artigo espectrometira de massa de proteínas revista biotecnologia

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40 Biotecnologia Ciênc ia & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006  química de proteínas tem passado por um novo pe- ríodo de grandes avanços tecnológicos e científicos. Com a conclusão do seqüenciamento dos genomas de  vári os organ ismos , incl usiv e o da es- pécie humana, a pesquisa envolven- do proteínas ganhou novo fôlego e entramos em uma nova fase conheci- da como pós-genômica, em virtude da sua estreita relação com os dados produzidos pelas pesquisas genômicas . Essa fase tem-se caracte- rizado pelo domínio de um novo método analítico empregado no estu- do de proteínas: a espectrometria de massa, simbolizada por MS — do nome em inglês mass spectrometry . Princípios da espectrome tria de massa  A espectr omet ria de massa é um método de determinação precisa de massas molares. Há várias décadas, esse método vem-se consolidando como ferramenta insubstituível para a determinação de estruturas quími- cas, principalmente de compostos orgânicos pequenos e voláteis. Du- rante a década de 1980, foram desen-  vo lv id os no vos me ca ni smos de ionização em espectrômetros de mas- sa para moléculas grandes e polares como peptídios e proteínas, até en- tão impossíveis de serem analisados por essa técnica, o que permitiu que  vários problemas bioquímicos pudes- sem ser resolvidos. Um espectrômetro de massa é formado basicamente de duas partes: o sistema de ionização das moléculas, responsável por vaporizá-las e carregá- ESPECTROMETRIA de massa de proteínas Pesquisa O papel-chave da espectrometria de massa na era pós-genômica las eletricamente, e o analisador de massa — o espectrômetro de massa propriamente dito — que separa os íons resultantes de acordo com a mas- sa. Atualmente, duas técnicas de ionização (Figura 1), que se complementam e se sobrepõem, do- minam a análise de proteínas: a dessorção a laser  e a eletropulveri- zação. Dessorção a  lase r  A palavra dessorção ( desorption , em inglês) refere-se ao fenômeno de retirada de substâncias adsorvidas ou absorvidas por outras. No caso da espectrometria de massa, a proteína  ou a mistu ra prot éica ou pept ídic a  em estu do é mist urad a a uma matriz ácida e irradiada com um feixe de laser  , cuja energia causa a dessorção da molécula. A matriz ácida transfere prótons para as moléculas de proteína, fazendo que fiquem ionizadas positivamente. A dessorção das moléculas de matriz e de proteína faz que elas passem para o estado gasoso. Estar na forma ionizada e no estado gasoso é condição para que uma molécula possa ser analisada por espectrometria de massa. A principal técnica empregada na análise de pro- teínas baseada no fenômeno da dessorção a laser  é conhecida como MALDI — sigla em inglês para matrix- assisted laser desorption ionization . Eletropulverização Na ionização por eletropulveri- zação, a proteína é dissolvi da em uma solução acidificada a qual é pulveriza- da em uma agulha metálica — ou um Ricardo Bastos Cunha Prof. Dr., Núcleo de Proteômica, Centro Brasileiro de Serviços e Pesquisas em Proteínas; Divisão de Química Analítica Instituto de Química Universidade de Brasília Brasília/DF [email protected] Mariana de Souza Castro Profa. Dra., Núcleo de Proteômica, Centro Brasileiro de Serviços e Pesquisas em Proteínas Universidade de Brasília Brasília/DF [email protected]  Wagner Fontes Prof. Dr., Núcleo de Proteômica, Centro Brasileiro de Serviços e Pesquisas em Proteínas Universidade de Brasília Brasília/DF [email protected] 

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40 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 

 química de proteínas tempassado por um novo pe-ríodo de grandes avançostecnológicos e científicos.Com a conclusão do

seqüenciamento dos genomas de

 vários organismos, inclusive o da es-pécie humana, a pesquisa envolven-do proteínas ganhou novo fôlego eentramos em uma nova fase conheci-da como pós-genômica, em virtudeda sua estreita relação com os dadosproduzidos pelas pesquisasgenômicas. Essa fase tem-se caracte-rizado pelo domínio de um novométodo analítico empregado no estu-do de proteínas: a espectrometria demassa, simbolizada por MS — do nomeem inglês mass spectrometry .

Princípios da espectrometria de massa 

 A espectrometria de massa é ummétodo de determinação precisa demassas molares. Há várias décadas,esse método vem-se consolidandocomo ferramenta insubstituível paraa determinação de estruturas quími-cas, principalmente de compostosorgânicos pequenos e voláteis. Du-

rante a década de 1980, foram desen- volvidos novos mecanismos deionização em espectrômetros de mas-sa para moléculas grandes e polarescomo peptídios e proteínas, até en-tão impossíveis de serem analisadospor essa técnica, o que permitiu que vários problemas bioquímicos pudes-sem ser resolvidos.

Um espectrômetro de massa éformado basicamente de duas partes:o sistema de ionização das moléculas,

responsável por vaporizá-las e carregá-

ESPECTROMETRIA

de massa de proteínasPesquisa

O papel-chave da espectrometria de massa na era pós-genômica

las eletricamente, e o analisador demassa — o espectrômetro de massapropriamente dito — que separa osíons resultantes de acordo com a mas-sa. Atualmente, duas técnicas deionização (Figura 1), que se

complementam e se sobrepõem, do-minam a análise de proteínas: adessorção a laser  e a eletropulveri-zação.

Dessorção a laser

 A palavra dessorção (desorption ,em inglês) refere-se ao fenômeno deretirada de substâncias adsorvidas ouabsorvidas por outras. No caso daespectrometria de massa, a proteína — ou a mistura protéica ou peptídica — em estudo é misturada a umamatriz ácida e irradiada com um feixede laser , cuja energia causa adessorção da molécula. A matriz ácidatransfere prótons para as moléculasde proteína, fazendo que fiquemionizadas positivamente. A dessorçãodas moléculas de matriz e de proteínafaz que elas passem para o estadogasoso. Estar na forma ionizada e noestado gasoso é condição para queuma molécula possa ser analisada por

espectrometria de massa. A principaltécnica empregada na análise de pro-teínas baseada no fenômeno dadessorção a laser  é conhecida comoMALDI — sigla em inglês para matrix- 

assisted laser desorption ionization .

Eletropulverização

Na ionização por eletropulveri-zação, a proteína é dissolvida em umasolução acidificada a qual é pulveriza-

da em uma agulha metálica — ou um

Ricardo Bastos Cunha Prof. Dr., Núcleo de Proteômica,Centro Brasileiro de Serviços e Pesquisas 

em Proteínas; Divisão de Química Analítica Instituto de Química 

Universidade de Brasília Brasília/DF 

[email protected] 

Mariana de Souza CastroProfa. Dra., Núcleo de Proteômica,Centro Brasileiro de Serviços e 

Pesquisas em Proteínas Universidade de Brasília 

Brasília/DF [email protected] 

 Wagner FontesProf. Dr., Núcleo de Proteômica,Centro Brasileiro de Serviços e 

Pesquisas em Proteínas Universidade de Brasília 

Brasília/DF 

[email protected] 

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capilar de vidro revestido de metal — submetida a intenso campo elétri-co, o que causa sua ionização. Umacorrente de gás inerte flui no sentidocontrário ao da pulverização, o quecausa sua dessolvatação. A proteína,já ionizada e no estado gasoso, éatraída para dentro do espectrômetrode massa, onde é analisada. O termoESI — sigla em inglês para

electrospray ionization   — écomumente empregado para desig-nar tal técnica.

 Analisadores de massa 

Os principais analisadores demassa (Figura1) que acompanhamos sistemas de ionização descritossão:

• tempo de vôo — abrevia-secomo TOF, sigla em inglês para time- 

of-flight  — sistema em que molécu-

las ionizadas e aceleradas são lançadasem um tubo sob vácuo e sem campoelétrico para medida do seu tempode vôo até um detector. Esse tempode vôo é proporcional à massa molarda molécula. Este analisador é usual-mente associado à dessorção a laser ;mas pode também ser utilizado comeletropulverização;

• quadripolo, que utiliza a con-

dução de moléculas ionizadas entrequatro cilindros metálicos conectadosa fontes de radiofreqüência para fa-zer que determinados grupos de íonscheguem ao detector. Esse analisadorgera lmente é usado comeletropulverização, mas pode estarassociado também à dessorção alaser .

• aprisionamento de íons  — abrevia-se como IT, sigla em inglêspara ion trap  — em que as molécu-las também são conduzidas para den-tro de um compartimento onde exis-

te um forte campo eletromagnético.Diferentemente do quadripolo, nes-se sistema os íons não são perdidosem sua trajetória rumo ao detector. Ao contrário, eles são aprisionadosno compartimento onde existe cam-po eletromagnético e liberados um aum. Esse analisador associa-se tantoà eletropulverização quanto àdessorção a laser .

 APLICAÇÕES

 A espectrometria de massa éuma técnica capaz de determinarmassas molares de forma muito pre-cisa em experimentos rápidos (pou-cos minutos). Essas informações pos-sibilitam a resolução de diversos pro-blemas em química de proteínas, taiscomo: checagem da correção de umaseqüência de aminoácidos, identifi-cação de proteínas, determinação da

Figura 1  - Técnicas de ionização e tipos de analisadores de massa: A) eletropulverização (ESI), mostrando a agulha depulverização, os filtros iniciais que impedem a progressão de partículas não-ionizadas e o início de um sistema de quadripolos;B) quadripolos em um sistema de triplo quadripolo, esquematizando partículas conduzidas ao detector à esquerda; C) dessorçãoa laser  (MALDI) ilustrando um pulso de laser  incidindo sobre a amostra aplicada na placa retangular e gerando partículasionizadas. À esquerda das partículas são mostrados filtros eletrônicos que impedem a passagem de partículas não-ionizadaspara o analisador TOF; D, E e F) analisador tipo TOF no modo refletor (reflectron ), apresentando todo o tubo de vácuo com

os íons no início da trajetória (D), a mudança de trajetória no refletor (E) e a chegada ao detector após o refletor – acima, notubo estreito (F)

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fidelidade e homogeneidade de pro-teínas recombinantes, identificaçãode complexos protéicos não-covalentes, detecção de doençasgenéticas, identificação de modifica-ções químicas em proteínas, deter-minação de glicosilações — adiçãode açúcares à molécula de proteína — e fosforilações — adição defosfatos à molécula de proteína —,seqüenciamento de proteínas e

peptídios etc. As possibilidades deaplicação da espectrometria de mas-sa não se esgotam aqui. Existem vários outros usos dessa novatecnologia relacionados àbiotecnologia e a áreas correlatas. Aplicações que envolvem análise decarboidratos, lipídios e ácidosnucléicos estão se tornando rotinatambém. A seguir são relacionadasa lgumas apl icações daespectrometria de massa em quími-

ca de proteínas.

Determinação precisa da massa molar de proteínas

 A espectrometria de massa éuma das técnicas analíticas mais pre-cisas existentes. Consegue-se facil-mente 5 ou 6 algarismos significati- vos nas medidas de massa molar,com erros que podem chegar a ape-nas 0,001 % em equipamentos dealta resolução. A título de compara-

ção, na eletroforese em gel, técnicaainda muito utilizada para separaçãode misturas protéicas e medidas demassas molares de proteínas, conse-guem-se erros de no mínimo 5 %. Aprecisão dos espectrômetros demassa é tanta que é possível distin-guir duas moléculas de 10.000 uque diferem entre si pela presençade apenas 1 carbono-13 ( 13C) namolécula — o carbono-12 (12C) é o

isótopo mais abundante na natureza. A espectrometria de massa é, por-tanto, entre todas as técnicas exis-tentes, a que possibilita a determina-ção mais precisa da massa molar deproteínas e peptídios.

Checagem da pureza deproteínas e peptídios

O estado de pureza de proteí-nas e de peptídios é um aspecto

extremamente importante em quí-mica de proteínas. A checagem des-sa pureza pode ser feita utilizando-se a espectrometria de massa. Demaneira geral, a existência de umpico único em espectros de MALDIou no espectro reconstruído de ESIindica a presença de apenas umaforma molecular. A presença de doisou mais picos demonstra a existên-cia de isoformas ou de contaminantes.

 A checagem de pureza porespectrometria de massa é um mé-

todo consideravelmente maissensível e, devido a sua gran-de precisão, bem mais fide-digno que outros méto-dos existentes, como acromatografia líquida — HPLC,s ig la em inglês parahigh performance liquid 

chromatography   — e aeletroforese.

Identificação deisoformas protéicas

Isoformas protéicas sãoproteínas que têm a mesmafunção, mas são codificadaspor genes distintos e apre-sentam pequenas diferençasem sua seqüência. Por exem-plo, o fator de transformaçãobeta (TGF-B) existe em três

 versões ou isoformas (TGF-B1, TGF-B2, e TGF-B3), cada uma delas écapaz de disparar uma cascata desinalização que começa nocitoplasma e termina no núcleo dacélula. Essas isoformas são bastantedifíceis de separar pelos métodosusuais utilizados na purificação deproteínas. Sua presença pode serdemonstrada por meio daespectrometria de massa, desde que

suas massas molares sejam distintas. A ocorrência de um pico únicocromatográfico que produza doispicos distintos e próximos em umespectro de massa sugere a presen-ça de isoformas protéicas, que podeser confirmada por meio de técnicasde identificação de proteínas (veradiante).

Confirmação da seqüência completa de aminoácidos

Se a massa molar calculada apartir de uma seqüência deaminoácidos de uma proteína oupeptídio, determinada experimen-talmente, for igual àquela determi-nada por espectrometria de massa,pode-se concluir que a seqüênciaem questão está correta. Cabe res-saltar que a existência de aminoácidosisobáricos, ou seja, aminoácidos quepossuem a mesma massa molar oumassas molares muito próximas — 

Figura 2 -  Seqüenciamento por espectrometria de massa (CID-MS/MS). O espectro deMS/MS é rico em informações de seqüência. A diferença de massa entre os diversos picos podeauxiliar na dedução da seqüência do peptídio, uma vez que as ligações preferencialmenteclivadas pelo processo CID são as peptídicas. Espera-se obter, em um espectro de MS/MS, picoscorrespondentes às fragmentações da cadeia peptídica em diferentes posições, determinandoas séries A, B, C, X, Y e Z, cujas massas auxiliam na dedução da seqüência do peptídio. Nafigura, foram ilustradas as séries B e Y, correspondentes aos fragmentos provenientes da

fragmentação apenas das ligações peptídicas

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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 43

cuja diferença é inferior ao erro damedida —, deixa certa dúvida a res-peito da seqüência correta. Porém, acomparação com seqüências simila-res ou mesmo com a seqüência dogene pode minimizar essas dúvidas.

Confirmação da correção da 

expressão de proteínasrecombinantes

 A tecnologia de DNArecombinante é hoje muito utilizadana indústria da biotecnologia. Trata-se de uma série de procedimentosusados para juntar-se (recombinar)segmentos de DNA com determina-do objetivo biotecnológico. A corre-ção da expressão de proteínasrecombinantes pode ser avaliada pormeio da determinação exata de suasmassas molares uti l izando-seespectrometria de massa. Essa técni-ca pode ser utilizada no controle dequalidade da fidelidade da expres-são gênica e pureza do material ob-tido, uma aplicação particularmenteútil para a indústria da biotecnologia.

Determinação de modificaçõespós-traducionais

 A maioria das proteínas, após

ser sintetizada — ou seja, traduzida —, sofre modif icações pós-traducionais. Uma das maneiras maiscomuns em que uma proteína émodificada é pelo processo deglicosilação, no qual oligossacarídeossão ligados a sítios específicos dacadeia polipeptídica. Mais de 60 %das proteínas naturais são glicosiladas. Açúcares ligados à estrutura de pro-te ínas podem auxi l ia r noenovelamento correto da proteína,

servir de epitopos de reconhecimen-to de anticorpos, servir como umacapa de proteção contra a ação deproteases ou exercer um papel nalocalização e na orientação de prote-ínas da membrana celular, apenaspara citar alguns exemplos. Aespectrometria de massa tem sidoextensivamente utilizada para de-terminação do conteúdo decarboidratos em glicoproteínas, paralocalização de sítios de glicosilação eaté para determinação de estruturas

glicídicas. A fosforilação de uma proteína é

uma das mais importantes modifica-ções pós-traducionais com efeito di-reto na atividade celular. A maioriados processos metabólicos em umacélula eucariótica são regulados emcertos pontos pela fosforilação de

uma ou mais proteínas-chave. Aregulação da transcrição genética, aprogressão do ciclo celular, a prolife-ração, a divisão e a diferenciaçãocelular, a dinâmica citoesquelética ea estocagem e recuperação de ener-gia são todos processos dependen-tes de fosforilação. A identificaçãode sítios específicos de fosforilação éuma etapa importante em direçãoao entendimento das vias de sinali-zação intracelulares. Cada vez maisesse trabalho tem sido conduzidopor meio da espectrometria de mas-sa.

Os aminoácidos que são normal-mente fosforilados são a serina, atreonina e a tirosina, emborafosforilações em resíduos de histidinae ácido aspártico também sejam des-critas. Se a seqüência completa deaminoácidos da proteína fosforiladafor conhecida, os sítios de fosforilaçãopodem ser determinados simples-mente analisando-se a mistura

peptídica obtida de um digestoenzimático por espectrometria demassa. Os peptídios com massa de98 u — resultante da adição deH3PO4 — acima do esperado pelaseqüência estão fosforilados.

Seqüenciamento de proteínaspor MS/MS

Trabalhos de seqüenciamentopor espectrometria de massa são

conduzidos normalmente em equi-pamentos conjugados, ou seja, quepossuem pelo menos doisanalisadores de massa. Tais equipa-mentos associam dois analisadoresde massa em série e, por isso, atécnica é conhecida como MS/MS — por alusão à espectrometria de mas-sa (MS, sigla em inglês para mass 

spectrometry ) seguida de outraespectrometria de massa. Equipa-mentos típicos de MS/MS incluemespectrômetros de eletropulve-

rização com triplo quadripolo ou comum quadripolo e um analisador TOF(Q-TOF), equipamentos do tipo apri-sionamento de íons (ion trap ) eequipamentos com ionização do tipoMALDI com dois analisadores TOF(MALDI-TOF-TOF).

Nesse tipo de análise, uma amos-

tra de peptídio puro ou mesmo umamistura de peptídios obtidos por di-gestão enzimática é injetada noespectrômetro de massa. No casomais complexo de mistura depeptídios, um peptídio de interesseé selecionado no 1º filtro de massa,introduzido e acelerado em uma câ-mara de colisão, onde existe umacorrente gasosa de um gás inerte,como nitrogênio ultrapuro. As coli-sões entre as moléculas do íonpeptídico e do gás inerte provocama fragmentação da cadeiapolipeptídica. Esse fenômeno é cha-mado de dissociação induzida porcolisão — CID, sigla em inglês paracollision induced dissociation . Asligações mais lábeis são justamenteas ligações peptídicas, seguidas pe-las demais ligações da cadeia princi-pal. Assim, um espectro dessa frag-mentação é rico em informações deseqüência (Figura 2). Existe umanomenclatura para descrever os di-

 versos fragmentos peptídicos passí- veis de serem obtidos por CID-MS/MS (Figura 3), que auxilia na inter-pretação dos espectros de MS/MS.

 As vantagens do seqüencia-mento por MS/MS em relação aosmétodos químicos incluem a granderapidez — um experimento de MS/MS pode ser feito em menos de 5min, o mesmo trabalho em umseqüenciador automático pode de-morar até dois dias —, o baixíssimo

custo — enquanto o seqüenciamentoquímico utiliza diversos reagentesde alto custo, a técnica de MS/MSgasta praticamente somente nitro-gênio — e a grande sensibilidade — seqüenciamento químico na ordemde picomol; MS/MS na ordem defemtomol. As desvantagens são adifícil interpretação dos espectros — os resultados não costumam ser tãoclaros como no seqüenciamento quí-mico — e a grande dificuldade parase distinguir os aminoácidos isobáricos

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leucina e isoleucina. Aminoácidos quepossuem massas molares muito pró-ximas, tais como glutamina e lisina,fenilalanina e sulfóxido de metionina,bem como alguns aminoácidos edipept íd ios , ou mesmo doisdipeptídios, podem ser distinguidosem espectrômetros de massa maisprecisos.

 Atualmente, existem programasque selecionam automaticamente ospeptídios de interesse para fragmen-tação, técnica chamada de CID de-

pendente de dados (data-dependent CID), ou mesmo que permitem quetodos os peptídios que entram noespectrômetro de massa sejam frag-mentados ao mesmo tempo, méto-do conhecido como multiplexação.Esses programas tornam oseqüenciamento por MS/MS com-pletamente automatizável.

Seqüenciamento de proteínaspor espectrometria de massa 

 usando o fenômeno do

decaimento pós-fonte —  post-

 source decay (PSD )

Na espectrometria de massacom ionização por dessorção a laser 

e análise por tempo de vôo (MALDI-TOF), uma fração grande de íons doanalito sofre deterioração durante o vôo — post-source decay  (PSD) — dentro do espectrômetro de massa,após o desligamento da fonte delaser . Dessa forma, o espectro obti-do de peptídios de tamanho médio

(até 2.800 u) é rico em informaçõesde seqüência, apesar de o padrão declivagem ser diferente daquele obti-do por dissociação induzida por coli-são. O mecanismo de ativação pare-ce ser determinado por eventos decolisão entre os íons e as moléculasneutras, no campo de aceleração.Essa técnica de seqüenciamento fi-cou conhecida como PSD e só podeser usada em equipamentos do tipoMALDI.

Seqüenciamento escada 

Uma estratégia alternativa deseqüenciamento é o chamadoseqüenciamento escada ( ladder 

sequencing ), que consiste na forma-ção de uma família de polipeptídiosparcialmente fragmentados, cada umdiferindo do próximo pela perda deum aminoácido. Esses peptídios-es-cada podem ser gerados por meiode métodos enzimáticos, como ouso de carboxipeptidases, ou quími-

cos, como ácido clorídrico (HCl) di-luído, ácido pentafluoropropiônico,ácido heptafluorobutírico ou mesmoa degradação de Edman, que utilizaa reação seletiva N-terminal comisotiocianato de fenila. A segundaetapa consiste na determinação pre-cisa das massas dos váriospolipeptídios degradados, por meioda espectrometria de massa. Essamistura de peptídios pode ser anali-sada em conjunto, em uma única

etapa, não necessitando ser separa-

Figura 3 - Nomenclatura para descrever os diversos fragmentos peptídicos obtidos por CID. A figura mostra um tetrapeptídioque pode ser clivado em 9 posições principais, podendo gerar 18 fragmentos diferentes, dependendo de que lado fica a cargapositiva, uma vez que somente o fragmento carregado é detectado por espectrometria de massa. Quando, na fragmentaçãoda cadeia polipeptídica, a carga positiva permanece no lado N-terminal da molécula, os íons são nomeados A

n, B

n e C

n,

dependendo se a quebra aconteceu nas ligações CH–CO, CO–NH ou NH–CH da cadeia principal, respectivamente, em quen é o número de cadeias laterais existentes no fragmento. De forma análoga, se a carga positiva permanecer na porção C-terminal da molécula os íons produzidos são designados por X 

n, Y 

n e Z

n

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da previamente. Os aminoácidos emseqüência são identificados levando-se em conta a diferença de massaentre os sucessivos picos. As vanta-gens do seqüenciamento escada so-bre os métodos químicos usuais sãoa rapidez — porque economiza umacorrida cromatográfica em cada ciclo — e o baixo custo por ciclo. As vantagens em relação a outros méto-

dos que utilizam espectrometria demassa incluem a maior facilidade nainterpretação dos espectros e a ex-tensão da seqüência, normalmentebastante superior no seqüenciamentoescada. Essa técnica fornece melho-res resultados em equipamentos dotipo MALDI, devendo-se evitarutilizá-la em equipamentos do tipoESI, pois este produz uma família de

envelopes de carga, o que dificultamuito a interpretação dos resulta-dos.

Identificação de proteínas

 A identificação de proteínas éum procedimento de capital impor-

tância na abordagem proteômica. Umdos procedimentos utilizados paraidentificar proteínas em bancos deseqüências sem a necessidade deseqüenciar a proteína em estudo é achamada “impressão digital do mapapeptídico” ( peptide mass 

 fingerprint ). Nesse método, é feitauma digestão enzimática ou químicada proteína, in vitro , seguida de umaanál ise espectrométr ica dospeptídios obtidos. As massas mola-res desses fragmentos peptídicos sãoentão comparadas com massas depeptídios provenientes de digestõesteóricas, in silico, de proteínas de-positadas em bancos de seqüências. A identificação é probabilística e aporcentagem de cobertura dospeptídios da amostra com relação àproteína pareada é um dos principaisparâmetros de identificação (Figura 4).

Geralmente, o equipamento deescolha nesse caso é o MALDI-TOF.O método da impressão digital do

mapa peptídico é praticamente infa-lível — e particularmente útil — naidentificação de proteínas de espé-cies com genomas pequenos e com-pletamente seqüenciados. Entretan-to, o índice de insucesso na identifi-cação aumenta à medida que seaumenta o número de registros con-frontados no banco de dados utiliza-do na busca. Para proteínas isoladasde espécies cujo genoma não estáseqüenciado, é necessário usar ban-

cos de dados ampliados (sem restri-ção taxonômica). Nesse caso, é im-perativo utilizar fragmentos de se-qüência (sequence tags ) para umaidentificação mais confiável, geral-mente obtidos em equipamentos dotipo MALDI-TOF-TOF.

Mapeamento de interaçõesmoleculares

 A palavra proteoma está nor-malmente associada ao conjunto de

Figura 4 - Esquema geral para identificação de proteínas por espectrometriade massa. A partir de proteínas separadas por 2D-PAGE (eletroforesebidimensional) selecionam-se as manchas eletroforéticas de interesse e realizam-se a clivagem enzimática de tais proteínas (1). O digesto é submetido à análisepor MALDI-TOF (2) para caracterização das massas dos peptídeos (4) e eventualfragmentação de algum peptídeo por PSD (5) ou análise por TOF-TOF paraobtenção de fragmentos de seqüência (sequence tags ). Outra alíquota do digestopode ser submetida à cromatografia em fase reversa associada à espectrometriade massa por ESI (3), obtendo-se espectros com envelopes de cargas parapeptídeos maiores (6), que podem ter a sua massa calculada por algoritmos de

reconstrução (8), ou para peptídeos menores (7), que podem ser fragmentadospor CID e ter sua seqüência determinada (9).

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7/25/2019 Artigo Espectrometira de Massa de Proteínas Revista Biotecnologia

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46 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 

proteínas expressas por um deter-minado tipo de célula em um deter-minado momento. Entretanto, esseconceito fornece apenas uma visãoestática do processo biológico. Defato, as proteínas exercem suas fun-ções como resultado de interaçõesaltamente dinâmicas com outras pro-

teínas. A célula pode ser vista comouma série de “máquinas moleculares”interagindo umas com as outras. Es-sas máquinas moleculares são, na verdade, formadas por grandes com-plexos de proteínas. A modulaçãoespacial e temporal dessas interaçõesé o que efetivamente define as fun-ções celulares , em termosmoleculares. O número total degenes humanos não difere substan-cialmente do verme nematódeoCaenorhabditis elegans , o que suge-

re que a complexidade fenotípicapode ser atribuída parcialmente àcombinação contextual dos produ-tos genéticos e suas interações. Aespectrometria de massa está sendoagora utilizada como uma ferramen-ta para explorar a dinâmica dasinterações entre proteínas.

Um método direto para estudara interação proteína-proteína consis-te na observação direta do comple-xo protéico por microscopia de força

atômica e na determinação da cons-tante de afinidade. Um métodoespectrométrico que vem ganhandoprestígio nos últimos tempos é ochamado SELDI (sigla em inglês parasurface-enhanced laser desorption 

ionization ). Nele, a placa de MALDIé quimicamente modificada de for-ma a permitir a ligação de uma “mo-lécula isca”, que agrupa em torno desi as proteínas que por ela têm afini-dade, imobilizando-as também naplaca. As proteínas não-ligantes sãoretiradas por lavagem da placa. Aplaca é então montada na fonteionizadora de MALDI e as proteínasque interagiram com a “moléculaisca” são analisadas por SELDI-TOF.Essa técnica tem sido sugerida paramapear epitopos de anticorpos, imo-bilizando-se o antígeno na placa deSELDI usando o anticorpo como“isca”. A proteína-alvo é entãodigerida e os peptídios que não es-tão ligados ao anticorpo são lavados.

Os peptídios que formam o epitopo

podem então ser determinados porSELDI-TOF.

Um método alternativo para de-terminar interações protéicas é cha-mado espectrometria de massa debioafinidade e consiste na análisedireta do complexo em umespectrômetro de massa. Essa técni-

ca parece estar ganhando espaço ese tornando uma ferramenta-padrãona determinação de interações pro-teína-proteína. Estudos recentes su-gerem uma estratégia geral para aanálise em larga escala de interaçõesproteína-proteína usando a aborda-gem de co-precipi tação/espectrometria de massa. Uma “eti-queta” de afinidade é expressa liga-da diretamente a uma proteína-alvo. As proteínas-alvo são sistematica-mente depositadas, juntamente com

outras proteínas participantes docomplexo protéico, em uma colunade afinidade. O complexo é desfeitoe as proteínas participantes do com-plexo são separadas por eletroforeseem poliacrilamida — sodium dodecyl 

sulfate polyacrylamide gel  

electrophoresis   (SDS-PAGE) — deuma dimensão. As proteínas são en-tão extraídas do gel, digeridas comtripsina e identificadas por impres-são digital do mapa peptídico

( peptide mass f ingerprint ). A orga-nização funcional do proteoma deuma levedura foi caracterizada usan-do tal método e 232 complexosmultiprotéicos foram determinados,sugerindo novos papéis celularespara 344 proteínas.

CONCLUSÕES

Enfim torna-se cada vez maisevidente a importância daespectrometria de massa em pes-quisas envolvendo proteínas. NoBrasil, apesar da existência de pou-cos pesquisadores que dominam atécnica, vários projetos encontram-se em desenvolvimento, permitindoum aprofundamento significativo emquestões de interesse regionais enacionais, como doença de Chagas,utilização de enzimas em processosindustriais, peptídios biologicamen-te ativos, reprodução animal, pragasde lavouras, imunologia do trauma

etc. A recém instalada Rede

Proteômica Nacional, que associa la-boratórios em todo o País que traba-lham com a abordagem proteômica,demandará de forma sistemática ecrescente a ut i l ização deespectrômetros de massa, cada vezmais precisos e versáteis. O parqueinstalado de equipamentos no Brasil

já não pode ser considerado peque-no. Porém, o número de pesquisado-res que utilizam, em algum momen-to de sua pesquisa, a espectrometriade massa de proteínas cresce deforma exponencial e, portanto, aoferta de equipamentos deve acom-panhar essa demanda. De acordocom o estabelecido para a RedeProteômica Nacional, laboratórioscentrais, que já possuem equipa-mentos, pessoal treinado, programasde manutenção e experiência na

área, fornecerão a infra-estruturabásica de equipamentos para os la-boratórios-satélite, de forma que to-dos possam se beneficiar dos recur-sos existentes com o mínimo dedesperdícios de insumos para o País.

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA 

 Westermeier, R. & Naven, T. (2002)Proteomics in Practice: A 

Laboratory Manual of Proteome Analysis , Ed. Wiley-VCH Verlag,Germany.

 Wilkins, M.R., Williams, K.L., Appel,R.D. & Hochstrasser, D.F. (1997)Proteome Research: New 

Frontiers in Functional 

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Siuzdak, G. (1996) Mass 

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Sousa, M.V., Torres, F.A.G., Ricart,C.A.O., Fontes, W. & Silva, M.A.S.(2001) Gestão da Vida? Genoma 

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