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  • 7/30/2019 Artigo [Terapia Celular]

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    A importncia do uso das clulas tronco para a sade pblica

    The importance of the use of stem cells for public health

    Lygia da Veiga Pereira1

    1 Departamento de Genticae Biologia Evolutiva,Instituto de Biocincias,

    USP. Rua do Mato 277/350, Cidade Universitria.05508-900 So Paulo [email protected]

    7

    DEBATE

    DEBATE

    Abstract Stem cells were elected Breakthroughof the Year by Science1magazine in 1999, havingshown that stem cell s from adul t ti ssues retained

    the abil it y to di fferentiate into other tissue types.Dur ing the previous year, the fir st human em-bryo stem cell li nes were established. Since then,the number of scient i fi c papers on stem cell s hasbeen increasing exponent ially, establi shing newparadi gms that are rapidly challenged by subse-quent experiments. This paper reviews the stemcell research fi eld, divided into two groups: em-bryo and adult stem cell s. While the differentia-ti on potent ial of the former i s well characteri zedin mice and humans, their use in cell therapy andresearch has been hampered by histocompati bil i-

    ty, safety and ethical issues. In contrast, adult stemcells do not present these problems. However, theextent of their plasti cit y is sti ll under investi ga-ti on. Nevert heless, numerous cli ni cal t ri als inhumans are under way, mainly with stem cell sderived from bone marrow. Thi s paper discussesdiscuss the importance of working with both class-es of human stem cells in order to fulfi ll the prom-ise of stem cell therapi es.Key words Stem cell s, Cell t herapy, Embryogen-esis, Di fferent iat ion

    ResumoEm 1999, as clulas-tronco foram elei-tas Scient ifi c Breakthrough of the Year (avan-o cientfi co do ano) pela revista Science1. Na-

    quele ano, foi demonstrado que clulas-tronco detecidos adul tos mantinham a capacidade de sedi ferenciar em outros ti pos de tecidos. No anoanterior, as primeiras linhagens de clulas-t ron-co embr ionrias humanas foram estabelecidas.Desde ento, o nmero de artigos cientfi cos so-bre clulas-t ronco vem crescendo exponencial-mente, onde novos paradigmas so estabelecidos.Neste artigo, farei uma reviso da rea de clulas-tronco com um foco especial em seu uso comoagente teraputico em doenas comuns como di-abetes e cardi opat ias. As clulas-t ronco sero tra-tadas em dois grupos distintos: as embrionrias eas adultas. Enquanto o potencial de diferenciaodas primeiras estbem caracterizado em camun-dongos e em humanos, seu uso em terapia celulare em pesquisa tem sido di fi cultado por questes dehistocompatibilidade, segurana e tica. Em con-traste, clulas-t ronco adultas no apresentam es-tes empecilhos, apesar da extenso de sua plastici-dade ainda estar sob investigao. M esmo assim,diversos testes clni cos em humanos esto em an-damento ut ili zando clulas-t ronco adul tas, pri n-cipalmente derivadas da medula ssea. Discuti reiainda a importncia de se trabalhar com as duas

    classes de clulas-t ronco humanas de forma a secumprir suas promessas teraput icas.Palavras-chave Clula-tronco, Terapia celular,Embr iognese, Diferenci ao

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    Clulas-troncocomo fonte de tecidos para transplante

    Ao longo dos anos, diversos rgos e tecidosdo corpo humano perdem progressivamentesua capacidade de funcionamento, seja porcausa de alguma doena ou pelo processo nor-mal de envelhecimento. H ento uma grandedemanda de reposio desses rgos, que hojeem dia atendida por programas de trans-plante de rgos. No entanto, por vrias ra-zes, esses programas de transplante de r-gos atendem a uma frao mui to pequena dospacientes (5% a 10% nos Estados Unidos), sejapor escassez de doadores ou pela atual incapa-

    cidade de transplante de certos rgos ou teci-dos, como muscular e nervoso. Alm disso, ostransplantes de rgos existentes tm um altocusto, o que de part icular importncia para asade pblica no Brasil, onde so pagos peloMinistrio da Sade.

    Dentro desse contexto, as clulas-tronco seapresentam como uma fonte potencialmente ili-mitada de tecidos para transplante. Clulas-t ron-co (CT) podem ser definidas como clulas com(i) grande capacidade de proliferao e auto-re-novao, ( ii) capacidade de responder a estmu-

    los externos e dar origem a diferentes linhagenscelulares mais especializadas. Assim, teoricamen-te, estas clulas poderiam ser multiplicadas nolaboratrio e induzidas a formar tipos celularesespecficos que, quando transplantados, regene-rariam o rgo doente. O impacto econmicodesta medicina regenerativa pode ser avaliadona Tabela 1, que mostra o custo por ano nosEstados Unidos de pacientes com diferentes do-enas teoricamente passveis de tratamento comclulas-tronco.

    Clulas-tronco adultas

    As CTs adultas que mais conhecemos so as pre-sentes na medula ssea, que desde a dcada de1950 so utilizadas no tratamento de diferentesdoenas que afetam o sistema hematopoitico.Na medula ssea, encontram-se CTs hemato-poiticas, que podem dar origem a todos os dife-rentes tipos de clulas do sangue (linfcitos, he-mcias, plaquetas, etc.). As CTs esto presentesem muitos tecidos adultos, onde atuam na ma-nuteno dos mesmos, repondo clulas mortas.

    Porm, as CTs presentes no adulto eram vistastradicionalmente como restr itas em seu potenci-al de diferenciao a somente clulas do tecido

    onde elas residem. Por exemplo, as CTs hemato-poiticas so capazes de regenerar o sangue aps

    destruio daquele tecido por irradiao, e clu-las do fgado proliferam na tentativa de regene-rar aquele rgo.

    Porm, nos ltimos anos, uma srie de tra-balhos vem questionando essa viso tradicionaldas CTs adultas, mostrando indicaes de umpotencial muito mais amplo de diferenciao,sendo capazes de dar or igem a tecidos diferentesdaqueles onde elas residem. Alguns deles serodiscuti dos a seguir.

    Uma das primeiras indicaes de que as CTsda medula ssea poderiam se diferenciar em teci-

    dos diferentes do hematopoitico veio de um es-tudo com um modelo animal para distrofiamuscular de Duchenne, doena muscular dege-nerativa causada por mutaes no gene da dis-trofina, uma protena da parede muscular2. Ani-mais afetados, ou seja, que no produzem a dis-trofina, foram submetidos a um transplante demedula ssea de camundongos normais. Almde terem sua medula ssea regenerada pelas c-lulas do doador, algumas semanas aps o trans-plante, os animais transplantados apresentaramat 10% das fibras musculares contendo aquelaprotena. Isto indicava que clulas derivadas da

    medula ssea do doador haviam se incorporadoao msculo dos animais distrficos.

    Dois anos mais tarde, outro grupo conse-guiu demonstrar que na medula ssea do ca-mundongo existem clulas com uma enorme ca-pacidade de diferenciao in vivo3. Quando inje-tadas em camundongos receptores, estas CTsderivadas da medula ssea se diferenciaram emclulas epiteliais do fgado, pulmo, trato gastro-intestinal e pele, alm claro de clulas hemato-poiticas no receptor. Este trabalho representouuma grande quebra de paradigma, e levou vri-

    os grupos a explorarem a capacidade teraputicadas CTs da medula ssea em doenas no hema-tolgicas.

    CardiopatiasDerrameDoena de AlzheimerDoena de Parkinson

    mortes/ano

    > 700.000> 160.000> 53.000> 15.000

    custo (bilhesde US$)

    238,653,610025

    Tabela 1. Impacto econmico da medicinaregenerativa nos Estados Unidos.

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    Neste sentido, uma das reas mais explora-das tem sido a cardiologia. Estudos pr-clnicoscom modelos animais avaliaram a capacidadeteraputica das clulas da medula ssea no trata-mento de infarto do miocrdio induzido4. Quan-do injetadas na parede do infarto logo aps aligao da coronria, as CTs de medula sseapromoveram a formao de novo msculo car-daco que ocupava at 68% da poro infartadado ventrculo. Esse trabalho indicou que a admi-nistrao local de clulas da medula ssea podelevar gerao de novo miocrdio, aliviando oefeito da doena coronria.

    Os resultados do uso de CTs da medula sseaem cardiopatias em modelo animais justificaram

    o incio de testes em seres humanos. Em um tra-balho desenvolvido numa parceria entre a UFRJ,o Hospital Pr-Cardaco e a Universidade do Te-xas, catorze pacientes com doena isqumica gra-ve do corao receberam injees de clulas desua prpria medula ssea diretamente no cora-o5. Os resultados mostraram uma melhora sig-nificativa da funo contrti l nos pacientes trata-dos quando comparados com controles apsquatro meses do tratamento. Em 2005, foi inicia-do no Brasil um teste clnico em larga escala, fi-nanciado pelo Ministrio da Sade, onde 1.200

    pacientes com diferentes cardiopatias receberoinjees locais de clulas mononucleares deriva-das da prpria medula ssea. O estudo pretendeavaliar a segurana e eficcia deste tratamento paraeventualmente oferec-lo populao como umaalternativa ao transplante cardaco.

    Apesar destes e outros trabalhos indicaremuma maior plasticidade das CTs da medula s-sea, incluindo tambm a capacidade destas clu-las se diferenciarem em neurnios e hepatci-tos6, ainda no est claro se de fato aquelas clu-las esto se transformando em outros tecidos ouse simplesmente esto se fundindo com clulas

    daqueles tecidos. Outros trabalhos, ainda, pro-pem um terceiro mecanismo para o efeito tera-putico das CTs da medula ssea, onde estas es-tariam secretando fatores que induziriam umprocesso natural de regenerao do rgo afeta-do. Fato que o mecanismo pelo qual as CTsadultas exercem o efeito teraputico observadoem algumas doenas no hematolgicas aindano conhecido e tema de controvrsia na co-munidade cient fica.

    Enquanto a controvrsia no resolvida, al-guns estudos apresentam evidncias indiretas da

    capacidade de diferenciao mais ampla das c-lulas da medula ssea em humanos. Por exem-plo, mulheres com leucemia que receberam trans-

    plante de medula ssea de doadores homensapresentaram clulas contendo o cromossomoY (ou seja, derivadas da medula ssea do doa-dor) em seu crebro7. Alm disso, uma pequenaproporo (at 0,07%) havia se diferenciado emneurnios. Esse trabalho demonstrou a capaci-dade, ainda que com baixa eficincia, das clulasda medula ssea de entrar no crebro e gerarneurnios, fenmeno tambm observado emcamundongos. Se esta capacidade puder ser au-mentada, um dia as CTs de medula ssea pode-ro ser utilizadas no tratamento de doenas neu-rodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer.

    Terapia celular com CT adultas

    Transplantes de clulas-tronco adultas so reali-zados desde a dcada de 1950 na forma de trans-plantes de medula ssea para o tratamento dediferentes doenas que afetam o sistema hema-topoitico. A parti r do final da dcada de 1980, osangue do cordo umbilical e placentrio de re-cm-nascidos tornou-se uma fonte alternativade CTs hematopoiticas8 - no recm-nascido,essas clulas ainda no migraram para o interiordos grandes ossos e se encontram no sangue cir-

    culante com algumas vantagens sobre a medu-la ssea: no necessita de uma compatibilidadecompleta entre doador e receptor; apresentamenor risco de desenvolvimento da doena doenxerto versushospedeiro; e est disponvel ime-diatamente quando necessrio, ao contrrio dosbancos de medula ssea, que armazenam somen-te dados sobre o doador. Mais recentemente, otransplante de SCUP vem sendo utilizado tam-bm para o tratamento de doenas no hemato-lgicas, especificamente as doenas genticas dometabolismo sndrome de Hurler9 e da doenade Krabbe10, esta ltima uma condio neurode-

    generativa.Em 1993, foi inaugurado o primeiro banco

    de sangue de cordo para uso pblico nos Esta-dos Unidos (New York Blood Center, Nova Ior-que, Estados Unidos ) para complementar osbancos de doadores de medula ssea. Atualmen-te, os Estados Unidos possuem mais de sessentamil amostras de sangue de cordo armazenadaspara uso pblico, e pretendem atingir uma metade 150 mil amostras para poder atender todasua populao.

    No Brasil, o Instituto Nacional do Cncer

    (INCA) foi pioneiro na criao de um bancopblico de sangue de cordo em 2001. Segundo ositedo INCA, hoje a capacidade deste banco de

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    trs mil unidades de sangue de cordo, que deveser expandida at dez mil amostras. Em 2004, foicriada pelo Ministrio da Sade uma rede nacio-nal de bancos de sangue de cordo (Rede Brasil-Cord), composta inicialmente pelo INCA, Hos-pital Israeli ta Albert Einstein (HIAE), Hemocen-tro de Ribeiro Preto e UNICAMP. Segundo ositedo HIAE, a Rede BrasilCord tem como obje-tivo a coleta de vinte mil amostras de sangue decordo para uso pblico, o que atender a todaa diversidade gentica da populao brasileira[ ...] . No claro como este nmero foi calcula-do, mas levando-se em conta bancos de sanguede cordo de pases como Japo, que at 2006 jtinha vinte mil amostras para atender sua popu-

    lao significativamente mais homognea do quea nossa, acredito que vinte mil seja uma estima-tiva muito baixa para a Rede BrasilCord ter al-gum impacto em sade pblica no Brasil.

    Apesar de muito empenho e divulgao, atjulho de 2007 somente o INCA e o HIAE atuavamcomo bancos de sangue de cordo, o que significaque somente partos realizados na MaternidadeMunicipal Carmela Dutra e na Pr Matre no Riode Janeiro, e no HIAE em So Paulo so passveisde terem o sangue de cordo do recm-nascidodoado para a Rede BrasilCord. E enquanto as

    maternidades participantes no Rio de Janeiro aten-dem a populao geral, diversificada, daquela ci-dade, a nica maternidade atuante no Estado deSo Paulo, a do HIAE, atende principalmente umaclasse econmica que pode arcar com o alto custode um parto ali. Conseqentemente, a variabili-dade tnica das amostras daquele banco de cor-do deve ser muito baixa e no representar toda adiversidade gentica da nossa populao. Assim,em termos de sade pblica, seria mais eficienteas coletas de sangue de cordo para a Rede Brasil-Cord serem sempre feitas em maternidades queatendam a diversidade tnica/gentica da popula-

    o brasileira. A iniciativa da criao da rede debancos pblicos no Brasil de extrema impor-tncia para a sade de nossa populao, mas paraque tenha de fato impacto, ela deve contemplar anatureza diversificada de nossa populao, o quedeve se refletir na escolha dos pontos de coleta eem um clculo realista da meta de nmero deamostras armazenadas.

    Mas e o uso de CTs para o tratamento dedoenas mais comuns?O Brasil se destaca pelogrande nmero de testes clnicos em andamentocom CTs adultas, que avaliam o uso teraputico

    mais amplo destas clulas em diferentes doenas,incluindo doenas cardacas, auto-imunes, comolpus e diabetes e trauma de medula espinhal (Fi-

    gura 1). Estes estudos esto em andamento e osresultados preliminares indicam que pelo menosno h efeitos adversos do transplante autlogode CTs da medula ssea. Resta ainda analisarmosse existe algum efeito teraputico das mesmasnaquelas doenas. importante frisar que os es-ses tratamentos so experimentais e ainda nopodem ser oferecidos populao.

    Finalmente, novas fontes de CTs adultas vmsendo caracterizadas e incluem material lipoaspi-rado11 e a polpa do dente de leite12. Ainda cedopara sabermos quais dessas clulas cumpriro suapromessa teraputica, mas elas ilustram o quan-to ainda temos que aprender sobre os diferentesnichos de CTs no organismo adulto.

    Clulas-tronco embrionrias

    Em animais, o desenvolvimento embrionriocomea com a fecundao de um vulo por umespermatozide. As primeiras divises celularesdo origem a cinqenta a cem clulas aparente-mente idnticas. Porm, medida que o embriose desenvolve, suas clulas iniciam um processode diferenciao, se comprometendo em dar ori -gem a tipos especficos de tecido do indivduo

    adulto. A primeira etapa de diferenciao visvelno embrio de camundongo se d quando esteatinge o estgio de blastocisto (Figura 2). Ali,observa-se duas populaes distintas de clulas:aquelas que vo dar origem aos tecidos extra-embrionrios, como a placenta, e outras, as clu-las da chamada massa celular interna (MCI), quedaro origem a todos os tecidos do embrio. Eapesar destas clulas terem este potencial amplo,ainda no foi determinado em que tecido cadauma se transformar, ou seja, elas so clulasindiferenciadas.

    As clulas da MCI do blastocisto podem ser

    retiradas do embrio e colocadas em placas decultura. Em condies apropriadas, elas podemse manter indiferenciadas, se multiplicar indefi-nidamente no laboratrio mantendo seu poten-cial de contribuir para todos os tipos celularesadultos. Essas clulas derivadas da MCI so cha-madas de clulas-tronco embrionrias (CTs em-brionrias). Elas foram derivadas pela primeiravez em 1981 a partir de embries de camundon-gos13, e tm como caracterstica principal sua plu-ripotncia. Ou seja, quando re-introduzidas emum embrio, as CTs embrionrias possuem a

    capacidade de retomar o desenvolvimento nor-mal colonizando di ferentes tecidos do embrio uma demonstrao contundente de sua ampla

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    plasti cidade. Quando injetadas em animais imu-nodeficientes, as CTs embr ionrias tm a capaci-dade de responder aos diferentes estmulos invivose diferenciando desorganizadamente e le-vando formao de teratomas, tumores queapresentam diversos tipos de tecidos.

    As CTs embrionrias tambm podem ser in-

    duzidas a iniciar um programa de diferenciaoin vitro, simulando o desenvolvimento de umembrio pr-implantado14. Atravs de anlises

    morfolgicas, imuno-histoqumicas e molecula-res, uma grande variedade de linhagens embrio-nrias pode ser identifi cada na massa celular di -ferenciada, incluindo hematopoitica, neuronal,endotelial, cardaca e muscular. Assim, as CTs

    embrionrias so utilizadas como modelo in vi-trode desenvolvimento embrionrio precoce, oque as torna um poderoso instrumento de pes-quisa para o estudo dos mecanismos de diferen-ciao celular e dos efeitos de substncias txicase biologicamente ativas no desenvolvimento em-brionrio15, entre outros.

    Mas se pretendemos utilizar as CTs embrio-nrias como fonte de tecidos para transplante, adiferenciao desorganizada em vrios tecidos oua formao de teratomas no nos interessa. Porisso, uma srie de protocolos foram desenvolvi-dos de forma a direcionar a diferenciao dasCTs embrionrias no laboratrio em tipos espe-cficos de clulas. Assim, trabalhando em camun-dongos, aprendemos a transform-las em clu-las nervosas, ou produtoras de insulina, ou domsculo cardaco, ou da medula ssea, entreoutras. E mais, quando estas clulas derivadasdas CTs embrionrias so transplantadas emanimais doentes, elas exercem um efeito terapu-tico em modelos de vrias doenas, incluindodoena de Parkinson, paralisia por trauma demedula espinhal, diabetes e leucemia. Ou seja, aterapia celular com CTs embrionrias j est

    comprovada em modelos animais, e por isso oenorme entusiasmo da comunidade cientfica emtorn-las uma realidade em seres humanos.

    Figura 1. Testes clnicos com CTs adultas em andamento no Brasil.Fiocruz( Fundao Oswaldo Cruz); UFRJ(Universidade Federal do Rio de Janeiro) ; INCOR (Instituto do Corao); FM-USP (Faculdade de Medicina daUSP, So Paulo); FM-USP-RP (Faculdade de Medicina da USP, Ribeiro Preto); FAMERP (Faculdade de

    Medicina de Rio Preto, So Jos de Rio Preto); UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

    Figura 2. Embrio a partir do qual so retiradas asCTs embrionrias. O blastocisto um embrio pr-implantao de 3 ou 5 dias de desenvolvimento emcamundongo e humanos, respectivamente. Massacelular interna (*).

    Salvador

    Rio de Janeiro

    So Paulo

    Porto Alegre

    Chagas e hepatite- Fiocruz Salvador

    Infarto e derrame - Pr-cardaco e UFRJ

    Regenerao neural - UFRGS

    Doenas coronarianas- INCOR-SP

    Trauma de medula espinhal - FM-USP

    Diabetes, Lupus e outras doenas

    auto-imunes- FM-USP-RP

    Insuficincia vascular

    perifrica- FAMERP-SP

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    Em 1998, foram estabelecidas as primeiraslinhagens de CTs embrionrias humanas, deri-vadas de embries excedentes de ciclos de fertili-zao in vitro16. Como as CTs embrionrias decamundongo, estas clulas so derivadas de umembrio na fase de blastocisto, e so capazes dese transformar em qualquer tecido do indivduoadulto.

    Desde ento, uma srie de trabalhos foramrealizados no intuito de desenvolver mtodos paraproduzir diferentes tecidos para transplante apart ir das CTs embrionrias humanas. Hoje,somos capazes de transformar estas clulas emclulas da medula ssea, pancreticas, de pele,msculo, cartilagem e neurnios, entre outras.

    Assim, essas clulas apresentam um grande po-tencial em medicina regenerativa, tanto comofonte de tecidos para transplantes quanto comomodelo para o estudo do desenvolvimento em-brionrio humano.

    Terapia celular com CTs embrionrias

    O ttulo original deste artigo era A importnciado uso das clulas tronco embrionriaspara a

    sade pblica. Porm, apesar da enorme expec-tativa do uso teraputico destas clulas, at julhode 2007, no havia nenhum teste clnico com CTsembrionrias em seres humanos em andamentono mundo todo, e por isso alterei o ttulo parapoder incluir outros tipos de CTs, mais prximosde ter algum impacto em sade pblica. Antes decomearmos testes clnicos injetando CTs embri-onrias em pacientes, temos algumas questesfundamentais que devem ser resolvidas.

    A primeira diz respeito segurana dessasclulas. Se por um lado sua plasticidade as tornauma fonte de qualquer tecido para transplante,

    por outro ela representa um perigo. Quando in-jetadas em seu estado nativo em camundongosimunodeficientes, as CTs embrionrias podemformar teratomas, tumores compostos de vri-os tecidos diferentes. Assim, antes de injetarmosestas clulas no paciente (seja ele um camundon-go ou uma pessoa), temos que, primeiro, indu-zi-las no laboratrio a se transformar no tipocelular que nos interessa. Caso contrrio, no or-ganismo elas se multiplicam e podem se diferen-ciar descontroladamente formando tumores. Ouseja, antes de utilizarmos as CTs embrionrias

    como fonte de tecidos para transplante, temosque domar a diferenciao destas clulas paraque elas gerem apenas os tecidos de interesse.

    Uma segunda questo importante diz respei-to compatibilidade entre as CTs embrionriase o paciente. Em qualquer transplante, necess-rio existir uma compatibilidade entre doador ereceptor para que o rgo no seja rejeitado. Omesmo deve acontecer com um transplante deCTs embrionrias. Como garantir que teremosCTs embrionrias compatveis com todos ospacientes? Uma forma seria criar um banco des-sas clulas, cada uma derivada de um embriodiferente, e procurar uma compatvel com o pa-ciente. Porm, nossa experincia com bancos demedula ssea demonstrou que isso extrema-mente difcil de se conseguir.

    Uma alternativa seria ento criar CTs embri-

    onrias sob medida, ou seja, geneticamente idn-ticas ao paciente. Com as tcnicas de clonagem,podemos criar um embrio clonado do pacientee dele extrair as CTs embrionrias17. Estas pode-riam ento gerar tecidos 100% compatveis como paciente. Esta tcnica chama-se clonagem tera-putica e, apesar de j ter sido realizada em dife-rentes modelos animais, at julho de 2007 nohavia sido feita com sucesso em seres humanos.Alm disto, dada a necessidade de um grandenmero de vulos para cada clonagem terapu-tica, esta estratgia no promissora como for-

    ma de terapia para a populao geral. Por isso,novas estratgias devero ser desenvolvidas paraa gerao de tecidos imunocompatveis a partirde CTs embrionrias humanas de forma a viabi-lizar seu uso teraputico em larga escala.

    importante ressaltar que, apesar da clona-gem teraputica resolver a questo da compatibi-lidade das CTs embrionrias, infelizmente ela nopoderia ser utilizada em indivduos com doenasgenticas. As CTs embrionrias geradas a partirdas clulas destes pacientes tambm carregariamo gene defeituoso, e por isso no seriam capazesde gerar tecidos sadios para transplante. Assim,

    para o tratamento de doenas genticas com CTs- sejam elas embrionrias, da medula ou do san-gue do cordo -, a melhor alternativa conseguirum doador aparentado, que tem maior chancede ser compatvel com o paciente.

    E enquanto no podemos utiliz-las comoagente teraputico, temos muito a aprender comas CTs embrionrias. Ao desvendarmos os me-canismos envolvidos em sua capacidade de setransformar em qualquer tipo de clula, apren-demos sobre a biologia do ser humano - essesconhecimentos bsicos traro ao longo prazo

    grande benefcios sade humana.

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    A polmica das CTs embrionrias

    A obteno de CTs embrionrias envolve obri-gatoriamente a destruio do embrio, especifi-camente, de um blastocisto - um embrio pr-implantao de cinco dias basicamente um con-glomerado amorfo de cem a duzentas clulas.No entanto, certas culturas/religies atribuem aoembrio humano desde o momento da fecunda-o o status de vida com todos os direitos deuma pessoa j nascida - e por isso a destruiodaquele embrio inaceitvel e as CTs embrio-nrias tm sido tema de grande polmica nomundo todo: este embrio uma vida humanaou no?

    Ora, claro que ele uma forma de vida,assim como um vulo e um espermatozide tam-bm so. A real questo que formas de vidahumana ns permitiremos perturbar? A vidahumana j legalmente violada em algumas si-tuaes: por exemplo, no Brasil, reconhecemoscomo morta uma pessoa com morte cerebral,apesar de seu corao ainda bater. Esta umadeciso arbitrria e pragmtica, que nos facilitao transplante de rgos, e que no comparti-lhada por outros povos que s consideram mor-ta aquela pessoa cujos rgos vitais pararam de

    funcionar. E no outro extremo da vida humana,durante o desenvolvimento embrionrio? Aoproibirmos o aborto, estabelecemos ser inacei-tvel a destruio de um feto. Por outro lado, seeste feto for o resultado de um estupro ou repre-sentar risco de vida para a gestante, no Brasil elepassa a ser uma forma de vida humana que podeser eliminada.

    No que diz respeito s CTs embrionrias, oembrio em questo muito mais jovem, aindano tem forma e est numa proveta, e no im-plantado no tero. Ao aceitarmos as tcnicas dereproduo assistida em 1978, aceitamos a des-

    truio deste embrio, desta forma de vida hu-mana. Sim, h quase trinta anos que em todomundo esta prtica mdica gera embries hu-manos que no so utilizados para fins repro-dutivos e acabam sendo congelados ou simples-mente descartados e convivemos com este fatocom muita tranqilidade. Por que s agora, quan-do estes embries esquecidos em congeladorespodem nos ajudar a entender melhor a biologiahumana e a achar novos tratamentos para do-enas, se tornou inaceitvel destru-los? Foi mui-to conveniente ignorar os embries excedentes

    da reproduo assistida, pois afinal esta tcnicapermitiu que milhares de casais estreis realizas-sem o sonho de ter filhos. Enquanto isso, o uso

    das CTs embrionrias para tratar um enfarte ouParkinson ainda est restrito a animais de labo-ratrio. Talvez no dia que estas clulas estiveremefetivamente sendo usadas em pacientes seja maisdifcil proibir o uso teraputico daqueles embriesno desejados por seus pais biolgicos.

    No Brasil, o uso do embrio humano foiregulamentado pela Lei de Biossegurana (Lei11.105), de 24 de maro de 2005, que diz:

    Art. 5o

    permi tida, para fi ns de pesquisa e terapia, auti lizao de clulas-tronco embrionrias obt idasde embries humanos produzidos por fert i lizaoin vi tr o e no ut i li zados no respectivo procedi -mento, atendidas as seguintes condies:

    I sejam embr ies inviveis; ouII sejam embr ies congelados h3 (trs) anos

    ou mais, na data da publicao desta Lei, ou que,jcongelados na data da publi cao desta Lei, de-pois de completarem 3 (trs) anos, contados a par-ti r da data de congelamento.

    1oEm qualquer caso, necessrio o consenti-mento dos geni tores.

    2oInsti tuies de pesquisa e servios de sadeque realizem pesqui sa ou terapia com clulas-tron-co embrionrias humanas devero submeter seusprojetos apreciao e aprovao dos respectivos

    comits de tica em pesquisa.

    Art. 6oFica proibido:[...]IV clonagem humana;

    Apesar da proibio ampla da clonagem hu-mana tornar i legal a clonagem teraputica, a apro-vao do uso de embries congelados para pes-quisa permite o desenvolvimento de novas linha-gens de CTs embrionrias humanas no Brasil, oque ser fundamental para a consolidao dessarea de pesquisa no pas. Em concluso, o uso

    teraputico da CTs embrionrias ainda est lon-ge de se tornar uma realidade, tanto no Brasilquanto no mundo todo. Porm, para que existaalguma chance disso um dia acontecer, precisa-mos pesquisar e foi este direito que adquiri-mos no Brasil, permitindo que tenhamos auto-nomia no desenvolvimento de terapias com es-tas clulas.

    Concluses

    Em concluso, pode-se afirmar que as pesquisascom os diferentes tipos de clulas-tronco devemser acompanhadas com entusiasmo e cautela.

  • 7/30/2019 Artigo [Terapia Celular]

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    Pereira,

    L.

    V.

    inerente de toda rea de pesquisa em desenvolvi-mento avanos e retrocessos, e ainda no sabe-mos quais tipos de clulas cumpriro a promessateraputica e sero as mais adequadas para o tra-tamento de quais doenas. E enquanto desenvol-vemos as pesquisas voltadas ao desenvolvimentode terapias com CTs, temos que ter sempre emmente que estas devero ser disponibilizadas paratoda a nossa populao. Com freqncia as tc-nicas mdicas mais avanadas ficam restritas auma pequena parcela da populao que pode

    pagar por ela. Porm, no caso das CTs, as novasterapias provavelmente substituiro as atuais maiscaras e ineficientes (como, por exemplo, um trans-plante de fgado ou corao). Alm disto, as CTsdevem ser vistas no s como um agente terapu-tico, mas como um modelo de pesquisa ondepodemos estudar os mecanismos por trs da di-ferenciao celular, desenvolvimento embrion-rio e cncer, entre outros. Esses conhecimentos debiologia bsica podero, por sua vez, levar a umareal melhora da qualidade de vida humana.

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