabilização automática, no longo
prazo. Portanto, para Keynes, equilíbrio orçamentário era peça-chave na lógica de condução
da política fiscal. Por fim, a taxa de câmbio deve ser conduzida em conformidade com o
mecanismo de um regime de câmbio flutuante administrado (managed floating), que requer
não somente que as ações especulativas possam ser coibidas por meio de controles de
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capitais, mas que a taxa real de câmbio mantenha-se relativamente estável ao longo do tempo,
aspecto imprescindível para dinamizar a atividade exportadora e evitar efeitos pass-through
do câmbio para os preços.
Aplicada tal lógica à condução da política econômica no Brasil do Real, apreende-se
que tanto a política fiscal quanto a política cambial foram subordinadas à política monetária,
ou seja, ao longo desse período tem-se uma dominância monetária. Com seu objetivo único de
manter a inflação em taxas substancialmente baixas durante todo o período 1995/2009, a
política monetária operacionalizou taxas de juros bastante elevadas que, por um lado, foram
incoerentes com um crescimento econômico sustentado e, por outro lado, oneraram as
finanças públicas em um nível incompatível com os superávits de gastos primários,
redundando no crescimento da DLSP.
Ademais, taxas básicas de juros elevadas acabaram contribuindo para a apreciação
cambial. Na ausência de controles abrangentes sobre o influxo de capitais internacionais no
País, a taxa de câmbio ficou a mercê das especulações dos agentes externos sobre como e
onde aplicar suas poupanças. Esses, por vezes influenciados por motivos externos, como a
crise desencadeada pelo subprime norte-americano, por vezes por fatores endógenos, como a
corrida presidencial de 2002, conduziram movimentações de divisas que implicaram elevada
volatilidade cambial, perceptível no período de câmbio flutuante após 1999. No período de
câmbio administrado, a propósito, a tentativa de controle de tal volatilidade causou a crise
cambial brasileira, em fins de 1998 e início de 1999, após ter deixado a taxa de juros
doméstica sob pouco controle da AM, a exemplo do que argumentava Keynes desde os anos
1940.
Mesmo no que tange às políticas econômicas de combate à crise econômica
internacional de 2007/2009, pouco se pode denominar de keynesiano – no máximo, a
presença do Estado no equilíbrio da dinâmica econômica, algo inimaginável em uma
perspectiva teórica convencional. As medidas contracílicas caracterizaram-se por um perfil
ex-post de socorro, que buscou salvar o País da recessão quando a tese do “descolamento” da
economia brasileira em relação à economia mundial viu-se refutada. Para Keynes, as políticas
de estabilização devem ser perenes, pois constantes devem ser os investimentos empresariais
responsáveis pela prosperidade econômica.
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È necessário, que o termo estabilização automática traga à mente a ação de política
econômica que mantenha a trajetória do sistema econômico em um nível de normalidade que
não cause distúrbios à expectativa empresarial. Crescimento stop-and-go, como o verificado
no Brasil, é prejudicial ao ânimo empresarial, como toda e qualquer volatilidade dos preços
básicos da economia, como câmbio, juros e salário. Para a ocorrência do investimento
produtivo em um ambiente de incerteza, o empresário requer constância e é isso que Keynes
propôs com a estabilização automática. No Brasil, face à crise, as políticas econômicas de
enfrentamento à crise foram de última instância, pois não intentaram estabilizar a expectativa
empresarial, mas salvá-la. Não é por nada que, em 2009, o PIB do País reduziu-se em 0,6%
em relação a 2008.
Enfim, da breve análise sobre a política econômica no Brasil do Real, depreende-se
que a execução da política econômica no País não atendeu aos requisitos de políticas
econômicas keynesianas, conforme apresentadas na seção 2. Por quais motivos as políticas
econômicas implementadas pós-Real não convergiram para políticas econômicas similares às
preconizadas por Keynes? Porquanto na busca por uma resposta mais elaborada, vale citar
Minsky (1986: 8):
[p]olítica econômica deve refletir uma visão ideológica; ela deve ser
inspirada pelos ideias de uma boa sociedade. E, é evidente que
enfrentamos uma falha de visão, com uma crise nos anseios e nos
objetivos aos quais a política econômica deve servir.
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