as pec tos da histó ria da Áfri ca e dos - ihu · 2011-12-04 · dr. da ni el na vas vega – cen...

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A temática afrodescendente: aspectos da história da África e dos afrodescendentes no Rio Grande do Sul Jorge Euzébio Assumpção Adevanir Aparecida Pinheiro (Org.) José Ivo Follmann (Org.)

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Page 1: as pec tos da histó ria da Áfri ca e dos - IHU · 2011-12-04 · Dr. Da ni el Na vas Vega – Cen tro Inter na ci o n al de For ma ção-OIT-Itá lia – Dou tor em Ciên ci as

A te má ti ca afro des cen den te:as pec tos da his tó ria da Áfri ca e dos

afro des cen den tes no Rio Gran de do Sul

Jor ge Eu zé bio Assump ção

Ade va nir Apa re ci da Pi nhe i ro (Org.)José Ivo Foll mann (Org.)

Page 2: as pec tos da histó ria da Áfri ca e dos - IHU · 2011-12-04 · Dr. Da ni el Na vas Vega – Cen tro Inter na ci o n al de For ma ção-OIT-Itá lia – Dou tor em Ciên ci as

UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS

Re i torMar ce lo Fer nan des de Aqui no, SJ

Vi ce-reitorAloy sio Boh nen, SJ

Insti tu to Hu ma ni tas Uni si nosDi re tor

Iná cio Ne utz ling

Ge ren te ad mi nis tra ti voJa cin to Schne i der

Ca der nos IHUAno 5 - Nº 22 - 2007

ISSN: 1806-003X

Edi torProf. Dr. Iná cio Ne utz ling – Uni si nos

Con se lho edi to ri alPro fa. Dra. Cle u sa Ma ria Andre at ta – Uni si nosProf. MS Gil ber to Antô nio Fag gi on – Uni si nos

Prof. MS La u rí cio Ne u mann – Uni si nosMS Rosa Ma ria Ser ra Ba va res co – Uni si nos

Esp. Su sa na Roc ca – Uni si nosPro fa. MS Vera Re gi na Schmitz – Uni si nos

Con se lho ci en tí fi coProf. Dr. Age mir Ba va res co – PUCRS – Dou tor em Fi lo so fia

Pro fa. Dra. Ait zi ber Mu gar ra – Uni ver si da de de De us to-Espanha – Dou to ra em Ciên ci as Eco nô mi cas e Empre sa ri a isProf. Dr. André Fi li pe Z. de Aze ve do – Uni si nos – Dou tor em Eco no mia

Prof. Dr. Cas tor M. M. B. Ruiz – Uni si nos – Dou tor em Fi lo so fiaDr. Da ni el Na vas Vega – Cen tro Inter na ci o nal de For ma ção-OIT-Itália – Dou tor em Ciên ci as Po lí ti cas

Prof. Dr. Edi son Gas tal do – Uni si nos – Pós-Doutor em Mul ti me i osPro fa. Dra. Éli da Hen ning ton - Fun da ção Oswal do Cruz - Dou to ra em Sa ú de Co le ti va

Prof. Dr. Ja i me José Zit kosky – UFRGS – Dou tor em Edu ca çãoProf. Dr. José Ivo Foll mann – Uni si nos – Dou tor em So ci o lo gia

Prof. Dr. José Luiz Bra ga – Uni si nos – Dou tor em Ciên ci as da Infor ma ção e da Co mu ni ca çãoProf. Dr. Ju re mir Ma cha do da Sil va – PUCRS – Dou tor em So ci o lo gia

Prof. Dr. Wer ner Altmann – Uni si nos – Dou tor em His tó ria Eco nô mi ca

Res pon sá vel téc ni coMa ri le ne Maia

Re vi sãoAndré Dick

Se cre ta riaCami la Pa di lha da Sil va

Edi to ra ção ele trô ni caRa fa el Tar cí sio For neck

Impres sãoImpres sos Por tão

Uni ver si da de do Vale do Rio dos Si nosInsti tu to Hu ma ni tas Uni si nos

Av. Uni si nos, 950, 93022-000 São Le o pol do RS Bra silTel.: 51.3590-8223 – Fax: 51.3590-8467

www.uni si nos.br/ihu

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Su má rio

Apre sen ta ção ................................................................................................................................ 4

Intro du ção................................................................................................................................... 5

Par te I: Áfri ca – Aspec tos his tó ri cos e ge o grá fi cos ............................................................................. 61.1 Nota ini ci al: Um res ga te his tó ri co do con ti nen te afri ca no e as suas ra í zes .......................... 61.2 A di vi são ge o grá fi ca do con ti nen te afri ca no ....................................................................... 61.3 Impé ri os pré-co lo ni a is: Gha na, o país do ouro................................................................... 8

1.3.1 Mali ........................................................................................................................ 91.3.2 Son gai..................................................................................................................... 10

1.4 Impé rio de Son gai ............................................................................................................. 111.4.1 Ban tos..................................................................................................................... 111.4.2 Kon go..................................................................................................................... 111.4.3 Ndon go .................................................................................................................. 12

Par te II: Aspec tos do trá fi co de es cra vos para o Bra sil ...................................................................... 132.1 Esti ma ti va em mi lhões....................................................................................................... 152.2 “O na vio ne gre i ro” (Cas tro Alves) ..................................................................................... 152.3 Nota so bre a his tó ria dos es cra vos no Bra sil ....................................................................... 20

Par te III: Mar cas da es cra vi dão ne gra no Rio Gran de do Sul .......................................................... 223.1 Uma nota ini ci al so bre as pro fis sões................................................................................... 223.2 A es cra vi dão ne gra no Rio Gran de do Sul.......................................................................... 233.3 Tra ta men to dis pen sa do aos es cra vos ga ú chos..................................................................... 263.4 Qu a dro ge ral dos bens de João Si mões Lo pes (1853)......................................................... 283.5 Re sis tên cia: fu gas e qui lom bos........................................................................................... 283.6 Insur re i ções ....................................................................................................................... 31

3.6.1 Ano e lo cal (insur re i ções) ........................................................................................ 333.7 Se xu a li da de ....................................................................................................................... 333.8 O ne gro no cam po de ba ta lha............................................................................................ 343.9 A abo li ção ......................................................................................................................... 36

Con si de ra ções fi na is...................................................................................................................... 38

Re fe rên ci as bi bli o grá fi cas .............................................................................................................. 39

O au tor e os or ga ni za do res ............................................................................................................ 41

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Apre sen ta ção

Ade va nir Apa re ci da Pi nhe i roJosé Ivo Foll mann

A his tó ria do con ti nen te afri ca no tem sido um tema de am pla dis cus são. Na re a li da de, esta his -tó ria sem pre foi con ta da ou apre sen ta da de for -ma es te re o ti pa da ou até mes mo dis tor ci da. Ogran de de sa fio pos to hoje é aten tar para umaapre sen ta ção dos po vos afri ca nos como su je i tosda his tó ria, como tam bém des co brir as ri que zascul tu ra is his tó ri cas des se con ti nen te, que fo ramexclu í das ou per di das nos me an dros dos pro ces -sos edu ca ci o na is e aca dê mi cos.

Mui tos as pec tos da his tó ria da po pu la ção que vive na Áfri ca ne gra e dos des cen den tes dos po -vos des se con ti nen te que es tão no Bra sil e, es pe -ci fi ca men te no Rio Gran de do Sul, ain da ca re -cem de pes qui sa e bons es tu dos ci en tí fi cos.Assim, o investi men to da Uni ver si da de em pos -si bi li tar me i os para que esta sis te ma ti za ção his tó -ri ca seja re a va li a da é de suma im por tân cia. A cri a -ção das leis de re for ma uni ver si tá ria, e de modoes pe ci al a Lei 10.639, que es ta be le cem a in tro du -ção da his tó ria da Áfri ca e da te má ti ca afro des -cen den te, bem como ori en tam para a in clu são dapo pu la ção ne gra nas esco las e nas uni ver si da des,são ele men tos que têm con tri bu í do para que aver da de i ra his tó ria do con ti nen te afri ca no e dosafro des cen den tes seja res ga ta da di da ti ca men te,pos si bi li tan do a me lhor for ma de in clu são e in te -

ra ção da his tó ria e de seus su je i tos nas es fe ras so -ci al e ra ci al, so bre tu do na edu ca ção.

O es tu do sis te ma ti za do no pre sen te Ca der nosIHU re pro duz um Cur so mi nis tra do pelo Pro fes -sor MS Jor ge Eu zé bio Assump ção e é fru to desuas pes qui sas como his to ri a dor so bre os afro -des cen den tes no Rio Gran de do Sul e no Bra sil e,tam bém, so bre o con ti nen te afri ca no e suas ri -que zas his tó ri cas e cul tu ra is. O Cur so ti nha como tí tu lo “Áfri ca: Aspec tos His tó ri cos e Ge o grá fi -cos”, mas o pro fes sor, em sua ha bi li da de di dá ti -ca, com aten ção à ma i o ria do pú bli co de afro des -cen den tes do Rio Gran de do Sul, fez ater ris sargran de par te de sua re fle xão na Áfri ca ne gra que,atra vés de um pro ces so de dura es cra vi dão, foisa cri fi ca da nes te Esta do. Tra ta-se de um pro ces -so pou co co nhe ci do pela Aca de mia.

O Cur so foi or ga ni za do como de cor rên cia dasativida des do Pro je to de Ci da da nia e Cul tu ra Re li -gi o sa Afro des cen den te, que tem por ob je ti vo o res -ga te da his tó ria, iden ti da de e ci da da nia da po pu la -ção ne gra no Bra sil e Rio Gran de do Sul. É um pro -je to que faz par te do Pro gra ma Ges tan do o Diá lo -go Inter-Re li gi o so e o Ecu me nis mo – GDIREC e éex pres são das Ações So ci a is na Área das Re li giões,que é uma das fren tes de ação da Di re to ria de AçãoSo ci al e Fi lan tro pia – DASF, da Uni ver si da de doVale do Rio dos Si nos – UNISINOS.

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Intro du ção

Ade va nir Apa re ci da Pi nhe i roJosé Ivo Foll mann

O tex to que se gue foi de sen vol vi do den tro daló gi ca de um cur so dado para um gru po de 65pes so as, a ma i o ria de las sen do afro des cen den tes.Ele está cons tru í do ao sa bor do de sen vol vi men to da re fle xão, se guin do os pas sos da dos no cur so,com os seus des vi os de rota ca u sa dos, como énor mal em uma ati vi da de as sim, por per gun tas eques tões sem pre mu i to per ti nen tes. Pro po si tal -men te, foi man ti da a tra je tó ria efe ti va men te tri -lha da. Isto pode ca u sar, às ve zes, a im pres são desal tos mu i to rá pi dos de uma te má ti ca à ou tra oude fal ta de apro fun da men to su fi ci en te em al gunspon tos im por tan tes para fa zer as de vi das cos tu -ras, mas foi o que foi pos sí vel de sen vol ver, den -tro dos li mi tes do tempo.

O tex to está di vi di do em três par tes, se guin doos prin ci pa is mo men tos do cur so. Na pri me i rapar te, “Áfri ca – Aspec tos his tó ri cos e ge o grá fi -

cos”, além de si tu ar a ur gen te ne ces si da de de umres ga te his tó ri co do con ti nen te afri ca no, é apre -sen ta do um rá pi do pa no ra ma da evo lu ção his tó -ri co-ge o grá fi ca dos prin ci pa is re i nos cons ti tu ti -vos da his tó ria da Áfri ca ne gra. A se gun da par te,“Aspec tos do trá fi co de escra vos para o Bra sil”,além de re-vi si tar o cé le bre po e ma de Cas troAlves “O na vio ne gre i ro”, traz al guns da dos es ta -tís ti cos so bre o trá fi co para o Bra sil e apon ta men -tos ge ra is so bre a his tó ria da es cra vi dão em nos so ter ri tó rio na ci o nal. Na ter ce i ra par te, “Mar cas daescra vi dão ne gra no Rio Gran de do Sul”, re tra -ta-se o in te res se do gru po dos par ti ci pan tes docur so em bus car de ta lhes so bre a his tó ria da es -cra vi dão ne gra no Esta do do Rio Gran de do Sul.É a par te mais ex ten sa e que me re ceu maioratenção.

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Par te I:

Áfri ca – Aspec tos his tó ri cos e ge o grá fi cos

1.1 Nota ini ci al: Um res ga te his tó ri co docon ti nen te afri ca no e as suas ra í zes

Os li vros di dá ti cos, com ra ras ex ce ções, nosapre sen tam uma his tó ria eu rocên tri ca, ou seja, aEu ro pa pas sa a ser o cen tro de par ti da e de de ci -sões da hu ma ni da de. So ne ga-se ou me nos pre -za-se, de uma ma ne i ra ge ral, ou tras ci vi li za ções,tais como a afri ca na, a asiá ti ca e a ame ri ca na.Estas nor mal men te só são ci ta das e al gu mas,como no caso das ame ri ca nas, só pas sam a ser re -al men te es tu da das após o con ta to ou a che ga dados po vos eu ro pe us. Este tipo de pro ce der oca -si o na um pro fun do des co nhe ci men to dos con ti -nen tes, com ex ce ção do eu ro peu, dis tor cen dosuas his tó ri as e cul tu ra, e pro por ci o nan do, de vi -do ao des co nhe ci men to, um pre con ce i to em re -la ção aos mesmos.

Cro no lo gi ca men te, de ve ría mos co me çar to -dos os es tu dos his tó ri cos pelo con ti nen te afri ca -no, pois, como sa be mos, foi no mes mo que sedeu o sur gi men to da hu ma ni da de atra vés dos“ho mi ní de os” ou an ces tra is hu ma nos. Foi nocon ti nen te ne gro que, se gun do Ro land Oli ver,en con tra mos, en tre os pri me i ros ho mi ní de os, osaus tra lo pit he cus, cu jos ves tí gi os têm sido en con tra -dos en tre a Etió pia e o Trans va al, em con tex tosque da tam de cer ca de 4 mi lhões a cer ca de 1,5mi lhões de anos atrás.

Ten tan do rom per com essa vi são eu ro cên tri -ca, ini ci a mos o nos so tra ba lho pelo con ti nen teafri ca no, já que o mes mo foi o ber ço da hu ma ni -da de. Obvi a men te, se ria im pos sí vel fa lar mos deto dos os as pec tos e po vos que ha bi ta ram a Áfri ca pré-co lo ni al, de vi do aos ob je ti vos des se tra ba lho, além da ca rên cia de fon tes e pes qui sas ain da nãotra du zi das em por tu guês so bre o con ti nen te afri -

ca no. Nes se sen ti do, pro cu ra mos pri o ri zar, ouseja, dar uma no ção da que las re giões que mais in -flu en ci a ram, ou for ne ce ram tra ba lha do res es cra -vi za dos para o Bra sil. Obvi a men te, te mos cla re za das de fi ciên ci as e la cu nas de i xa das pelo tex to,que po de rá ser apro fun da do pos te ri or men te.Pro cu ra mos dar uma vi são do con ti nen te afri ca -no, as sim como da his tó ria do Bra sil e do RioGran de do Sul, prin ci pal men te para aque les quees tão se ini ci an do na te má ti ca afro des cen den te.Para tan to, ten ta mos mos trar uma ou tra vi são docon ti nen te afri ca no, as sim como, den tro dosnos sos li mi tes de es pa ço, ten ta mos des ta car a im -por tân cia e a re sis tên cia dos tra ba lha do res es cra -vi za dos du ran te o período escravista.

1.2 A di vi são ge o grá fi ca do con ti nen teafri ca no

Dida ti ca men te po de mos di vi dir ge o gra fi ca men -te o con ti nen te de vá ri as for mas den tre elas em:ÁFRICA DO NORTE (MAGRAB – SAHEL) –

ÁFRICA OCIDENTAL – ÁFRICA EQUATORIAL

– ÁFRICA MERIDIONAL. Po rém, o as pec to ge -ográfico mais mar can te do con ti nen te é o gran -de de ser to do Sa a ra, o se gun do ma i or de ser to do mun do (per den do ape nas para a Antár ti ca), lo -ca li za do no Nor te de Áfri ca, com uma área to talde 9.065.000 km2, pos su in do um ter ri tório ape -nas um pou co me nor que a Eu ro pa (10.400.000km2). Nele, sal vo en ga no, vi vem cer ca de 2,5 mi -lhões de pes so as, dis tri bu í das en tre as re giões daMa u ri tâ nia, Mar ro cos, Lí bia, Egi to, Mali, Ní ger,Argé lia, Tu ní sia, Su dão e Cha de.

Ten do como pon to de par ti da o Sa a ra, al gunsau to res, quan do se re fe rem ao con ti nen te afri ca -

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no, di vi dem-no em Áfri ca Bran ca e Áfri ca Ne gra. A pri me i ra, em ra zão de sua lo ca li za ção ge o grá fi -ca pró xi ma ao me di ter râ neo e con se qüen te men te à Eu ro pa, como tam bém de vi do à in fluên cia ára -be is lâ mi ca, é vis ta como per ten cen te à His tó riaOci den tal (Eu ro pa). Des ta for ma, des ta cam eres sal tam a pros pe ri da de, o pro gres so e as ma ra -vi lhas, en tre ou tros, do an ti go Egi to, e me nos pre -zam a por ção Sub sa a ri a na, dan do a en ten der quea mes ma pou co te ria para acres cen tar na his tó riada hu ma ni da de.

A Áfri ca pro pri a men te dita é a par te ca rac te rís ti ca des te con ti nen te. Co me ça mos pela con si de ra ção des te con ti -nen te, por que em se gui da po de mos de i xá-lo de lado,por as sim di zer. Não tem in te res se his tó ri co pró prio,se não o de que os ho mens vi vem ali na bar bá rie e nasel va ge ria, sem for ne cer ne nhum ele men to à ci vi li za -ção. Por mais que re tro ce da mos a his tó ria, acha re mosque a Áfri ca está sem pre fe cha da no con ta to com o res -to do mun do, é um Eldo ra do re co lhi do em si mes mo, é o país cri an ça, en vol vi do na es cu ri dão da no i te, aquémda luz da his tó ria cons ci en te. [...] Nes ta par te prin ci palda Áfri ca, não pode ha ver his tó ria.1

Se gue ain da a au to ra, ci tan do He gel:

Encon tra mos [...], aqui o ho mem em seu es ta do bru to.Tal é o ho mem na Áfri ca. Por quan to o ho mem apa re cecomo ho mem, põem-se em opo si ção à na tu re za; as sim, é como se faz ho mem. Mas, por quan to se li mi ta a di fe -ren ci ar-se da na tu re za, en con tra-se no pri me i ro es tá gio, do mi na do pela pa i xão, pelo or gu lho e a po bre za; é umho mem es tú pi do. No es ta do de sel va ge ria acha mos oafri ca no, en quan to po de mos ob ser vá-lo e as sim per -ma ne ci do. O ne gro re pre sen ta o ho mem na tu ral emtoda a sua bar bá rie e vi o lên cia; para com pre en dê-lo de -ve mos es que cer to das as re pre sen ta ções eu ro péi as. De -ve mos es que cer Deus e a lei mo ral. Para com pre en -dê-lo exa ta men te, de ve mos abs tra ir de todo res pe i to emo ra li da de, de todo o sen ti men to. Tudo isso está noho mem em seu es ta do bru to, em cujo ca rá ter nada seen con tra que pa re ça hu ma no [...].2

Esse foi o pen sa men to re i nan te de uma par ce -la sig ni fi ca ti va da his to ri o gra fia, que so ne ga va ou

somente res sal ta va o lado exó ti co dos ne grosafri ca nos, que não co lo ca va os ha bi tan tes donor te do con ti nen te no mes mo pro ces so. To da -via, di fe ren te do que pos sam al guns pen sar (ain -da), a cha ma da Áfri ca Ne gra não vai se des ta carhis to ri ca men te so men te por ser ber ço da hu ma -ni da de, ou pe los exo tis mos tri ba is, mas tam bémpela pros pe ri da de de vá ri os im pé ri os que nelaexis ti ram e que, de uma for ma ge ral, ain da sãomu i to pou co co nhe ci dos, tan to no mun do aca -dê mi co como por par te da po pu la ção afro des -cen dente.

De vi do ao fato de ser mais di vul ga da e de terum des ta que mu i to ma i or, não en fa ti za re mos ne -nhu ma ci vi li za ção da Áfri ca do Nor te. Nos de te -re mos, ain da que bre ve men te, den tro do pe que -no es pa ço que te mos, à Áfri ca sub sa a ri a na. Entre -tan to, gos ta ría mos de res sal tar o in tercâ mbio exis -ten te en tre am bas as Áfri cas. Ape sar das ad ver si -da des oca si o na das pela lar ga fa i xa do de ser to doSa a ra, ja ma is hou ve a fal ta de con ta to en tre asmes mas. Se gun do Ma ri na de Mel lo e Sou za: “Osco mer ci an tes tu a re gues li ga vam toda a re gião doSa hel, no pas sa do tam bém co nhe ci do como Su -dão – em ára be Bi lad al Su dão (que quer di zer ter -ra de ne gros) – ao nor te is la mi za do da Áfri ca. Foi aí que se for ma ram os an ti gos Impé ri os de Gana (sé cu lo VI a XIII), Mali (sé cu los XIII a XVII) eSon gai (XVII e XVIII)”.3

Enfa ti za re mos os re i nos de Gha na, Mali eSon gai em nos sa abor da gem de vi do às suas in -fluên ci as e li ga ção a uma das re giões que maisex por tou tra ba lha do res es cra vi za dos su da ne sespara o Bra sil, como tam bém por suas im por tân -ci as his tó ri cas na for ma ção do con ti nen te ne -gro. To da via, de ve mos des ta car que o nú me rode po vos afri ca nos de no mi na dos pré-co lo ni a iscom cer ta evi dên cia não se li mi ta aos ci ta dos,como de mons tra o mapa ela bo ra do por Le i laHer nan dez.4

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1 HERNANDEZ, Le i la Ma ria Gon çal ves Le i te. A Áfri ca na sala de aula: vi si ta à his tó ria con tem po râ nea. São Pa u lo: Selo Ne -gro, 2005, p. 20.

2 Ibi dem, p. 21.3 SOUZA, Ma ri na de Mel lo e. Áfri ca e Bra sil afri ca no. São Pa u lo: Áti ca, 2006, p. 27.4 HERNANDEZ, Le i la Ma ria Gon çal ves Le i te. A Áfri ca na sala de aula: vi si ta à his tó ria con tem po râ nea. São Pa u lo: Selo Ne -

gro, 2005, p. 34.

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Di da ti ca men te, di vi di mos os po vos afri ca nosne grói des em dois gran des gru pos – Ban tos e Su -da ne ses.

SUDANESES: po vos que ha bi tam a re gião in ter tro pi -cal afri ca na, en tre os de ser tos do Sa a ra e o Atlân ti co(Gol fo da Gu i né), com pre en den do o Tchad, o Ní ger, o Sudão etc. e as re giões na Cos ta do Gol fo: Ni gé ria,Daomei (atu al re pu bli ca po pu lar do Be nin), Togo,Gana (an ti ga Cos ta do Ouro), Cos ta do Mar fim, es ten -den do-se até a Li bé ria, Ser ra Leoa, Gu i né, Se ne gal.Gru pos de es cra vos vin dos des tas re giões sen do emma i or quan ti da de os Io ru bas (Nagô), os Ha u çã (Ma o -me ta nos), da Ni gé ria, os de no mi na dos Jeje, do Da o -mei, os Fan ti-axan ti (Mi nas), da Cos ta do Ouro. Indi ví -du os vin dos des tas re giões. F. – de Su dão...BANTOS: Gru po lin güís ti co com pre en den do mi lhõesde afri ca nos, com inú me ras lín guas e qua se tre zen tosdi a le tos, que se es ten de por apro xi ma da men te dois ter -ços da Áfri ca Ne gra, des de o Ca me rum até o sul. Inclui

Ango la e Con go, de onde nos veio a ma i o ria dos es cra -vos des se gru po e cu jas lín guas, kim bun do e ki kon go,en tre ou tras, são as que mais ter mos de i xa ram em nos -sa lin gua gem atu al.5

1.3 Impé ri os pré-co lo ni a is: Gha na, opaís do ouro

As ori gens de Gha na são des co nhe ci das. Aspri me i ras no tí ci as da tam do sé cu lo VIII, quan dode uma ex pe di ção mul çu ma na vin da do nor te re -la ta a ri que za do Esta do lo ca li za do no Su dãoOci den tal, apro xi ma da men te en tre os atu a isEsta dos de Mali e a Ma u ri tâ nia. Ten do o ourocomo sua prin ci pal ri que za, logo vi rou ob je to daco bi ça por par te dos ára bes que o tro ca vam porte ci dos, co bre e sal en tre ou tros, além de ten ta -

8

5 CACCIATORE, Olga Gu dol le. Di ci o ná rio de cul tos afro-bra si le i ros. 3. ed. Rio de Ja ne i ro: Edi to ra Fo ren se Uni ver si tá ria, 1988, p. 33.

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rem ex pan dir a re li gião is lâ mi ca. Se gun do Má rioCur tis Gi or da ni, até a “des co ber ta” da Amé ri ca,o re i no foi o prin ci pal for ne ce dor de ouro domun do me di ter râ neo.

Gha na era um tí tu lo uti li za do pelo che fe dore i no – sig ni fi ca va “se nhor da guer ra” – e comotal re ce bia tri bu ta ção pela ex tra ção e co mér cio do mi né rio. Gha na era um Esta do Tri bu tá rio, ouseja, co bra va tri bu tos so bre as mer ca do ri as quepas sa vam por seu ter ri tó rio, e pos su ía sua ca pi talem Kum bi Sa leh. Para pro te ger seus do mí ni os,uti li za va-se de um po de ro so exér ci to, que im pu -nha um con tro le das ro tas co mer ci a is, o que lhesper mi tia vul to sos ga nhos. Se gun do Má rio Ma es -tri, o modo de pro du ção uti li za do por es sas co -mu ni da des do Su dão Oci den tal era o de li nha -gem ou do més ti co, or ga ni za do em tor no de co -mu ni da des fa mi li a res ou al de i as. A pos se da ter raera co le ti va, po dia ser ex plo ra da co le ti va ou in di -vi du al men te. Além da mi ne ra ção, exer ci ta vam acaça, pes ca e co le ta. Pos su íam uma in ci pi en te di -vi são do tra ba lho: pas to res, fer re i ros, mer ca do res e ou tras pro fis sões semi-especializadas.

Gha na so freu uma con si de rá vel in fluên cia is -lâ mi ca, prin ci pal men te por par te de seu gru pogo ver nan te ur ba no. Pois, ao que pa re ce, exis tiacer ta de si gual da de so ci al en tre os ha bi tan tes daca pi tal e os mo ra do res ru ra is. Enquan to a ca pi taldo re i no era des cri ta como sen do uma gran de ci -da de, com ca sas re a is cons tru í das de pe dras, cer -ca das por mu ra lhas, as mo ra di as des ti na das aoscom po nen tes não go ver nan tes ou co mer ci an teseram fe i tas de ca ba nas de ter ra com te tos re don -dos. Des ta que tam bém era dado aos ne go ci an tesara bi za dos que vi vi am à par te, em ou tra ci da deum pou co afas ta da, com “ba za res, plan ta ções ir -ri ga das e nada me nos de que 12 mes qui tas emple na ati vi da de cul tu ral e re li gi o sa”. O pri me i rogran de es ta do tri bu tá rio su da nês vai su cum bir no sé cu lo XIII, di an te de uma for ça ma i or – o re i node Mali.

Ain da so bre Gha na nos diz Ma es tri Fi lho:

Hi pó te ses es ta pa fúr di as fo ram le van ta das pe los pri me -i ros his to ri a do res oci den ta is que se in te res sa ram peloEsta do ne gro. Ven ti lou-se a pos si bi li da de de que suafun da ção fos se obra de ju de us sí ri os fu gi dos de per se -gui ções ro ma nas na Ci re na i ca (re gião da atu al Lí bia), no séc II dc. As ori gens do re i no são mais sim ples e me nosfan ta si o sas.6

Essa não foi à úni ca vez que his to ri a do res oci -den ta is ten tam des qua li fi car a his tó ria afri ca na,atri bu in do seus fe i tos a eu ro pe us ou a não ne -gros, numa ní ti da de mons tra ção de ra cis mo his -to ri o grá fi co.

1.3.1 Mali

Um dos im pé ri os mais co nhe ci dos e ad mi ra -dos den tre os Esta dos an ti gos afri ca nos foi Mali.Esse su pe rou em mu i to a mag ni fi cên cia e o po derde seu an te ces sor – Gha na. O Impé rio de Mali co -me ça a se es tru tu rar sob a li de ran ça de Sun di a ta.Se nhor ab so lu to da si tu a ção após ter ven ci do seusini mi gos, Sun di a ta di vi diu em pro vín ci as seu im -pé rio, no me ou go ver nan tes e sub me teu a uma es -pé cie de ser vi dão os po vos que o ha vi am com ba ti -do. Com ele, os Ke i tas so bem ao co man do doImpé rio de Mali. O go ver no de Sun di a ta foi de talfor ma mar can te, que até os dias de hoje ele é re ve -ren ci a do atra vés de ofe ren das, como re zam an ti -gos cos tu mes de tra di ção afri ca na.

O su ces sor de Sun di a ta foi seu fi lho Man saUli. “Man sa” era um tí tu lo usa do pe los go ver -nan tes lo ca is. “Cada um des ses che fes con ti nu oua exer cer o go ver no lo cal, mas to dos ce de ram otí tu lo de Man sa – ou Man di man sa – a quem naguer ra os co man da ra.”7 De po is de Man sa Uli,esta de sig na ção pas sa a ser usa da por to dos os de -ma is, que che fi a ram o Impé rio. Sal vo en ga no,Uli, as sim como seu pai, fora con ver ti do ao is la -mis mo, não se sabe se por fé ou por sen so deopor tu ni da de. Isto vale tam bém para ou tros go -ver nan tes do im pé rio. To da via, o mes mo não sedeu com as po pu la ções dos ter ri tó ri os sob sua ju -ris di ção, que con ti nu a ram a pra ti car suas cren çasani mis tas. A con ver são ao is la mis mo por par te

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6 MAESTRI, Má rio. His tó ria da Áfri ca ne gra pré-co lo ni al. Por to Ale gre: Mer ca do Aber to, 1988, p. 15.7 SILVA, Alber to da Cos ta e. A en xa da e a lan ça: a Áfri ca an tes dos por tu gue ses, Rio de Ja ne i ro: Nova Fron te i ra; São Pa u lo:

Edusp, 1992, p. 291.

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do go ver nan te não sig ni fi ca de i xar as cren ças ani -mis tas de lado. Em mu i tos ca sos, pa re ce ter sidoa con ver são ao islã uma es tra té gia po lí ti ca uti li za -da pelo go ver nan te para, tal vez, po der usu fru irde cer tas van ta gens. Em mu i tos ca sos, es ses abra -ça vam a fé em Alá, mas con ti nu a vam a pra ti carsuas cren ças lo ca is, sem o mínimo embaraço.

A vi a gem a Meca de Man sa Uli pode ter-lhe sido di ta dapor exi gên cia de uma pro fun da fé. Ou ter sido mero ex -pe di en te po lí ti co, para es ta be le cer me lhor diá lo go comos es ta dos mu çul ma nos do ou tro lado do Sa a ra e paraam pli ar seu pres tí gio en tre os is la mi tas do Mali. E nãosó en tre es tes, pois tan to os ma o me ta nos quan to os pa -gãos acre di ta vam que a es ta da em Meca for ta le cia o ba -ra ca, o po der pro pi ci a tó rio do rei, sua ca pa ci da de de in -flu ir fa vo ra vel men te so bre a ter ra e so bre o cli ma, so -bre as co lhe i tas e so bre o gado, so bre a fer ti li da de dasmu lhe res e o bem-es tar do povo.8

Foi du ran te o im pé rio de Mali que Djen ne (ou Jen ne) e Tom buc tu co me ça ram a emer gir comoprós pe ras ci da des co mer ci a is. So bre Tom buc tudiz Ma es tri:

Cen tro cul tu ral Tom buc tu, que pro cu rou a pro te çãodos se nho res de Mali, trans for mou-se em um dos prin -ci pa is cen tros co mer ci a is do Su dão Oci den tal. Nos fins do séc. XVI, pos su ía em tor no de 25 mil ha bi tan tes, 26al fa i a ta ri as, com até 200 apren di zes cada uma, e nadame nos do que 150 es co las al co ra nis tas. Ba sil Da vid son, em Re ve lan do a Ve lha Áfri ca, re gis trou a re ferên cia deLeon, o Afri ca no, a Tom buc tu: “Em Tom buc tu hámu i tos ju í zes, mé di cos e le tra dos, e to dos re ce bembons es ti pên di os do rei, que tem gran de res pe i to pe losho mens de sa ber. Li vros ma nus cri tos têm ali gran depro cu ra e são im por ta dos da Bar ba ria. O co mér cio li -vre i ro é aí mais lu cra ti vo que qual quer ou tra es pé cie dene gó cio.9

Tom buc tu foi cen tro de um co mér cio in ter na -ci o nal, onde tudo era ne go ci a do – sal, es cra vos,mar fim etc. Ha via tam bém um gran de co mér ciode li vros de His tó ria, Me di ci na, Astro no mia eMa te má ti ca, bem como uma gran de con cen tra -ção de es tu dan tes. O cul tu ra lis mo de Tom buc tupode ser per ce bi do atra vés de um ve lho pro vér -bio afri ca no: “O sal vem do nor te, o ouro vem do

sul, mas as pa la vras de Deus e os te sou ros da sa -be do ria vêm de Tom buc tu”. A pros pe ri da de, apu jan ça e a opu lên cia de Mali fi cam ain da maisevi den ci a das du ran te o re i na do de Man sa Kan kuMus sa (1307-1332). Se gun do re la tos, quan do desua ida a Meca, lo cal de pe re gri na ção mu çul ma na, te ria le va do con si go mi lha res de pes so as – cor te,sol da dos e ser vos –, como tam bém de 10 a 12 to -ne la das de ouro. Se gun do Gi or da ni, o mes mo le -vou con si go cer ca de 8.000 cor te sãos e ser vos. Jáem Meca, com prou ca sas e ter re nos, dis tri bui es -mo las e pre sen tes. De vol ta a Mali, trou xe con si -go le tra dos co mer ci an tes e re li gi o sos. Kan kuMus sa fa la va e escrevia em árabe.

A vi a gem do Man sa Musa foi can ta da em pro -sa e ver sos por dé ca das se guin tes, tal foi a suasun tu o si da de. Po rém, essa de mons tra ção de po -der e ri que za não de i xa ram de tra zer con si go con -se qüên ci as ne ga ti vas, pois, a par tir da mes ma, ospo vos afri ca nos co me ça ram com ma i or in ten si -da de a ser al vos da co bi ça eu ro péia. Por vol ta dosé cu lo XV, prin ci pi a ra a de ca dên cia de Mali, quan -do, den tre ou tros mo ti vos, foi ata ca da pe los tu a -re gues (po vos nô ma des que ha bi ta vam o de ser todo Sa a ra). O es ta do de Mali co me çou a ser di vi di -do, des de en tão, em vá ri os pe que nos re i nos.

1.3.2 Son gai

Foi o úl ti mo, mas o mais po de ro so dos Esta -dos tri bu tá ri os su da ne ses, al can çan do gran de opu -lên cia e po der. Apro xi ma da men te o seu ter ri tó rio ex pan diu-se des de Mali até a atu al Ni gé ria. Tevegran de im por tân cia tam bém como pro pa ga dorda cul tu ra is lâ mi ca.

As po pu la ções son ga i as são di vi di das em doisgran des gru pos: os so kos, que pra ti ca vam a pes -ca, e as goas ca ça do res. A prin ci pal ci da de deSon gai era Gao, lo cal de en con tro das prin ci pa isro tas sa a ri a nas. A ci da de era ha bi ta da por ne go ci -an tes. O rio Ní ger, prin ci pal via flu vi al da re gião,ser via como meio de trans por te e co mér cio, prin -ci pal men te de sal.

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8 Ibi dem, p. 293.9 MAESTRI, Má rio. His tó ria da Áfri ca ne gra pré-co lo ni al. Por to Ale gre: Mer ca do Aber to, 1988, p. 29.

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1.4 Impé rio de Son gai

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Os se nho res de Son gai fo ram de no mi na dosde Soni. Ten do sua in fluên cia cada vez ma i or nare gião, o Soni Ali – O Gran de – im pôs a der ro tado im pé rio man din ga (Mali), dan do iní cio aonovo e úl ti mo gran de im pé rio – Son gai. Soni Alinão se mos trou so men te um gran de ge ne ral, mastam bém um no tá vel ad mi nis tra dor. Após ter as -se gu ra do sua vi tó ria mi li tar, de di cou-se tam bémà ad mi nis tra ção de seus no vos do mí ni os. Paratan to, cons tru iu ca na is de ir ri ga ção e man doucons tru ir em bar ca ções para con tro lar e apri mo -rar o comér cio. Vale re gis trar que Ali era lí der dopar ti do an ti mu çul ma no.

Após a mor te de Ali, seu her de i ro per de o po -der para Mo ham med, de ori gem Sa ra ko le, que seali ou ao par ti do mu çul ma no. Du ran te o re i na dode Mo ham med, Son gai co nhe ceu todo o seu po -der. O im pé rio foi di vi di do em qua tro vice-re i na -dos. Mo ham med to mou me di das uni fi ca do rasquan to aos pe sos e me di das, re gu la men tou a ar -re ca da ção de im pos tos e for mou um exér ci to re -gu lar pro fis si o nal, com pos to por “es cra vos e pri -si o ne i ros”.

O po der de Son gai se deu atra vés da for ça, àqual fo ram sub me ti dos o an ti go re i no de Mali, al -guns es ta dos Ha u çás, en tre ou tros. Me di an te aani mo si da de e a nova con jun tu ra, o im pé rio Son -gai co me ça a ser de sin te gra do nas mãos do su ces -sor de Mo ham med.

1.4.1 Ban tos

Des cen do rumo ao sul do con ti nen te, en con -tra mos os po vos de no mi na dos de Ban tos. Essesse ca rac te ri za ram por pos su ir lín guas se me lhan -tes, for mas de or ga ni za ção e cul tu ra pa re ci das.Em meio a ou tros, des ta ca ram-se o Kon go e oNdon go. Salvo en ga no, den tre os re i nos do sulafri ca no, fo ram os que mais ti ve ram con ta to com trá fi co ne gre i ro bra si le i ro.

1.4.2 Kon go

Um dos mais des ta ca dos e im por tan tes “im -pé ri os” ban tos tal vez te nha sido o Kon go, fun da -do pro va vel men te por Nti nu-Wene, che fe Ki -kon go. Sua ca pi tal lo ca li za va-se em Mban za Kon -go, atu al São Sal va dor, em Ango la. O “so be ra no” do Kon go pos su ía o tí tu lo de Ma ni kon go – Se -nhor do Kon go. Ao mes mo, ca bia no me ar os go -ver na do res das pro vín ci as e es ses jun ta vam aosseus no mes o tí tu lo de Mani. Os re i nos do Kon -go e do Ndon go apre sen ta vam uma eco no mia de sub sis tên cia, ba se a da na agri cul tu ra, na qual de -sen vol vi am prá ti cas agrí co las com ple xas. Estasati vi da des es ta vam ali cer ça das na mão-de-obrafe mi ni na. Pro du zi am ob je tos de fer ro e co bre dealta qua li da de, como tam bém de mar fim. Cri a -vam ga li nhas, ca chor ros e ca bri tos. A mo e da decir cu la ção no ter ri tó rio era o nzim bo, uma es pé -cie de ca ra mu jo. O co mér cio do sal era mo no pó -lio do Ma ni kon go. Na dé ca da de 1980, do sé cu loXV (1482/3), Di e go Cão, apor ta no Rio Za i re,dan do iní cio à con quis ta da re gião. De ime di a to,for ma ram-se duas fac ções afri ca nas: uma li de ra -da por Afon so I, pró Por tu guês, e ou tra con tra,en ca be ça da por Mpan zu a Ka ti ma anti-lu si ta no,pa gão e meio ir mão de Afon so I. O pri me i ro saiuvi to ri o so da dis pu ta e deu iní cio à evan ge li za çãoda ter ra, em ali an ça com os lu sos.

Esta união le vou o re i no a par ti ci par do co -mér cio ne gre i ro. E, aos pou cos, o Ma ni kon goco me ça a per der o po der para os tra fi can tes a ser -vi ço do rei por tu guês. A sub mis são não pode seratri bu í da a to dos os Ma ni kon gos, pois al guns re -sis ti ram a este do mí nio, como foi o caso de Antô -

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10 MAESTRI, Má rio. His tó ria da Áfri ca ne gra pré-co lo ni al. Por to Ale gre: Mer ca do Aber to, 1988, p. 34.

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nio I, que en fren tou, em 1665, tro pas eu ro péi as.No en tan to, o mes mo foi der ro ta do, apri si o na doe de ca pi ta do. Se gun do Ma es tri, tal der ro ta le voua uma divisão do Kongo em três reinos e omergulhou na desordem.

1.4.3 Ndon go

O re i no Ndon go, sal vo en ga no, foi fun da dono iní cio do sé cu lo XVI, por um che fe Ki bun do.A au to ri da de má xi ma do re i no de no mi na va-se de Ngo la. Esses se sub me te ram à so be ra nia dos Ma -ni kon gos até 1556, quan do, com o apo io de al -guns por tu gue ses, der ro tam os se nho res afri ca -nos. De sua ca pi tal Ca bas sa, o Ngo la ven ce dorIne ne man dou uma em ba i xa da a Por tu gal, a fimde es ta be le cer uma po lí ti ca de ali an ça di re ta men -te com a co roa, sem in ter me diá ri os. Mas a re la ção en tre os lu sos e os Ndon gos não foi pa cí fi ca; elatam bém en fren tou a re sis tên cia de al guns Ngo -las, que se sen ti am ame a ça dos di an te da pre sen çae in te res ses dos lu sos em sua re gião. Pos su in doos eu ro pe us o apo io do Ma ni kon go, en tra ram em con fli to ar ma do com o se nhor do Ndon go emuma san gren ta guerra.

As tra ta ti vas de paz com os por tu gue ses fo -ram re a li za das já no sé cu lo XVII, sob a li de ran ça

de Nzin ga Mbun di – ra i nha Gin ga. Esta sen dopos su i do ra de gran de pres tí gio en tre os seus, tor -nou-se so be ra na após rom per as re gras de su ces -são ao tro no Ndon go. Usan do de di plo ma cia ear ti ma nhas não exi tou em con ver ter-se ao ca to li -cis mo para al can çar seus ob je ti vos, con se guin dogran des van ta gens na mesa de ne go ci a ção com os por tu gue ses. Nzin ga foi uma fi gu ra mar can te noNdon go, e hoje ser ve de re ferên cia a vá ri os gru -pos de ati vis tas ne gros no Bra sil.

To da via, as sim como acon te ceu com os de no -mi na dos su da ne ses, em que des ta ca mos os trêsprin ci pa is re i nos, Gana Mali e Son gai, não po de -mos de i xar de di zer que vá ri os ou tros se des ta ca -ram tam bém na que la re gião. Assim, o mes mo vaiacon te cer com os de no mi na dos Ban tos, em quete re mos uma mul ti pli ci da de de ou tros po vos, que igual men te ti ve ram sin gu lar im por tân cia nomun do afri ca no, den tre os qua is os Xo nas, osZulus e o im pé rio Mo no mo ta pa, en tre ou tros, que tam bém ti ve ram suas es tru tu ras aba la das, com ache ga da dos eu ro pe us, e, con se qüen te men te, so -fre ram os ma le fí ci os oca si o na dos pelo trá fi cotran sa tlân ti co, tendo esse mo di fi ca do as es tru tu ras e o de sen vol vimento africano.

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11 SOUZA, Ma ri na de Mel lo e. Áfri ca e Bra sil afri ca no. São Pa u lo: Áti ca, 2006, p. 20.

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Par te II:

Aspec tos do trá fi co de es cra vos para o Bra sil

A es cra vi dão não pode ser de bi ta da a um ououtro povo. Des de os tem pos mais re mo tos, se reshu ma nos es cra vi za ram ou tros se res hu ma nos. Ama i or fon te de es cra vi za ção sem pre fo ram asguer ras. Egíp ci os, ro ma nos, gre gos, me so po tâ -mi cos, as sim como ou tros, par ti ci pa ram ati va -men te des sa ex pe riên cia. Pri si o ne i ros de guer raeram pos tos a tra ba lhar ou eram ven di dos con -for me a si tu a ção. Con tu do, não so men te as guer -ras eram fon tes de con du ção de ho mens e mu lhe -res ao ca ti ve i ro, como tam bém cri mes, dí vi das efal ta de con di ção de auto-sus ten tar-se, den treoutras. Assim tam bém ocor reu no con ti nen te ne -gro, onde vá ri as et ni as se uti li za ram da ser vi dão.Entre tan to, a su je i ção afri ca na não pode ja ma is sercom pa ra da à es cra vi dão bra si le i ra, pois na pri me i raa ser vi dão era algo de fi ni do, os ca ti vos ti nham di re i -tos e de ve res, po den do, ao lon go do tem po, li -vrar-se do ca ti ve i ro. Mu i tos ca ti vos, tan to na Áfri cacomo no mun do is lâ mi co, ocu pa ram car gos de des -ta que e pres tí gio jun to a seus se nho res.

Nas so ci e da des or ga ni za das em tor no dos che fes de li -nha gens, em al de i as ou fe de ra ções de al de i as, po di amvi ver es tran ge i ros, cap tu ra dos em guer ras ou tro ca dospor pro du tos como sal e co bre que eram su bor di na dosa um se nhor e po di am ser cha ma dos de es cra vos. Elespo di am ser cas ti ga dos ou ven di dos e ti nham de fa zer oque seu se nhor de ter mi nas se. Dava-se pre fe rên cia amu lhe res, que cul ti va vam a ter ra, pre pa ra vam os ali -men tos e ti nham fi lhos. Os fi lhos das es cra vas com ho -mens li vres da fa mí lia do seu se nhor ou com ele mes mo ge ral men te não eram es cra vos. A prin cí pio não ti nhamos mes mos di re i tos dos fi lhos de mu lhe res li vres, tra -zen do a mar ca da es cra vi dão, mas a cada ge ra ção esta ia di mi nu in do, até de sa pa re cer. Ter es cra vas que au men -tas sem a ca pa ci da de de tra ba lho e de re pro du ção da fa -mí lia era uma for ma de uma li nha gem se for ta le cer di -an te das ou tras.12

Na ida de mo der na, quan do os la ços de ser vi -dão co me ça vam a se afrou xar na Eu ro pa, sur pre -en den te men te vai ha ver o flo res ci men to da es -cra vi dão nas Amé ri cas, com uma nova ca rac te rís -ti ca, a cor da pele, ou seja, ba se a das em jus ti fi ca ti -vas mo ra is, re li gi o sas. Numa su pos ta su pe ri o ri -da de ra ci al, os ame rín di os e os afri ca nos se rão re -du zi dos, atra vés de jus ti fi ca ti vas ét ni cas, ao ca ti -ve i ro. Nes se novo con tex to, cou be a pri ma zia dotrá fi co de afri ca nos aos por tu gue ses. A es ca la dados lu sos deu-se após a uni fi ca ção do re i no por -tu guês. Em 1415, a to ma da de Ce u ta, im por tan tepor to co mer ci al afri ca no que se en con tra va nasmãos dos mu çul ma nos, ser viu de mar co ao iní cio das con quis tas, bem como o Trá fi co Ne gre i roTran sa tlân ti co. Cos te an do a cos ta afri ca na, ospor tu gue ses en tra ram em con ta to com as po pu -la ções na ti vas do ter ri tó rio e es ta be le ce ram ati vi -da des mer can tis, ten do es tas, como prin ci palob je to de co mér cio, o trá fi co de se res hu ma nos.Sal vo en ga no, os pri me i ros tra ba lha do res es cra -vi za dos tra zi dos ao Bra sil te ri am vin do do Con -go (1532), im por tan te re gião ne gra ha bi ta da pormi lhões de pes so as, que teve seu pri me i ro con -ta to com Por tu gal atra vés de Di o go Cão, em1482.

O trá fi co de es cra vos foi uma fon te de gran deim por tân cia para a acu mu la ção de ca pi tal para asna ções eu ro péi as, pois era algo ex tre ma men te lu -cra ti vo. Embo ra a pri ma zia te nha sido por tu gue -sa, aos mes mos não po de mos atri bu ir à ex clu si vi -da de. Do van ta jo so co mér cio de se res hu ma nosparti ci pa ram, tam bém, ho lan de ses, es pa nhóis, in -gle ses, fran ce ses e ou tros, que ce i fa ram mi lhões de vi das afri ca nas. O con ti nen te, que ou tro ra abas te -ce ra a Eu ro pa com me ta is pre ci o sos – ouro –, pas -

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12 SOUZA, Ma ri na de Mel lo e. Áfri ca e Bra sil afri ca no. São Pa u lo: Áti ca, 2006, p. 48.

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sou, a par tir do sé cu lo XVI, a mu ni ci ar as Amé ri -cas com tra ba lha do res es cra vi za dos. Após se remcap tu ra dos, eram le va dos ao li to ral para se remtrans por ta dos em em bar ca ções, al cu nha das dena vi os ne gre i ros ou “tum be i ros”. Esta al cu nhade via-se ao ele va do per cen tu al de mor tos, ocor ri -dos du ran te a lon ga tra ves sia tran sa tlân ti ca a queeram sub me ti dos os fi lhos da Áfri ca. O co mér cio de afri ca nos re du zi dos à es cra vi dão era algo ex -tre ma men te van ta jo so. Dele, par ti ci pa vam de seuslu cros não so men te os ne gre i ros, mas tam bém oes ta do e o cle ro.

No re i na do de D. João II, o trá fi co já es ta va or ga ni za doe re gu la men ta do, sub me ten do-se no re i na do se guin te àju ris di ção da “Casa dos Escra vos” de Lis boa, ane xa àCasa da Mina, de po is Casa da Índia. Des de essa épo ca, aco roa ti nha in ter fe rên cia di re ta na ati vi da de, fa zen do ne -gó ci os por con ta pró pria, além de co brar ren das so breela. A Casa dos Escra vos des ti na va o dí zi mo (10%) doses cra vos ao rei e a vin te na (5%) à Ordem de Cris to.13

O Bra sil, ao lon go de sua his tó ria, foi um dosgran des im por ta do res de tra ba lha do res es cra vi -za dos, no que con ta va com o apo io ex plí ci to dasau to ri da des na ci o na is, tan to no pe río do co lô nia,como mais tar de du ran te o im pé rio. Em am bosos es tá gi os, a mão-de-obra ser vil foi a base daeco no mia bra si le i ra.

O pró prio go ver no bra si le i ro era um “go ver no quene go ci a va com es cra vos, con tra suas pró pri as leis etra ta dos”, es cre veu o Mi nis tro dos Esta dos Uni dos no Rio, em 1846. “Os Mi nis tros & Con se lhe i ros de Esta -do & Se na do res e De le ga dos nas Câ ma ras es tão, semdú vi da, en vol vi dos nes te trá fi co tão ou sa do quan tohor ro ro so...”14

De vi do às re la ções di plo má ti cas e eco nô mi cas exis ten tes en tre Ingla ter ra e Por tu gal, a pri me i raapós tam bém ter se de di ca do e be ne fi ci a do-se doao trá fi co in ter na ci o nal, par tiu prin ci pal men te no

sé cu lo XIX a re pres são do lu cra ti vo co mér cio es -cra vis ta. Pres si o nan do o go ver no luso a aca barcom o mes mo, no me nor es pa ço pos sí vel detem po.

Du ran te a sua cru za da de qua ren ta anos con tra o co -mér cio de es cra vos no Bra sil, a Grã-Bre ta nha ne go ci ou uma sé rie de tra ta dos com os go ver nos do Bra sil e Por -tu gal en tre 1810 e 1826, ten do sido to dos eles re ce bi dos com gran de re lu tân cia por par te dos go ver nan tes bra si -le i ros, que sem pre ti ve ram cons ciên cia da amar ga opo -si ção da ma i o ria de seus ci da dãos mais po de ro sos aqua is quer con ces sões na ques tão dos es cra vos.15

So bre o mes mo as sun to se gue Con rad:

Em 1823, José Bo ni fá cio de Andra da e Sil va afir mouque 40 mil es cra vos ha vi am en tra do no país du ran te oscin co ou seis anos an te ri o res sem ca u sa rem au men tosig ni fi can te na po pu la ção de es cra vos, com a ma i o riade les mor ren do “ou de mi sé ria ou de de ses pe ra ção...”.Um ci rur gião bri tâ ni co que vi via no Rio na dé ca da de1840 afir mou que a po pu la ção es cra va bra si le i ra es ta va“di mi nu in do e se ria re du zi da à in sig ni fi cân cia, ex ce tope los car re ga men tos de afri ca nos que eram tra zi dosanu al men te da cos ta opos ta par subs ti tu ir os mor tos”.Os bra si le i ros, se gun do ele pen sa va, não es ta vam dis -pos tos “a sub me te rem-se a to das as des pe sas e ris cosine ren tes à in fân cia e a ado les cên cia, quan do... po demir à rua ao lado e ob te rem qual quer ida de ou sexo deque pre ci sem.16

A Áfri ca, atra vés do trá fi co, foi pal co do ma i orho lo ca us to pro vo ca do pela hu ma ni da de, que foia trans for ma ção afri ca nos em tra ba lha do res es -cra vi za dos. Não sa be mos ao cer to quan tos mi -lhões de pes so as fo ram ví ti mas di re tas ou in di re -tas do mes mo, po rém não te mos nada com pa rá -vel com este. Se gun do Wal ter Rod ney, esta ci frapode be i rar a 100 mi lhões de pes so as.17 O mes -mo au tor nos apre sen ta um qua dro es ti ma ti vodas po pu la ções en tre 1650 a 1900 (em mi lhões de ha bi tan tes).

14

13 JUNIOR, Antô nio Men des; RONCARI, Luiz; MARANHÃO, Ri car do. Bra sil His tó ria. Tex to e con tex to. São Pa u lo: Edi to raBra si li en se, 1979, vol. 1, p. 104.

14 CONRAD, Ro bert. Os úl ti mos anos da es cra vi dão no Bra sil: 1850-1888. Trad. Fer nan do de Cas tro Fer ro. Rio de Ja ne i ro: Ci vi li -za ção Bra si le i ra, 1978, p. 31.

15 Ibi dem, p. 31.16 Ibi dem, p. 35-36.17 Cf. RODNEY, Wal ter. Como a Eu ro pa sub de sen vol veu a Áfri ca. Trad. Edgar Va les. Lis boa: Se a ra Nova, 1975.

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2. 1 Esti ma ti va em mi lhões

1650 1750 1850 1900

Áfri ca................ 100 100 100 120

Eu ro pa ............. 103 144 274 423

Ásia................... 257 437 656 857

Os da dos aci ma de mons tram a es tag na ção dapo pu la ção afri ca na, du ran te os sé cu los XVII, XVIII

e XIX, ou seja, du ran te o pe río do de ma i or vi gordo trá fi co tran sa tlân ti co. Esta tis ti ca men te, sal voen ga no, en quan to os de ma is con ti nen tes ti ve ramum sig ni fi ca ti vo au men to po pu la ci o nal, a Áfri cafi cou qua se que es tag na da, em re la ção ao cres ci -men to po pu la ci o nal, de vi do ao ma i or ho lo ca us to da his tó ria da hu ma ni da de – o trá fi co de es cra vos ne gros.

A uti li za ção de afri ca nos como ca ti vos, já eraalgo con sa gra do mes mo an tes da fi xa ção dospor tu gue ses no con ti nen te ne gro. Os ára bes, an -tes des tes, já uti li za vam a mão-de-obra ser vil ne -gra, as sim como os ro ma nos an tes da que les, en -tre ou tros. To da via, nada vai se com pa rar com ao êxo do de tra ba lha do res afri ca nos para as co lô ni -as do novo mun do. O trá fi co ne gre i ro, as simcomo os hor ro res ca u sa dos a suas ví ti mas, foima gis tral men te narrado por Castro Alves, em seu épico “O navio negreiro”.

2.2 “O na vio ne gre i ro” (Cas tro Alves)

I

‘Sta mos em ple no mar... Dou do no es pa çoBrin ca o luar – dou ra da bor bo le ta;E as va gas após ele cor rem... can samComo tur ba de in fan tes in qui e ta.

‘Sta mos em ple no mar... Do fir ma men toOs as tros sal tam como es pu mas de ouro...O mar em tro ca acen de as ar den ti as,- Cons te la ções do lí qui do te sou ro...

‘Sta mos em ple no mar... Dois in fi ni tosAli se es tre i tam num abra ço in sa no,Azu is, dou ra dos, plá ci dos, su bli mes...Qual dos dous é o céu? qual o oce a no?...

‘Sta mos em ple no mar. . . Abrin do as ve lasAo quen te ar far das vi ra ções ma ri nhas,Ve le i ro bri gue cor re à flor dos ma res,Como ro çam na vaga as an do ri nhas...

Don de vem? onde vai? Das naus er ran tesQuem sabe o rumo se é tão gran de o es pa ço?Nes te sa a ra os cor céis o pó le van tam,Ga lo pam, voam, mas não de i xam tra ço.

Bem fe liz quem ali pode nest ’ho raSen tir des te pa i nel a ma jes ta de!Emba i xo – o mar em cima – o fir ma men to...E no mar e no céu – a imen si da de!

Oh! que doce har mo nia traz-me a bri sa!Que mú si ca su a ve ao lon ge soa!Meu Deus! como é su bli me um can to ar den tePe las va gas sem fim bo i an do à toa!

Ho mens do mar! ó ru des ma ri nhe i ros,Tos ta dos pelo sol dos qua tro mun dos!Cri an ças que a pro ce la aca len ta raNo ber ço des tes pé la gos pro fun dos!

Espe rai! es pe rai! de i xai que eu bebaEsta sel va gem, li vre po e siaOrques tra – é o mar, que ruge pela proa,E o ven to, que nas cor das as so bia.............................................................

Por que fo ges as sim, bar co li ge i ro?Por que fo ges do pá vi do po e ta?Oh! quem me dera acom pa nhar-te a es te i raQue se me lha no mar – dou do co me ta!

Alba troz! Alba troz! águia do oce a no,Tu que dor mes das nu vens en tre as ga zas,Sa co de as pe nas, Le vi at han do es pa ço,Alba troz! Alba troz! dá-me es tas asas.

15

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II

Que im por ta do na u ta o ber ço,Don de é fi lho, qual seu lar?Ama a ca dên cia do ver soQue lhe en si na o ve lho mar!Can tai! que a mor te é di vi na!Res va la o bri gue à bo li naComo gol fi nho ve loz.Pre sa ao mas tro da me ze naSa u do sa ban de i ra ace naAs va gas que de i xa após.

Do Espa nhol as can ti le nasRe que bra das de lan gor,Lem bram as mo ças mo re nas,As an da lu zas em flor!Da Itá lia o fi lho in do len teCan ta Ve ne za dor men te,- Ter ra de amor e tra i ção,Ou do gol fo no re ga çoRe lem bra os ver sos de Tas so,Jun to às la vas do vul cão!

O Inglês – ma ri nhe i ro frio,Que ao nas cer no mar se achou,(Por que a Ingla ter ra é um na vio,Que Deus na Man cha an co rou),Rijo en toa pá tri as gló ri as,Lem bran do, or gu lho so, his tó ri asDe Nel son e de Abou kir.. .O Fran cês – pre des ti na do -Can ta os lou ros do pas sa doE os lou re i ros do por vir!

Os ma ri nhe i ros He le nos,Que a vaga jô nia cri ou,Be los pi ra tas mo re nosDo mar que Ulis ses cor tou,Ho mens que Fí di as ta lha ra,Vão can tan do em no i te cla raVer sos que Ho me ro ge meu ...Na u tas de to das as pla gas,Vós sa be is achar nas va gasAs me lo di as do céu! ...

III

Des ce do es pa ço imen so, ó águia do oce a no!Des ce mais ... inda mais... não pode olharhu ma noComo o teu mer gu lhar no bri gue vo a dor!Mas que vejo eu aí... Que qua dro d’a mar gu ras!É can to fu ne ral! ... Que té tri cas fi gu ras! ...Que cena in fa me e vil... Meu Deus! Meu Deus!Que hor ror!

IV

Era um so nho dan tes co... o tom ba di lhoQue das lu zer nas aver me lha o bri lho.Em san gue a se ba nhar.Ti nir de fer ros... es ta lar de aço i te...Le giões de ho mens ne gros como a no i te,Hor ren dos a dan çar...

Ne gras mu lhe res, sus pen den do às te tasMa gras cri an ças, cu jas bo cas pre tasRega o san gue das mães:Ou tras mo ças, mas nuas e es pan ta das,No tur bi lhão de es pec tros ar ras ta das,Em ân sia e má goa vãs!

E ri-se a or ques tra irô ni ca, es tri den te...E da ron da fan tás ti ca a ser pen teFaz dou das es pi ra is ...Se o ve lho ar que ja, se no chão res va la,Ou vem-se gri tos... o chi co te es ta la.E voam mais e mais...

Pre sa nos elos de uma só ca de ia,A mul ti dão fa min ta cam ba le ia,E cho ra e dan ça ali!Um de ra i va de li ra, ou tro en lou que ce,Ou tro, que mar tí ri os em bru te ce,Can tan do, geme e ri!

No en tan to o ca pi tão man da a ma no bra,E após fi tan do o céu que se des do bra,Tão puro so bre o mar,Diz do fumo en tre os den sos ne vo e i ros:“Vi brai rijo o chi co te, ma ri nhe i ros!Fa zei-os mais dan çar!..."

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E ri-se a or ques tra irô ni ca, es tri den te. . .E da ron da fan tás ti ca a ser pen teFaz dou das es pi ra is...Qual um so nho dan tes co as som bras voam!...Gri tos, ais, mal di ções, pre ces res so am!E ri-se Sa ta nás!...

V

Se nhor Deus dos des gra ça dos!Di zei-me vós, Se nhor Deus!Se é lou cu ra... se é ver da deTan to hor ror pe ran te os céus?!Ó mar, por que não apa gasCo’a es pon ja de tuas va gasDe teu man to este bor rão?...Astros! no i tes! tem pes ta des!Ro lai das imen si da des!Var rei os ma res, tu fão!

Quem são es tes des gra ça dosQue não en con tram em vósMais que o rir cal mo da tur baQue ex ci ta a fú ria do al goz?Quem são? Se a es tre la se cala,Se a vaga à pres sa res va laComo um cúm pli ce fu gaz,Pe ran te a no i te con fu sa...Dize-o tu, se ve ra Musa,Musa li bér ri ma, au daz!...

São os fi lhos do de ser to,Onde a ter ra es po sa a luz.Onde vive em cam po aber toA tri bo dos ho mens nus...São os guer re i ros ou sa dosQue com os ti gres mos que a dosCom ba tem na so li dão.Ontem sim ples, for tes, bra vos.Hoje mí se ros es cra vos,Sem luz, sem ar, sem ra zão. . .

São mu lhe res des gra ça das,Como Agar o foi tam bém.Que se den tas, al que bra das,De lon ge... bem lon ge vêm...Tra zen do com tí bi os pas sos,

Fi lhos e al ge mas nos bra ços,N’al ma – lá gri mas e fel...Como Agar so fren do tan to,Que nem o le i te de pran toTêm que dar para Isma el.

Lá nas are i as in fin das,Das pal me i ras no país,Nas ce ram cri an ças lin das,Vi ve ram mo ças gen tis...Pas sa um dia a ca ra va na,Qu an do a vir gem na ca ba naCis ma da no i te nos véus ...... Ade us, ó cho ça do mon te,... Ade us, pal me i ras da fon te!...... Ade us, amo res... ade us!...

De po is, o are al ex ten so...De po is, o oce a no de pó.De po is no ho ri zon te imen soDe ser tos... de ser tos só...E a fome, o can sa ço, a sede...Ai! quan to in fe liz que cede,E cai p’ra não mais s’er guer!...Vaga um lu gar na ca de ia,Mas o cha cal so bre a are iaAcha um cor po que roer.

Ontem a Ser ra Leoa,A guer ra, a caça ao leão,O sono dor mi do à toaSob as ten das d’am pli dão!Hoje... o po rão ne gro, fun do,Infec to, aper ta do, imun do,Ten do a pes te por ja guar...E o sono sem pre cor ta doPelo ar ran co de um fi na do,E o ba que de um cor po ao mar...

Ontem ple na li ber da de,A von ta de por po der...Hoje... cúm’ lo de mal da de,Nem são li vres p’ra mor rer. .Pren de-os a mes ma cor ren te- Fér rea, lú gu bre ser pen te -Nas ros cas da es cra vi dão.

17

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E as sim zom ban do da mor te,Dan ça a lú gu bre co or teAo som do açou te... Irri são!...

Se nhor Deus dos des gra ça dos!Di zei-me vós, Se nhor Deus,Se eu de li ro... ou se é ver da deTan to hor ror pe ran te os céus?!...Ó mar, por que não apa gasCo’a es pon ja de tuas va gasDo teu man to este bor rão?Astros! no i tes! tem pes ta des!Ro lai das imen si da des!Var rei os ma res, tu fão! ...

VI

Exis te um povo que a ban de i ra em pres taP’ra co brir tan ta in fâ mia e co bar dia!...E de i xa-a trans for mar-se nes sa fes taEm man to im pu ro de ba can te fria!...Meu Deus! meu Deus! mas que ban de i ra é esta,Que im pu den te na gá vea tri pu dia?Si lên cio. Musa... cho ra, e cho ra tan toQue o pa vi lhão se lave no teu pran to! ...

Au ri ver de pen dão de mi nha ter ra,Que a bri sa do Bra sil be i ja e ba lan ça,Estan dar te que a luz do sol en cer raE as pro mes sas di vi nas da es pe ran ça...Tu que, da li ber da de após a guer ra,Fos te has te a do dos he róis na lan çaAntes te hou ves sem roto na ba ta lha,Que ser vi res a um povo de mor ta lha!...

Fa ta li da de atroz que a men te es ma ga!Extin gue nes ta hora o bri gue imun doO tri lho que Co lom bo abriu nas va gas,Como um íris no pé la go pro fun do!Mas é in fâ mia de ma is! ... Da eté rea pla gaLe van tai-vos, he róis do Novo Mun do!Andra da! ar ran ca esse pen dão dos ares!Co lom bo! fe cha a por ta dos teus ma res18

Sobre as con di ções de trans por te nos “tum -be i ros” des cre ve um mé di co bri tâ ni co con tem -po râ neo:

Amon to a dos no con vés, e obs tru in do as pas sa gens emam bos os la dos, aga cha dos, ou me lhor, cur va dos, tre -zen tos e ses sen ta e dois ne gros. Com do en ça, de fi ciên -cia e mi sé ria es tam pa das com imen si da de de tal for mado lo ro sa que ex ce dia qual quer po der de des cri ção. Umcan to... um gru po de mi se rá ve is es ti ra dos, mu i tos nosúl ti mos es tá gi os da exa us tão e to dos co ber tos com pús -tu las de va río la. Obser vei que mu i tos de les ti nham ras -te ja do até o lu gar em que a água ha via sido ser vi da, naes pe ran ça de con se guir um gole do lí qui do pre ci so; mas in ca pa zes de re tor na rem aos seus lu ga res, ja zi am pros -tra dos ao re dor da tina. Aqui e ali, em meio ao aglo me -ra do, ha via ca sos iso la dos da mes ma do en ça re pug nan -te em sua for ma con flu en te ou pior, ca sos de ex tre maexa us tão. Alguns em es ta do de com ple to es tu por, ou -tros olhan do pe no sa men te ao re dor, apon tan do comos de dos para suas bo cas cres ta das... Em to dos os la -dos, ros tos es quá li dos e en co va dos, tor na dos ain damais he di on dos pe las pál pe bras in tu mes ci da por umavi o len ta of tal mi te da qual pa re ci so frer a ma i o ria; alémdis so ha via fi gu ras re du zi das a pele e osso, cur va dasnuma pos tu ra que ori gi nal men te fo ram for ça das a ado -tar pela fal ta de es pa ço, e que a de bi li da de e ri gi dez dasjun tas for ça ram -nos a man ter.19

Tra fi can tes de vá ri as na ci o na li da des usu fru í -ram do trá fi co tran sa tlân ti co, onde tro ca vam suas mer ca do ri as (fer ro, co bre, ar mas, te ci dos, vi dros,fumo etc.) na cos ta afri ca na, por pri si o ne i ros quere ce bi am a de sig na ção de “pe ças”.

A peça re pre sen ta um ne gro de 15 a 25 anos. Um ne grode 8 a 15 (anos não cons ti tui uma peça in te ra; são pre ci -

18

18 ALVES, Cas tro. O na vio ne gre i ro. Dis po ní vel em: <www.cul tu ra bra sil.pro.br/na vi o ne gre i ro/>. Aces so em 27 de nov. 2007.19 EQUIPE Ce hi la – po pu lar. A His tó ria dos afri ca nos na Amé ri ca La ti na. Pe tró po lis: Vo zes, 1988, p. 26.

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sos três para fa zer duas pe ças. As cri an ças com me nosde 8 anos (mo le ques) e os adul tos de 35 a 45 anos con -tam ½ peça. As cri an ças de pe i to se guem as mães e nãocon tam. Os do en tes e os que têm mais de 45 anos sãojul ga dos por ár bi tros. O es cra vo ide al é a peça de1.82m, de 25 anos e sem de fe i tos fí si cos. Aba i xo de1.65m, uma peça per de mu i to de seu va lor.20

O trá fi co de afri ca nos e a con se qüen te es cra -vi za ção dos mes mos con tou tam bém com o apo io da Igre ja ca tó li ca, que, jun ta men te com o Esta do, se be ne fi ci a va eco no mi ca men te do ren do so ne -gó cio, como re la ta Ro nal do Va i fas ci tan do umacor res pon dên cia de Luis Bran dão, re i tor do co lé -gio de Lu an da a Alon so San do val em 1611.

[...] nun ca con si de ra mos este trá fi co ilí ci to. Os Pa dresdo Bra sil tam bém não, e sem pre hou ve, na que la pro -vín cia, pa dres emi nen tes pelo sa ber. Assim, tan to nóscomo os pa dres do Bra sil com pra mos aque les es cra vossem es crú pu los... É ver da de que, quan do um ne gro éin ter ro ga do, ele sem pre pre ten de que foi cap tu ra do por me i os ile gí ti mos...É ver da de tam bém que, en tre os es -cra vos que se ven dem em Ango la nas fe i ras, há os quesão le gí ti mos... Mas es tes não são nu me ro sos e é im -pos sí vel pro cu rar es tes pou cos es cra vos ile gí ti mos en -tre os dez ou doze mil que par tem cada ano do por to de Lu an da.21

Ou tro fa tor que mo ti va va o trá fi co era o va lor. De po is de cap tu ra dos e en tre gues aos Pum be i ros pe los So bas, os afri ca nos po de ri am ser com pra -dos nas cos tas afri ca nas, em 1846, por oito a de -zo i to dó la res, e três ou qua tro se ma nas de po ispo de ri am ser ven di dos em ter ri tó rio bra si le i ropor tre zen tos dó la res.22 Os ho mens, de vi do à sua for ça fí si ca, fo ram o alvo pre fe ren ci al dos tra fi -can tes. Cal cu la-se que para cada três ou qua troho mens em bar ca dos para o Bra sil te nha sido im -por ta da uma mu lher, oca si o nan do, des sa for ma,um dese qui lí brio se xu al en tre a es cra va ria bra si -le i ra. Os tra ba lha do res e tra ba lha do ras es cra vi za -dos, após se rem trans por ta dos em con di ções de -su ma nas, che ga vam ao seu des ti no no Bra sil e de -sem bar ca vam nos por tos do Rio de Ja ne i ro, deRe ci fe, da Ba hia, de São Pa u lo, en tre ou tros. A

che ga da da mer ca do ria, como eram cha ma dos,foi des cri ta por Ro bert Con rad:

Ha via nes ta ci da de, o ter rí vel cos tu me de tão logo osne gros de sem bar cas sem nos por tos vin dos da cos taafri ca na, en tra vam na ci da de atra vés das prin ci pa is viaspu bli cas, não ape nas car re ga dos de inú me ras do en ças,mas nus. E por que essa es pé cie de gen te, se não lhe édada ma i o res ins tru ções, é como qual quer bru to sel va -gem, eles fa zi am tudo o que a na tu re za su ge ria no meioda rua, onde fi ca vam sen ta dos em al gu mas tá bu as alico lo ca das, ca u san do não ape nas a pior es pé cie de mauche i ro nes sas ruas e cer ca ni as, mas tam bém ofe re cen do o es pe tá cu lo mais ter rí vel que o olho hu ma no pode tes -te mu nhar.23

Gu ar da dos em de pó si tos e exa mi na dos comoani ma is, onde lhes eram vis to ri a dos os den tes eos ór gãos ge ni ta is, os es cra vos es ta vam pron tospara se rem ven di dos aos seus “se nho res”. Apóso ne gó cio, eram mar ca dos a fer ro com a mar ca de seu dono e re ce bi am um nome cris tão de ba tis -mo. Era ne ces sá rio cor tar todo o vín cu lo ou lem -bran ça de suas vi das li vres na Áfri ca, por isso lhes era dada uma nova iden ti da de e re li gião. Os la çoscom o pas sa do de ve ri am ser des fe i tos para fa ci li -tar suas sub mis sões.

O comér cio de ca ti vos era algo ex tre ma men -te lu cra ti vo para os co mer ci an tes, pois es tesnun ca sa íam com os na vi os sem mer ca do ri as.Os ne go ci an tes de se res hu ma nos par ti am daEu ro pa car re gan do ob je tos como rum, fumo,fer ro, te ci dos, ar mas, vi dro, co bre etc., rumo aos por tos afri ca nos. Lá, tro ca vam as mer ca do ri aspor pri si o ne i ros, mu i tas ve zes se nho res da eli telo cal – reis e ho mens da no bre za afri ca na ou ho -mens co muns, que ago ra ser vi ri am como “mer -ca do ria”. De pos se da “nova mer ca do ria”, ostra fi can tes ru ma vam para os por tos co lo ni a is,onde as ven di am. Após tran sa ci o na rem os se reshu ma nos trans for ma dos em “pe ças”, as nausen tão re tor na vam aos por tos de ori gem, car re ga -das de pro du tos co lo ni a is como: me la do, pau-bra -sil, ca cha ça, ta ba co etc., fe chan do, as sim, um ren -tá vel co mér cio tran sa tlân ti co.

19

20 MAURO, Fre de ric. Por tu gal, o Bra sil e o Atlân ti co (1750-1670). Lis boa: Estam pa, 1989, p. 243.21 VAINFAS, Ro nal do. Ide o lo gia e es cra vi dão: os le tra dos e a so ci e da de es cra vis ta no Bra sil co lo ni al. Pe tró po lis: Vo zes, 1986, p. 16.22 GORENDER, Ja cob. A es cra vi dão re a bi li ta da. São Pa u lo: Áti ca, 1990, p. 88.23 CONRAD, Ro bert. Tum be i ros – O trá fi co de es cra vos para o Bra sil. São Pa u lo: Bra si li en se, 1985, p. 19.

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2.3 Nota so bre a his tó ria dos es cra vosno Bra sil

O sé cu lo XVI, mar ca a che ga da dos eu ro pe usnas ter ras hoje de no mi na das de Bra sil. Po rém,an tes da che ga da dos mes mos, essa já se acha vaocu pa da pe los bra sis. Cal cu la-se es ti ma da men teque esta po pu la ção es ta ria em tor no de dois a cin -co mi lhões de ha bi tan tes, quan do da che ga da dos por tu gue ses. Os lu sos que aqui abor da ram es ta -vam à pro cu ra de es pe ci a ri as e me ta is pre ci o sos.Po rém, não en con tran do tais ob je tos, de i xa ramqua se que aban do na das às ter ras bra si le i ras. Li -mi tan do-se ba si ca men te ao es cam bo de pau-bra -sil com os ha bi tan tes lo ca is.

Pre ten den do pre ser var o do mí nio so bre anova ter ra, os con quis ta do res to mam a de ci sãode co lo ni zá-la. Te men do a pre sen ça de cor sá ri osho lan de ses, in gle ses e fran ce ses nas cos tas bra si -le i ras, Por tu gal bus cou uma al ter na ti va co mer ci al para co lo ni zar suas ter ras no novo mun do. Apro -ve i tan do-se de sua ex pe riên cia na pro du ção deaçú car, nas Ilhas da Ma de i ra, os lu sos re sol vemtrans por tar suas ex pe riên ci as no cul ti vo da canapara o Bra sil, como meio de vi a bi li zar fi nan ce i ra -men te a nova co lô nia de ex plo ra ção por tu gue sa.A em pre sa açu ca re i ra vai mo di fi car ra di cal men teas re la ções so ci a is en tre os por tu gue ses e os bra -sis (bra si le i ros). Ne ces si tan do de obre i ros, quetra ba lhas sem de for ma per ma nen te e não es po rá -di ca, como era o caso do es cam bo, para o novoem pre en di men to eco nô mi co, os ga le gos vão op -tar pela es cra vi za ção in dí ge na para re sol ver opro ble ma de mão-de-obra no cul ti vo de cana-de-açú car. Fa zem, as sim, dos in díos os pri me i rostra ba lha do res es cra vi za dos na nova terra.

Este pro ce di men to por par te da me tró po levai pro vo car inú me ros con fli tos com os bra sis, ea con se qüen te de ses tru tu ra ção des tes po vos doli to ral bra si le i ro. Di an te do novo con tex to, aosbra sis res tou à es cra vi dão, o re fú gio no in te ri orou o com ba te aos in va so res, o que acar re tou sua

di zi ma ção, haja vis ta hoje es ta rem re du zi dos auma po pu la ção de apro xi ma da men te 360.000pes so as, se gun do da dos de 2001. Não con se guin -do re sol ver o pro ble ma da mão-de-obra atra vésda es cra vi za ção dos na ti vos, os ga le gos vão sevol tar para o con ti nen te afri ca no, onde já pra ti ca -vam o trá fi co de escravos.

A so ci e da de açu ca re i ra, que vai se es tru tu rarprinci pal men te no Nor des te bra si le i ro, pro por -ci o nou a en tra da em gran de nú me ro dos pri me i -ros tra ba lha do res afri ca nos re du zi dos à es cra vi -dão e, com es ses, as ba ses de uma so ci e da de co lo -ni al as saz hi e rar qui za da, apre sen tan do, as sim,uma es tra ti fi ca ção so ci al ex tre ma men te rí gi da,onde qua se ine xis tia a mo bi li da de so ci al. So bre auti li za ção da mão de obra es cra va nos en ge nhos,afir ma Go ren der:

Na Ba hia, onde os en ge nhos ti nham di men sões mé di as ma i o res que nas de ma is re giões, o pa dre Fer não Car -dim ob ser va va, nos fins do sé cu lo XVI, que o plan telmí ni mo era de 60 es cra vos para o ser vi ço or di ná rio doen ge nho, po rém a ma i o ria pos su ía de 100 a 200.24

So bre o mes mo as sun to, es cre veu Fa us ti no:

Até me a dos do sé cu lo XIX, o de sen vol vi men to da agri -cul tu ra ca na vi e i ra no nor des te do Bra sil en se jou o sur -gi men to de um flu xo sis te má ti co de ca ti vos vin dos daÁfri ca. A ob ten ção de es cra vos afri ca nos era tão im -por tan te que, se gun do o pa dre Antô nio Vi e i ra, sem ne -gros não ha ve ria Per nam bu co, e sem Ango la, não ha ve -ria ne gros.25

A mão-de-obra ne gra afri ca na foi de fun da -men tal im por tân cia para a eco no mia co lo ni al emais tar de im pe ri al no ter ri tó rio bra si le i ro, eteve no modo de pro du ção es cra vis ta o ali cer cede seus ga nhos. Os afri ca nos e seus des cen den -tes par ti ci pa ram como ato res prin ci pa is nos de -no mi na dos ci clos eco nô mi cos, des de a cana-de-açú car até à pro du ção ca fe e i ra. Ou seja, fo -ram os produ to res di re tos du ran te o pe río do co -lo ni al e im pe ri al.

So bre a par ti ci pa ção dos afri ca nos em um dosci clos, o da mi ne ra ção, nos diz Má rio Ma es tri:

20

24 GORENDER, Ja cob. O es cra vis mo co lo ni al. 5. ed. re vis ta e am pli a da. São Pa u lo: Áti ca, 1988, p. 85.25 FAUTINO, Ge ti bá. O co mér cio de es cra vos na obra de Anto nio de Oli ve i ra de Ca dor ne ga. In: Vá ri os au to res. Estu dos Ibe ro-Ame ri -

ca nos – Ana is – I sim pó sio Ga ú cho so bre es cra vi dão ne gra. Pon ti fí cia Uni ver si da de Ca tó li ca do Rio Gran de do Sul,Insti tu to de Fi lo so fia e Ciên ci as Hu ma nas, 1990, p. 106.

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Qu an do ca í ram as ren das do açú car, os luso-bra si le i rosde di ca ram-se a, no va men te, como ha vi am fe i to nospri me i ros anos da Co lô nia, pro cu rar mi ne ra is pre ci o -sos. Em fins do sé cu lo XVII, fo ram des co ber tas, nosser tões do Bra sil cen tral, as “mi nas ge ra is”.Na mi ne ra ção, como no açú car, po di am ser em pre ga -das gran des equi pes de ca ti vos, ob ten do-se gran des lu -cros. Até os úl ti mos anos do sé cu lo XVIII, a mi ne ra ção es cra vis ta foi a prin ci pal ati vi da de da Co lô nia.A des co ber ta das mi nas con tri bu iu para que mu i tos em -pre sá ri os es cra vis tas aban do nas sem, com as es cra va ri as,as plan ta ções do li to ral. Ela re lan çou, igual men te, a im -por ta ção de tra ba lha do res es cra vi za dos da Áfri ca.26

Na mes ma li nha de ra ci o cí nio se gue o mes moau tor:

A eco no mia mi ne ra do ra co nhe ceu três quar tos de sé -cu lo de pu jan ça, an tes de en trar em ace le ra da exa us tão.Em re la ção ao mun do açu ca re i ro nor des ti no, a so ci e -da de mi ne i ra do Bra sil Cen tral des ta ca va-se por maisfor te pre sen ça do Esta do, por um de sen vol vi men tomais sig ni fi ca ti vo e va ri a do das ati vi da des pro du ti vas edos ser vi ços e por uma ma i or mo bi li da de so ci al. Entre -tan to, esse mun do man te ve sem pre seu ca rá ter ri gi da -men te es cra vis ta e nun ca che gou a con for mar o uni ver -so qua se de mo crá ti co su ge ri do por mu i tos au to res.27

Ine ga vel men te, os tra ba lha do res es cra vi za dos afri ca nos ou seus des cen den tes fo ram os pro du -to res di re tos dos gran des ci clos eco nô mi cos bra -si le i ros, du ran te o pe río do co lo ni al e im pe ri al.Po rém, foi no úl ti mo gran de ci clo da era im pe ri al, já no sé cu lo XIX, que eles ti ve ram o seu apro ve i -ta men to em ma i or es ca la até o fim do re gi me es -

cra vis ta, em 1888. Após o es go ta men to das mi -nas de ouro e di a man te, a eco no mia bra si le i rapas sa a ser sus ten ta da por uma nova ati vi da deeco nô mi ca: o café. Este pas sou a ser con su mi doem gran de es ca la na Eu ro pa e nos Esta dos Uni -dos, dan do as sim um novo im pul so às ati vi da desne gre i ras. A im por tân cia da mão-de-obra es cra va nas la vou ras ca fe e i ras pode ser per ce bi da atra vésdo nú me ro de tra ba lha do res es cra vi za dos uti li za -dos em tais es ta be le ci men tos.

Ava li a das pelo cri té rio do plan tel de es cra vos, as fa zen -das de café do sé cu lo XIX fo ram cer ta men te as plan ta -gens de ma i o res di men sões. No mu ni cí pio de Vas sou -ras, tí pi co do vale do Pa ra í ba, o plan tel mé dio, se gun doStan ley Ste in, era de 80 a 100 es cra vos. 21 Mas, en quan -to fo ram bem ra ros os en ge nhos de açú car com mais de 200 es cra vos, não es cas se i am as re ferên ci as a fa zen dasde café com 200 a 400. Ine xis te qual quer men ção à se -pa ra ção en tre la vou ra e be ne fi ci a men to do café, ex ce tojá na úl ti ma dé ca da do es cra vis mo, com re la ção a si ti an -tes eu ro pe us que pe ga vam o be ne fi ci a men to de suapro du ção, le van do a efe i to nas fa zen das.28

Pelo nú me ro de tra ba lha do res es cra vi za dosnas fa zen das de café, po de mos per ce ber a im -por tân cia e a de pen dên cia do ele men to ser vilpara a eco no mia bra si le i ra do pe río do im pe ri al,vis to ser o café o prin ci pal pro du to de ex por ta -ção na oca sião. Com tais da dos po de mos en ten -der o es for ço fe i to pe los gran des ca fe i cul to resem man ter a mão-de-obra ser vil até os úl ti mosdias da es cra vi dão.

21

26 MAESTRI, Má rio. O es cra vis mo no Bra sil. 12. ed. São Pa u lo: Atu al, 1994, p. 74.27 Idem. Uma his tó ria do Bra sil: co lô nia. 3. ed. São Pa u lo: Con tex to, 2002, p. 137.28 GORENDER, Ja cob. O es cra vis mo co lo ni al. 5. ed. re vis ta e am pli a da. São Pa u lo: Áti ca, 1988, p. 87.

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Par te III:

Mar cas da es cra vi dão ne gra no Rio Gran de do Sul

3.1 Uma nota ini ci al so bre as pro fis sões

Se é ver da de que no Bra sil a ma i or con cen tra -ção da es cra va ria se deu nas fa zen das de café,deve-se tam bém no tar que não só nas gran desplan ta ções do Su des te ou do Nor des te bra si le i rofo ram uti li za dos os tra ba lha do res fe i to ri za dos.No Rio Gran de do Sul, uma das prin ci pa is pro -vín ci as es cra vis tas do sé cu lo XIX, o prin ci palmeio eco nô mi co, que deu en tra da aos afri ca nos e

seus des cen den tes, foi es tru tu ra do atra vés dasati vi da des char que a do ras. Mas não só nas char -que a das os ne gros se fi ze ram pre sen tes. Tam bém o mun do ur ba no sul ri o gran den se con tou com apar ti ci pa ção do tra ba lho dos tra ba lha do res es cra -vi za dos. O qua dro aba i xo mos tra uma dis tri bu i -ção da po pu la ção es cra va no Esta do do RioGran de do Sul, apon tan do a di ver si da des de pro -fis sões exer ci das pe los afri ca nos e seus des cen -den tes, na an ti ga Pro vín cia de São Pe dro.

22

Pro fis sões Ho mens Mu lhe res To tal

Artis tas 38 26 64

Ma rí ti mos 39 - 39

Pes ca do res 14 - 14

Cos tu re i ros - 3.342 3.342

Can te i ros, ca la fa tes, mi ne i ros e ca vo que i ros 11 - 11

Ope rá ri os em me ta is 23 - 23

Ope rá ri os em ma de i ras 205 - 205

Ope rá ri os em te ci dos - 27 27

Ope rá ri os de edi fi ca ção 14 - 14

Ope rá ri os de ves tuá ri os 13 - 13

Ope rá ri os de cha péus 8 - 8

Ope rá ri os de cal ça dos 42 - 42

La vra do res 29.363 19.373 48.736

Cri a dos e jor na le i ros 563 403 966

Ser vi ço do més ti co 242 1.178 1.410

Sem pro fis são 5.121 7.756 12.877

To tal 35.686 32,705 67.791

Profissões da população escrava do R.G.do Sulsegundo censo de 1872

Fon te: Assump ção, Jor ge Eu zé bio. Pe lo tas: es cra vi dão e char que a das (1780/1888). Por to Ale gre: EDIPUCRS, 1995, p. 186.

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Nas ci da des, por tan to, a es cra va ria tam bém se fez pre sen te, em bo ra des fru tan do em cer tos ca -sos de uma li ber da de re la ti va ma i or do que nazona ru ral. Nos gran des cen tros, as op ções de es -cra vi dão po de ri am va ri ar, dan do ao ca ti vo al gu -mas al ter na ti vas em re la ção à ser vi dão, onde mu i -tas ve zes po di am atu ar como es cra vos de alu guelou ao ga nho. Por es cra vos de alu guel, clas si fi ca -mos to dos os ca ti vos que pos su íam cer ta au to no -mia em re la ção a seus se nho res, re a li zan do di ver -sas fun ções re mu ne ra das tra ba lhan do por con tapró pria. Alu ga vam-se como trans por ta do res, pe -dre i ros, ole i ros, am bu lan tes, bar be i ros etc. Entre -tan to, par te do di nhe i ro ar re ca da do pelo es cra voera des ti na da ao seu se nhor, que não man ti nha so -bre o mes mo qual quer tipo de res pon sa bi li da deeco nô mi ca, seja so bre a ali men ta ção seja so bre amo ra dia. Essas fi ca vam a cri té rio do pró prio ca ti -vo, que mu i tas ve zes se via for ça do ao fur to parasu prir as suas ne ces si da des bá si cas.

O es cra vo de alu guel era ou tra for ma de ex -plo ra ção da mão-de-obra es cra va. Os es cra vis tasalu ga vam o tra ba lho de seus ca ti vos a ter ce i rospara a exe cu ção de ati vi da des. Nes ses ca sos, tan -to o va lor do alu guel quan to a es co lha para quemse ria alu ga do era de res pon sa bi li da de do es cra vo -cra ta. Seja no cam po ou nas ci da des, a ex plo ra ção ser vil sus ten tou o im pé rio bra si le i ro, que foi co -ni ven te com o tra ba lho es cra vo du ran te sua exis -tên cia, só mu dan do de “ati tu de”, quan do daspres sões abo li ci o nis tas. Vale lem brar que vá ri oses cra vos en tra ram ile gal men te no Bra sil após1831 e con ti nu a ram ser vil men te a tra ba lhar nasfa zen das imperiais.

3.2 A es cra vi dão ne gra no Rio Gran dedo Sul

O Rio Gran de do Sul teve uma ocu pa ção tar -dia, pois não pos su ía nos pri me i ros tem pos gran -des atra ti vos para a po lí ti ca ex pan si o nis ta co lo -ni al por tu gue sa. Embo ra não apre sen tan do es tí -mu los eco nô mi cos sig ni fi ca ti vos que jus ti fi cas -

sem um em pe nho ma i or por par te dos lu sos, a re -gião vi ria a in te res sar mais tar de aos mes mos, so -bre tu do de vi do aos seus as pec tos ge o po lí ti cos,como afir ma Fer nan do Hen ri que Car do so, queas se gu ra ra ter sido o Rio Gran de do Sul in te gra -do ao res tan te do ter ri tó rio por ra zões po lí ti cas,mi li ta res e eco nô mi cas: “obe de ce ram à es tra té giada ex pan são co lo ni al por tu gue sa, e às ra zões eco -nô mi cas, que di zi am res pe i to ao co mér cio demu las e ca va los fe i to pe los pa u lis tas para su pri -men to da área mi ne ra do ra do Bra sil”.

O Sul do país foi uma área de cons tan tes ten -sões en tre por tu gue ses e es pa nhóis, que dis pu ta -vam o con tro le da re gião e, so bre tu do da Co lô nia de Sa cra men to, im por tan te cen tro de con tra ban -do lu si ta no na re gião do Pra ta. Fun da da em 1680pe los por tu gue ses, essa ocu pa va po si ção es tra té -gi ca na dis pu ta pela re gião, de vi do à sua po si çãoge o po lí ti ca, si tu a da hoje no atu al ex tre mo sul doUru guai. Des de sua fun da ção, Sa cra men to con -tou com a pre sen ça dos tra ba lha do res ne gros es -cra vi za dos. A pre sen ça dos afri ca nos e seus des -cen den tes na re gião foi des ta ca da por Cláu dioMo re i ra Ben to, quan do diz que, na fun da ção dames ma por D. Ma no el Lobo, sua ex pe di ção eracons ti tu í da en tre ou tros ele men tos por 200 mi li -ta res, 3 pa dres, 60 ne gros, dos qua is 41 es cra vosdo co man dan te, 6 mu lhe res ín di as e uma bran cae ín di os. Os ne gros re pre sen ta vam mais de 20%do to tal da ex pe di ção. Nes sa mes ma li nha está ohis to ri a dor Rego Mon te i ro, prin ci pal pes qui sa -dor bra si le i ro da co lô nia, quan do afir ma que em1680 já exis ti am nes ta re gião dois ran chos des ti -na dos a abri gar 48 negros escravos.

A con tri bu i ção dos afri ca nos e seus des cen -den tes pode ser com pro va da não só em Sa cra -men to, mas tam bém na fun da ção de Rio Gran delu si ta no, onde tor na ram-se fi gu ras mar can tes nas di ver sas ati vi da des pro du ti vas, re a li za das nas ter -ras sul rio-gran den ses, como é su ge ri do no le van -ta men to fe i to pelo te nen te Cór do va em 1780, nomo men to em que co me ça va a ins ta la ção dasgran des char que a das.

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As char que a das

Ao lon go dos anos, a en tra da de tra ba lha do res es cra -vi za dos teve um au men to sig ni fi ca ti vo, prin ci pal men teapós a cri a ção do pólo char que a dor pe lo ten se, a par tir de 1780, que pro por ci o nou em gran de es ca la a en tra da dostra ba lha do res es cra vi za dos ne gros na re gião, tanto emnú me ro quan to em per cen tu al, como pode ser cons ta ta -do pelo Cen so de 1814.

24

Fre gue si as Bran cos Índi os Pre tos To tal

Ma dre de Deus 871 96 545 1.512

Rio Gran de 1.643 182 596 2.421

Estre i to 880 97 277 1.254

Mos tar das 360 40 291 591

Vi a mão 1.028 114 749 1.891

Con ce i ção do Arro io 234 25 158 417

Alde ia dos Anjos 210 1.890 255 2.355

Va ca ria 291 32 248 571

Tri un fo 637 - 640 1.277

Ta qua ri 580 - 109 689

San to Ama ro 512 - 208 720

Rio Par do 1.317 438 619 2.374

Ca cho e i ra 42 383 237 662

To ta is 9.433 3.388 5.102 17.923

Po pu la ção RS – 1780

Fon te: CARDOSO, Fer nan do Hen ri que. Ca pi ta lis mo e es cra vi dão no Bra sil Me ri di o nal: o ne gro na so ci e da de es cra vo cra ta doRio Gran de do Sul. 2. ed. Rio de Ja ne i ro: Paz e Ter ra, 1977, p. 41.

Fre gue sia Bran cos Indíg. Li vres Escra vos R. Nasc. To tal

Vi a mão 1.545 11 188 908 160 2.812San to Anto nio da Pa tru lha 1.706 08 330 961 98 3.103Con ce i ção do Arro io 837 19 180 538 74 1.648S. Luiz de Mos tar da 723 05 68 281 74 1.151N. S. dos Anjos (al de ia) 1.292 256 233 716 156 2.653Por to Ale gre (ci da de) 2.746 34 588 2.312 431 6.111S. Bom Je sus de Tri un fo(vla) 1.760 55 240 1.208 193 3.450S. José de Ta qua ri (fa zen da) 1.092 42 67 433 80 1.714Rio Par do (ci da de) 5.931 818 969 2.429 298 10.445Ca cho e i ra (vila) 4.576 425 398 2.622 204 8.225Pi ra ti ni (vila) 1.439 182 335 1.535 182 3.673Pe lo tas 712 105 232 1.226 144 2.419Rio Gran de (ci da de) 2.047 38 160 1.119 226 3.590Mis sões (po vos) 824 6.395 77 252 403 7.951

To tal das pro vín ci as 32.300 8.655 5.399 20.611 3.691 70.656

Cen so da Po pu la ção do Rio Gran de do Sul por zo nas, se gun do a con di çãoda po pu la ção pre sen te em 1814

Fon te: CARDOSO, Fer nan do Hen ri que. Ca pi ta lis mo e es cra vi dão no Bra sil Me ri di o nal: o ne gro na so ci e da de es cra vo cra ta do RioGran de do Sul. 2. ed. Rio de Ja ne i ro: Paz e Ter ra, 1977, p. 43.

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So bre a pre sen ça es cra va no Rio Gran de doSul, afir ma Má rio Ma es tri:

O ca ti vo afri ca no foi in tro du zi do no Sul an tes mes modos fun da do res da ca pi ta nia de São Pe dro. Em 1874,com 21,3% de ca ti vos, o Rio Gran de era a ter ce i ra pro -vín cia bra si le i ra em nú me ros re la ti vos de ca ti vos, apóso Rio de Ja ne i ros (39,7%) e o Espí ri to San to (27,6%)9Até 1884, a pro vín cia su li na cons ti tu iu uma das prin ci -pa is re giões es cra vis tas do Bra sil em quan ti da de de ca ti -vos, após Ba hia, Ma ra nhão, Mi nas Ge ra is, Per nam bu -co, Rio de Ja ne i ro e São Pa u lo. Os da dos de mo grá fi cossu ge rem que, no mí ni mo, a po pu la ção re gi o nal es cra vi -za da ex pan diu-s, em nú me ro ab so lu to até os anos de1870.29

Pre sen tes no ter ri tó rio ga ú cho des de a suafun da ção pe los por tu gue ses, os tra ba lha do res ne -gros es cra vi za dos fo ram de fun da men tal im por -tân cia para o de sen vol vi men to eco nô mi co e cul -tu ral da an ti ga Pro vín cia de São Pe dro. Fato esteque con tra ria par te da his to ri o gra fia, que pormu i to tem po so ne gou ou me nos pre zou sua par -ti ci pa ção na for ma ção so ci al sul rio-gran den se,prin ci pal men te nas li das cam pe i ras.

A li ber da de no Rio Gran de do Sul é uma con di ção an -te ri or a tudo, tão ne ces sá ria ao ho mem como o sol quelhe dá vida; para não per dê-la, é ca paz dos ma i o res he -ro ís mos. Por isso, den tro dos acam pa men tos, con ser va aque le al ti vo sen ti men to que tan to o dis tin gue.30

Ain da so bre o as sun to, se gue o au tor:

É a de mo cra cia rio-gran den se das es tân ci as que in fluiso bre a dis ci pli na e não esta so bre aque la. No te ci do so -ci al rio-gran den se sem pre fo ram as es tân ci as as ver da -de i ras cé lu las. Os es tan ci e i ros, suas fa mí li as e seuspeões cons tru í ram uma uni da de que ti nha al gu ma co i sa do clã cél ti co ou da or ga ni za ção pa tri ar cal sem se con -fun dir com ne nhum de les.31

Com base em de po i men tos como o de Jor geSa lis Gou lart en tre ou tros, cri ou-se o mito da de -mo cra cia pas to ril com uma vida li vre sem opres -são, ba se a da na mão-de-obra li vre, atra vés daqual o “ga ú cho” tra ba lha va pelo pra zer e pe los la -

ços de ami za de que o li ga va ao seu es tan ci e i ro.Se gun do essa vi são his to ri o grá fi ca, o peão eraqua se como um mem bro da fa mí lia. Entre tan to,as es tân ci as nun ca fo ram um exem plo de li ber da -de, como ten tam sa li en tar al guns ideó lo gos dotra di ci o na lis mo e da his to ri o gra fia ofi ci al. Mu i toan tes pelo con trário, a ser vi dão e a co er ção sem -pre es ti ve ram pre sen tes den tro des ses es ta be le ci -men tos. Haja vis ta o fato de gran de par te da pe o -na da sul rio-gran den se ser com pos ta de es cra vosou ne gros livres.

Em 7 de mar ço de 1978, Dé cio Fre i tas afir ma va em ar -ti go que “o tra ba lho so ci al da pro du ção pe cuá ria erade sem pe nha do por gen te li vre só es po ra di ca men teapa re cia o es cra vo”. Apo i a dos em da dos de mo grá fi cosde mu ni cí pi os pas to ris, Ser gio da Cos ta Fran co con tra -di tou o en tão his to ri a dor mar xis ta, pro pon do, comsen si bi li da de, que, “mu i to pro va vel men te”, o tra ba lhoca ti vo ti ves se sido a base da pro du ção pas to ril su li na.Em 10 de mar ço, en tre tan to no de ba te, Pa u lo Xa vi er,do Insti tu to His tó ri co e Ge o grá fi co do Rio Gran de doSul, re tru cou a Fer nan do Hen ri que Car do so, que tam -bém de fen de ra a pou ca im por tân cia do ne gro es cra vi -za do nas fa zen das cri a tó ri as em Ca pi ta lis mo e es cra vi -dão no Bra sil me ri di o nal.Pa u lo Xa vi er ci tou da dos de 1859, so bre 391 es tân ci asno mu ni cí pio de Ale gre te, com re ba nho de 772.232 va -cuns, cu i da dos por 124 ca pa ta zes, 159 peões li vres e 527es cra vos, com uma pro du ção anu al de 96.529 va cuns,6.039 mu a res e 32.558 bor re gos. Uma in ter pre ta ção rá -pi da des ses da dos su ge re a ma i o ria ab so lu ta de tra ba lha -do res es cra vi za dos nas fa zen das do mu ni cí pio.32

O exem plo aci ma com pro va a im por tân cia e apre sen ça dos ne gros es cra vi za dos tam bém nasati vi da des cam pe i ras. Fato este que des ti tui a ide -o lo gia da de no mi na da de mo cra cia ra ci al ga ú cha.To da via, se exis ti ram “dú vi das” em re la ção à par -ti ci pa ção dos afri ca nos e seus des cen den tes nasli des do cam po, o mes mo não se deu em re la çãoàs char que a das. Estas, sem som bra de dú vi da,sem pre ti ve ram sua pro du ção vin cu la da àmão-de-obra ser vil, fato ir re fu tá vel até mes mo

25

29 MAESTRI, Má rio. Deus é gran de, o mato é ma i or! His tó ria tra ba lho e re sis tên cia dos tra ba lha do res es cra vi za dos no rio Gran de do Sul. Pas -so Fun do: EDUPF, 2002, p. 88-89.

30 GOULART, Jor ge Sa lis. A for ma ção do Rio Gran de do Sul. 4. ed. Por to Ale gre: Mar tins Li vre i ro; Ca xi as do Sul: EDUCS, 1985, p. 27.31 Ibi dem, p. 27-28.32 MAESTRI, Má rio. Deus é gran de, o mato é ma i or! His tó ria, tra ba lho e re sis tên cia dos tra ba lha do res es cra vi za dos no RS. Pas so Fun do:

EDUPF, 2002, p. 90.

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por aque les que ten tam me nos pre zar a im por tân -cia dos tra ba lha do res ne gros es cra vi za dos noBra sil Me ri di o nal. A par tir des sas uni da des pro -du ti vas, mais pre ci sa men te nas lo ca li za das emPe lo tas, onde ins ta lou-se o pólo char que a dor,33

atra vés de José Pin to Mar tins, que vi a bi li zou emgran de es ca la o in gres so ex pres si vo, no ter ri tó rioga ú cho, da mão-de-obra ne gra escravizada.

Foi nos es ta be le ci men tos sa la de i ris que ocor -reu no Rio Gran de do Sul a ma i or con cen tra çãode tra ba lha do res es cra vi za dos, pois, de vi do àsduras con di ções de tra ba lho, suas ati vi da des eramre fu ta das pe los ho mens li vres, obri gan do seuspro pri e tá ri os a uti li zar a mão-de-obra es cra va. Ogran de nú me ro de ca ti vos pode ser exem pli fi ca -do atra vés dos tes ta men tos dos char que a do res,che gan do al guns de les a pos su ir mais de umacen te na de ne gros es cra vi za dos, como fo ram oscassos de Eu ge nia Fer re i ra da Con ce i ção, com179; Antô nio José da Sil va Maia, com 116; Ba rãode But huy, com 142, entre ou tros.

So bre as char que a das em seu pe río do de ma -tan ça, dis se o vi a jan te Her bert Smith, quan do desua vi si ta a Pe lo tas em 1882:

Há um não sei que de re vol tan te e ao mes mo tem poca ti va dor nes tes gran des ma ta do res; os tra ba lha do resne gros, semi-nus, es cor ren do san gue; os ani ma is quelu tam os so a lhos e sar je tas cor ren do ru bros, os fe i to -res es tó li dos, vi gi an do imó ve is ses sen ta mor tos porhora, os mon tes de car ne fres ca des so ran do, o va poras so bi an do das cal de i ras, a con fu são que en tre tan to éor dem: tudo isto com bi na-se para for mar uma pin tu ra tão pe re gri na e hor ri da quan to pode ca ber na ima gi na -ção. De toda esta car ni fi ci na de ri vou a ri que za de Pe -lo tas, uma das mais prós pe ras en tre as ci da des me no -res do Bra sil.34

Nas char que a das, o prin ci pal pro du to a ser fa -bri ca do era o char que, sen do esse o “car ro-che -fe” das ex por ta ções do Rio Gran de do Sul. So brea im por tân cia eco nô mi ca des se pro du to, as simcomo dos es ta be le ci men tos pro du to res, observaAlvarino Marques:

O exa me de par ti ci pa ção dos pro du tos ani ma is no va -lor das ex por ta ções fe i tas no Rio Gran de do Sul em1861 a 1890 mos tra que o char que, em 1861, con tri bu ía com 37,7% do va lor to tal do que ven día mos para o ex -te ri or e os cou ros com 37,2% des se mes mo va lor. Em1890, o char que fi gu ra va com 30,3% e os cou ros com24,4% do que va li am nos sas ex por ta ções.Por tan to em 1861, 74,9% do que ven día mos parafora era re pre sen ta do por pro du tos das char que a das. Em 1890, 54,7% des ses pro du tos ti nham a mes maorigem [...].35

Pe lo tas foi um gran de cen tro es cra vis ta, as simcomo prin ci pal pólo eco nô mi co do Rio Gran dedo Sul no sé cu lo XIX, ten do sua par ci mô nia ba -se a da nos pro du tos fa bri ca dos nas char que a das.Sen do que as mes mas fun ci o na ram ten do comobase a mão-de-obra ca ti va. Nes se sen ti do, po de -mos afir mar se rem os afro des cen den tes os res -pon sá ve is di re tos pela pros pe ri da de e pu jan ça daeco no mia ga ú cha ex por ta do ra des sa cen te lha. Oque des mis ti fi ca tam bém al guns con ce i tos de so -ne ga ção da im por tân cia da mão-de-obra es cra vano Bra sil Me ri di o nal.

3.3 Tra ta men to dis pen sa do aos es cra -vos ga ú chos

As re la ções en tre ne gro e se nhor eram igua is, se não pi -o res que as ve ri fi ca das no res to do Bra sil es cra vo cra ta,o que le vou o vi a jan te Ni co lau Dreys, a es cre ver: “umachar que a da bem ad mi nis tra da é um es ta be le ci men tope ni ten ciá rio”.36

Cri ou-se no Rio Gran de do Sul um ar ti fí cio de des va lo ri za ção da mão-de-obra es cra va, atra vésde vá ri os mi tos e in ver da des his tó ri cas. Nes sepro ces so, ve ri fi ca-se tam bém “fol clo ri ca men te”a apo lo gia do es cra vo bem tra ta do, ou seja, deuma es cra vi dão mais be nig na e hu ma na do que aexis ten te no res tan te do Impé rio.

Pro fun da men te ge ne ro so, o rio-gran den se sou be tra tar os es cra vos, como já sa be mos, com mu i to ma i or bran -du ra do que em ou tros pon tos do Bra sil. O ca ti ve i ro

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33 GUTIERREZ, Ester J. B. Ne gros, char que a das e ola ri as: um es tu do so bre o es pa ço pe lo ten se. 2. ed. Pe lo tas: Ed. UFPEL, 2001.34 SMITH, He bert H. Do Rio de Ja ne i ro a Cu i a bá. São Pa u lo: Com pa nhia Me lho ra men tos, 1922, p. 140.35 MARQUES, Alva ri no da Fon tou ra. Evo lu ção das char que a das rio-gran den ses. Por to Ale gre: Mar tins Li vre i ro, 1990, p. 96-97.36 ASSUMPÇÃO, Jor ge Eu zé bio. Pe lo tas: es cra vi dão e char que a das (1780/1888). Por to Ale gre: EDIPUCRS, 1995, p. 200.

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aqui não co nhe ceu os hor ro res das sen za las do cen tro e do nor te, em que os mé ri tos do tra ba lho do eito, aomor ma ço, al ter na vam com os ri go res in qui si tó ri os dotron co.37

Essa fa bri ca ção ide o ló gi ca, que teve em Jor geSa lis Gou lart um dos seus prin ci pa is re pre sen tan -tes, en con tra-se ex tre ma men te di fun di da até osdias de hoje, tan to no ima gi ná rio como na li te ra -tu ra sul rio-gran den se. No en tan to, tal vi são nãoen con tra res pal do na do cu men ta ção his tó ri ca,pois essa de mons tra que o tra ta men to ob ti do pe -los es cra vos sul-rio-gran den ses foi igual ou piordo que no res tan te do Bra sil.

O modo pelo qual a es cra va ria era tra ta da naan ti ga Pro vín cia de São Pe dro pode ser mu i tobem ilus tra do pelo vi a jan te fran cês Au gust de Sa -int-Hi la i re, con tem po râ neo da es cra vi dão ga ú -cha, no sé cu lo XVIII. Esse des cre ve o dia de umdos de no mi na dos “me ni nos de pa re de”. O de -po i men to do vi a jan te se tor na mais ex pres si voain da de vi do ao fato do au tor pos su ir uma pos tu -ra não mu i to sim pá ti ca aos ne gros:

Nas char que a das os ne gros são tra ta dos com du re za. O Sr. Cha ves, tido como um dos char que a do res mais hu -ma nos, só fala aos seus es cra vos com exa ge ra da se ve ri -da de, no que é imi ta do por sua mu lher; os es cra vos pa -re cem tre mer di an te de seus do nos.Há sem pre na sala um pe que no ne gro de 10 a 12 anos,cuja fun ção é ir cha mar os ou tros es cra vos, ser vir águae pres tar pe que nos ser vi ços ca se i ros. Não co nhe ço cri -a tu ra mais in fe liz que essa cri an ça. Nun ca se as sen ta, ja -ma is sor ri, em tem po al gum brin ca! Pas sa a vida tris te -men te en cos ta do à pa re de e é fre qüen te men te mal tra -ta do pe los fi lhos do dono. À no i te che ga-lhe o sono e,quan do não há nin guém na sala, cai de jo e lhos para po -der dor mir. Não é esta casa a úni ca que usa esse im pi e -do so sis te ma: ele é fre qüen te em ou tras.38

No en tan to, mais in te res san tes do que as pa la -vras do vi a jan te fran cês são as pa la vras do prós -pe ro char que a dor ci ta do por Sant-Hi la i re, comoum dos mais hu ma nos den tre os seus.

Um me ni no é des de seus pri me i ros dias acos tu ma do ahor ro ro sos cas ti gos fe i tos aos es cra vos (com que se en -ca mi nha a fe ro ci da de) e pa la vras pou co edi fi can tes dassuas fa mí li as para com seus do més ti cos: es tes são asim pres sões que para sem pre se lhe ar ra i gam na alma e énão só rara mas qua se im pos sí vel, a boa edu ca ção.39

Na mes ma li nha se gue ou tro vi a jan te que fre -qüen tou a pro vín cia no mes mo sé cu lo:

Sa be is como es ses se nho res, tão su pe ri o res tra tam seuses cra vos?Como tra ta mos nos sos cães! – co me çam por in sul -tá-los. Se não vêm ime di a ta men te, re ce bem duas outrês bo fe ta das da mão de li ca da de sua se nho ra, me ta -mor fo se a da em har pia ou ain da um rude soco, um bru -tal ponta pé de seu gros se i ro amo. Se res mun gar são li -ga dos ao pri me i ro pos te e en tão o se nhor e a se nho ravêm, com gran de ale gria no co ra ção, para ver comosão fla ge la dos até ver te rem san gue aque les que nãotêm, mu i tas ve zes, ou tro erro que a ino cên cia de nãoter sa bi do adi vi nhar os ca pri chos de seus se nho res epa trões!...Fe liz ain da o des gra ça do ne gro, se seu se nhor ou suase nho ra não to mam, eles mes mos, uma cor da, re lho,pau ou bar ra de fer ro e não ba tem, com fu ror bru tal, no cor po do es cra vo, até que pe da ços sol tos de pele de i -xem cor rer san gue, so bre seu cor po ina ni ma do. Por que ge ral men te se car re ga o ne gro sem sen ti dos para cu rarseus fe ri men tos; sa be is com quê? com sal e pi men ta,sem dar-lhes mais cu i da do do que o que se pres ta a umani mal, ata can do de fe ri dos, e que se quer pre ser var dos ver mes.40

Pa ra do xal men te, o es ta do que se or gu lha deser o mais eu ro peu do país, e de não ter tido aquisig ni fi ca ti va men te a mão-de-obra ne gra es cra vi -za da, como em ou tras pro vín ci as, pos sui comofi gu ra cen tral de sua len da mais po pu lar a fi gu rade um me ni no ne gro, na fá bu la co nhe ci da como“O ne gri nho do pas to re io”, es cri ta por Si mõesLo pes Neto, des cen den te do prós pe ro e es cra vis -ta char que a dor João Si mões Lo pes, pro pri e tá rioda fa zen da da Gra ça.

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37 GOULART, Jor ge Sa les. A for ma ção do Rio Gran de do Sul. 4. ed. Por to Ale gre: Mar tins Li vre i ro, 1985, p. 77.38 SAINT-HILAIRE, Au gus te de. Vi a gem ao Rio Gran de do Sul (1820-1821). Rio de Ja ne i ro: Ari el, 1935, p. 73.39 CHAVES, Antô nio José Gon çal ves. Me mó ri as ecô no mo-po lí ti cas. So bre a ad mi nis tra ção do Bra sil. Por to Ale gre: Erus, 1978, p. 66.40 ISABELLE, Arsé ne. Vi a gem ao Rio Gran de do Sul. Por to Ale gre: Mar tins Li vre i ro, 1963, p. 68.

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3.4 Qu a dro ge ral dos bens de João Si mões Lo pes (1853)

Tal vez por ter nas ci do em um es ta be le ci men -to char que a dor e ter vis to os hor ro res da es cra vi -dão é que Si mões Lo pes Neto te nha se ins pi ra dopara es cre ver, sal vo en ga no, a mais co nhe ci da epo pu lar len da ga u ches ca, que re tra ta jun ta men tecom os de po i men tos dos vi a jan tes as agru ras dosafri ca nos e seus des cen den tes no Rio Gran de doSul. O que nos dá em ba sa men to para po der afir -mar que o tra ta men to dis pen sa do aos es cra vosno Sul do Bra sil não foi nada bran do como ale -gam al guns, mu i to an tes pelo con trá rio, prin ci -pal men te nos es ta be le ci men tos char que a do res,fon te de con cen tra ção da ma i or par te da es cra va -ria ga ú cha. E que a cha ma da de mo cra cia ra ci alnão pas sa de uma obra de ficção, ou de loucosdelírios daqueles que querem idealizar eromantizar o passado sulista.

3.5 Re sis tên cia: fu gas e qui lom bos

O fer ro em bra sa foi um ins tru men to fre qüen te men teusa do não só para pu nir o es cra vo mas tam bém paramar cá-lo, ge ral men te com as ini ci a is do se nhor, de for -ma a dis cri mi nar sua pro pri e da de; sen do co mum nosanún ci os de es cra vos fu gi dos; a men ção des tas mar casin clu si ve em ‘mo le ques’ de me nos de 15 anos de ida decomo si nal de iden ti fi ca ção. Em 1741, o Alva rá de 03de mar ço, já re fe ri do, man da va mar car um F na es pá -dua de es cra vos aqui lom ba dos. Abo li da pela cons ti tu i -

ção de 1824 a mar ca fer ro con ti nu ou, con tu do, sen douti li za da pela jus ti ça pri va da do se nhor (LIMA, LanaLage da Gama).

A re sis tên cia dos tra ba lha do res es cra vi za dospa re ce ser tão an ti ga quan to a es cra vi dão. Des deseu apri si o na men to em ter ras afri ca nas, os ca ti -vos ten ta ram de to dos as ma ne i ras con quis tar asua li ber da de. A luta con tra o tra ba lho co er ci ti voen con tra na fuga, sal vo en ga no, a sua re a ção mais per cep tí vel. Pode-se di zer que, ins tin ti va men te,esta era a ma ne i ra mais sim ples pela qual a es cra -va ria po dia se li vrar do ca ti ve i ro. Qu al quer des -cu i do por par te dos es cra vo cra tas na vi gi lân ciaera o su fi ci en te para pro por ci o nar uma fuga co le -ti va ou in di vi du al. Sen do as sim, o sis te ma exi giaum apa re lho re pres si vo, par ti cu lar e es ta tal, quese uni am para com ba ter a re sis tên cia negra.

Ilmo Sr.Tendo fu gi do na no i te de on tem para hoje ao ci da -dão Ma no el Ro dri gues Bar bo sa dez es cra vos Jo a -quim cri ou lo, Jo a na sua mu lher e três fi lhos des tes me -no res sen do dois ma chos e uma fê mea, Anto nio cri ou -lo sa pa te i ro, Apo li ná rio mu la to al fa i a te, To ma sia, Mar -ga ri da e Eli as cri ou lo cam pe i ro, rou ban do en tre ou trosob je tos vin te e cin co on ças de ouro, e pe din do o re fe ri -do ci da dão a pron ta cap tu ra de tais es cra vos, e ofe re -cen do avul ta da mo lha du ra a quem trou xer, haja V. Sa.com ur gên cia de a re co men dar aos co man dan tes dePo lí cia dos di ver sos dis tri tos de sua ju ris di ção [...].Deus guar de V. Sa. Se cre ta ria do Inte ri or e Fa zen da en -

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Bens Va lor %

Di nhe i ro e ações 144.890.984 30.9

Pra ta 2.443.020 0.5

Mó ve is 1.336.000 0.3

Ma de i ras exis ten tes nas char que a das 3.583.381 0.8

Hi a tes 6.500.000 1.4

Escra vos 59.950.000 12.8

Ani ma is in clu in do os exis ten tes no Esta do Ori en tal 71.469.000 15.3

Bens de raiz in clu in do os exis ten tes no Esta do Ori en tal 128.830.000 27.6

Dí vi da ati va 48.823.859 10.4

To tal 467.826.244 100

Fon te: Inven tá rio de João Si mões Lo pes Neto. 1º Car tó rio de Órfãos de Pe lo tas. Proc. 336; Mç 26; Est. 25; Ano 1853.

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car re ga da do ex pe di en te da Jus ti ça e Gu er ra em Pi ra ti -ni, 12 de de zem bro de 1840 (a) Do min gos José deAlme i da.41

As fu gas, além de tra ze rem um pre ju í zo eco -nô mi co para os se nho res, po de ri am tam bémpro por ci o nar a for ma ção de qui lom bos, sen doque es tes tra ri am con si go mais pre ju í zos e des -gas tes a or dem vi gen te. Por Qu i lom bos ou Mo -cam bo, en ten de-se “toda ha bi ta ção de ne gros fu -gi dos que pas sem de cin co, em par te des pro vi da,ain da que não te nham ran chos le van ta dos nem se achem pi lões ne les” (Con se lho Ultra ma ri no02/12/1740).

Se gun do Con rad, a pri me i ra re fe rên cia a qui -lom bos no Bra sil data de 1559, 59 anos após ache ga da dos Por tu gue ses e 29 anos de po is da ex -pe di ção de Mar tim Afon so de Sou za (1530), que,sal vo en ga no, fun dou em 1532 o pri me i ro cen tropro du tor de açú car na Vila de São Vi cen te, noatu al es ta do de São Pa u lo, onde pro va vel men tete nham sido uti li za dos os pri me i ros tra ba lha do -res ne gros es cra vi za dos no Brasil.

Sen do ver da de i ros tais da dos, 27 anos após auti li za ção dos pri me i ros afri ca nos es cra vi za dosem solo bra si le i ro, já ofi ci al men te te mos a cons -ta ta ção de no mí ni mo um qui lom bo na nova ter -ra. Não sa be mos a data de for ma ção des te, e tal -vez ja ma is ve nha mos a sabê-la com pre ci são al -gum dia. Da mes ma for ma, des co nhe ce mos o pe -río do exa to que ocor reu a pri me i ra fuga de tra ba -lha do res ne gros es cra vi za dos, na co lô nia.

Toda via, de ve mos nos ater ao fato de quenem todo o es cra vo fu gaz vira um qui lom bo la enem todo qui lom bo la era um es cra vo pró fu go.Com o de cor rer da es cra vi dão, vá ri os es cra vosfu gi ti vos pre fe ri am ten tar a vida fur ti va men tenas ci da des a re cor rer à vida di fí cil e pe ri go sados mo cam bos. Embo ra es ses re du tos de re sis -tên cia fos sem um re du to ba si ca men te ne gro, de -ve mos sa li en ta-se que os mes mos não eram for -ma dos so men te por es cra vos fo ra gi dos, pois ne -

les en con tra mos também os ne gros da ter ra, as -sim como bran cos po bres.42

O qui lom bo não es ta va cons ti tu í do ape nas de ne gros,nem so men te de es cra vos.Gas par Bar le us re fe ria-se a “sal te a do res” que acor ri amaos mo cam bos e a ex pe di ção de Ro dol fo Baro (1644),en tre os pri si o ne i ros que fez nos Pal ma res Gran des,en con trou sete ín di os e al guns mu la tos de me nor ida de. Cin qüen ta anos mais tar de, a si tu a ção não se mo di fi ca -ra mu i to, pois o go ver na dor Melo e Cas tro, con tan do oata que fi nal ao Oi te i ro do Bar ri ga (1694), re fe ria-se a“mu la tos fa ci no ro sos” que acon se lha vam os ne gros eaté mes mo a um mou ro “que para eles fu giu”, a quemse de ve ri am as po de ro sas for ti fi ca ções do Zum bi.43

Des ta for ma, po de mos di zer que os mo cam -bos sig ni fi ca ram uma al ter na ti va de vida aos ex -clu í dos da so ci e da de co lo ni al e pos te ri or men teda im pe ri al. A de no mi na ção qui lom bo foi umade sig na ção ex ter na, ou seja, fo ram os por tu gue -ses que as sim qua li fi ca ram os lo ca is a onde vi vi -am os es cra vos fu gi ti vos. A pa la vra Qu i lom bo éde ori gem Ban to, mais pre ci sa men te de Ango la.Por tan to, a ins ti tu i ção Ki lom bo já era co nhe ci dano pró prio ter ri tó rio afri ca no, mes mo an tes dache ga da des tes ao Bra sil. Se gun do Be a triz Nas ci -men to, fo ram os mban ga la, tam bém co nhe ci doscomo jaga, ca ça do res que vi e ram do les te, que in -tro du zi ram a “ins ti tu i ção” do Kilombo.

Sem qual quer so bra de dú vi da, o ma i or qui -lom bo na ci o nal e tal vez de toda his tó ria foi aCon fe de ra ção dos Qu i lom bos dos Pal ma res, si -tu a da na re gião da Ser ra da Bar ri ga, em Ala go as.Pal ma res foi, de to dos os qui lom bos bra si le i ros,o mais pes qui sa do até o pre sen te mo men to. Con -tu do, la men ta vel men te não exis te ain da um es tu -do sis te má ti co para esta for ma de re sis tên cia nosul do Bra sil. Ao es tu dar mos o qui lom bis mo, emter ras ga ú chas, nos de pa ra mos com a pou ca bi -bli o gra fia so bre o tema, pois, até o pre sen te mo -men to, es tes só fo ram ci ta dos em obras sem se -rem, na ver da de, sal vo en ga no, ob je to de es tu dosmais apro fun da dos e es pe cí fi cos, fi can do em se -

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41 Ana is do ar qui vo His tó ri co, vol. 2, p. 325, Por to Ale gre, 1978.42 So bre os qui lom bos, in di ca mos o li vro de Adel mir Fi ab ba ni Mato, pa lho ça e pi lão: o qui lom bo, da es cra vi dão às co mu ni da -

des re ma nes cen tes (1532-2004). São Pa u lo: Expres são Po pu lar, 2005.43 CARNEIRO, Edi son. O qui lom bo de Pal ma res. 3. ed. São Pa u lo: Ci vi li za ção Bra si le i ra, 1966, p. 29.

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gun do pla no com re la ção a ou tros te mas, dei xan -do-nos vá ri as in ter ro ga ções so bre o as sun to:quan tos qui lom bos exis ti ram no Rio Gran de doSul?; onde se lo ca li za ram?; qual é o nú me ro deele men tos que de les par ti ci pa ram? – en tre ou trosques ti o na men tos.

Para es sas três per gun tas fun da men ta is nãote mos ain da res pos tas. Pro va vel men te, não ve -nha mos a tê-las por mu i to tem po, e quan do asob ti ver mos se rão par ci a is. Pou cos fo ram os au -to res que se pre o cu pa ram com este tema no RioGran de do Sul. A his to ri a do ra Hel ga Pic co lo fezum le van ta men to de for ma di dá ti ca dos qui lom -bos ga ú chos num dos Ca der nos de Estu do do PPG emHis tó ria da Uni ver si da de Fe de ral do Rio Gran dedo Sul, in ti tu la do “A re sis tên cia es cra va no RioGran de do Sul”, no qual a au to ra ten ta lo ca li zar no tem po e no es pa ço os di ver sos agru pa men tos ne -gros. Embo ra sem fa zer uma aná li se dos mes mos,pois este não é seu ob je ti vo, a pes qui sa do ra abreum im por tan te ca nal para fu tu ras pes qui sas.

A pri me i ra re fe rên cia so bre a exis tên cia dequi lom bos em ter ri tó rio ga ú cho data do sé cu loXVIII, se gun do Má rio Ma es tri:

A pri me i ra re fe rên cia co nhe ci da a qui lom bos no RioGran de en con tra-se nas atas da Câ ma ra de Por to Ale -gre. Na ses são de 31.02.1789, po de mos ler “Nes ta Ve -reân ça se pro veu a Estân cia Du tra para Ca pi tão doMato do Dis tri to da Fre gue sia des ta vila e se pas souEdi tal so bre as ron das que o mes mo de via fa zer de no i -te”. Os es cra vos co me çam a ser um pro ble ma para avila. Essa re fe rên cia é se gui da por uma ou tra da mes macâ ma ra, de 18 de abril do mes mo ano. “Nes ta Ve re an ça se de fe riu a vá ri os re que ri men tos e se man dou fa zeruma mar ca F para mar car os es cra vos apa nha dos emqui lom bo, e as sim mais um tron co para o ca pi tão domato se gu rar os es cra vos que fo rem apa nha dos em qui -lom bos para ne les se fa zer à exe cu ção que a lei de ter mi -na an tes de en trar na ca de ia.”.44

As dé ca das de 1830 e 40 do sé cu lo XIX pa re -cem ter fa ci li ta do a ação re bel de dos es cra vos, de -vi do ao con fli to in ter no que so freu a pro vín ciacom a Re vo lu ção Far rou pi lha, onde os ca ti vos,

apro ve i tan do-se do con tex to e o con se qüen teafrou xa men to da vi gi lân cia ao tra ba lho co er ci ti -vo, de vi do ao es ta do de be li ge rân cia na pro vín -cia, pas sa ram a ten tar com ma i or fre qüên cia ob -ter sua li ber da de, atra vés das fu gas. Foi nes se pe -río do da guer ra ci vil que en con tra mos as pri me i -ras re fe rên ci as, sal vo en ga no, ao prin ci pal qui -lom bo ga ú cho, que foi o de Ma nu el Pa de i ro, em -bo ra não se sa i ba exa ta men te quan do este tevesua ori gem. Embo ra os qui lom bos ga ú chos nãoti ves sem os mes mos nú me ros po pu la ci o na is deou tros, como o de Pal ma res, ou de al guns ou trossi tu a dos em Mi nas Ge ra is e na Ba hia, os agru pa -men tos de es cra vos fu gi ti vos no sul do Impé rionão de i xa ram de ser me nos pre o cu pan tes para aseli tes lo ca is do que em ou tras lo ca li da des.

Neste sen ti do, des ta cou-se o de Ma no el Pa -de i ro. Lo ca li za do na Ser ra dos Ta pes, na an ti gaSão Fran cis co de Pa u la, atu al ci da de de Pe lo tas,sur giu na dé ca da de 1930 do sé cu lo XIX, quan doapa vo rou e ame dron tou esta re gião. O mo cam bo apre sen ta va uma es tru tu ra mi li tar, sen do Ma no elPa de i ro ge ne ral; João, juiz de paz; e Ale xan dreMo çam bi que, ca pi tão. Esta for ma ção dá a idéiado ca rá ter be li co so do agru pa men to. Esse, di fe -ren te de ou tros, era nô ma de e vi via de rou bos, as -sas si na tos e da pi lha gem jun to à po pu la ção lo cal,de onde re ti ra vam sua so bre vi vên cia. Após osata ques, eram co muns os qui lom bo las ate a remfogo às mo ra di as as sal ta das.

A vi o lên cia do gru po de Ma no el Pa de i ro ge -rou re a ções das au to ri da des lo ca is, que ofe re ce -ram uma re com pen sa de 400 mil réis pelo lí derqui lom bo la e de 200 mil réis por cada um dos ou -tros par ti ci pan tes do gru po. So bre as quan ti as ci -ta das afir ma Má rio Ma es tri: “Na épo ca, so masavul ta dís si mas. Nos anos 1840, com pra va-se, emPe lo tas, ‘uma mo ra da de casa tér re a’ por qui -nhen tos-mil réis”45. A pre o cu pa ção com os qui -lom bos, de modo ge ral e es pe ci fi ca men te com ode Ma no el, pode ser mu i to bem de tec ta da atra vés dos au tos da Co mar ca Pe lo ten se:

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44 MAESTRI FILHO, Má rio José. O es cra vo no Rio Gran de do Sul. A char que a da e a gê ne se do es cra vis mo ga ú cho. Por to Ale gre: Esco la Su pe ri or de São Lou ren ço de Brin des, 1984, p. 127.

45 MAESTRI, Má rio. Deus é gran de, o mato é ma i or! His tó ria, tra ba lho e re sis tên cia dos tra ba lha do res es cra vi za dos no RS. Pas so Fun do:EDUPF, 2002, p. 52.

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[...] Aber ta a ses são às dez ho ras da ma nhã, de po is de se ha ver con fe ren ci a do com o juiz de paz do ter ce i ro dis -tri to, Bo a ven tu ra Iná cio Bar ce los, so bre as pro vi dên -ci as que se pre ci sa rão dar para a ex tin ção dos qui lom -bos da Ser ra dos Ta pes, foi de li be ra do, por una ni mi da -de de vo tos, que o dito juiz de paz de ter mi na ria ha verefe ti va men te uma par ti da de sete ho mens e um co man -dan te na di li gên cia de pren de rem ou ex tin gui rem, nafor ma da Lei, os di tos cri mi no sos qui lom bo las, ven cen -do, di a ri a men te o co man dan te, 1.280/000 réis e os ca -ma ra das a 640/000 réis cada um, além da gra ti fi ca çãoque terá a par ti da para pren der ou ex tin guir os qui lom -bo las, a sa ber pelo ca be ça, dos di tos mal fe i to res Ma no -el Pa de i ro 400/000 réis, e de cada um dos seis com pa -nhe i ros do dito ca be ça, 100/000 réis; que fi nal men te,se or de nas se ao pro cu ra dor des ta câ ma ra, a en tre ga dequan tia de 300/000 réis ao re fe ri do juiz de paz, para asdes pe sas da dita par ti da, dan do ele con ta fi nal para sefa ze rem os com pe ten tes as sen tos.46

Toda via, os pla nos de Pa de i ro não se li mi ta -vam so men te a ater ro ri zar a po pu la ção da ser rados Ta pes. O mes mo ti nha a in ten ção de in va dir a Vila, “prin ci pi an do pela Cos ta de Pe lo tas” esu ble van do toda a es cra va ria das Char que a das.Entre tan to, as sim como tan tos ou tros, o so nhoin sur re ci o nal de Ma no el Pa de i ro tam bém foiabor ta do, pois seu qui lom bo foi des ba ra ta doan tes de con se guir co lo car em prá ti ca seu pla node in va são.

Os ca ti vos ten ta vam via fuga con quis tar a li -ber da de. O ob je ti vo po de ria ser o aqui lom ba -men to, ou o sim ples re fu gio para as ci da des ou oes tran ge i ro, onde pro cu ra vam vi ver como for -ros. O gran de con tin gen te de ne gros li vres, li -ber tos e es cra vi za dos nos cen tros ur ba nos, per -mi tia que os fu gi ti vos, mu i tas ve zes, ape sar doapa ra to re pres si vo, pu des sem vi ver como li ber -tos. Ou tro as pec to im por tan te, em re la ção às fu -gas e tam bém mo ti vo de pre o cu pa ção para aseli tes lo ca is e na ci o na is, era a pos sí vel eva sãodos ca ti vos para os Esta dos fron te i ri ços, prin ci -pal men te o Uru guai, onde po de ri am en gros sar o

exér ci to de Ri ve ra. Qu an do não raro, esse aco -lhia os me lho res ca ti vos e de vol via os de ma ispara Ben to Gon çal ves da Sil va. A fuga de es cra -vos para o ou tro lado da fron te i ra pa re ce ter sidomu i to ma i or do que se ima gi na, como su ge re oes tu do do his to ri a dor Sil mei Pe tiz, que ana li souas fu gas es cra vas na Pro vín cia de São Pe dro, en -tre os anos de 1815-1851.47

3.6 Insur re i ções

Ou tra for ma de re sis tên cia, igual men te des -pre za da pela his to ri o gra fia tra di ci o nal sul rio-gran den se, além dos qui lom bos, é re pre sen tadapelas in sur re i ções, mu i to mais te mi das pe los se -nho res, pois co lo ca vam em jogo, suas pró pri asvi das, prin ci pal men te após a re vol ta do Ha i ti(1804). As lu tas pela in de pen dên cia do Ha i ti re -sul ta ram em uma luta ra ci al e, por con se qüên cia,em um ba nho de san gue pro por ci o na do pela es -cra va ria, que lu ta va por sua li ber da de. Li de ra dospor Tous sa int-Lou ver tu re, a po pu la ção ne gra es -cra va não teve cle mên cia de seus an ti gos al go zes,e eli mi nou gran de par te dos ha bi tan tes bran cosda ilha, pro mo ven do a ma i or re vol ta vi to ri o sa dees cra vos dos tem pos mo der nos. Os re vol to sostam bém abo li ram a es cra vi dão em 1794, an tesmes mo de pro cla ma rem a Re pú bli ca. O Ha i ti foio pri me i ro país ne gro e o se gun do ame ri ca no aad qui rir a in de pen dên cia, só sen do an te ce di dopelos Estados Unidos.

Os fa tos ocor ri dos no trans cur so da re vo lu -ção ne gra ti ve ram gran de re per cus são no ter ri tó -rio na ci o nal, pois es cra vis tas te mi am uma re pe ti -ção de tais even tos em solo bra si le i ro, de vi do àgran de quan ti da de de afri ca nos e seus des cen -den tes es cra vi za dos no Bra sil, haja vis ta os cen -sos de 1817/18.

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46 Ata da Câ ma ra Mu ni ci pal de Pe lo tas, 17 de agos to de 1835.47 PETIZ, Sil mei de San ta’A na. Bus can do a li ber da de: as fu gas de es cra vos da pro vín cia de São Pe dro para o além fron te i ra

(1815-1851). Pas so Fun do: EDUPF, 2006.

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Esti ma ti vas da po pu la ção bra si le i ra

Esti mu la dos pe los acon te ci men tos ocor ri dosno Ha i ti, a es cra va ria bra si le i ra se lan çou em umasé rie de re vol tas, sen do a mais co nhe ci da a re vol -ta ba i a na de no mi na da de Ma lês. Essa foi a ma i orre vol ta ur ba na pro mo vi da por es cra vos ocor ri dano Bra sil. Nela, os es cra vos, em sua gran de par teis la mi za dos, or ga ni za ram um mo vi men to de li -ber ta ção, o que oca si o nou gran de pâ ni co en tre as eli tes, que já vi vi am em um ver da de i ro pâ ni co de -vi do às cons tan tes rebeliões promovidas pelaescravaria, principalmente na província da Bahia.

Em 1814, em Ita poã (Ba hia), há uma su ble va ção deem pre ga dos nas pes ca ri as.De po is de su fo ca da a re vol ta com o sal do de 13 bran -cos e 56 ne gros as sas si na dos – os co mer ci an tes ba i a nos es cre vi am ao Go ver no Cen tral de nun ci an do que os ne -gros fa la vam aber ta men te de suas re vol tas, co men tan -do os acon te ci men tos do Ha i ti. Che ga vam a pon to dedi zer que em São João não ha ve ria se quer um bran coou mu la to vivo.48

No en tan to, as in sur re i ções não se li mi ta ram à pro vín cia ba i a na; elas tam bém che ga ram ao RioGran de do Sul. Entre tan to, nos fal tam es tu dosmo no grá fi cos so bre as mes mas para um apro -fun da men to ma i or. As re vol tas, as in sur re i ções ein su bor di na ções re fle tem a não aco mo da ção dosne gros es cra vi za dos no ter ri tó rio ga ú cho. Embo -ra os mo vi men tos de re be lião e in sur re i ção, fos -

sem mais di fí ce is de se rem or ga ni za das que asim ples fuga, aque las não de i xa ram de fa zer par te da re sis tên cia es cra va ga ú cha. Nota-se, po rém, ao ana li sar mos tais mo vi men tos, que os mesmosnão ficaram restritos ao elemento servil: delesparticiparam estrangeiros e negros libertos.

Em 25 de fe ve re i ro de 1863, o Pre si den te da Pro vín ciaen via ao Che fe de Po lí cia o Re ser va do No 13.Acu so re ce bi do o ofí cio des sa re par ti ção da ta do de on -tem, ao qual acom pa nha có pia da co mu ni ca ção do de -le ga do de Po lí cia de Pe lo tas so bre as se du ções em pre -ga das pelo pre to li ber to Se bas tião Ma ria, que se achapre so para le var a efe i to a in sur re i ção de gran de nú me -ro de es cra vos que na que le ter mo exis tem. Sen do esteum as sun to dig no de ma i or aten ção das au to ri da des,con vém que se re co men de ao mes mo De le ga do in ces -san te vi gi lân cia a fim de pre ve nir os efe i tos que porven tu ra ti ves sem pro vo ca do no ani mo dos es cra vos asali ci a ções [...].49

Tal fato pode ser en ten di do, sal vo en ga no,como uma pro vá vel cons ciên cia ra ci al dos afri ca -nos ou des cen den tes li ber tos. Por que es tes, nãosen do es cra vos, de ve ri am ar ris car-se em tais mo -vi men tos? A cons ciên cia das in sur re i ções ma ni -fes ta-se, pro va vel men te, não só na luta pela li ber -da de, mas tam bém na ex tra po la ção des tas re i vin -di ca ções. Sal vo en ga no, foi na re gião hoje de no -mi na da de Pe lo tas, que ocor reu o ma i or nú me rode mo vi men tos con tra a or dem es cra vis ta, o que

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1798 1817/18

Bran cos 1.010.000 1.043.000

Li vres de cor 406.000 585.500

To tal de li vres, ex cep tu an do ín di os 1.416.000 1.628.500

Índi os 250.000 259.400

To tal de Li vres 1.666.000 1.887.900

Escra vos mu la tos 221.000 202.000

Escra vos ne gros 1.361.000 1.728.000

To tal de es cra vos 1.582.000 1.930.000

Po pu la ção to tal 3.248.000 3.817.900

Fonte: Agos ti nho, Mar ques Per di gão Ma lhe i ro. A es cra vi dão no Bra sil. 2 vols. 2. ed. São Pa u lo,1944), vol. II, p. 197-198.

48 MOTT, Luiz R. B. Escra vi dão, ho mos se xu a lis mo e de mo lo gia. São Pa u lo: Íco ne, 1988, p. 14.49 PICOLLO, Hel ga Ira ce ma. A re sis tên cia es cra va no Rio Gran de do Sul. Por to Ale gre: EDIUFRGS, 1982, p. 34-35.

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não ca u sa es pan to, de vi do ao fato de pos su ir aan ti ga São Fran cis co de Pa u la o ma i or nú me ropro por ci o nal de es cra vos na província.

Com o sub tí tu lo de in sur re i ções, le van tes, in -su bor di na ções, Hel ga Pic co lo fez o se guin te le -van ta men to, ba se an do-se em fon tes pri má ri as ese cun dá ri as:

3.6.1 Ano e lo cal (in sur re i ções)

1803 – Insur re i ção na Fe i to ria do Li nho Câ nha mo;1822 – Insur re i ção na Fe i to ria do Li nho Câ nha mo;1833 – A Câ ma ra Mu ni ci pal de Pe lo tas re ce ia o ali -ci a men to de es cra vos por par te dos Far rou pi lhas;1834 – De nún cia da Câ ma ra de Ja gua rão que Ri -ve i ra ha via man da do emis sá ri os seus para pro -mo ve rem uma su ble va ção es cra va;1838 – Ten ta ti va de Insur re i ção em Por to Ale gre;1841 – Ten ta ti va de Insur re i ção na pro vín cia;1848 – Pla no de Insur re i ção dos es cra vos mi nasem Pe lo tas;1854 – Bo a tos de um le van te es cra vo em RioGran de;1858 – Ten ta ti va de in sur re i ção li de ra da pelo pre -to Ori en tal Fran cis co Anto nio Dias em San ta nado Li vra men to;1859 – Des co ber ta de um pla no de in sur re i çãodos es cra vos em Rio Par do;1859 – Des co ber ta de um pla no de in sur re i çãoem Ca pi va ri;1859 – Des co ber ta de um pla no de in sur re i çãoem Encru zi lha da;1859 – Des co ber ta de um pla no de in sur re i çãoem Pi ra ti ni;1863 – Indí ci os de in su bor di na ção nas fa zen dasde Anto nio José de Mo ra es em Ta quari;1863 – Ten ta ti va de in sur re i ção em Pe lo tas li de -ra da pelo li ber to Se bas tião Ma ria;1863 – Ten ta ti va de in sur re i ção na Alde ia dosAnjos;1864 – Des co ber ta de in sur re i ção em Ta quari;1864 – Des co ber ta de in sur re i ção em Por to Ale gre;1865 – Vá ri as ten ta ti vas de in sur re i ções de es cra vos;1868 – Insur re i ção em Por to Ale gre;1870 – Le van te na char que a da de Jo a quim Ras ga do;

1873 – Insur re i ção em Pe lo tas;1881 – Des co ber ta de uma re vol ta es cra va emPe lo tas;1885 – Re be lião de es cra vos da fa zen da São João de pro pri e da de de Ma no el Vi e i ra Var gas em Pe lo tas;1887 – Insu bor di na ção de li ber tos em Pe lo tas nachar que a da de Ju lio Bru tos de Alme i da;

O cri me, o rou bo, o cor po mole, tudo fa ziapar te da re sis tên cia es cra va. A opo si ção à es cra -va tu ra fa zia par te do dia-a-dia do ca ti vo, que, ex -plí ci ta ou im pli ci ta men te, até 1888 lu tou con trao ca ti ve i ro. Das sa va nas afri ca nas, pas san do pe -los po rões pu tre fa tos dos tum be i ros e che gan do até as sen za las, os afri ca nos e seus des cen den tesnão co nhe ce ram ou tro so nho se não o da li ber -da de. Para tan to, não ti tu be a ram, mu i tas ve zes,em jus ti çar seus al go zes, em suas lu tas con tra oca ti ve i ro.

3.7 Se xu a li da de

Mu i to há para se pes qui sar, ain da, so bre a es -cra vi dão no Rio Gran de do Sul, prin ci pal men teas pec tos não li ga dos à pro du ção, tais como a fa -mí lia e a se xu a li da de, sen do esse úl ti mo ain da tra -ta do como um tabu por al guns his to ri a do res. So -men te nos úl ti mos anos, os pes qui sa do res em ní -vel na ci o nal co me ça ram a dar ma i or aten ção a es -ses te mas. Den tre os pou cos tra ba lhos ga ú chosque abor dam este as sun to, des ta ca-se o de Va lé -ria Za net ti.50 A abor da gem des tes te mas não secons ti tui numa ta re fa fá cil, de vi do à gran de sub je -ti vi dade que os en vol ve, a fal ta de do cu men ta çãodi re ta e o pre con ce i tos so bre o tema. O nú me rode ho mens es cra vi za dos era mu i to su pe ri or ao de mu lhe res tra fi ca das para o Bra sil, fa tor que nadafa vo re ceu à for ma ção de fa mí li as es cra vi za das. E, como não bas tas se a su pe ri o ri da de do ele men tomas cu li no, os ca ti vos ain da con ta vam com a con -cor rên cia des le al dos ho mens li vres, que tam bémse de pa ra vam com a fal ta de mu lhe res. Tais cir -

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50 ZANETTI, Va lé ria. Ca la bou ço ur ba no – es cra vos e li ber tos em Por to Ale gre (1840-1860). (Dis ser ta ção de Mes tra do). Por to Ale -gre: Insti tu to de Fi lo so fia e Ciên ci as Hu ma nas, Pon ti fí cia Uni ver si da de Ca tó li ca do Rio Gran de do Sul, 1994.

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cuns tân ci as le va vam a sé ri os con fli tos, tan to en -tre a es cra va ria, como en tre li ber tos e bran cos,pois o ele men to fe mi ni no em cer tas áre as era ar ti -go de luxo.

Exem plo sin gu lar foi des cri to por Go ren der,em um en ge nho per nam bu ca no. Qu an do um es -cra vo que i xou-se a seu se nhor da in fi de li da de desua mu lher, esta, a man do do se nhor, foi cas ti ga -da com aço i tes. O que le vou o de nun ci an te aprin cí pio à ale gria. Porém, a se guir, o mes mo de -te ve o car ras co e pe diu que ela fos se per do a da,ale gan do “se aqui exis tem tan tos ho mens e tãope que no nú me ro de mu lhe res [...] como é pos sí -vel exi gir que es sas se jam fiéis?”.51 Con si de ran do o vo lu mo so nú me ro de ho mens ne gros es cra vi -za dos, é de se su por que hou ves se prá ti cas al ter -na ti vas no que tan ge à se xu a li da de. Sal vo en ga no, tais prá ti cas tal vez te nham sido mais fre qüen tesem ter ri tó rio bra si le i ro do que se pos sacomprovar.

Den tre as prá ti cas al ter na ti vas, en con tra mos a so do mia como tam bém uma das mais ca mu fla -das, não só pelo pre con ce i to, mas tam bém de vi -do ao fato de a mes ma ser ca rac te ri za da como pe -ca do e cri me; caso seus pra ti can tes fos sem des co -ber tos, po de ri am ser per se gui dos, tam bém, pelotri bu nal da San ta Inqui si ção.

Outra re fe rên cia in te res san te en con tra da nos pro -ces sos do San to Ofí cio é a que en vol ve o sa pa te i roFran cis co, na tu ral do Con go, ca ti vo de Antô nio Pi -res, mo ra dor aba i xo da igre ja da Mi se ri cór dia, o qualti nha fama en tre os ne gros de ser so mí ti co. Seu acu -san te: o lis bo e ta Ma ti as Mo re i ra, cris tão ve lho, dis seque em Ango la e Con go, nas qua is ter ras ele de nun -ci ante an dou mu i to tem po e tem mu i ta ex pe riên ciade las, é cos tu me en tre os ne gros gen ti os tra ze remum pano cin gi do com os pon tos por di an te, os ne -gros so mí ti cos que no pe ca do ne fan do ser vem de mu -lhe res pa ci en tes [...].52

Ou tro do cu men to so bre o tema é re gis tra dono Rio Gran de do Sul, nar ra do pelo Cor re ioMer can til:

Tra jo mis te ri o so – com este tí tu lo de mos à no tí cia dapri são de um ho mem de cor fula, que an da va ves ti do de mu lher e que com o nome de Ro sa lin da se alu ga ra emdi ver sas ca sas. Dos ave ri gua dos a que pro ce deu o Dr.2º De le ga do che gou a se sa ber que Ro sa lin da era JoãoFran cis co Pe re i ra da Gama, de con di ção li vre [...].53

Entre tan to, a se xu a li da de es cra va não se res -trin gia às pa re des e gran des sen za las, como dis seSo li mar de Oli ve i ra. As “vir tu o sas se nho ras”tam bém des fru ta ram do amor es cra vo como bemapon ta o his to ri a dor:

Mais ou sa da foi Brí gi da Jo a qui na Lo pes, de São Se bas -tião do Caí: man te ria um ver da de i ro “ha rém de ne -gros”, em tor no de si. Ca sa da com o es tan ci e i ro JoséCor de i ro, ti nha como aman tes os ir mãos Se les ti a no, de16 anos, e Jus ti ni a no, de 18; o li ber to Bal du í no, além do ca pa taz da es tân cia, o pre to for ro João, de mi ti do peloes tan ci e i ro.54

As re la ções en tre es cra vos e se nho res ou se -nho ras são ex tre ma men te di fí ce is de se rem com -pro va das, de vi do à fur ti vi da de de tais atos, prin -ci pal men te os que en vol vem o sexo fe mi ni no. Ede vi do ao aco ber ta men to que os mes mos de ve -ri am ter de vi do ao es cân da lo que po de ri am pro -por ci o nar. Enten de mos ser esse um as sun to a ser ain da des cor ti na do por par te da his to ri o gra fia eque, para tan to, deve des pir-se de seus pre con ce i -tos e ta bus para re la tar a se xu a li da de dos ca ti vosen tre si, as sim como en tre eles e os de ma is. Paratan to, é ne ces sá rio sa ir mos do cam po das ide a li -za ções e do fol clo ris mo, e en trar mos no mun doda his tó ria.

3.8 O ne gro no cam po de ba ta lha

As eli tes bra si le i ras, sem pre que se fez ne ces -sá rio, não se fur ta ram em uti li zar os tra ba lha do -res es cra vi za dos tam bém nos cam pos de ba ta lha,em de fe sa de seus in te res ses. Sal vo en ga no, nãoexis tiu ne nhum gran de con fron to ar ma do no

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51 GORENDER, Ja cob. O es cra vis mo co lo ni al. 4. ed. São Pa u lo: Áti ca, 1988, p. 336.52 MOTT, Luiz R. B. Escra vi dão, ho mos se xu a lis mo e de mo lo gia. São Pa u lo: Íco ne, 1988, p. 33.53 Cor re io Mer can til, Nº 99 (Obs.: De vi do ao es ta do do jor nal, não foi pos sí vel ve ri fi car os de ma is da dos para re fe rên cia).54 LIMA, So li mar Oli ve i ra. Tris te pam pa: re sis tên cia e pu ni ção de es cra vos em fon tes ju di ciá ri as no Rio Gran de do Sul –

1818/1833. Por to Ale gre: IEL: EDIPUCRS, 1997, p. 72.

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Bra sil em que não hou ves se a par ti ci pa ção do ele -men to ne gro, lu tan do ao lado da au to ri da decons ti tu í da ou con tra essa.

Pro va vel men te, a saga guer re i ra dos afri ca nose seus des cen den tes no Bra sil te nha co me ça docom a de fe sa de pe que nos qui lom bos, pas san dopor Pal ma res, ter ço dos Hen ri ques, se guin docom as lu tas pela in de pen dên cia, re vol tas pro vin -ci a is e por aí afo ra. Acon te cen do o mes mo noscon fron tos in ter na ci o na is, onde a pre sen ça afro-bra si le i ra se fez pre sen te e nos con fron tos fron -te i ri ços, prin ci pal men te no Bra sil Me ri di o nal e aGuerra do Pa ra guai, sen do esse um dos mar cosdo II Impé rio, no qual a eli te bra si le i ra e ga ú cha,com o ob je ti vo de pro te ger seus pa res, alis ta vam es cra vos para com ba te rem em suas fi le i ras.Tam bém no ex tre mo sul do Bra sil, a pre sen çaguer re i ra do ne gro se fez pre sen te. So bre osmes mos afir mou, Cláu dio Mo re i ra Ben to:“Acre di ta mos que a ma i or con tri bu i ção do afri -ca no ne gro e des cen den tes no Rio Gran de te nha sido no cam po mi li tar, como ex ce len tes com ba -ten tes de Infan ta ria e ca va la ria”. Den tre os vá rios con fli tos ar ma dos no ter ri tó rio em que os ne -gros ti ve ram par ti ci pa ção re le van te, pa re ce-nosser a cha ma da Re vo lu ção Far rou pi lha o maisem ble má ti co de les, de vi do ao des fe cho ines pe ra -do para os afro des cen den tes.

Após com ba te rem tan to ao lado das tro pasim pe ri a is como re pu bli ca nas, os ne gros far rou pi -lhas ori un dos do ca ti ve i ro, de no mi na dos de Lan -ce i ros Ne gros, fo ram tra í dos pe los lí de res far rou -pi lhas, na cha ma da Tra i ção de Po ron go. Nela,Davi Ca na bar ro, em vil ato de tra i ção, de sar moua in fan ta ria ne gra, para que os mes mos fos semata ca dos na ma dru ga da de 14 de no vem bro de1844, pe los sol da dos do im pé rio bra si le i ro. Emtra ta ti vas fir ma das en tre o Ba rão de Ca xi as e Da -vid Ca na bar ro, fi cou tra ça da a sor te dos lan ce i -ros: Ca xi as or de nou que o Co ro nel Fran cis co Pe -dro de Abreu ata cas se o acam pa men to far rou pi -lha na data com bi na da e que o mes mo não te mes -se o re sul ta do do con fron to, pois a in fan ta ria far -

rou pi lha, com pos ta por es cra vos, es ta ria de sar -ma da por or dem de Ca na bar ro, con for me o“Acor do Se cre to” en tre am bos. Des ta for ma,com o au xí lio de Ca na bar ro, a in fan ta ria ne gra foi co var de men te mas sa cra da. Como pro va ine quí -vo ca de que o alvo eram so men te os lan ce i ros ne -gros, es cre veu Ca xi as a Abreu: “No con fli to pou -pe o san gue bra si le i ro quan do pu der, par ti cu lar -men te de gen te bran ca da pro vín cia ou ín di os,pois bem sa bes que esta po bre gen te ain da nospode ser útil no fu tu ro”.55

A or dem de Ca xi as não de i xa dú vi das: os lan -ce i ros, so men te eles, de ve ri am ser mas sa cra dos.Este ato co var de dos far rou pi lhas e im pe ri a iscon tra os com ba ten tes ne gros de no mi nou-se deTraição de Porongos.

Embo ra seja sim bó li co, Po ron gos foi ape nasmais um dos vá ri os mas sa cres aos qua is fo ramsub me ti dos os afri ca nos e seus des cen den tes noBra sil, que, para con se guir sua li ber da de, não he -si ta ram em ir aos cam pos de ba ta lha.

No en tan to, o mes mo ne gro que ser via aoexér ci to im pe ri al e re pu bli ca no ga ú cho, para sever li vre do ca ti ve i ro, não ti tu beava em fa zer omes mo nos exér ci tos dos pa í ses vi zi nhos. Vá ri oses cra vos em fuga ga nha ram à fron te i ra, e fo ramser vir aos ca u di lhos pla ti nos para ga ran tir sua li -ber da de. Haja vis ta o grande número de negrosno exército do Uruguai.

Os ex-ca ti vos su li nos eram ti dos como os mais va len tes sol da dos de Arti gas, que pro me te ra ter ra aos ga ú chos eli ber da de aos ne gros. Tra ta dos de ex tra di ção de fu gi -dos fo ram as si na la dos mas não ple na men te exe cu ta -dos. Os pro pri e tá ri os su li nos or ga ni za vam ra zi as so -bre tu do no Uru guai – ca li fór ni as – para se qües trar an ti -gos tra ba lha do res es cra vi za dos es ca pa dos ou ne gros li -vres ti dos como tal. A fuga para os ter ri tó ri os cas te lha -nos pos si vel men te di mi nu iu a im por tân cia de ou trasfor mas de re sis tên cia no Sul.56

Com base na do cu men ta ção, po de mos afir -mar, sal vo en ga no, que para os afri ca nos e seusdes cen den tes a li ber da de va lia mais do que a ban -de i ra pela qual lu ta vam. Pois, em to dos os ca sos,

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55 ASSUMPÇÃO, Jor ge Eu zé bio. His tó ria & Luta de clas ses. Escra vi dão, tra ba lho e re sis tên cia. Rio de Ja ne i ro, ano 2, n. 3, p. 68.56 MAESTRI, Má rio. O es cra vo no Rio Gran de do Sul: tra ba lho, re sis tên cia e so ci e da de. 3 ed. re vis ta e atu a li za da. Por to Ale gre:

EDIUFRGS, 2006, p. 146.

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o en ga ja men to se dava de vi do a pro mes sas de li -ber da de. Para tan to, alu ga vam seu bra ço guer re i -ro a quem lhes ga ran tis se ou pro me tes se umavida lon ge do ca ti ve i ro.

3.9 A abo li ção

A abo li ção não pode ser en ca ra da como umfato iso la do ou como um fru to do de se jo pes so alde uma úni ca pes soa. Ela deve ser con tex tu a li za -da, tan to em ní vel ex ter no atra vés das pres sõesin ter na ci o na is, prin ci pal men te da Ingla ter ra,como tam bém por fa to res in ter nos, tais como aresis tên cia es cra va e os mo vi men tos eman ci pa -ci o nis tas e abo li ci o nis tas. A eli te bra si le i ra, de -pen den te da mão-de-obra es cra va, sem ter comore a gir às pres sões po lí ti cas ex ter nas, viu-se obri -ga da a sub me ter-se às mes mas, ao me nos pormeio de leis. To da via, es tes có di gos que obe de ci -am aos in te res ses ex ter nos, na prá ti ca, não sur ti -ram efe i to, pois iam con tra os in te res ses das eli tes na ci o na is. Tão im por tan tes quan to as pres sõesex ter nas fo ram os mo vi men tos in ter nos, com apar ti ci pa ção da es cra va ria, em sua re sis tên cia aomodo de pro du ção es cra vis ta.

Ten tan do man ter ao má xi mo o sis te ma ser vil,as eli tes usa ram de to dos os sub ter fú gi os paraman ter a es cra vi dão. No in tu i to de fre ar as vá ri asfor mas de re sis tên ci as es cra vas, prin ci pal men tena dé ca da de 1880, os es cra vis tas su li nos vão seuti li zar das car tas de al for ri as como meio de man -ter ou sus ten tar o má xi mo pos sí vel o que res ta vaain da da ser vi dão ne gra.

A al for ria ser via aos se nho res para os se guin tes ob je ti -vos prin ci pa is: per mi tia-lhes li vrar-se de es cra vos im -pres tá ve is; con ce di da como prê mio; es ti mu la va a fi de li -da de de cer to tipo de es cra vo a exem plo dos do més ti -cos, di an te dos qua is os se nho res eram mais vul ne rá ve -is. Cons ti tu ía uma fon te de ren da su ple men tar de ri va do do pe cú lio dos es cra vos. Como é evi den te, a al for ria foi um fa tor de de crés ci mo da po pu la ção es cra va. Mas suaprá ti ca va ri ou na His tó ria de cada re gi me es cra vis ta,con for me ne ces si da des en dó ge nas e cir cuns tan ci a is.57

No in tu i to de ame ni zar as “re be liões” es cra -vas, os se nho res vão se uti li zar da con ces são dasal for ri as, me di an te cer tas con di ções. Tal re cur souti li za do pela eli te es cra vis ta ten ta va sub ju gar dema ne i ra não vi o len ta a es cra va ria, que a todo omo men to se re vol ta va em bus ca de sua li ber da de. Este ex pe di en te po de ria, mu i tas ve zes, ser maisefi ci en te que o chi co te, pois o mes mo pro vo ca vamedo, re vol ta e ti nha seu efe i to por tem po de ter -mi na do, en quan to que a pro vá vel li ber da de apre -sen ta va efe i to con trá rio, man ti nha o es cra vo sub -mis so, cal mo e prin ci pal men te fiel e gra to a seu“ben fe i tor”. Sen do as sim, os ca ti vos bem com -por ta dos e obe di en tes po de ri am ga nhar esta dá -di va de seus hu ma ni tá ri os se nho res, e ser vir deexem plo para os demais.

Digo eu aba i xo as si na do, que pos su in do um es cra voen tre ou tros de mi nha pro pri e da de de nome Jo a quim,de ida de pou co mais ou me nos de qua ren ta e oito anos,de na ção Re bo lo a qual me per ten ce por com pra quedele fiz no ano de mil oi to cen tos e trin ta e dois, ao se -nhor José dos San tos Mag no do Rio Gran de e que ren -do re com pen sar ao dito meu es cra vo Jo a quim o bemque me ser via, e além dos ser vi ços re le van tes, que fezna qua li da de de es cra vo não se de i xan do se du zir noEsta do vi zi nho: de cla ro que des de hoje para sem pre lhe dou sua li ber da de [...].58

Mes mo nos mo men tos fi na is da es cra vi dão, já qua se sem con di ções de man tê-la, os es cra vis tasain da lu cra vam com os seus ca ti vos ao ven -der-lhes sua li ber da de.

Pela pre sen te por nós fe i ta e as si na da de cla ra mos quede hoje em di an te da mos ple na li ber da de a nos sa es cra -va Antô nia....... pela quan tia de qua tro cen tos e cin qüen -ta mil réis que da mes ma nós re ce be mos.59

Com o fim do sis te ma se apro xi man do a lon -gos pas sos, a eli te es cra vis ta ain da ten ta pror ro gar a es cra vi dão atra vés das car tas de al for ri as comcláu su la de pres ta ção de ser vi ço. So bre o mo vi -men to de al for ri a men to de 1884, no Rio Gran dedo Sul, dis se Ro bert Con rad:

O mo vi men to li ber ta dor, que al can çou um auge de in -ten si da de no Rio Gran de do Sul em agos to e se tem bro

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57 GORENDER, Ja cob. O es cra vis mo co lo ni al. 5. ed. São Pa u lo: Áti ca, 1988, p. 352-353.58 Iº No tá rio – Pe lo tas – Agos to de 1849, Re gis tros Ordi ná ri os, Li vro 4, pá gi na sol ta no li vro.59 Re gis tros Ordi ná ri os. Iº No tá rio, Ta lão 14, Ano 1881, Pe lo tas, p. 96.

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de 1884, não foi por tan to, tão cla ra men te ide a lis ta ouaté tão com ple to quan to os do Ce a rá e do Ama zo nas.Numa ques tão de me ses, dois ter ços dos ses sen ta miles cra vos des sa pro vín cia do sul re ce be ram a con di çãode li vres, mas a ver da de é que a ma i o ria foi obri ga da acon ti nu ar dan do seu tra ba lho, sem pa ga men to a seusan ti gos se nho res du ran te de um a sete anos. O mo vi -men to no Rio Gran de do Sul con for me The Rio Hewsafir mou no jor nal de 1884, de ve rá ser di fe ren ci a do dosmo vi men tos do Ce a rá e do Ama zo nas, pois é de na tu -re za mu i to me nos li be ral e ge ne ro sa. Qu a se to das as li -ber ta ções es tão sen do con ce di das em con di ções detem po de tra ba lho ou apren di za do que se ve ri fi cam,em gran de par te, para um pe río do de cin co anos.60

Por fim, é de fun da men tal im por tân cia lem -brar que, em bo ra te nham sido li ber tos um gran de nú me ro de ca ti vos em 1884 no Rio Gran de doSul, a es cra vi dão con ti nu ou a exis tir na an ti gaPro vín cia de São Pe dro, com to dos os seus ví ci -os, con ta do com a in que brantá vel re sis tên cia dosafri ca nos e seus des cen den tes es cra vi za dos até1888. Di fe ren te do que di zem al guns au to res, dea mes ma ter sido ex tin ta quan do da gran de cam -pa nha de 1884, no Bra sil Me ri di o nal.

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60 Assump ção, Jor ge Eu zé bio. Pe lo tas: es cra vi dão e char que a das (1780/188), Por to Ale gre: EDIPUCRS, 1995, p. 310.

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Con si de ra ções fi na is

Como já foi si na li za do na Intro du ção, o tex to re pro duz li te ral men te o per cur so de um Cur soso bre “Áfri ca – Aspec tos his tó ri cos e ge o grá fi -cos”, cujo per cur so apre sen ta, no en tan to, umfe cun do e mu i to opor tu no “des vio de rota”, co -me ti do pro po si tal men te, no sen ti do de cen trarfor te ên fa se na ex ten são sa cri fi ca da da his tó riada Áfri ca ne gra, acon te ci da atra vés dos afro des -cen dentes que vi ve ram a es cra vi dão no Esta dodo Rio Gran de do Sul.

O Prof. Jor ge Eu zé bio deu um belo exem ploem sua ca pa ci da de de adap ta ção e fle xi bi li da de às ca rên ci as e ne ces si da des ma ni fes ta das pe los alu -nos. Cer ta men te, mu i tos “des vi os de rota” de ve -rão acon te cer ain da na Aca de mia para que a “realre a li da de” vi vi da pe los afro des cen den tes, emnos sa his tó ria bra si le i ra, te nha chan ce de com pa -re cer em sua ver da de nas sa las de aula. Opor tu ni -da des, cer ta men te, não fal tam aos pro fes so res e

às pro fes so ras em sala de aula para que isto se re -a li ze. O que fal ta, mu i tas ve zes, é o pre pa ro ade -qua do e, so bre tu do, a decisão de fazer frente aopreconceito muito sutilmente arraigado em nossa cultura.

A le gis la ção vem ten tan do “for çar a bar ra”para que as Insti tu i ções de Ensi no e seus res pon -sá ve is, so bre tu do os pro fes so res e as pro fes so ras,as su mam a res pon sa bi li da de por aju dar a com pre -en der cor re ta men te, com a con tri bu i ção do olharafro des cen den te, uma his tó ria que foi con ta da,qua se sem pre, de uma for ma mu i to par ci al e fa vo -rá vel aos in te res ses co lo ni a is eu ro pe us. A le gis la -ção, em si, no en tan to, não re sol ve. É ne ces sá rio,em pri me i ro lu gar, de sem pe nho ci da dão em ní veldas ins ti tu i ções e de seus su je i tos res pon sá ve is. OCur so que aqui foi re pro du zi do é um exem plo que apon ta para um ca mi nho in te res san te a ser se gui -do, nes te sen ti do. (Os Orga ni za do res)

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O au tor e os or ga ni za do res

Jor ge Eu zé bio Assump ção

É pro fes sor da Fa cul da de Por to-Ale gren se deEdu ca ção Ciên ci as e Le tras (FAPA), do cur so depós-gra du a ção “Espe ci a li za ção em His tó ria Afri -ca na e Afro-bra si le i ra”, em que dá au las so bre otema “A Áfri ca di an te do im pe ri a lis mo co lo ni a -lis ta”. Faz par te da Se cre ta ria Esta du al de Edu ca -ção do Rio Gran de do Sul (SEC/RS).

Li vros pu bli ca dos/or ga ni za dos ou edi ções

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Orga ni za do res

Ade va nir Apa re ci da Pi nhe i ro

Nas ci da em Cam bi ra/PR em 1959. É dou to -ran da em Ciên ci as So ci a is na Uni ver si da de doVale do Rio dos Si nos – Uni si nos, sen do gra du a -da em Ser vi ço So ci al, em 1997, es pe ci a lis ta naárea da Fa mí lia, Cri an ça e Ado les cen tes, em

2001, e mes tre em Ciên ci as So ci a is Apli ca das, em 2004, pela Uni si nos. Ini ci ou os seus es tu dos degra du a ção na Uni ver si da de do Vale do Ita jaí –Uni va li, além de ter re a li za do tra ba lhos comoAgen te dos Di re i tos Hu ma nos – ADH, na ci da dede Ita jaí.

Pu bli ca ções

PINHEIRO, Ade va nir Ri be i ro; FOLLMANN, José Ivo(Orgs.) Ima gens, sím bo los e iden ti da des no es pe lho de umgru po in ter-re li gi o so de diá lo go. Ca der nos IHU, São Le o -pol do, ano 4, n. 19, 2006.

PINHEIRO, Ade va nir Ri be i ro. Ima gens, sím bo los e iden -ti da des no es pe lho de um gru po in ter-re li gi o so de diá lo go.In: FOLLMANN, José Ivo e LOPES, José Ro gé rio (Orgs.) Di ver si da de re li gi o sa, ima gens e iden ti da des. Por to Ale gre: Arma -zém Di gi tal, 2007.

PINHEIRO, Ade va nir Ri be i ro. Li vres para o diá lo go. Re -vis ta Diá lo go: Ensi no re li gi o so. São Pa u lo, ano XII, n. 46, maiode 2007, p. 26.

PINHEIRO, Ade va nir Ri be i ro. Qual o sen ti do que as re li -giões dão para o tra ba lho? Mun do Jo vem. Por to Ale gre, anoXLIV, n. 371, out. 2006.

PINHEIRO, Ade va nir Pi nhe i ro. O que di zer da mor te?Mun do Jo vem, ano XLIV, n. 371, out. 2006, p. 8.

PINHEIRO, Ade va nir Ri be i ro. Re li gião de cos tu me ou re -li gião de es co lha? Mun do Jo vem, Por to Ale gre, ano XLIV, n.367, jun. 2006, p. 5.

José Ivo Foll mann

Nas ci do em 25/01/1947, em Cer ro Lar go/RS. Pa dre je su í ta, tra ba lha na pós-gra du a ção emCiên ci as So ci a is da Uni ver si da de do Vale do Riodos Si nos (Uni si nos). É mes tre em Ciên ci as So -ci a is, pela Pon ti fí cia Uni ver si da de Ca tó li ca deSão Pa u lo (PUCSP), e dou tor em So ci o lo gia, pelaUni ver si da de Cat ho li que de Lou va in, UCL, Bél -gi ca em 1994. É au tor de di ver sas pu bli ca ções naárea da so ci o lo gia das re li giões, gran de par te emco-au to ria com Ade va nir Apa re ci da Pi nhe i ro e aequi pe do GDIREC.

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Pu bli ca ções

FOLLMANN, José Ivo. O de sa fio trans dis ci pli nar: al gunsapon ta men tos. Re vis ta Ciên ci as So ci a is, Uni si nos, São Le o -pol do, RS, vol. 41, n. 1, 2005, p. 53-57.

FOLLMANN, José Ivo; LOPES, José Ro gé rio (Orgs.). Di -ver si da de re li gi o sa, ima gens e iden ti da des. Por to Ale gre: Arma -zém Di gi tal, 2007.

FOLLMANN, José Ivo. O mun do das re li giões e re li gi o si -da des: al guns nú me ros e apon ta men tos para uma re fle xãoso bre no vos de sa fi os. In: SCARLATELLI, Cle i de,STRECK, Da ni lo; FOLLMANN, José Ivo (Orgs.). Re li -gião, cul tu ra e edu ca ção. São Le o pol do: EdUni si nos, 2006.

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Te mas dos Ca der nos IHU

Nº 01 – O ima gi ná rio re li gi o so do es tu dan te da Uni ver si da de do Vale do Rio dos Si nos – UNISINOSProf. Dr. Hi lá rio Dick

Nº 02 – O mun do das re li giões em Ca no as

Prof. Dr. José Ivo Foll mann (Co ord.), MS Ade va nir Apa re ci da Pi nhe i ro, MS Iná cio José Sphor & MS Ge ral do Alze mi roSchwe in ber ger

Nº 03 – O pen sa men to po lí ti co e re li gi o so de José Mar tíProf. Dr. Wer ner Altmann

Nº 04 – A cons tru ção da te ler re a li da de: O Caso Li nha Di re taSo nia Mon ta ño

Nº 05 – Pelo êxo do da so cie da de sa la ri al: a evo lu ção do con ce i to de tra ba lho em André Gorz

MS André Lan ger

Nº 06 – Gil ber to Frey re: da Ca sa-Grande ao So bra do – Gê ne se e dis so lu ção do pa tri ar ca lis mo escra vis ta no Bra si l: Algu mas con si de ra çõesProf. Dr. Má rio Ma es tri

Nº 07 – A Igre ja Do més ti ca: Estra té gi as te le vi si vas de cons tru ção de no vas re li gi o si da desProf. Dr. Antô nio Fa us to Neto

Nº 08 – Pro ces sos mi diá ti cos e cons tru ção de no vas re li gi o si da des. Di men sões his tó ri casProf. Dr. Pe dro Gil ber to Go mes

Nº 09 – Re li gi o si da de mi diá ti ca: Uma nova agen da pú bli ca na cons tru ção de sen ti dos?Prof. Dr. Atíl lio Hart mann

Nº 10 – O mun do das re li giões em Sa pu ca ia do SulProf. Dr. José Ivo Foll mann (Co ord.)

Nº 11 – Às mar gens ju ve nis de São Le o pol do: Da dos para en ten der o fe nô me no ju ve nil na re giãoProf. Dr. Hi lá rio Dick (Co ord.)

Nº 12 – Agri cul tu ra Fa mi li ar e Tra ba lho Assa la ri a do: Estra té gi as de re pro du ção de agri cul to res fa mi li a res mi gran tesMS Arman do Tri ches Ender le

Nº 13 – O Escra vis mo Co lo ni al: A re vo lu ção Co per ni ca na de Ja cob Go ren der – A Gê ne se, o Re co nhe ci men to, a Des le gi ti ma çãoProf. Dr. Má rio Ma es tri

Nº 14 – Le al da de nas Atu a is Re la ções de Tra ba lhoLa u ro Antô nio La cer da d’Avila

Nº 15 – A Sa ú de e o Pa ra dig ma da Com ple xi da deNa o mar de Alme i da Fi lho

Nº 16 – Pers pec ti vas do diá lo go em Ga da mer: A ques tão do mé to doSér gio Ri car do Sil va Gac ki

Nº 17 – Estu dan do as Re li giões: Aspec tos da his tó ria e da iden ti da de re li gi o sosAde va nir Apa re ci da Pi nhe i ro, Cle i de Olsson Schne i der & José Ivo Foll mann (Orga ni za do res)

Nº 18 – Dis cur sos a Be i ra dos Si nos – A Emer gên cia de No vos Va lo res na Ju ven tu de: O Caso de São Le o pol doHi lá rio Dick – Co or de na dor

Nº 19 – Ima gens, Sím bo los e Iden ti da des no Espe lho de um Gru po Inter-Re li gi o so de Diá lo goAde va nir Apa re ci da Pi nhe i ro & José Ivo Foll mann (Orga ni za do res)

Nº 20 – Co o pe ra ti vis mo de Tra ba lho: Avan ço ou Pre ca ri za ção? Um Estu do de CasoLu cas Hen ri que da Luz

N. 21 – Edu ca ção Po pu lar e Pós-Mo der ni da de: Um olhar em tem pos de in cer te zaJa i me José Zit kos ki

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