análise do poema aos novos glad

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Aos novos gladiadores a vós, à vossa dor, - como o eco que se prolonga e se escuta, eu dou os versos que faço, como quem dá um abraço, a vós, os que sofreis, os que quereis e não podeis, os que sonhais e acordais, - eu dou a minha tristeza que trago presa. a vós, ao vosso sacrifício, - à vossa morte, aos vossos passos como um indício, - eu dou a mão camarada, e não peço outra mão dada. a vós, meus irmãos grandes, meus irmãos heróis ofereço quanto posso - este imaginar de estrelas e de sóis. e se alguma coisa mais vos for precisa (o sangue que se adultera, a vida que se não realiza, a vontade fraca e mera) - irmãos, dizei-o já, que tudo quanto possa se dará. Antero de Abreu

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Page 1: Análise do poema aos novos glad

Aos novos gladiadores

a vós,à vossa dor,- como o eco que se prolongae se escuta,eu dou os versos que faço,como quem dá um abraço,a vós,os que sofreis,os que quereis e não podeis,os que sonhais e acordais,- eu dou a minha tristezaque trago presa.

a vós,ao vosso sacrifício,- à vossa morte,aos vossos passos como um indício,- eu dou a mão camarada,e não peço outra mão dada.

a vós,meus irmãos grandes,meus irmãos heróisofereço quanto posso- este imaginar de estrelas e de sóis.

e se alguma coisa mais vos for precisa(o sangue que se adultera,a vida que se não realiza,a vontade fraca e mera)- irmãos, dizei-o já,que tudo quanto possa se dará.

Antero de Abreu

Análise dos elementos estruturadores do sentido:

Este é mais um poema em que a intenção comunicativa do autor parece ser homenagear os “novos gladiadores” ou lutadores, a quem chama “irmãos”, que sofreram e se sacrificaram pela nação angolana.

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De facto, o tema do poema é a dor e o sofrimento dos seus compatriotas ou concidadãos, a quem o poeta dedica estes versos e a sua solidariedade.

Em todas as estrofes, construídas da mesma forma, o “eu” lírico dirige-se ao “vós”:

“os que sofreis” “os que quereis e não podeis” “os que sonhais e acordais” “a vós meus irmãos grandes” “meus irmãos heróis”

E aquilo que o “eu” pretende é oferecer-lhes os seus versos de homenagem, gratidão e solidariedade:

“eu dou os versos” “eu dou a minha tristeza” “eu dou a mão camarada” “ofereço quanto posso” “e se alguma coisa mais…”

Como se fizesse um brinde

“ à vossa dor” “ao vosso sacrifício” “à vossa morte”

Na verdade, o sujeito poético fala em dor, sofrimento, sacrifício, desejos, sonhos, morte, como alguém que tem conhecimento de episódios importantes e marcantes da História colonial do seu país e valoriza todo o esforço, o espírito de sacrifício, as lutas travadas pelos seus “irmãos” angolanos.A visão ampla que o poeta revela ter sobre a forma de agir e de lutar dos homens que fizeram a história de Angola, manifesta-se na admiração que revela ter por eles. A forma como demonstra a sua solidariedade é oferecendo tudo “quanto posso”: os seus versos de homenagem escrita, a sua tristeza por tudo aquilo que sofreram e pelos que perderam a vida ao serviço da pátria, a sua mão amiga e tudo o que for necessário.Note-se o uso repetido dos pronomes pessoais (eu, vós, vos), dos determinantes possessivos (vosso, vossa, minha, meus), assim como o vocativo presente em todas as estrofes (“ a vós/meus irmãos”) e a enumeração resultante da anáfora “os que sofreis/os que quereis…/os que sonhais…” que contribuem para insistir na dedicatória a todos aqueles que sofreram e lutaram pela independência. O poema é rico em

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recursos estilísticos, como a comparação (verso 3), a antítese (v.10), a aliteração (em s, m, n), a apóstrofe, no penúltimo verso (“- irmãos, dizei-o já”).Quanto aos aspectos formais, este poema é uma forma poética livre, apesar do paralelismo de construção (versos todos construídos da mesma maneira) – “a vós/ ao vosso…/à vossa … /eu dou…”. É composto por 4 estrofes irregulares, embora predomine a sextilha, com número variável de sílabas métricas, em que alternam as sílabas tónicas (acentuadas) com as sílabas átonas (não acentuadas), o que dá ao poema um ritmo mais rápido e sincopado. Em relação à rima, embora também seja irregular, registam-se tipos de rima emparelhada ex.: EE - (“faço/abraço”), cruzada (última estrofe – ghgh -“precisa” rima com “realiza” e “adultera” com “mera”) e interpolada (versos 14, 15 e 16 – cdc).Este é um poema com título expressivo e muito adequado ao tema e à intenção comunicativa, porque é em forma de dedicatória – aos novos gladiadores – fazendo uma referência histórica aos lutadores romanos, para comparar os seus compatriotas, batalhadores também, com os antigos gladiadores, o que parece ser um elogio.