revista de conjuntura, n. 42
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ARTIGOS
ENTREVISTA
Qualidade das instituições e crescimento econômico
Combate à Inflação
Complexo Eco-empresarial ou Eco-parque industrial - Uma forma de organização empresarial sustentável
Há razões para duvidar que a dívida pública no Brasil é Sustentável? érgio Gobetti e Bernardo Schettini
Estratégias para um novo ciclo de desenvolvimento: Uma visão do
Conselho de Desenvolvimento Econômico
Esther Bemerguy e Maria Luiza Falcão
O milagre da multiplicação dos pães
A influência econômica nas eleições presidenciais
A crise na Europa e os dilemas da Espanha
Análise do Projeto de Lei Complementar - PLP 549/09
XXII SINCE 2010: Desenvolvimento
Econômico com Justiça Social
O SINCE é um evento que além de promover o debate sobre a estrutura e conjuntura econômica, política e social
do país, examina e debate questões relativas à atuação e aperfeiçoamento do Sistema COFECON/CORECONs e à
atuação profissional dos economistas.
Tãmnia a
Qualidade das instituições e crescimento econômico
Combate à inflação
Complexo Eco-empresarial ou Eco-parque industrial- Uma forma de organização empresarial sustentável
Há razões para duvidar que a dívida pública no Brasil é Sustentável?
érgio Gobetti e Bernardo Schettini
Estratégias para um novo ciclo de desenvolvimento: Uma visão do Conselho de Desenvolvimento EconômicoEsther Bemerguy e Maria Luiza Falcão
O milagre da multiplicação dos pães
A influência econômica nas eleições presidenciais
A crise na Europa e os dilemas da Espanha
Análise do Projeto de Lei Complementar - PLP 549/09
XXII SINCE: Desenvolvimento Econômico com Justiça Social
Tânia Bacelar
Editor responsávelJosé Luiz Pagnussat
Conselho editorialMaurício Barata de Paula PintoNewton Ferreira da Silva MarquesHumberto Vendelino RichterOscar Henrinque Belo SantosElder Linton Alves de AtaújoTito Belchior Silva MoreiraCarlos Eduardo de FreitasJosé Fernando Cosentino TavaresJosé Roberto Novaes de Almeida
Jornalista responsávelCamila Fiorese (Reg. DRT/DF: 7851)
RedaçãoCamila Fiorese
Editoração eletrônicaCamila Fiorese
Tiragem: 4.000Periodicidade: trimestral
As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição da entidade. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte.
CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO - DF
PresidenteJosé Luiz Pagnussat
Vice-presidenteJusçanio Umbelino de Souza
Conselheiros efetivosMônica Beraldo Fabrício da SilvaMaurício Barata de Paula PintoHomero Gustavo Reginaldo LimaJosé Luiz PagnussatJusçanio Umbelino de SouzaHumberto Vendelino RichterCarlos Eduardo de FreitasOscar Henrique Belo Santos Tito Belchior Silva Moreira
Conselheiros suplentesGuilherme Costa DelgadoNewton Ferreira da Silva MarquesVictor José HohlÉrton Birk TeixeiraDiones Alves CerqueiraRonalde Silva Lins Paulo Luiz Figueiredo de OliveiraMiguel RendyElder Linton Alves de Araujo
Conselheiro Federal pelo DFJúlio Miragaya
Gerente ExecutivoGeraldo Andrade da Silva
Equipe do CoreconAngeilton Francisco Lima Faleiro Iraci da Costa Lopes Jamildo Cezário Gomes Maria Aparecida Carneiro Michele Cantuária Soares
EstagiárioJosé Luiz Cordeiro Cruz
End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202CEP 70300-907 – Brasília/DFTel: (61) 3225-9242 / 3223-14293964-8366 / 3964-8368Fax: (61) 3964-8364E-mail: corecondf@corecondf.org.brSite: www.corecondf.org.brHorário de funcionamento:das 8h às 18h (sem intervalo)
O Conselho Regional de Economia do DF (CORECON/DF), em parceria com o
Conselho Federal de Economia (COFECON), realizará o XXII Simpósio Nacional dos
Conselhos de Economia – SINCE no período de 1º a 3 de setembro de 2010, no Carlton
Hotel em Brasília.
O XXII SINCE terá como tema central o “Desenvolvimento Econômico com
Justiça Social”. O evento, além de promover o debate sobre a estrutura e conjuntura
econômica, política e social do país; deverá examinar e debater questões relativas à
atuação e aperfeiçoamento do Sistema COFECON/CORECONs e à atuação profissional
dos economistas; estabelecer linhas de ação conjunta dos Conselhos Regionais e
Federal; e debater os assuntos referentes à formação profissional e o mercado de
trabalho dos economistas.
A expectativa é que o XXII SINCE aprove diretrizes que orientem a preparação de
um projeto de reformulação dos Conselhos de Economia no sentido do fortalecimento
da profissão de economista e que promova as mudanças institucionais necessárias
para a continuidade a longo prazo de nossas entidades. Tais ajustes na legislação e
na organização dos conselhos são urgentes para fortalecer o efetivo cumprimento da
missão do Sistema COFECON/CORECONs de atuar para o progresso e valorização da
profissão de Economista, por meio da defesa dos princípios éticos e da competência
técnica no exercício profissional do Economista.
Certamente este SINCE será um marco na evolução dos Conselhos de Economia e
do exercício da profissão de Economista, considerando as transformações do mercado
de trabalho; as novas exigências de formação em economia, que se caracteriza pela
ampliação horizontal da área da economia, com a consolidação de inúmeros campos
do saber relacionados, e pela diversidade de níveis de formação em economia, seja o
“tecnólogo”, o “graduado”, o “especialista” com mestrado e doutorado.
Os Conselhos de Economia não podem mais ignorar que há uma demanda por
uma diversidade de profissionais com conhecimentos de economia. A verdade é
que a sociedade reconhece como “economistas” muitos profissionais que não são
registrados nos Conselhos por desatualização da nossa legislação. Este é o caso de
muitos professores doutores em economia com elevada reputação na nossa área,
mas que, por não serem graduados em economia, não têm o registro no Conselho. Por
outro lado, o mercado de trabalho de alguns campos do saber da área de economia
se fortaleceu nas últimas décadas e os Conselhos não atenderam as novas demandas
de organização e fiscalização profissional. Este é o caso da área financeira e de
mercado de capitais, que buscou organizações alternativas para cumprir atribuições
típicas dos Conselhos. O SINCE será a oportunidade de aprofundarmos esse debate e
construirmos novos rumos para a nossa profissão.
O XXII SINCE há de ser, também, o momento de debate de propostas para mudar
o Brasil e a oportunidade de lançamento dos grandes pilares de um projeto para o
País de “Desenvolvimento Econômico com Justiça Social”, tema central do evento.
Enfim, fica o convite aos economistas para participar dos debates e grupos de
trabalho do XXII SINCE.
Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional Desenvolvimento Regional
ENTREVISTA
Tânia Bacelar
Especialista em desenvolvimento regional, a econo-
mista e socióloga, Tânia Bacelar, fala em entrevista à
Revista Conjuntura, dos principais aspectos do desen-
volvimento territorial brasileiro, como os desequilíbrios
regionais e também das experiências acumuladas
durante os 20 anos que atuou na Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE).
Tânia Bacelar de Araújo tem mestrado em Diploma
de Estudos Aprofundados - D.E.A. pela Universidade
de Paris I, Panthéon-Sorbonne (1977) e doutorado
em Economia Pública, Planejamento e Organização
do Espaço pela Universidade de Paris I, Panthéon-
Sorbonne (1979). Foi secretária de Planejamento e
da Fazenda do estado, entre 87 e 90, e secretária de
Políticas de Desenvolvimento Regional do Ministério
da Integração Nacional no início do governo Lula.
Atualmente é professora da Universidade Federal de
Pernambuco e Presidente do Conselho Deliberativo do
Centro Internacional Celso Furtado. Foi conselheira do
COFECON - Conselho Federal de Economia.
Nordeste. Não era uma proposta revolucionária, mas
reformista. Por exemplo, na Zona da Mata a idéia era
reduzir o peso da cana e aumentar o peso da produ-
ção de alimentos, o que ainda hoje é um desafio para
a região, pois o Nordeste continua sendo uma região
importadora de alimento. Então era uma mudança es-
trutural. Ela não falava abertamente em reforma agrá-
ria, mas a proposta pressupunha uma mudança impor-
tante no uso da terra. Quebrar o monopólio da cana no
uso da terra. Mas infelizmente não houve mudanças. A
mudança foi na direção oposta, pois com o pró-álcool,
em 1974, a área plantada de cana na Zona da Mata do-
brou. Não aconteceu o que ele propunha.
No Maranhão, ela trouxe o Estado para a região Nor-
deste, porque para o Instituto Brasileiro de Pesquisa e
Conjuntura – Nos fale sobre sua experiência
que adquiriu durante os vinte anos que atuou na
SUDENE?
Tânia Bacelar - Eu trabalhei na SUDENE de 1966 a
1986 e na minha opinião existiram duas SUDENEs: a de
Celso Furtado que foi de 1959 a 1964; e a do período
militar e do começo da democratização. Essas duas têm
diferenças importantes.
A SUDENE de Furtado tinha um projeto reformista:
ela queria mudar as estruturas mais importantes do
Piauí. Porque o Maranhão era pouco ocupado e era
uma área de transição entre o bioma do semi-árido e
o bioma da Amazônia e o sonho de Furtado era levar
a produção de alimentos para lá que tinha terra fértil,
água, pequena densidade demográfica e podia cum-
prir um papel de abrigar nordestinos que viessem do
semi-árido para lá. Já havia uma migração espontânea
do semi-árido do Nordeste, porque um dos problemas
é que o semi-árido nordestino é o mais densamente
povoado do mundo. E Furtado tinha uma proposta de
desadensar o semi-árido criando uma alternativa para
o Maranhão.
Quando se olha o que aconteceu com o Maranhão,
de fato hoje o estado tem uma presença grande na
produção de alimentos - soja principalmente, mas
não foram os nordestinos que foram para lá, mas os
gaúchos. O sul do Maranhão e do Piauí fazem parte
do processo atual de ocupação do cerrado brasileiro.
E o oeste do Nordeste é cerrado. Do São Francisco para
Oeste se tem uma porção do território do Nordeste
que é do bioma do cerrado.
Eu diria que era um projeto de mudanças estrutu-
rais importantes que a SUDENE de Furtado propôs e o
padrão de investimento que ele comandou tinha dois
eixos estratégicos, tidos como pré-condição para fazer
essas mudanças.
Um eixo era o de infra-estrutura da região, princi-
palmente a econômica. O Nordeste não tinha energia
suficiente, apesar da Chesf já existir desde os anos 50.
O Ceará, por exemplo, não tinha energia. As estradas, a
malha rodoviária era muito precária. Até Juscelino se
levava 13 dias e 13 noites de Pernambuco para San-
tos, por exemplo, como fez o Presidente Lula ao migrar
com sua família naquele tempo. Juscelino fez a Rio -
Bahia que já diminuiu bastante o tempo de desloca-
mento e os custos de transportes, mas a estrutura de
acessibilidade do Nordeste era muito precária. Houve,
portanto, um investimento importante da SUDENE na
elevação dos padrões de infra-estrutura da região. Pois
não se faz desenvolvimento sem infra-estrutura.
O segundo eixo era formação de gente. Um dos de-
partamentos mais fortes da SUDENE de Celso Furtado
era o departamento de recursos humanos. Na verdade
o grande objetivo era formar quadros, também não se
faz desenvolvimento sem quadros. As universidades
na região eram ainda muito frágeis. Muitos estados do
Nordeste não tinham universidades. Então tinha uma
carência de gente especializada.
Havia dois grandes programas. Um programa de
formar gente de nível superior. A SUDENE concedia
bolsa de estudos, uma espécie de Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
da época. Ela tinha um rol de profissões que eram im-
portantes para o desenvolvimento e que a região não
tinha, então ela financiava as pessoas para fazer os cur-
sos. Selecionava e depois dava uma bolsa para que as
pessoas se dedicassem com exclusividade para fazer
uma boa formação superior. Foram formados agrôno-
mos, veterinários, médicos, engenheiros entre outros
que tinham um foco voltado para as necessidades da
região.
O outro eixo era voltado para a pós-graduação. A
SUDENE formava gestores públicos com especialidade
nas necessidades regionais, também em áreas estra-
tégicas como educação, saúde, desenvolvimento agrí-
cola, industrial, orçamento e gestão entre outros. Ela
pegava os recém formados e oferecia um curso de es-
pecialização para formar quadros tanto para a própria
instituição quanto para os governos estaduais. Quan-
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do as pessoas passavam nos cursos e retornavam para
seus estados, a SUDENE dava uma bolsa para garantir
que aquela pessoa ficasse no lugar de origem, como se
fosse uma gratificação, para estimular que as pessoas
que tivessem sido formadas para a região não fossem
para outros lugares.
Com o golpe de 1964, toda a equipe de direção foi
mudada, os militares assumiram. O caráter reformis-
ta da instituição foi deixado de lado e a trajetória foi
bastante diferente. Por exemplo, o eixo de formação de
quadros perdeu-se no caminho e os recursos da SU-
DENE foram tirados na primeira reforma da legislação
tributária que os militares fizeram.
A SUDENE operava com o recurso parecido com o
que atualmente é o Fundo Constitucional, eram recur-
sos oriundos do imposto de renda e do IPI e formava
o chamado na época Fundo da Seca. Esse recurso foi
utilizado para lastrear a SUDENE, o que significa muito
recurso, além de ser razoavelmente estável. Quando os
militares fizeram a reforma, acabou-se com o recurso
que havia em quantidade e passou a se disputar no
orçamento Federal uma dotação anual. Foi introduzida
uma variável de instabilidade muito grande e o volume
de recurso também reduziu muito. Então infra-estrutu-
ra, que era muito cara de se fazer, perdeu peso e coinci-
dentemente no mesmo período, logo de imediato após
o golpe de Estado, os incentivos começaram a deslan-
char e começou a se construir a segunda SUDENE, que
era a de incentivos.
No primeiro Plano Diretor da SUDENE (Lei No 3.995,
de 14 de dezembro de 1961) foi criado o sistema de
incentivos com o artigo 34. Ele dizia que as empresas
poderiam renunciar,ou seja,pagar a metade do imposto
a Receita Federal para se investir no Nordeste. Só que
o artigo 34 tinha duas restrições: quem renunciava
não podia ser o investidor no Nordeste e empresas
transnacionais não podiam fazer a renúncia. Tinham
que ser empresas nacionais e o optante não podia ser
o investidor. E assim o sistema não deslanchou.
No segundo Plano (Lei 4.239, de 27 de junho de
1963) veio o artigo 18 que quebrou essas duas travas,
já havia tido o golpe. Qualquer empresa podia ser op-
tante e investidor, por exemplo, a Hering, por exemplo,
foi para Pernambuco, ela mesma optava e apresentava
projeto na SUDENE, além de ter recebido um aporte
de recursos para implantar a unidade lá. E aí o sistema
deslanchou, numa linha em que a indústria que se es-
tabeleceu lá era, na grande maioria, filiais de empresas
que já estavam em outras partes do Brasil, principal-
mente do Sul e Sudeste, usando os incentivos. Assim o
carro-chefe da SUDENE passou a ser os incentivos. Mas
ela morre depois debaixo de denúncias de desvio de
recursos com incentivo. Por isso que eu digo que teve
duas SUDENES.
Em termos de resultado a primeira SUDENE plantou
sementes importantes e os incentivos geraram uma
nova indústria que era um dos objetivos de Furtado.Essa
era uma transformação consentida, porque também in-
teressava a indústria do Sudeste se instalar no Nordes-
te. Isso não era revolucionário, era sim falta de incentivo
para ir para uma região com menos condição, que antes
nunca o governo tinha dado, e os empresários foram.
Furtado pensava, e por isso o artigo 34, é que quem
optava não era o mesmo que apresentava o projeto
à SUDENE, porque o sonho era criar no Nordeste em-
presários que fossem da região. Tinha o objetivo polí-
tico também, era ver se uma classe industrial era mais
progressista do que os coronéis da oligarquia regional.
Quando se faz uma mudança no sistema essa classe
empresarial nova só apareceu no Ceará. Como o perfil
da indústria que se instala no Ceará, é mais de confec-
ção, então teve uma transição com os próprios empre-
sários do Ceará, que é a geração do Tasso Jereissati, que
depois chega até ao poder do governo do estado.
Quando se olha a industrialização de Recife e Salva-
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dor, ela foi conduzida muito mais por filiais de empresas
nacionais ou estrangeiras que foram para lá. Eu diria que
a industrialização aconteceu, foi importante o resultado,
mas foi muito concentrada nas três regiões metropoli-
tanas, cerca de 2/3 dos incentivos foram para Salvador,
Recife e Fortaleza. Na Bahia e Pernambuco o modelo foi
o de captar investimentos de filiais de grandes empresas
tanto transnacionais como de empresas brasileiras. No
Ceará ocorreu um processo de industrialização mais en-
dógeno, seriam pessoas que vinham de atividades eco-
nômicas do próprio estado,de alguns grupos comerciais
importantes que é o caso do grupo Jereissati, é o capital
mercantil que se transforma no capital industrial.O perfil
do Ceará foi um pouco diferente dos outros.
Essa é uma experiência muito interessante, eu
acho que tem lições importantes. Essa lição, por
exemplo, que para fazer desenvolvimento se tem
que criar pré-condições, porque o grande problema
das regiões menos desenvolvidas é que muitas vezes
elas não têm pré-condições, porque não se investiu
antes nelas, para criar infra-estrutura, para ter gente
qualificada, a própria classe empresarial - geralmente
é economicamente mais frágil e politicamente mais
conservadora - então essa é uma lição importante, é
preciso criar pré-condições. Essas duas linhas ação ini-
cial da SUDENE foram muito importantes porque se
colheu depois os frutos do investimento que foi feito,
e ainda se colhe.
Conjuntura – Qual a sua participação na atual
política de desenvolvimento regional e a sua defesa
que o governo aposte em um país policêntrico, com
vários centros de crescimento, a partir de 11 macro-
pólos consolidados, sete novos macro-pólos e 22
sub-pólos?
Tânia Bacelar - O Brasil tem uma história de ocu-
pação de seu território com dois tipos de concentra-
ção. Uma concentração no litoral e uma concentração
do Sul e Sudeste. São duas heranças importantes. Isso
concentrou pessoas, base produtiva, infra-estrutura
econômica, universidades.... Então esse é um perfil im-
portante, porque aí fica o desafio de se desconcentrar
na direção Norte e Nordeste e na direção Oeste - tirar a
prioridade do litoral para o interior.
As principais cidades brasileiras estão no Sul/ Su-
deste e no litoral, então se tem um país com grandes
cidades,mas a maioria das grandes cidades são cidades
litorâneas ou, como São Paulo, cidades do Sudeste do
Brasil.
O Brasil de hoje tem outra tendência de ocupar
esse espaço mais central do país, uma tendência lenta
de reduzir essa concentração litorânea. Por exemplo,
São Paulo se expandindo em direção ao Mato Grosso
do Sul. Uma porção importante do Centro-Oeste na
verdade é uma expansão da economia do país naque-
la direção e cidades importantes começam a aparecer
nesta parte do Brasil. Cidades médias de 100 a 500 mil
habitantes ou cidades de outro patamar de 500 mil a
um milhão de habitantes. Tem-se um tecido urbano
de um milhão a mais que predominantemente litorâ-
neo ou Sudeste e Sul. Atualmente se tem um tecido
de cidades médias de 100 a um milhão, dois portes de
cidades que estão penetrando o território mais cen-
tral do Brasil.
A idéia é que o Brasil tenha um olhar especial para
as cidades médias. Porque é mais fácil se construir boas
cidades quando elas têm um porte menor do que de-
pois se consertar grandes aglomerados urbanos. Por
exemplo, qualquer investimento urbano em São Paulo
hoje é caríssimo, porque já tem muita coisa feita, por-
que se tem que desfazer para fazer.Um exemplo é o Ro-
doanel, um investimento importante para a circulação
na Grande São Paulo, foi um investimento caríssimo. Ele
é necessário e é caro ao mesmo tempo.
Quando se tem cidades do porte de 200, 300, 500,
800 mil habitantes, organizar uma cidade legal é mui-
to mais barato e muito mais fácil. Então essa é a ideia,
que o Brasil tivesse uma política de ordenamento do
seu território e como o país hoje é mais urbano do que
rural, então cidade é muito importante, porque a maio-
ria dos brasileiros vive em cidades.Há uma necessidade
de se ter um olhar mais estratégico para organizar as
cidades do país melhor e esse tipo de tamanho permite
fazer isso. O sonho seria que daqui a algumas décadas
tivéssemos um Brasil mais polinuclear do que o do final
do século XX, ou seja, com cidades médias boas de vi-
ver. Mas o Brasil está andando devagar e sem uma op-
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ção estratégica clara, na minha opinião: o país devia
ter uma opção estratégica mais clara nesta direção.
Por exemplo, nós estamos tomando decisões impor-
tantes como a de interiorizar as universidades. Esse
processo que está em curso é positivo e é estruturan-
te de cidades. A cidade média, que recebe uma uni-
versidade, muda. Exemplos são as cidades de Petroli-
na, Caruaru, Campinas. A universidade mobiliza gente
de fora, professores e alunos. Então são estruturas de
formação média que o Brasil precisa fazer hoje. Existe
hoje um buraco no sistema educacional, que é o da
formação média, com destaque para a formação pro-
fissionalizante, esses equipamentos estão indo para o
interior, portanto escolher os lugares para onde eles
vão é uma decisão estratégica importante.
Eu não diria que o governo está parado,está se cui-
dando disso, são escolhas importantes para o futuro.
O rumo é um rumo bom porque é o da desconcentra-
ção, está se indo mais para as regiões que têm menos
e menos para o litoral, agora a idéia é que isso fosse
também organizado num mapa estratégico. Porque
se pode não só combinar isso, como se podem fazer
outras opções, por exemplo, levar a universidade para
uma cidade, mas levar uma escola de ensino médio
para uma cidade adjunta em um porte menor, porque
aí se dinamiza uma de 500 ou 600 mil habitantes, mas
também se dinamiza outra de 200 e 300 mil.
O Sistema de saúde trabalha com um conceito
muito interessante de hierarquia dos serviços, quan-
do se leva os hospitais de maior complexidade para
as cidades maiores e os hospitais de menor comple-
xidade para as cidades menores. As políticas públicas
organizam, ao tomar essas decisões, elas mudam o
destino das cidades. Também uma cidade onde se co-
loca uma estrutura de saúde boa, ela muda, um exem-
plo é Teresina, no Piauí. A imagem que o Brasil tem da
cidade, é de capital do estado mais pobre do Brasil, mas
com a chegada de um bom serviço de saúde interes-
sante mudou a vida dos habitantes e mudou a dinâmi-
ca da cidade.
A idéia força de 11 macro pólos para o Brasil veio de
um estudo que foi feito para o ministério do Planeja-
mento que foi realizado pelo curso de Desenvolvimen-
to Regional da Universidade Federal de Minas Gerais
com o qual concordo plenamente.
Na minha avaliação, foram reduzidas as desigual-
dades regionais no Brasil. As desigualdades regionais
foram muito fortes até a década de 70, desta década
em diante foi percebido um lento processo de descon-
centração da base produtiva do Brasil. Tanto industrial
e terciária como agrícola. Agrícola no rumo do cerrado
e a industrial terciária um pouco espalhada Brasil. Tan-
to o Sudeste perde peso, como São Paulo, o Sul ganha
peso, principalmente nas cidades médias, Minas Gerais
ganha peso com a ida da Fiat para Betim que foi um
fato que mudou o estado, Manaus ganhou peso, pois
ajudou também a questão industrial. Isso foi resultado
de política pública, porque não foi o mercado que fez,
foi incentivo pesado das políticas industriais que gera-
ram o pólo no Amazonas. Eu acho que tem essa ten-
dência que é favorável.
Na minha leitura no que se avançou mais foi em po-
líticas nacionais que tiveram um rebatimento na desi-
gualdade regional positivo, mas avançamos pouco nas
políticas regionais strictu sensu que são as comandadas
... para fazer desenvolvimento se tem que criar pré-condições, porque o grande
problema das regiões menos desenvolvidas é que muitas vezes elas não têm pré-condições,
porque não se investiu antes ...
Tânia Bacelar
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pelo Ministério da Integração. Eu acho que se avançou
conceitualmente, mas não avançou na implementação
das políticas. Por falta de recursos, porque o Ministério
tem uma proposta de política que eu gosto, até porque
eu participei e por isso sou suspeita, mas a leitura que
ela faz é que o Brasil tem problemas regionais em todas
as regiões. Na escala macro regional o desafio maior é
Norte e Nordeste, mas quando se desce na escala me-
nor o estado de São Paulo tem um problema regional
que é o Vale do Ribeira. O Paraná é dinâmico no litoral,
mas o centro do estado é uma área de desafio. O Rio
Grande do Sul dividido da metade para baixo é proble-
mático e da metade pra cima é muito dinâmico. Então
as regiões mais ricas do Brasil, a Sul e a Sudeste, têm
problemas quando se coloca uma lupa e se vê numa
outra escala.
A minha proposta é de se trabalhar uma política re-
gional com múltiplas escalas e com o mapa do Brasil
na mão e não só com o do Norte e Nordeste, que era
a tradição das antigas políticas regionais. O que dava
uma distorção era fazer o Centro-Oeste querer ser só
Norte e Nordeste, quando na verdade o Centro-Oeste é
muito mais expansão do Sudeste do que Norte e Nor-
deste. Então eu acho que a proposta conceitualmente
é boa, mas o que faltou foram os recursos. O governo
até tentou fazer criar o Fundo de Desenvolvimento Re-
gional em duas ocasiões.Uma primeira PEC da Reforma
Tributária, em 2003, e também na última PEC da Refor-
ma Tributária. Talvez por isso mesmo o Fundo nunca
saiu, porque as duas reformas tributárias nunca saíram.
Porque ele estava associado à Reforma Tributária e ela
não conseguiu andar. Ficou-se com uma concepção,
mas sem instrumento para fazer aquela concepção ser
implementada.
Do lado das políticas ditas setoriais eu acho que
se avançou. Nós construímos políticas com esse olhar
das desigualdades regionais. Um exemplo é a política
de ampliação do ensino superior público. Criou-se 12
universidades, quatro só no Nordeste e no interior, em
cidades médias como Mossoró, Petrolina e Caruaru,
percebe-se que houve uma leitura regional das desi-
gualdades para definir a Política Nacional.
A melhoria do salário mínimo, não tem nada a ver
em princípio com o problema regional, mas tem sim,
porque a maioria das pessoas que ganham um salário
mínimo está no Nordeste, quando se deu um aumen-
to significativo no poder de compra do salário mínimo,
por uma decisão de política nacional, teve um rebati-
mento regional muito grande. São Paulo sentiu menos
essa política, porque a maioria das pessoas de lá já ga-
nham mais de dois salários mínimos. Mas no Nordes-
te, onde mais da metade ganha salário mínimo, teve
um aumento no poder de compra o que dinamizou
o mercado de consumo nas regiões mais pobres do
Brasil onde o mercado de trabalho é mais frágil e aí as
pessoas ganham mais perto do mínimo. Onde se tem
a economia mais forte, o mercado de trabalho é mais
estruturado, as pessoas tendem a ganhar acima do mí-
nimo. Essa, em princípio, não é uma política de porte
regional, mas é uma política nacional correta e que tem
um rebatimento na desigualdade regional positivo.
Conjuntura - Na sua opinião qual é o impacto
dos programas assistenciais para o desenvolvimen-
to regional?
Tânia Bacelar - O Bolsa Família é uma política as-
sistencial, ela teve um impacto diferenciado no Norte
e Nordeste, porque a miséria no Brasil tem um duplo
endereço.Ou ela é do mundo rural do Norte e Nordeste
ou ela é da periferia urbana.Tanto que o Nordeste rece-
be 55% do Bolsa Família, porque ele tem mais da me-
tade dos pobres do Brasil, mas o Sudeste recebe 25%,
porque também boa parte das pessoas muito pobres
do Brasil está nas periferias das grandes cidades. Só
‘‘A minha proposta é de se trabalhar uma política regional com múltiplas
escalas e com o mapa do Brasil na mão e não só com o do Norte e Nordeste, que era a tradição das antigas
políticas regionais.
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que o impacto social nos dois é muito parecido, quem
recebeu a cobertura do Estado sentiu o impacto. Mas
o impacto econômico em São Paulo não é perceptível,
porque se tem uma estrutura econômica tão grande
que aquele adicional não faz diferença, mas em regiões
muito pobres onde as bases produtivas são muito pe-
quenas, aquela transferência sistemática e continuada
termina virando economia também.Porque se melhora
a feira, a farmácia, a padaria o comerciante cresce e já
emprega mais. Então aquilo que era para um destino
social também tem um impacto econômico muito mais
perceptível do que nas periferias das grandes cidades.
Conjuntura – Existem vários registros que a se-
nhora colabora com movimentos sociais. Qual sua
opinião sobre a atuação deles no desenvolvimento
econômico?
Tânia Bacelar – Na minha opinião muito das mu-
danças que foram feitas no Brasil não foi política pú-
blica de iniciativa do governo. Por exemplo, as políticas
de apoio à agricultura familiar foram muito importan-
tes e para mim elas foram conquistas dos movimen-
tos sociais. O Ministério do Desenvolvimento Agrário
foi criado no governo de Fernando Henrique quando
ele estava desmontando o Estado brasileiro. A lógica
da década de 90 é uma lógica de redução de política
pública e de desmonte das estruturas publicas. Neste
cenário foi criado um ministério para a agricultura fa-
miliar. Quem conquistou aquele ministério foi a luta so-
cial, eu credito ele ao Movimento dos Sem Terra (MST)
e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agri-
cultura (CONTAG). Eles criaram o Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), mas
com o governo Lula ele foi fortalecido, pois ele passou
de 2 bilhões por ano para 15 bilhões por ano.
O Brasil é um país com potencial de desenvolvimen-
to rural muito grande. E acho que ele tem dois cenários.
O primeiro é ser os Estados Unidos, ou seja, uma grande
potência agrícola com pouca gente no campo, com a
agricultura patronal tomando todo o espaço e ela tem
uma tendência a usar mais máquinas, a usar grandes
superfícies e pouca gente: e esse é um modelo e pode
ser uma de nossas trajetórias.
O segundo é ser um país como querem os movimen-
tos sociais,um Brasil rural poderoso,pois temos tudo para
ser uma potência agrícola e energética importante no
século XXI, mas eles querem um campo com gente que
tem a ver com a agricultura familiar porque ela emprega
muito mais,porque por ser familiar ela não cria relação de
assalariamento. Um dos problemas no nosso mercado de
trabalho que é o alto custo dos encargos sociais ela tá li-
vre.A agricultura familiar também mostrou ser rentável.O
censo agrícola mostrou que ela tem um importante peso
econômico na oferta da alimentação do país, então se ela
tem essa capacidade,como posso dizer que ela não é eco-
nomicamente viável,como dizem alguns especialistas? Eu
acho que a gente mostrou que os projetos dos movimen-
tos sociais são bons para o Brasil.
O Brasil ainda pode fazer a opção de ter esses dois
tipos de agricultura. Tem espaço para as duas, porque
o espaço de crescimento é tão grande que vai precisar
de alimento e o Brasil é uma das fronteiras de recurso
de água, de terra e de tecnologia agrícola. Então se nós
temos um potencial, porque nós vamos ter que fazer
uma escolha. Nós só devemos seguir o bom senso dos
movimentos sociais que diz que o Brasil pode ser uma
grande potência agroindustrial com esse duplo perfil,
cumprindo o papel da geração de empregos rurais, por-
que é importante se ter um campo com gente. E com
gente feliz: educada, ganhando bem, e com acesso aos
serviços modernos, por exemplo, a internet banda larga.
‘‘Porque se melhora a feira,a farmácia, a padaria o
comerciante cresce e já emprega mais. Então aquilo
que era para um destino social também tem um
impacto econômico muito mais perceptível do que
nas periferias das grandes cidades.
‘‘
O objetivo desse artigo é mostrar a importância da
qualidade das instituições sobre o desenvolvimento
e crescimento econômico. Para tanto fazemos uma
breve comparação entre um pool de países, seus
respectivos padrões de bem estar, e correlacionamos
esses dados com a qualidade das instituições.
Dado o caráter informal desse Boletim, não
são executados procedimentos estatísticos mais
complexos. Contudo, os resultados reportados aqui
servem para nos mostrar ao menos a direção que
devemos percorrer para melhorarmos o padrão de
vida de nosso país.
Do ponto de vista de desenvolvimento regional,
os resultados reportados aqui servem para
ilustrar possíveis medidas de políticas públicas
para incrementar as taxas de crescimento e
desenvolvimento das regiões brasileiras. Entre os
principais resultados, podemos destacar a importância
dos direitos de propriedade, a estabilidade econômica,
a liberdade comercial e a diminuição da burocracia
como importantes determinantes do crescimento
econômico.
Países Selecionados
Os países detentores dos 61 maiores Produto
Interno Bruto (PIB) do mundo, no ano de 2005, foram
incluídos em nossa amostra. Dessa maneira, nossa
analise abrange os 61 mais ricos países de nosso
planeta. Claro que se pode argumentar que o PIB
não é a melhor medida de riqueza de uma nação. Por
exemplo, países com renda per capita altíssima como
Luxemburgo e Islândia não entraram em nossa amostra
por não estarem ranqueados entre os 61 primeiros PIB.
Contudo, a maior parte dos estudiosos concordará que
o PIB, na maior parte dos casos, reflete a capacidade
produtiva (riqueza) de um país. Para pessoas desejosas
de replicar esse estudo, os dados foram obtidos do
CIA World Factbook referente ao ano de 2005, e o PIB
adotado foi o PIB com base na taxa de câmbio oficial
do país.
Após selecionados os países, procedeu-se a divisão
desses em três grupos: 1) Ricos; 2) Renda Média; e 3)
Pobres. Contudo, a inclusão de países nesses grupos
foi baseada no PIB PER CAPITA de cada nação. Assim,
os 23 países com PIB per capita superiores a 25.000
dólares por ano foram classificados como sendo ricos.
Os 20 países com PIB per capita entre 4.000 e 25.000
dólares foram classificados como sendo de renda
média. Já os 18 países com PIB per capita abaixo de
US$ 4.000 foram classificados como sendo pobres. A
Tabela 1 mostra essa divisão, bem como o valor do PIB
per capita, em dólares de 2005, de cada país. Os dados
referentes à renda per capita de cada país foram
obtidos do Fundo Monetário Internacional (World
Economic Outlook Database, September 2006). A
única exceção é a informação referente ao Iraque que
foi obtida do World Factbook da CIA.
Qualidade das instituições e crescimento econômico
Adolfo Sachsida
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abril/junho/2010
Países Ricos Países de Renda Média Países Pobres
1) Noruega 64.193 24) Grécia 20.327 44) Kazaquistão 3.7172) Suiça 50.532 25) Israel 19.248 45) Argélia 3.0863) Irlanda 48.604 26) Portugal 17.456 46) Peru 2.8414) Dinamarca 47.984 27) Coréia do Sul 16.308 47) Irã 2.7675) Estados Unidos 42.000 28) Taiwan 15.203 48) Tailandia 2.6596) Suécia 39.694 29) Arábia Saudita 13.410 49) Colômbia 2.6567) Holanda 38.618 30) República Tcheca 12.152 50) Ucrânia 1.7668) Finlândia 37.504 31) Hungria 10.814 51) Marrocos 1.7139) Austria 37.117 32) Eslováquia 8.775 52) China 1.70910) Reino Unido 37.023 33) Polônia 7.946 53) Iraque 1.700 11) Japão 35.757 34) México 7.298 54) Indonésia 1.28312) Bélgica 35.712 35) Chile 7.124 55) Egito 1.26513) Canada 35.133 36) Rússia 5.349 56) Filipinas 1.16814) Australia 34.740 37) África do Sul 5.106 57) Paquistão 72815) França 33.918 38) Turquia 5.062 58) Índia 70516) Alemanha 33.854 39) Malásia 5.042 59) Nigéria 67817) Itália 30.200 40) Venezuela 5.026 60) Vietnã 61818) Emirados Árabes Unidos 27.700 41) Argentina 4.799 61) Bangladesh 40019) Espanha 27.226 42) Romenia 4.53920) Singapura 26.836 43) Brasil 4.320
21) Nova Zelândia 26.46422) Kuwait 26.02023) Hong Kong 25.493
Tabela 1: Divisão dos Países com Base no PIB per capita, dólares de 2005
Qualidade das Instituições e Crescimento Econômico
Usando a definição do prêmio Nobel de Economia
Douglass North: Instituições são restrições que
estruturam a interação entre pessoas.Elas são compostas
de restrições formais (regras, leis e constituição),
restrições informais (normas de comportamento,
convenções e códigos auto impostos de conduta),
e pela maneira como as pessoas são compelidas a
seguirem tais regras. Juntas elas definem a estrutura de
incentivos da sociedade.
A relação entre a qualidade das instituições
e a riqueza de um país é direta. Boas instituições
providenciam os incentivos corretos ao trabalho
honesto, promovem os mais eficientes e impulsionam
o crescimento de um país. Por outro lado, instituições
ineficientes promovem a corrupção, recompensam os
menos aptos e punem os indivíduos que se esforçam
por uma sociedade melhor. A implicação disso é óbvia:
países com melhores instituições serão mais ricos que
países com instituições inadequadas. Assim, cabe a
pergunta: o que são boas instituições?
Essa pergunta parece possuir uma resposta simples:
boas instituições promovem a liberdade individual e,
ao mesmo tempo que impede que um individuo faça
o mal a outro, protege o individuo da arbitrariedade
do estado. O termo instituição é amplo o bastante
para podermos dividí-lo em duas partes: instituições
políticas e instituições econômicas. A primeira delas
refere-se às liberdades civis (e direitos políticos) e a
segunda às liberdades econômicas. Assim, democracia,
voto universal, liberdade de crença religiosa entre
outras coisas são exemplos de instituições políticas. Já a
questão de liberdade comercial, liberdade para se abrir
novos negócios, e cumprimento de contratos, refere-se
à esfera das instituições econômicas.
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A Tabela 2 mostra o nível de liberdade civil
(e direitos políticos) dos países, nós usaremos
essa variável como uma medida da qualidade
das instituições políticas de um país. Estes dados
foram obtidos junto ao Freendom House’s Annual
Global Survey of Political Rights and Civil Liberties e
referem-se aos eventos globais ocorridos entre 01
de dezembro de 2005 ate 31 de dezembro de 2006.
Os países são classificados em três grupos distintos:
livres, parcialmente livres (PL) e não-livres (NL). Países
livres são aqueles onde há uma ampla margem para a
competição política aberta,um clima de respeito pelas
liberdades civis, significante vida cívica independente
e mídia independente.Um país parcialmente livre (PL)
é aquele onde há limitado respeito em relação aos
direitos políticos e liberdades civis.
Países parcialmente livres frequentemente sofrem
com um ambiente de corrupção, fraco cumprimento
das leis, conflitos étnicos e religiosos, e geralmente
ocorre de que um único partido político concentra o
poder a despeito da aparência artificial de pluralismo
de partidos. Um país não-livre (NL) é aquele onde
os direitos políticos básicos estão ausentes, e no
qual as liberdades civis básicas são largamente e
sistematicamente negadas.
De acordo com os dados apresentados na Tabela
2 temos que:
- 19 (82,6%) dos 23 países mais ricos do
mundo podem ser classificados como possuidores de
instituições políticas livres,3 (13%) como parcialmente
livres e apenas 1 (4,3%) como não-livre.
- 15 (75%) dos 20 países de renda média são
livres em termos de instituições políticas, 3 (15%) são
parcialmente livres e apenas 2 (10%) são não-livres.
- Em relação aos países pobres, apenas 4
(22,2%) deles podem ser considerados livres,5 (27,7%)
são parcialmente livres e 9 (50%) são não-livres.
Fica evidente da análise da Tabela 2 que a maioria
absoluta dos países ricos devem ser considerados
livres do ponto de vista de suas instituições políticas.
Contudo, isso não explica porque um grande numero
de países de renda média,mesmo possuindo liberdade
política, não possuem a riqueza dos países ricos.
Também não podemos esquecer que países como o
Peru,a Ucrânia,a Indonésia e a Índia são extremamente
pobres, apesar de possuírem instituições políticas
classificadas como livres. Assim, apesar de haver
uma correlação positiva entre liberdade política e
riqueza de uma nação, não podemos assumir que a
liberdade política seja a razão principal dessa riqueza.
Afinal, quase 18% dos países ricos não podem ser
classificados como livres do ponto de vista político, e
mesmo assim possuem um elevado nível de riqueza.
Nessa mesma linha de argumentação, 75% dos países
de renda média são politicamente livres, mas mesmo
assim não desfrutam do bem estar dos países ricos.
Em consideração com o parágrafo acima, parece
ser incorreto atribuir a riqueza de um país a existência
de instituições que promovam a liberdade política
dos cidadãos. Claro que existem outros argumentos,
que não puramente econômicos, para se defender a
liberdade política. De maneira alguma queremos dizer
que a liberdade política não seja importante para uma
sociedade. Argumentamos apenas que a inferência de
que liberdade política seja vital para o crescimento
econômico de um país é incorreta.
‘‘A relação entre a qualidade
das instituições e a riqueza
de um país é direta. Boas
instituições providenciam
os incentivos corretos
ao trabalho honesto,
promovem os mais
eficientes e impulsionam o
crescimento de um país.
‘‘12
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Tabela 9: Relação dos países de acordo com a qualidade de suas instituições políticas
Países Ricos Países de Renda Média Países Pobres
1) Noruega - livre 24) Grécia - livre 44) Kazaquistão - NL2) Suiça - livre 25) Israel - livre 45) Argélia - NL3) Irlanda - livre 26) Portugal - livre 46) Peru - livre4) Dinamarca - livre 27) Coréia do Sul - livre 47) Irã - NL5) Estados Unidos - livre 28) Taiwan - livre 48) Tailandia - NL6) Suécia - livre 29) Arábia Saudita - NL 49) Colômbia - PL7) Holanda - livre 30) República Tcheca - livre 50) Ucrânia - livre8) Finlândia - livre 31) Hungria - livre 51) Marrocos - PL9) Austria - livre 32) Eslováquia - livre 52) China - NL10) Reino Unido - livre 33) Polônia - livre 53) Iraque - NL11) Japão - livre 34) México - livre 54) Indonésia - livre12) Bélgica - livre 35) Chile - livre 55) Egito - NL13) Canada - livre 36) Rússia - NL 56) Filipinas - PL14) Australia - livre 37) África do Sul - livre 57) Paquistão - NL15) França - livre 38) Turquia - PL 58) Índia - livre16) Alemanha - livre 39) Malásia - PL 59) Nigéria - PL17) Itália - livre 40) Venezuela - PL 60) Vietnã - NL18) Emirados Árabes Unidos - NL 41) Argentina - livre 61) Bangladesh - PL19) Espanha - livre 42) Romenia - livre20) Singapura - PL 43) Brasil - livre
21) Nova Zelândia - livre22) Kuwait - PL23) Hong Kong - PL
Fonte: Freedom in the World 2007. Dados selecionados do Freendom House’s Annual Global Survey of Political Rights and Civil Liberties.
Vamos agora analisar a relação entre liberdade
econômica e a riqueza de uma nação. Os dados sobre
liberdade econômica foram obtidos junto a Heritage
Foundation. O índice de liberdade econômica mede e
ranqueia 161 países de acordo com 10 sub-índices de
igual peso. Os sub-índices têm como função capturar
a maneira como cada país trata questões específicas
referentes à liberdade econômica. Os 10 sub-índices,
cada um valendo uma nota máxima de 10 pontos, são:
liberdade de negócios, liberdade comercial, liberdade
fiscal,liberdade contra inferência do governo,liberdade
monetária, liberdade de investimento, liberdade
financeira, direitos de propriedade, liberdade contra
corrupção, e liberdade do trabalho. Dessa maneira, as
notas dos países podem variar de 0 (zero) a 100 (cem),
sendo zero um país completamente sem liberdade
econômica e 100 representando um país com a
máxima liberdade econômica. A Heritage Foundation
classifica os países em 5 diferentes grupos:
- Livre: país com pontuação entre 80 e 100
pontos.
- Majoritariamente livre (ML): país com
pontuação entre 70 e 79,9 pontos.
- Parcialmente livre (PL): país com pontuação
entre 60 e 69,9 pontos.
- Majoritariamente nao-livres (NL): país com
pontuação entre 50 e 59,9 pontos.
- Reprimido (R): país com pontuação entre 0 e
49,9 pontos.
Nós alteramos o ranking formulado pela Heritage
Foundation para incluir apenas os países que compõe
a nossa amostra. Assim, nosso ranking vai de Hong
Kong como o país mais econômicamente livre até o
Irã como o país mais econômicamente fechado. Países
que não pertencem a nossa amostra original não
foram selecionados.
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A Tabela 3 apresenta o ranking dos países de acordo
com sua liberdade econômica. Aqui encontramos
um fato extremamente importante, TODOS os países
considerados econômicamente livres são também
países ricos. Não existe uma única exceção para esse
fato (nem mesmo quando se leva em consideração o
ranking original proposto pela Heritage Foundation).
Dessa maneira, a variável liberdade econômica passa
a ser nosso maior candidato para explicar a riqueza
de uma nação. Parece que a liberdade econômica
cria os estímulos necessários ao individuo, para este
dar o melhor de si e ter acesso as recompensas de
seu sucesso. TODOS os sete países classificados como
econômicamente livres (Irlanda, Estados Unidos, Reino
Unido, Austrália, Singapura, Nova Zelândia e Hong
Kong) possuem também um nível extremamente
alto de riqueza. Note que o oposto também ocorre.
Isto é, dos três países menos livres do mundo dois são
pobres (Irã e Bangladesh) e o outro de renda média
(Venezuela).
Ainda de acordo com a Tabela 3, dos 20 países com
maior liberdade econômica 18 são ricos e 2 (Taiwan e
Chile) são de renda média. Dos 14 países que podem
ser considerados como majoritariamente livres (ML)
12 são ricos e 2 de renda média. Assim, dos 21 países
classificados como “livre” ou “majoritariamente livre”
19 são ricos e 2 são de renda média. Não existe um
único país que possa ser considerado ao menos
majoritariamente livre (ML) que seja um país pobre. O
Países Ricos Países de Renda Média Países Pobres
24) Grécia - NL (45)45) Argélia - NL (52)
29) Arábia Saudita - NL (42)50) Ucrânia - Nl (53)51) Marrocos - Nl (47)52) China - NL (51)
33) Polônia - NL (43) 53) Iraque - sem informação54) Indonésia - NL (50)55) Egito - Nl (54)
36) Rússia - NL (52) 56) Filipinas - NL (48)57) Paquistão - NL (44)
38) Turquia - NL (41) 58) Índia - NL (49)59) Nigéria - NL (55)60) Vietnã - NL (57)
41) Argentina - NL (46)
Fonte: 2007 Index of Economic Freedom, Heritage Foundation. Entre parênteses aparece a posição do país no ranking de liberdade econômica. O
ranking foi modificado para incluir apenas os países presentes em nossa amostra original.
Tabela 3: Relação dos países de acordo com o grau de liberdade econômica
Livre = azul; Majoritariamente livres (ML) = verde; Parcialmente livres (PL) = vermelho; Majoritariamente Nao-livres
(NL) = negro; Reprimidos (R) = rosa
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oposto também é válido, dos 20 países que podem ser
considerados “Reprimidos” ou “Majoritariamente não-
livres” 13 são pobres e 7 de renda média. Não existe
um único país que possa ser considerado reprimido
(R) ou majoritariamente não-livres (NL) que seja um
país rico. Mais do que isso, dos 10 países mais pobres
de nossa amostra (excluiu-se o Iraque, pois não temos
informação a respeito de sua liberdade econômica)
TODOS são majoritariamente não-livres ou reprimidos.
De maneira similar, dos 10 países mais ricos de nossa
amostra TODOS são livres ou majoritariamente livres.
A evidência conjunta, reportada nos parágrafos
acima, sugere fortemente a importância da liberdade
econômica para a riqueza de uma nação. Não existe
uma única nação rica que possa ser classificada como
totalitária do ponto de vista econômico. Também
não existe uma única nação pobre que possa ser
classificada como livre do ponto de vista econômico.
Assim, parece que uma importante resolução para
garantir a riqueza de uma nação é o compromisso com
a liberdade econômica. Instituições que promovam
a liberdade econômica promoverão também o
crescimento e o enriquecimento de um país. Por outro
lado, instituições que falhem em promover a liberdade
econômica acarretarão em pobreza e atraso aos países
que as adotarem.
Conclusão
O principal resultado encontrado nesse artigo
refere-se à importância da liberdade econômica e da
globalização para a riqueza de uma nação. Claro que
outras variáveis também são importantes, de maneira
alguma queremos desmerecer a importância da
educação, da infra-estrutura, da estrutura tributária,
entre outras, para o desenvolvimento (e bem estar) de
um país.
O que argumentamos aqui é que na ausência de
liberdade econômica a efetividade dessas outras
variáveis é extremamente reduzida. De pouco
adianta termos uma população extremamente bem
preparada do ponto de vista educacional, se estas
mesmas pessoas não tiverem a liberdade de abrir suas
empresas ou de trabalharem nos negócios que mais
lhes aprazem. De pouco adianta uma excelente infra-
estrutura quando os empresários não podem comprar
do exterior, e são obrigados a agirem de acordo com
uma lenta (e corrupta) burocracia estatal. De pouca
serventia são altas taxas de poupança doméstica
quando o consumidor não é soberano para escolher
de qual firma quer comprar seu produto.
O que este artigo parece demonstrar é que sem
liberdade econômica é muito pouco provável que
um país tenha sucesso econômico. Nessa mesma
linha de argumentação, regiões que queiram crescer
e se desenvolver devem aprimorar suas instituições
para promoverem a liberdade econômica: o sucesso
econômico de uma região está intimamente ligado
com a sua capacidade de gerar e manter instituições
capazes de incentivar os negócios, respeitar os direitos
de propriedade, de dar liberdade aos empresários e
trabalhadores, de promoverem a concorrência entre
as empresas, de limitarem a intervenção estatal, de
diminuírem a burocracia, de estimular o comércio com
outras regiãoes, e, acima de tudo, permitindo que os
consumidores e empresários comprem (e vendam) de
Adolfo Sachsida sachida@hotmail.com
Doutor em Economia pela UNB (2000). Pós-doutorado na Univer-sidade do Alabama (EUA). Lecionou economia na Universidade do Texas e foi consultor de curto período do Banco Mundial para An-
gola. Atualmente é professor da Universidade Católica de Brasília e pesquisador do IPEA. Mantém seu blog:
www.bdadolfo.blogspot.com
quem (para quem) lhes for mais vantajoso.ququem (paruuemem ( (para quem) lhes faa ququem es fo aais vor mais vffff anantajota so.
Combate à inflaçãoAmir Khair
A última decisão do Copom surpreendeu o
mercado financeiro, ao aumentar a Selic abaixo das
previsões da maioria dos analistas, que tinham como
referência a ata anterior e o relatório de inflação do
Banco Central (BC) de junho. As razões alegadas na
última ata para continuar elevando a Selic em 0,50
ponto percentual (pp) ao invés de 0,75 pp foram os
fatos recentes sobre a redução do ritmo de crescimento
da atividade econômica, o mercado externo dando
sinais de desaquecimento e a inflação em queda.
Ocorre que esses fatos já vinham sendo sinalizados
há mais tempo por várias análises, mas o BC no seu
conservadorismo exagerado, ou não prestou a devida
atenção, ou achou que seria uma conjuntura passageira.
Diante desse cenário, a pergunta é: porque diante disso,
o Copom não parou de elevar a Selic e aguardou o
desenrolar da conjuntura interna e externa?
Previsão de Inflação
Verifica-se que são precárias as previsões de curto
prazo para a inflação, como ocorreu agora. As previsões
de longo prazo são mais precárias ainda. O problema
é que são sobre essas que atua a política monetária,
que leva de seis a nove meses para produzir seu efeito,
segundo o BC. O gráfico a seguir mostra a dispersão
entre a previsão de inflação para os próximos doze
meses e a efetivamente ocorrida com base no IPCA. O
período escolhido vai de janeiro de 2006 a junho de
2010, quando a inflação esteve mais estável em relação
a períodos anteriores e a dispersão entre as previsões
e a realidade foram substancialmente menores.
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A previsão de inflação é básica para o Copom tomar
a decisão sobre a Selic. Pela dispersão ocorrida, vê-se
que são precárias as previsões e, consequentemente,
mais ainda as decisões que nelas se apóiam.
Cenário para 2010
O debate sobre cenário inflacionário deste ano
ainda está polarizado entre os que acham que a inflação
vai subir devido ao superaquecimento da demanda e os
que atribuem pressão inflacionária atípica por fatores
estranhos à demanda no primeiro trimestre, fraca base
de comparação da atividade econômica do primeiro
trimestre de 2009, recomposição de estoques e retirada
parcial de estímulos fiscais do governo federal.
Parece que a razão pende cada vez mais para a tese
da atipicidade e, assim, as elevações da Selic a partir de
abril não se justificariam, e os R$ 13 bilhões a serem
gastos com a elevação da Selic neste ano,seriam pagos
indevidamente pelos contribuintes, caso vá até o final
do ano a 11,5%, como previu o mercado financeiro no
início de agosto.
Alguns analistas prevêem ainda uma retomada
inflacionária a partir de agosto, pois a massa salarial, o
crédito e a confiança dos consumidores, continuariam
sendo os fios condutores da pressão da demanda.
Além disso, os alimentos in natura passariam a deixar
de cair e os preços do álcool devido à entresafra
voltariam a subir.Vamos aguardar.
Impacto Fiscal
O passado inflacionário no Brasil ainda mantém
o fantasma da retomada inflacionária a qualquer
momento. Isso tem servido como justificativa para o
País ser sacrificado pela mais alta taxa básica de juro
real do mundo, há mais de dez anos. Um exame das
contas públicas revela que nos últimos quinze anos
as despesas com juros consumiram 7,5% do PIB,
enquanto nos países da OCDE foram de 2,3%, ou seja,
um diferencial de 5,2 pontos percentuais! Na América
Latina e Caribe foi 1,6% em 2008.
A Lei de Responsabilidade Fiscal estabeleceu
regras para geração de despesas para União, Estados e
Municípios, inclusive os Poderes Legislativo, Judiciário
e Ministério Público, mas falhou ao não incluir o BC
na sua responsabilidade pela elevação das despesas
com juros. Apenas determinou que o BC devesse
apresentar semestralmente ao Congresso o impacto e
o custo fiscal de suas operações.
Algumas análises parecem esquecer que juro
constitui despesa pública e, quando criticam os
aumentos de despesas do governo, só conseguem
enxergar as relativas a custeio. No entanto, são
as de custeio que respondem pela maior parte
do atendimento ao déficit social, ambiental e de
segurança pública. Racionalizá-las e priorizá-las é
exigência de boa gestão, não para reduzi-las, mas para
adequá-las às competências que são atribuídas pela
Constituição ao Estado, como a universalização da
saúde, da previdência social, do ensino desde a creche
até o nível médio, da segurança pública, etc.
Evolução Histórica
Desde 1945 até 1980 a inflação média anual medida
pelo IGP-DI e IPC-Fipe foi de 31,7% e só em três anos
ficou abaixo de 10%. Entre 1983 e 1994, esteve acima
de 100%, com média anual ao nível de 600%. O auge
foi em 1993 com 2400%, ou 1% ao dia!
O Plano Real, a partir de julho de 1994, sustou o
processo inflacionário. O fantasma inflacionário já
não tem mais razão de ser, pois decorridos 16 anos, a
inflação média anual caiu para 9,1% de 1995 a 2002
e 5,5% de 2003 a 2010, admitindo as previsões deste
ano. São níveis compatíveis com os países emergentes,
‘‘
A previsão de inflação é básica para o Copom tomar a decisão sobre a Selic. Pela
dispersão ocorrida, vê-se que são precárias as previsões
e, consequentemente, mais ainda as decisões que nelas se
apóiam.
‘‘
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mas acima dos desenvolvidos,com 2%.Importa reduzir
mais ainda nossa inflação. Todos saem ganhando,
especialmente a população de baixa renda.
Importância da Globalização
Com o avanço da globalização a concorrência
aumentou e impôs redução na inflação dos países
emergentes. Na década de 80 a média anual foi de
37%, na de 90 de 17% e de 2001 a 2009 de 7%. Em
economias abertas a empresa não consegue impor
seu preço ao mercado, à exceção dos monopólios,
como no caso do minério de ferro no País.Nesses casos
é necessário o controle de preços para não elevar a
inflação e contaminar a economia. Isso ainda não está
ocorrendo na forma desejável no Brasil.
No interesse geral, a forma de combate à inflação
merece ser mais debatida. Fora o controle de preços
sobre os monopólios, seguem algumas questões para
reflexão.
Responsabilidade pela inflação
Se a responsabilidade pela inflação for só do BC,
como é a tradição no País, ele deveria dispor de todos
os instrumentos para isso: possuir independência
formal, influir sobre a demanda (das famílias e
do governo), os meios de pagamento, o depósito
compulsório e o câmbio. Nessa hipótese ocorre a
predominância da política monetária sobre a fiscal e
o nível de despesas do governo fica dependente da
orientação do BC.
Se a responsabilidade pela inflação for do governo,
o BC atuaria como integrante da formulação e do
processo decisional da equipe econômica.
Entre essas opções, creio que a política econômica
perde eficácia quando não são integradas as decisões
que afetam as principais variáveis macroeconômicas,
pois há forte inter-relação entre elas. Caso contrário,
corre-se o risco de formar, em ocasiões críticas, um
verdadeiro cabo de guerra, onde a política fiscal
puxa para um lado e a monetária para o outro, com
resultados macroeconômicos e imagem externa
desfavoráveis.
Inflação que independe do BC
São vários fatores que influenciam a evolução de
preços e que independem da ação do BC. Merecem
destaque: preços de alimentos, commodities, preços
administrados, preços internacionais, oferta de crédito,
massa salarial, etc. Representam mais de 70% no peso
da inflação, reduzindo a eficácia da política monetária
e tornando precárias suas projeções de inflação.
Assim, deixar o controle inflacionário à exclusiva
responsabilidade do BC não parece ser a melhor
estratégia. Isso reforça a opção de se usar políticas
econômicas integradas, sob responsabilidade do
governo, para permitir resultados mais efetivos de
redução da inflação.
‘‘
‘‘
Se a responsabilidade pela inflação for só do BC, como
é a tradição no País, ele deveria dispor de todos
os instrumentos para isso:possuir independência formal, influir sobre a
demanda (das famílias e do governo), os meios de pagamento, o depósito
compulsório e o câmbio.
18
19
abril/junho/2010
Influência do crescimento na inflação
Várias análises defendem a oposição entre cres-
cimento e inflação. Se ocorre crescimento forte da
produção, acendem as luzes vermelhas do BC, que
eleva os juros. Deveria ser o contrário, pois mais
produção significa maior oferta de bens e serviços,
pressionando os preços para baixo. Se o crescimento
vem puxado pela expansão da demanda, essas análi-
ses usam como argumento para contê-la, a elevação
dos juros, usando como justificativa velhos conceitos,
como produto potencial, taxa de juros de equilíbrio,
taxa mínima de desemprego e nível máximo de utili-
zação da capacidade instalada. O pressuposto desses
conceitos é que o atendimento à demanda é feito ex-
clusivamente pelas empresas locais, sem contribui-
ção da importação. Assim, perdem significado, espe-
cialmente em contexto de forte oferta internacional,
como agora.
A partir de 2004, quando a economia pode
experimentar níveis maiores de crescimento a inflação
ficou sempre abaixo de 7%, com média de 5,1%. A
lógica parece estar no fato de ocorrer redução na
participação dos custos fixos nas empresas quando há
maior produção.Ou seja, para uma mesma margem de
lucro, é possível adotar preços mais baixos. Por outro
lado,inflação baixa eleva o poder aquisitivo,ampliando
a demanda e o crescimento. Assim, não parece haver
conflito entre crescimento econômico mais robusto
e inflação, e a política econômica adequada seria de
estímulo à produção (ampliação da oferta) como
melhor arma para o controle inflacionário.
A relação Selic e inflação
O uso da Selic como principal instrumento de
controle inflacionário pelo BC é problemático. Seu
nível historicamente elevado atua como desestímulo
à oferta, sem afetar a demanda das famílias e aumenta
a demanda do governo.
O desestímulo à oferta ocorre pela decisão
empresarial de preferir aplicar seus recursos em títulos
federais,com bons lucros,sem risco e liquidez imediata,
ao invés de arriscar em investimentos na produção. A
Selic não afeta a demanda das famílias, pois as taxas de
juros ao consumidor se descolaram dela e o comércio
soube adequar as prestações ao alcance do bolso do
consumidor. A elevação da Selic aumenta as despesas
do governo federal com juros, ou seja, aumenta a
demanda do governo.
Pode-se argumentar que a Selic cumpriria o papel
de orientar as expectativas dos agentes econômicos.
Não parece, pois o BC ao sinalizar a possibilidade
de elevação da inflação para daqui a doze meses,
os consumidores podem antecipar compras e as
empresas remarcar preços.
Finalmente, poder-se-ia argumentar que a Selic por
ser elevada, atrai dólares na busca de ganhos fáceis
pelo investidor estrangeiro e com isso aprecia o real,
reduzindo os preços dos produtos importados (âncora
cambial). Ocorre que essas aplicações especulativas de
estrangeiros têm dupla mão:entra X e sai X mais os juros,
ou seja, acaba saindo mais dólares do que entrou, o que
leva à depreciação do real, causando inflação no médio
prazo. Além disso, há dano ao País, pois o BC cria uma
bomba de sucção de recursos públicos para o exterior.
Sugestões
Diante disso tudo, o que fazer? Seguem algumas
sugestões.
1) A meta de inflação deve ser definida para horizontes
de doze meses e não por ano, como é hoje, e a
responsabilidade por cumpri-la é do governo (equipe
econômica e BC).
2) Ampliar as políticas de estímulo (fiscais e creditícios)
à produção industrial e agropecuária para aumentar a
oferta.
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a
3) Reduzir o preço ex-refinaria, margens de distribui-
ção e eliminação da CIDE para o óleo diesel e isenção/
redução de pedágio para transporte de carga. Isso re-
baixa custos de locomoção e de fretes
4) Estimular a criação de centros de abastecimento
para comercialização direta entre produtores e consu-
midores de produtos agrícolas. Isso reduz os custos de
alimentação. Existem experiências exitosas em prefei-
turas.
5) Criar programa permanente de orientação aos con-
sumidores via internet e mídia para facilitar decisões
de compras a preços mais acessíveis.
6) Controlar os preços dos monopólios.
7) Reduzir/eliminar a tributação sobre produtos e
serviços de consumo popular.
8) Usar alíquotas/quotas para importação e exportação
em casos de majorações indevidas de preços internos.
Exemplo: minério de ferro.
9) Reduzir a Selic ao nível internacional e controlar a
oferta de crédito ao consumo via ajuste nos depósitos
compulsórios e/ou alteração na relação capital sobre
empréstimos às instituições do setor financeiro.
10) Apresentar relatórios bimestrais sobre as ações
adotadas para o controle inflacionário e seus resulta-
dos.
Finalmente é sempre bom ressaltar o peso sobre
a demanda das despesas com juros, que atingiu nos
últimos doze meses encerrados em junho R$ 181,5
bilhões ou 5,43% do PIB! A taxa básica de juros atual,
excluída a inflação é de 5,0%, mais do dobro do
segundo colocado com taxa mais alta que é a China
com 2,4%. Enquanto não for resolvida essa anomalia
será impossível por em ordem as finanças públicas e
o desenvolvimento de forma sustentada. O País não
pode se dar ao luxo de desperdiçar 5,4% do seu PIB
com taxas anormais de juros. Creio que esse será um
dos principais desafios imediatos do próximo governo.
Usando um conjunto amplo e integrado de ações,
a possibilidade de sucesso na redução da inflação é
superior ao uso duvidoso e exclusivo da Selic.
Amir Khairakhair@amirkhair.com.br
Economista, mestre em Finaças Públicas pela Fundação Getúlio
Vargas e consultor. Foi secretário de Finanças da Prefeitura de São
Paulo na gestão Luiza Erundina (1989-1992).
‘‘
‘‘
O desestímulo à
oferta ocorre pela
decisão empresarial
de preferir aplicar
seus recursos em
títulos federais, com
bons lucros, sem risco
e liquidez imediata,
ao invés de arriscar
em investimentos na
produção.
20
Complexo Eco-empresarial ou Eco-parque industrial - Uma
forma de organização empresarial sustentável
Paulo Lima
A economia empreendedora adota como
elemento propulsor a inovação, entendida como a
atitude de combinar recursos existentes em uma
nova e mais produtiva configuração que resulte na
criação de valor e contribuição à sociedade1.
A inovação aplicada como processo sistemático
de mudança pode ser um instrumento de desen-
volvimento sustentável, quando abrange as dimen-
sões tecnológica, econômica, social e ambiental, e
configura-se como fator de mudança econômica e
sócio-ambiental ao criar oportunidade para suprir as
necessidades da atual e das futuras gerações de for-
ma diferente e/ou nova.
Um modelo de organização integrada de negócios
empresariais que vise o modo de produção limpa, a
geração de valor e de emprego e renda, respeitando
as características locais, e adotando como premissa o
equilíbrio entre desenvolvimento econômico, social
e a proteção ambiental, no Brasil, ainda pode ser
considerado como algo novo, diferente.
Essa forma de organização é denominada
de Eco-Parque Industrial – EPI ou Complexo Eco
Empresarial,devendo ser entendida como um produto
resultante de inovação tecnológica que tem como
propósito promover o desenvolvimento sustentado,
por meio de sinergias empresariais, que levem a um
melhor aproveitamento de subprodutos e tratamento
de resíduos, além de gerar benefícios econômicos
e sociais. Trata-se de uma solução estratégica que
apresenta uma nova forma de empreender capaz de
transformar os processos de produção e proporcionar
crescimento econômico ambientalmente sustentado.
Visa atender a crescente demanda do mercado
por produtos e processos social e ambientalmente
corretos, uma vez que busca otimizar os recursos
naturais e minimizar os custos de produção e os efeitos
dos resíduos finais.
Fundamentação Teórica
Eco-Parque Industrial insere-se no campo da
ecologia industrial, área de conhecimento que vem
aumentando em importância e amplitude, apesar
de ser relativamente nova. Deriva da integração
da teoria de sistemas com o sistema natural. Jay
Forrester2 pesquisador do Massachusetts Instituteof
Technology – MIT foi o primeiro a observar o mundo
como uma série de sistemas interligados. Utilizando
esta abordagem, DonelaMeadows, no famoso livro
The LimitstoGrowth(Meadows, etalli, 1972), simulou
¹ Adaptado de Drucker, 2005. ² Expressou suas observações nos artigos: Principlesof Systems, 1968, e World Dynamics, 1971; Cambridge, Wright-Allen Press.
a tendência da degradação ambiental no mundo,
face o aumento populacional, destacando a
insustentabilidade do sistema industrial em curso3
(Garner, 1995).
Robert U. Ayres contribuiu com a formação da
ecologia industrial ao analisar o processo industrial
como um sistema metabólico, cunhando o termo
metabolismo industrial. Trata-se do estudo do fluxo
industrial, desde a entrada (insumos e energia),
passando pela transformação até a saída (produtos e
resíduos), por meio de balanços de massa e energia, que
podem identificar processos e produtos ineficientes
que resultem em resíduos poluentes, bem como
soluções para diminuição dos resíduos.
A visão de Robert Frosch e Nicholas Gallopoulos
(1989) transcende a unidade industrial ao afirmarem
que o modelo tradicional de processamento industrial
– consumo de matérias-primas e energia gerando
produtos para venda e resíduos – deve ser transformado
em um modelo mais integrado, denominado
ecossistema industrial, de funcionamento análogo
ao biológico. A integração se realiza na medida em
que empreendimentos (processos) aproveitam como
insumos ou matérias-primas os resíduos de outros
processos (empreendimentos). Gertler (1995) contribui
para o melhor entendimento da ecologia industrial
adotando a visão de longo prazo ao processo sistêmico
de análise das interações entre os sistemas produtivos.
No livro The Greeningof Industrial
Ecosystems,BradenAllenby e Deanna Richards, apresen-
tam um compêndio de iniciativas e esforços na reso-
lução de problemas ambientais usando a análise de
sistemas. Identificam também algumas ferramentas da
ecologia industrial como a contabilidade verde, a análise
de ciclo de vida e o projeto para o meio-ambiente (Gar-
ner, 1995). Estes cientistas, e outros, colaboraram para o
reconhecimento da ecologia industrial como uma nova
área de estudo, fato ocorrido em 1991 no evento Collo-
qiumon Industrial Ecology, realizado no mesmo ano, pela
NationalAcademyof Science. Atualmente é considerada
por muitos pesquisadores como a ciência da sustenta-
bilidade.Apesar de ainda não haver consenso sobre o
conceito de ecologia industrial, existem pontos conver-
gentes sobre suas características (Garner, 1995; Lowe,
1993 e 2001; e ibbs, 1992):
visão sistêmica das interações entre sistemas industriais e o meio;
orientação para o futuro;
abordagem multidisciplinar;
estudo do fluxo e transformação da matéria e energia;
reorientação do processo industrial;
utilização de processos cíclicos – reuso e reciclagem;
maximização da eficiência industrial;
minimização dos impactos ao meio-ambiente;
percepção da atividade industrial como um participante harmônico do ambiente ecológico;
considera os limites de capacidade de carga do planeta e da região; e
promoção de simbioses industriais e de eco-parques industriais.
A ecologia industrial pode ser abordada de três
formas diferentes, dependendo da abrangência de
atuação, como mostra o diagrama 1 a seguir.
Como se verifica no diagrama 1, um Complexo
Eco Empresarial ou Eco-Parque Industrial – EPI é uma
ferramenta da ecologia industrial na medida em que
integra harmonicamente a maior quantidade possível
das melhores práticas “verdes” em único ecossistema
empresarial, como, por exemplo,métodos construtivos
e prédios sustentáveis, redução de gases, energia
limpa e reuso de resíduos.
Os benefícios ecológicos e econômicos ecorrentes
da implantação de um EPI refletem na própria
comunidade empresarial e na sociedade local.
³ Para realizar as projeções os autores utilizaram o programa de computador World3, uma atualização do programa World2 desenvolvido por Jay Forrester, que possibilitou correlacionar população, crescimento industrial, produção de alimento e as limitações do ecossistema.
Entre indústria
Análise de ciclo de vida
Ecosistema industrail
Simbiose industrial
Eco-Parque industrial
Iniciativas setoriais
(atuação responsável)
Conceito
O President’sCouncilonSustainableDevelo
pment – PCSD4, no documento SustainableAmerica:
A New Consensus for Prosperity, Opportunity, and a
HealthyEnvironment, de 1996, definiu EPI como um grupo
de negócios integrados à comunidade para compartilhar
eficientemente recursos (materiais, água, energia,
infraestrutura, habitat e informações), incrementar a
prosperidade econômica e desenvolver o meio ambiente.
A United States Environmental ProtectionAgency
– EPA conceitua EPI como sendo uma comunidade
de indústrias e negócios de serviços que objetivam
aumentar o desempenho ambiental e econômico, por
meio da gestão colaborativa do meio-ambiente e dos
recursos. A comunidade de negócios, trabalhando em
cooperação, procura produzir um benefício coletivo
maior do que a soma dos benefícios individuais de cada
empresa caso estas aperfeiçoem suas performances
isoladamente. Utilizando os princípios da ecologia
industrial, a comunidade empresarial trabalha em
conjunto para se tornar um ecossistema industrial.
4 Entidade criada em 1993 na administração Clinton para desenvolver estratégias de ação para o desenvolvimento sustentado.
Indústria (interno)
Prevenção da poluição
Produção mais limpa
Contabilidade verde
Ecologia Industrial
Desenvolvimento
sustentável
Regional ou Global
Análise de fluxos de materiais
e energia
Planejamento estratégico
Plano de desenvolvimento
Regional/Nacional
Diagrama 1: Abrangência da ecologia industrial
O instituto IndigoDevelopment apresenta
um conceito semelhante aos do PCSD e da EPA,
contudo mais completo.Define EPI como uma
comunidade de empresas (indústrias, comércio e
serviços) localizadas conjuntamente em uma mesma
propriedade, objetivando aumentar o desempenho
ambiental, econômico e social, por meio da
colaboração integrada na gestão dos recursos e do
meio-ambiente. A comunidade empresarial busca
um benefício coletivo maior do que a soma dos
benefícios individuais que cada empresa alcançaria
somente aperfeiçoando o desempenho individual
(Lowe, 2001).
Acrescenta que o objetivo é incrementar a
performance econômica das empresas participantes
enquanto os impactos ambientais são minimizados.
Utiliza elementos da ecologia industrial como: o
desenho “verde” da infra-estrutura e das plantas
empresariais, produção limpa, prevenção à poluição,
eficiência energética e parceria entre empresas. Visa
também garantir às comunidades vizinhas o menor
impacto ambiental.
EPIs no Mundo
Conforme o instituto IndigoDevelopment (2009) tanto
os setores público como privado iniciaram mais de 100
(cem) projetos de EPIs pela Ásia, Europa, África, América
do Norte, América Latina e Austrália. As iniciativas estão
em estágios diferentes de desenvolvimento e de forma
geral não adotam todos os elementos que caracterizam
um eco-parque industrial.
O conceito e os tipos de EPIs são amplos, não
existe limitação da forma nem do conteúdo. Qualquer
comunidade, esfera de governo, organização social ou
empresa pode implantar um parque, bastando usar
um ou mais preceitos de sustentabilidade. Todavia, os
que apresentam melhores resultados socioambientais
são aqueles que agregam a maior quantidade de
elementos sustentáveis.
Na China existiam, em 2007, 24 (vinte e quarto) EPIs
em atividade, a vasta maioria se originou de aglome-
rados industriais e somente um foi desenhado e cons-
truído em uma área nova com o propósito específico
de criação de um EPI – greenfieldproject5.
Para promover o desenvolvimento de EPIs, o órgão
estatal chinês de proteção ambiental, denominado
State Environmental ProtectionAdministrationof China
-SEPA, se preocupou em construir um EPI modelo
como estratégia de efeito demonstração,bem como
normatizou as condições de construção e gestão de
EPIspor meio de um manual de padronização. Além disso,
é responsável pelo desenvolvimento e pela autorização
de funcionamento dos EPIs. Os referidos parques são
construídos e administrados conforme o planejamento
e regulamentação específica do governo chinês.
O desenvolvimento doseco-parquesnorte-
americanos foi inicialmente fomentado pelo PCSD
querecomendou às agências estatais a assistência a
comunidades que pretendiam criar eco-parques.
Para acelerar o ritmo de implantação de EPIs, o
PCSD (1996) concentrou esforços em três iniciativas:
Baltimore, Brownsville e Port Charles. Atualmente
existem vários EPIs em diferentes estágios de
desenvolvimento, poucos apresentam vários
elementos da ecologia industrial.
No Canadá as iniciativas começaram a menos de 20
(vinte) anos e tiveram origem no mundo acadêmico
(Peck, 2002). Os principais exemplos de EPI são os de
Burnside, Bruce, e Portland. Esses foram criados como
parques industriais a partir de simbioses de resíduos
entre as indústrias,contudo paulatinamente foram
agregando outros conceitos de EPI.
O exemplo clássico de EPI é o de Kalundborg,
uma comunidade com cerca de 20.000 habitantes,
próximo de Copenhagen na Dinamarca. De fato trata-
se de uma simbiose industrial que se iniciou de forma
espontânea com o objetivo de obter economias pelo
aproveitamento de sub-produtos. Funciona de forma
colaborativa e integrada objetivando maximizar o
benefício econômico e ambiental mútuo, por meiode
acordos comerciais entre seus participantes, com base
em programas de reutilização de água, de trocas de
energia e subprodutos e de reutilização de resíduos.
Greenfield Project: refere-se a um projeto que está sendo concebido e executado onde não existe uma organização empreendedora. Um greenfield site é um local onde infra-estrutura foi construída, porém existe um projeto para que seja feita uma obra no local.
...um Complexo Eco Empresarial ou Eco-Parque
Industrial – EPI é uma ferramenta da ecologia
industrial na medida em que integra harmonicamente a maior quantidade possível
das melhores práticas “verdes” em único ecossistema
empresarial...
25
abril/junho/2010
No Reino Unido a forma de organização mais
utilizada é o da simbiose industrial. O National Industrial
SymbiosisProgramme – NISP, que se auto-intitula como a
primeira iniciativa de simbiose industrial no mundo em
escala nacional,é o órgão estatal de fomento da simbiose
industrial.Trata-se de uma entidade privada financiada
com recursos públicos e de organizações empresariais
que estimula e fomenta a simbiose industrial entre as
empresas e entre os vários setores econômicos.
Na Colômbia, registra-se a iniciativa da prefeitura
de Bogotá que por meio de plano de gestão
ambiental, promove a associação empresarial na
forma de EPIs, lá denominados de parques industriais
eco-eficientes. O principal objetivo do programa
é fomentar a integração empresarial de forma
competitiva e sustentável, adotando o conceito de
eco-eficiência, especialmente para o uso da água, da
energia e de insumos, eliminando o uso de materiais
tóxicos, fortalecendo a reciclagem, reduzindo a zero
a geração de resíduos sólidos e efluentes. É utilizado
como instrumento de incentivo a concessão de áreas
de terreno para implantação dos parques.
A primeira iniciativa brasileira partiu do Estado
do Rio de Janeiro. Em 2002, foicriado o Programa de
Fomento ao Desenvolvimento Industrial Sustentável
do Estado do Rio de Janeiro – Rio Ecopólo, que
objetivava: incentivar o desenvolvimento sustentável;
gerar emprego e renda; melhorar as condições
ambientais e a qualidade de vida;modernizar o parque
industrial do Estado; e fomentar a criação de parcerias
entre entidades públicas e privadas.
Como instrumento de política pública disponibili-
zou financiamento e incentivo fiscal às empresas que
implementassem projetos de reciclagem de resíduos,
reuso de água,produção mais limpa, transformação de
resíduos em insumos, uso racional de energia, como
também o desenvolvimento de simbioses entre em-
presas para aproveitamento de resíduos e subprodu-
tos.
Devido a descontinuidade administrativa, provoca-
da pela mudança de poder, o governo estadual deixou
de apoiar os três distritos industriais que tentaram se
transformar em eco-parques industriais. Atualmente
Rev
ista
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ntur
a
Paulo Limaplima154@gmail.com
Mestre em economia pela UCB/DF, professor, consultor especia-
lizado na área econômico-financeira, em especial: na preparação de
planos e programas; e na elaboração, avaliação e análise de projetos
de investimentos.
os distritos industriais são empreendidos pelos pró-
prios participantes, todavia ainda apresentam baixa
integração entre si e pouco uso de preceitos sus-
tentáveis. As ações de ecologia industrial realizadas
visam mais atender a legislação ambiental do que
efetivamente transformá-losem EPIs.
A importância estatal no desenvolvimento de EPIs
O EPI é um instrumento de política pública capaz
de atrair investimentos ambientalmente corretos que
incrementem o desenvolvimento sustentável,gerando
emprego e renda à comunidade local.
Com efeito, o poder público pode desempenhar
um papel importante no fomento à criação de
eco-parques industriais. Nos exemplos citados,
não obstante outros existentes na literatura,
os governos nacionais e locais de países em
desenvolvimento tomam para si a responsabilidade
de disseminar, desenvolver e incentivar a cultura
empresarial de organização eco-empresarial.
Alguns aproveitam a oportunidade para adotar uma
atitude empreendedora, atuando no planejamento,
na concessão de benefícios e até mesmo na
implantação de EPIs isoladamente ou em conjunto
com a iniciativa privada.
A contrapartida governamental também se jus-
tifica pelos benefícios resultantes dos investimentos
privados em um EPI, como exemplo, a redução dos
impactos ambientais, que transcendem o complexo
eco-empresarial e afetam positivamente a comunida-
de local melhorando a qualidade vida.
A presença estatal auxilia até mesmo na
consolidação do pleno conceito de EPI, pois quanto
maior for a utilização de elementos da ecologia
industrial em um EPI, maior será o benefício social
gerado.
‘‘
O EPI é um instrumento
de política pública capaz
de atrair investimentos
ambientalmente corretos
que incrementem o
desenvolvimento sustentável,
gerando emprego e renda à
comunidade local.
‘‘26
Há razões para duvidar que a dívida pública no Brasil é
Sustentável?Sérgio Gobetti e Bernardo Schettini
Há oito anos, o ex-diretor do Banco Central Ilan
Goldfajn escreveu um artigo muito popularizado
na área fiscal e que possuía o mesmo título deste.
Na oportunidade, o Brasil possuía um índice de
endividamento, no conceito líquido, superior a 50% do
PIB e Goldfajn argumentava que, “em todos os prováveis
cenários, a relação dívida/PIB deve no mínimo estabilizar-
se, com boas chances de declínio nos próximos anos.”
Ao final de 2002, após o prognóstico do ex-diretor do
BC, a dívida líquida sofreu um forte choque, atingindo a
casa dos 60% do PIB, mas, nos anos seguintes, a reversão
das condições econômicas e a geração de sucessivos e
expressivos superávits primários possibilitaram que o
mesmo indicador caísse abaixo de todas as previsões,
encontrando-se em 2010 em torno de 41% do PIB. Mais
do que isso: a dívida líquida do setor público brasileiro
é uma das poucas que caiu entre o início (2007) e o final
(2009) da recente crise econômica global, segundo
o Monitor Fiscal do FMI lançado em maio deste ano.
Apesar dos inegáveis sinais positivos, mais uma
vez a sustentabilidade da política fiscal passou a ser
questionada por analistas do mercado, que apontam
dois problemas: a redução do superávit primário e
o aumento da dívida bruta do governo geral, um
indicador de endividamento que, até o passado
recente, despertava pouco interesse dos especialistas
em finanças públicas, apesar de ser mais utilizado
nas economias avançadas que o da dívida líquida.
Enquanto a dívida líquida tem caído sistematica-
mente desde 2002, a dívida bruta apresenta uma ten-
dência de estabilidade ou de leve aumento (no compo-
nente interno) nos últimos anos, como podemos ver na
tabela abaixo. Isso ocorre porque a dívida líquida tem
sido reduzida pela acumulação de ativos ou pela redu-
ção/controle de passivos que não integram o cálculo
da dívida bruta do governo geral, mas fazem parte do
cálculo da dívida líquida do setor público.1 Destaca-se
que a acumulação desses ativos é, em geral, seguida da
colocação de novos títulos da dívida interna – notada-
mente, através de operações compromissadas – com o
objetivo de se controlar a expansão da base monetária.2
A trajetória dispare entre dívida líquida e bruta
não é, portanto, um fato novo e já vinha sendo abor-
dada em diversos trabalhos empíricos voltados a
problematizar o custo implícito de rolagem dos tí-
tulos públicos brasileiros, principalmente quando
comparado à rentabilidade dos ativos financeiros
do governo ou ao custo “zero” da base monetária.
A preocupação, portanto, com a trajetória da dí-
vida bruta em comparação à líquida é absolutamen-
te legítima, mas por que só agora o assunto passou
a despertar a atenção do mercado? O motivo da
mudança de foco desses interlocutores é bastante
evidente, estando relacionado a conflitos de inte-
resse na condução das políticas monetária e fiscal.
O silêncio de antes se explicava porque, como ve-
remos em exemplos, parte da expansão (ou não-redu-
ção) da dívida bruta até 2008 estava relacionada ao
* ¹ São duas diferenças de conceito, portanto: bruta versus líquida e governo geral versus setor público. O setor público equivale ao governo geral mais banco central e estatais.* ²Importante notar que a base monetária entra no cálculo da dívida consolidada do setor público porque constitui formalmente um pas-sivo do Banco Central, assim como os depósitos compulsórios.
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a
manda dos bancos por títulos públicos, mesmo quan-
do não há qualquer razão para isso ocorrer. No auge
da crise de liquidez de 2008, por exemplo, quando o
governo decidiu reduzir o compulsório dos bancos
para tentar restabelecer os canais de crédito, o BC am-
pliou a oferta de títulos públicos (via compromissa-
das), neutralizando a pretendida expansão de liquidez.
controle de liquidez da economia operado pelo Banco
Central em sintonia com os interesses do sistema finan-
ceiro.Se o Tesouro ou o BC resgatam os títulos públicos
de posse do mercado, a base monetária se expande
além do permitido pela meta Selic fixada pelo Copom.
O recente questionamento sobre a dívida bruta,por
sua vez, foi motivado pela emissão de R$ 180 bilhões
de títulos do Tesouro para capitalizar o BNDES, cuja
crescente presença na economia incomoda os bancos
privados. Por tratar-se de uma operação casada, que
ampliou simultaneamente os passivos e ativos do go-
verno, a dívida líquida não foi alterada, mas existe uma
ressalva pertinente: o crédito do BNDES é subsidiado,o
que significa dizer que o Tesouro receberá de volta um
juro menor do que o que paga por seus títulos, tendo
por isso efeitos de longo prazo sobre o custo da dívida.
Nesse contexto, parece justo o clamor por uma
maior transparência dessas operações, bem como
necessário reconhecer que as mesmas se impuseram
numa conjuntura de crise econômica no qual o crédi-
to bancário privado estava empoçado, mas a pergunta
que se impõe é outra:por que questionar apenas o efei-
to do crédito do BNDES sobre a dívida bruta e não fazer
o mesmo em relação às operações compromissadas
do Banco Central,que cresceram significativamente de
2005 a 2009,passando de 2% do PIB para 14,5% do PIB?
A expansão dessas operações com títulos públi-
cos, efetuadas pelo BC, se explica principalmente pela
necessidade de enxugar a base monetária frente ao
grande aumento das reservas cambiais, mas muitas
vezes também ocorre como resposta passiva à de-
‘‘
A preocupação, portanto,
com a trajetória da dívida
bruta em comparação à
líquida é absolutamente
legítima, mas por que só agora
o assunto passou a despertar
a atenção do mercado?
O motivo da mudança de
foco desses interlocutores é
bastante evidente, estando
relacionado a conflitos de
interesse na condução das
políticas monetária e fiscal.
‘‘
Conceito 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010*
Dívida Bruta** 62,5 67,3 61,7 56,7 56,7 56,4 58,0 57,9 62,8 60,1
Interna 48,6 48,0 47,5 45,4 47,8 50,1 53,6 53,1 53,2 56,7
Externa 13,9 19,2 14,2 11,4 8,9 6,4 4,4 4,8 3,5 3,4
Dívida Líquida 52,8 60,6 54,9 50,6 48,2 47,0 45,1 38,4 42,8 41,4
Tabela 1: Dívida bruta e líquida do setor público no Brasil (% PIB)
Fonte: BC/ Ministério da Fazenda
(*) Posição de junho)
(**) Dívida bruta pela nova metodologia do BC, quer inclui apenas operações compromissadas do BC
28
29
abril/junho/2010
Da mesma forma que a capitalização do BNDES, a
manutenção de reservas para fins de controle da taxa
de câmbio e gestão de risco da dívida, assim como o
enxugamento da base monetária para fins de polí-
tica monetária, proporcionam benefícios para a so-
ciedade e também custos, dados pelos diferenciais
de juros – aliás, mais elevados do aquele verificado
entre a TJLP e a Selic, no caso da operação BNDES-
Tesouro. Mas não ouvimos em geral os analistas de
mercado questionando esse custo, porque muitas
vezes ele implica ganhos para o setor financeiro.
Na prática, podemos concluir que muito pouco do
comportamento da dívida bruta está relacionado com
a política fiscal, embora implique crescentes custos
para a política fiscal. Isso fica muito claro ao observar-
mos a seguinte tabela, que apresenta em valores no-
minais a evolução da dívida bruta e dos componentes
da necessidade de financiamento do governo geral.
De 2002 a 2009, a dívida bruta cresceu R$ 979 bi-
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Σ 2003-2009
Dívida bruta 994.378 1,048,134 1,101.382 1.217.929 1.336.645 1.542.852 1.740.888 1.973.424
r Dívida t-1, (A) 53.756 53.249 116.547 118.716 206.207 198.036 232.536 979.046
Déficit nominal (B) 89.155 61.016 78.700 91.081 72.311 60.100 105.282 557.645
Juros nominais 141.720 130.882 155.765 162.148 161.684 161.983 168.727 1.082.909
(-) Superávit primário (52.565) (69.867) (77.065) (71.067) (89.373) (101.883) (63.445) (525.264)
r Dívida não-explicado
p/déficit(35.399) (7.767) (37.846) 27.635 133.896 137.936 127.254 421.401
Tabela 2: Determinantes da Dívida bruta do governo geral (R$ milhões)
lhões em valores nominais, dos quais apenas 57%
podem ser explicados pelo déficit nominal. A expan-
são da dívida bruta chega quase a igualar o valor
dos juros apropriados, como se a maior parte do su-
perávit primário acumulado no período (R$ 557 bi-
lhões) não tivesse sido utilizada para quitar a dívida.
De fato,foi mais ou menos isso que ocorreu mesmo,
já que o superávit primário foi indiretamente utilizado
para adquirir ativos e/ou enxugar a base monetária,
passivo este que entra na conta da dívida líquida ape-
nas. Por resíduo, podemos concluir que pelo menos
43% da expansão da dívida bruta se explica por fa-
tores extra-fiscais, decorrentes da política monetária,
cambial e creditícia do governo. Sublinha-se o “pelo
menos” porque parte dos juros nominais computados
na conta fiscal está relacionado ao diferencial de juros
entre o que o governo paga pelos títulos públicos e
aquilo que recebe de rentabilidade em dólar das reser-
vas cambiais, estimado por estes autores em torno de
R$ 90 bilhões para o período 2003-2009 a partir de pro-
jeções do próprio BC para o custo de manutenção das
reservas (R$ 168 bilhões, incluindo variação cambial).
Estes custos extra-fiscais impactam, evidentemen-
te, a chamada taxa implícita da dívida líquida do se-
tor público, que tem sido mais elevada do que a Selic,
oscilando atualmente em torno de 14% ao ano, o que
representa uma taxa real de 9%. Mesmo com essa ele-
vada taxa, entretanto, o superávit primário requerido
para manter a dívida líquida estabilizada é bem infe-
rior à atual meta fiscal de 3,3% do PIB, situando-se em
1,7% do PIB (supondo crescimento econômico de 5%
ao ano). Qualquer superávit primário entre 1,7% do PIB
e 3,3% do PIB, portanto, é plenamente compatível com
a manutenção da trajetória de queda da dívida líquida.
Não há razões, mais uma vez, para duvidar-se da
sustentabilidade da dívida pública nem porque, em
nome disso, promover um novo ciclo de arrocho
fiscal que prejudique a expansão dos investimen-
tos públicos ou dos gastos sociais no país. É preci-
so monitorar com atenção a evolução das despesas
do governo e da dívida bruta, mas nada justifica um
Rev
ista
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ntur
a
aperto como o que vivemos em 2003/2004 e que in-
terrompa o atual ciclo de crescimento econômico.
É claro que a taxa implícita da dívida pode e deve
ser reduzida para patamares inferiores aos atuais, o que
depende principalmente da redução da própria Selic.
Como a tendência do futuro próximo é de termos ju-
ros menores com inflação sob controle, a demanda por
créditos subsidiados (via BNDES, por exemplo) deve ser
menor, o custo de manutenção das reservas também,
e a base monetária poderá ser ampliada com o corres-
pondente resgate de títulos públicos. A combinação
desses fatores propiciará uma taxa implícita menor,
maior queda da dívida líquida e maior espaço fiscal
para os investimentos públicos, o que, por sua vez, con-
tribui para a sustentação de elevadas taxas de cresci-
mento do PIB e para a melhoria dos indicadores fiscais.
Sérgio Gobettiswgobetti@gmail.com
Economista pela UFRGS e com mestrado e doutorado pela UNB,
especializado em Finanças Públicas, exerce o cargo de técnico de
planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos Macroeconômicos
do IPEA.
Bernardo Schettiniibernardo.schttini@ipea.gov.br
Economista pela PUC-Minas. Atualmente é
mestrando em economia pela UFMG e Técnico de
Planejamento e Pesquisa do IPEA, onde desenvolve
pesquisas em macroeconomia aplicada.
‘‘
Mas não ouvimos em geral
os analistas de mercado
questionando esse custo,
porque muitas vezes ele
implica ganhos para o
setor financeiro. Na prática,
podemos concluir que muito
pouco do comportamento da
dívida bruta está relacionado
com a política fiscal, embora
implique crescentes custos
para a política fiscal.
‘‘30
e constitui o referencial para a implementação de
uma Agenda para o Novo Ciclo de Desenvolvimento
(ANC). A sustentabilidade é entendida como desen-
volvimento econômico, social, político e cultural, ace-
lerando o bem-estar generalizado da coletividade.
Nessa perspectiva, os membros do CDES elegeram
como fundamentais duas estratégias para o desenvol-
vimento brasileiro. A primeira delas é a consolidação
do processo de expansão equânime do emprego e
da renda, com fortalecimento do mercado interno an-
corado em um modo de produção, de consumo e de
distribuição sustentáveis e que contemple a amplia-
ção dos investimentos inovativos. A segunda aponta
para uma inserção ativa na economia internacional.
Para implementar essas estratégias o Brasil deve
enfrentar vários desafios. Dentre eles, ao conselheiros
elencaram como principais: 1) Os novos horizontes da
educação; 2) Desafios do Estado democrático e indutor
do desenvolvimento; 3) A transição para a economia
do conhecimento; 4) Trabalho Decente e inclusão pro-
dutiva; 5) Padrão de produção para o novo ciclo de de-
senvolvimento; 6) O potencial da agricultura; 7) O papel
das infraestruturas: transportes, energia, comunicação,
água e saneamento; 8) A sustentabilidade ambiental
e; 9) Consolidação e ampliação das Políticas Sociais.
II. Uma nova conjuntura
O País finalmente se liberta de quase três décadas de
semiestagnação, decorrentes da adoção de estratégia
econômica baseada na visão neoliberal. Práticas como
Estratégias para o novo ciclo de desenvolvimento: Uma visão do Conselho de Desenvolvimento
Econômico Esther Bemerguy e Maria Luiza Falcão
Este artigo resume de forma sucinta a Agenda para
o Novo Ciclo de Desenvolvimento, apresentada pelo
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social
(CDES) ao Presidente da República, em 17 de junho
de 2010. A Agenda reflete o conjunto de discussões
que há cinco anos vêm se desenvolvendo no âmbito
do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social
(CDES), refletindo o amplo espectro de participantes,
mas também os numerosos documentos, propostas e
resoluções que têm sido discutidas com os mais varia-
dos setores da sociedade, além de consultas com espe-
cialistas das principais áreas de atividade e apresenta-
dos como recomendações ao Presidente da República.
Há uma forte convergência no conjunto das visões,
ainda que muita diversidade nas propostas. No que se
fere à conjuntura é consenso que o Brasil está partindo,
nesta segunda década do milênio, de um novo pata-
mar. Em grande parte o futuro dependerá de como o
País solucionará a equação da produção, do emprego,
da renda e do meio-ambiente e de como se inserirá
de forma ativa na economia internacional. São imen-
sas as oportunidades mas os desafios são grandes.
I. Introdução
O Brasil está partindo, nesta segunda década do
milênio, de um novo patamar. Para o Conselho de De-
senvolvimento Econômico e Social este novo pata-
mar de desenvolvimento abre a possibilidade do País
empreender as transformações requeridas para uma
trajetória de crescimento de longo prazo sustentável
Rev
ista
de C
onju
ntur
a
a desregulamentação dos mercados,abertura comercial
e financeira indiscriminada, redução do tamanho e
papel do Estado foram implantadas em diferentes
paises e utilizadas como condição para concessão de
créditos por instituições multilaterais tais como o Fundo
Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BIRD)
e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
A crise financeira e econômica internacional que
eclodiu em 2008 produziu inflexões importantes.
Abriu-se o caminho para construção de um modelo que
representa nas economias emergentes uma ruptura
com o modelo hegemônico.As simplificações relativas à
dicotomia entre Estado e mercado deram lugar a atitudes
de bom senso,de pragmatismo,de busca de equilíbrios.
De certa forma, inovar em política voltou a ser legítimo.
No plano internacional, a crise ainda não desa-
pareceu. Um Produto Interno Bruto (PIB) mundial de
US$ 60 trilhões e US$ 860 trilhões em papéis emi-
tidos continua gerando instabilidade. A opção pela
riqueza monetária e financeira coloca em risco o fun-
cionamento dos mercados, da oferta de trabalho,
da demanda por bens e serviços. Os déficits do setor
especulativo privado foram transformados em défi-
cits públicos. Observa-se, em inúmeros países, desa-
celeração da atividade econômica com aumento da
concentração de renda, quedas de salários, redução
de empregos e perda de direitos já conquistados.
Há forte convergência entre os conselheiros do
CDES quanto à necessidade de, nessa conjuntura ex-
terna instável, evitar movimentos especulativos no
mercado financeiro e de commodities, atuando no
sentido do estabelecimento de um marco regula-
tório adequado; aperfeiçoar a política cambial e de
juros para evitar a valorização excessiva do Real e
minimizar os prejuízos dos exportadores; difundir
os mecanismos e instrumentos de apoio à inovação,
de forma a criar um ambiente favorável ao processo
de agregação de valor aos produtos comercializá-
veis e incentivar empresas brasileiras exportadoras;
investir em infraestrutura e logística para reduzir
os custos de produção e facilitar o comércio exte-
rior; acompanhar e supervisionar movimentos de
capital externo especulativo e incentivar ingressos
de investimentos voltados para o setor produtivo.
Em contexto internacional reconhecidamente com-
plexo, o Brasil precisa fortalecer o padrão de desenvol-
vimento em curso, buscando um maior dinamismo de
sua economia associado com uma melhor distribuição
de renda e riqueza, redução da pobreza, ampliação dos
mercados interno e externo, busca da competitividade
no âmbito global, sustentabilidade ambiental e influ-
ência para contribuir com a promoção dos princípios
da democracia, da paz e da legalidade internacional.
III. O ciclo de desenvolvimento em curso
O ciclo de desenvolvimento em curso no Brasil está
sendo impulsionado pela consolidação da democracia
e ampliação dos espaços de diálogo e participação;
por políticas distributivas ancoradas numa visão de
justiça social e de racionalidade econômica, pelo in-
vestimento nas pessoas por meio das políticas sociais
universais e inclusivas; pelos investimentos em infra-
estruturas; por um sistema de financiamento público
capaz de alavancar políticas de desenvolvimento; pela
estabilidade macroeconômica e na gradual incorpora-
ção das dimensões da sustentabilidade ambiental, eco-
nômica e social ao conjunto dos processos decisórios.
‘‘
‘‘
A crise financeira e econômica
internacional que eclodiu em 2008
produziu inflexões importantes. Abriu-se
o caminho para construção de um
modelo que representa nas economias
emergentes uma ruptura com o modelo
hegemônico.
32
que o Brasil fez em apenas cinco anos. Em 2003 havia
50 milhões de miseráveis no Brasil. Hoje são cerca de
20 milhões de pessoas que saíram da miséria - uma
queda de 40%. Incorporamos 32 milhões de pessoas
à classe média, o que equivale a meia França, em
cinco anos. Se for mantido o mesmo ritmo de hoje
o Brasil vai poder reduzir a pobreza em mais de 14
milhões de pessoas e incorporar mais 36 milhões aos
estratos de renda A, B e C até 2016, quando o índice
de Gini3 do Brasil poderá atingir 0,488, próximos ao
dos paises desenvolvidos, contra os atuais 0,515.4
Destaca-se também o papel do crescimento do
crédito ao consumidor, em especial do financiamento
ao consumo de bens duráveis e à construção civil.
As políticas de crédito dos bancos públicos5 foram
responsáveis por cerca de metade do crédito
outorgado em 2009. O sistema financeiro privado é
sólido e opera sob regulação eficiente. O Brasil é um
dos poucos países do mundo que dispõe de condições
para crescer por essa estratégia, devido ao tamanho
de seu mercado consumidor potencial. Além disso, o
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC I e PAC
II), a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), a
expansão dos investimentos da Petrobras, o Plano
O fortalecimento da democracia brasileira é o
objetivo da ampla rede de participação que vem
sendo constituída e fortalecida, articulada em
vários níveis da federação. Nos últimos cinco anos
foram realizadas 50 Conferências Nacionais com a
participação de aproximadamente 3,5 milhões de
delegados, nas instâncias municipais, estaduais e
nacionais. Somente nas etapas nacionais cerca de 5 mil
deliberações públicas foram produzidas, grande parte
delas incorporadas no desenho de políticas públicas
setoriais. Experiências como o CDES e outros conselhos
contribuem para gerar entre os diversos setores uma
cultura da negociação, da pactuação, do respeito
aos interesses nucleares dos diferentes segmentos.
A estratégia de crescimento via ampliação do
consumo de massa sustentou-se em ganhos de
produtividade associados ao tamanho do mercado
interno, que se traduziram em maiores rendimentos das
famílias e na possibilidade do País galgar patamares de
desenvolvimento cada vez mais elevados e sustentados.
Foram decisivas as políticas sociais de transferência de
renda, valorização do salário mínimo, educação, saúde,
assistência social, segurança alimentar e nutricional,
estímulo à criação de novos postos de trabalho formal,
formação profissional e habitação. Esta dinâmica foi o
motor do crescimento e alavanca das decisões privadas
de investimento em 2009. Este cenário deve se repetir
em 2010 e 2011, com a retomada do investimento sendo
estimulada pelo novo patamar de consumo interno.
Estima-se que nos últimos anos a nova classe
média, a chamada “classe C”1 passou a representar mais
da metade da população brasileira, cerca de 53,2%,
dinamizando o mercado de consumo de massa.2 A
redução das desigualdades no Brasil teve uma queda
nunca antes observada. A meta do milênio é cair à
metade da desigualdade no mundo em 15 anos, o
* ¹ Grupo que recebe renda familiar total mensal entre R$ 1.115 (US$ 619) e R$ 4.807 (US$ 2.670) – conversão com taxa de câmbio de junho de 2010: R$/US$ = 1.8* ² De acordo com dados veiculados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em trabalho organizado pelo economista chefe do Centro de Políti-cas Sociais da FGV, Marcelo Côrtes Neri, a classe C abarca 53,2% da população. Contudo, do ponto de vista de distribuição de renda as classes AB com rendas familiares superiores a R$ 4.807, que representam 14,97% da população, se apropriam de quase 55% da renda do País.* ³ Coeficiente utilizado para calcular o padrão de concentração de renda dos países. Varia entre 0, que é a igualdade perfeita e 1, perfeita desigualdade.* 4 IPEA, Pobreza, Desigualdade e Políticas Públicas, 2010.* 5 Caixa Econômica Federal (CEF), Banco do Brasil (BB), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Nordeste do Brasil (BNB), Banco da Amazônia (BASA)
Foram decisivas as
políticas sociais de
transferência de renda,
valorização do salário
mínimo, educação,
saúde, assistência social,
segurança alimentar e
nutricional, estímulo à
criação de novos postos de
trabalho formal, formação
profissional e habitação.
Nacional de Desenvolvimento da Educação (PNDE),
entre outros estão, ao mesmo tempo, dinamizando
os investimentos e mantendo a conjuntura favorável.
Para isto, contribui um setor privado pouco endividado
e com recursos para investir. São condições que
facilitam o resgate dos mecanismos de planejamento
de longo prazo, desafiam a capacidade gestora do
Estado e impulsionam a modernização administrativa.
A política ambiental ganhou nestes anos uma
outra estatura e se incorpora à nova política
econômica que se desenhou no País, gerando
credibilidade e respeito nos planos interno e
internacional, o que, por sua vez, abre mercados.
A taxa de desmatamento é hoje 74,4% inferior a
de 2004, o menor índice já registrado desde 1998,
quando foi iniciada a apuração deste indicador.6 Ao
tratar de maneira sustentável os recursos naturais,
capitaliza-se o País para as gerações futuras.
A melhora do quadro fiscal, na última década,
também contribuiu para esse novo patamar. Um dos
pontos mais fortes da ampliação das perspectivas
de desenvolvimento está na estabilização de um
modelo de gestão macroeconômica. O Brasil é um
dos poucos países do mundo que tem sido capaz
de apresentar superávits primários sucessivos
em suas contas públicas e reduzir a participação
da dívida interna líquida como participação do
PIB no período recente. O equilíbrio das contas
públicas, ao longo do tempo e em todos os países,
tem se mostrado um ponto crucial do equilíbrio
econômico; precondição necessária, embora não
suficiente, para o crescimento de longo prazo.
No plano comercial, uma população mundial
que aumenta em 70 milhões de habitantes por
ano, com ampliação do consumo, deve manter
a tendência para uma demanda forte por
commodities. O Brasil, com a maior disponibilidade
mundial de solo agricultável e 12% da reserva
mundial de água doce, tem trunfos importantes.
Mas deve ficar atento para a dependência dos
preços das commodities aos movimentos dos
capitais especulativo. É preciso evitar a formação
de bolhas recorrentes fruto de especulações com
ativos.7 O Brasil tem papel relevante a desempenhar
no debate da regulação dos mercados.
Os progressos tecnológicos e, em particular, as
inovações na área das tecnologias de informação e
comunicação, abrem novas perspectivas. No século XXI,
além dos embates políticos em torno da propriedade
dos meios de produção, na era da nova economia
o acesso ao conhecimento e a definição dos seus
marcos legais tornam-se centrais. No caso brasileiro,
o salto para a economia do conhecimento passa pela
universalização da banda larga e outras formas de acesso
e disseminação, que abrem importantes perspectivas
de inclusão produtiva e melhoria de qualidade de vida. É
urgente cobrir o hiato entre estes desafios tecnológicos
e o atraso educacional, no plano interno, para ocupar
o espaço correspondente no plano internacional.
* 6 Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)* 7 Tais como ações, títulos de renda fixa, câmbio, commodities, títulos imobiliários etc.
O Brasil enfrentou a
crise com fundamentos
macroeconômicos sólidos,
com mercado interno
amplo, com capacidade de
regulação e de manejo de
instrumentos adequados
de política econômica, na
rapidez e no ritmo que o
momento exigia.
Em termos geoeconômicos, a tendência é para
um deslocamento da bacia do Atlântico para a bacia
do Pacífico, com os avanços da China e da Índia, que
representam 40% da população mundial, e de outros
países muito dinâmicos, como a Coréia do Sul e o Viet-
nã, ou fortes como o Japão. O deslocamento favorece-
rá tanto uma orientação mais integradora de infraes-
truturas na América Latina, como o melhor equilíbrio
de ocupação e uso do território no Brasil, fundamen-
talmente atlântico na demografia e na economia.
No plano político, frente a uma economia que se glo-
balizou, surgem novos espaços de concentração inter-
nacional. O G-208 é um exemplo de espaço regular de ne-
gociação entre os países desenvolvidos e em desenvol-
vimento. O Brasil, em particular, assume liderança neste
sentido. A crise econômica e financeira evidenciou a
inadequação da estrutura de governança mundial. Está
em curso uma mudança na distribuição do poder global
que dependerá muito da capacidade estratégica dos
governos envolvidos nesse processo de transformação.
O Brasil enfrentou a crise com fundamentos macro-
econômicos sólidos9, com mercado interno amplo, com
capacidade de regulação e de manejo de instrumentos
adequados de política econômica, na rapidez e no ritmo
que o momento exigia. Expandiu-se o acesso ao crédi-
to, os empregos e a renda da população foram protegi-
dos, inúmeros setores foram desonerados de impostos.
Criou-se uma sinergia entre os domínios econômico e
social que nos permitiu minorar os efeitos do contágio
da crise internacional sobre o desempenho da econo-
mia brasileira e retomar a trajetória de crescimento.
IV. Riscos e oportunidades do contexto internacional
Na inserção internacional, o País parte também
de outro patamar. A crise revelou a existência de
uma nova dinâmica econômica mundial, caracteri-
zada pela inclusão das economias emergentes no
contexto político-estratégico das economias predo-
minantes como os Estados Unidos e a União Euro-
péia. Ficou clara a necessidade de um Estado mais
ativo no processo de suavizar os ciclos econômi-
cos e no campo de regulação dos movimentos in-
ternacionais de mercadorias e ativos financeiros.
O que desponta é uma composição na qual no-
vos países emergentes, em transição para se torna-
rem global players e, portanto, protagonistas no ce-
nário mundial, serão aqueles que combinarem um
mercado interno potencial forte, com abundância
de recursos naturais como energia, gás e petróleo
e com possibilidade de produzirem grande quan-
tidade de alimentos. A existência de um parque in-
dustrial moderno é aspecto de grande relevância.
O Brasil enquadra-se em todas essas características.
O impulso advindo da expansão da economia in-
ternacional entre 2001 e meados de 2008, notada-
mente dos países emergentes da Ásia, garantiu preços
elevados de commodities e aumento das exportações
brasileiras (da ordem de 22% ao ano em média) con-
* 8 Grupo formado pelo G-8 – principais potencias ocidentais mais a Rússia – e um bloco de paises emergentes, onde o Brasil se inclui, mais e União Europeia.* 9 Moção do CDES sobre os Efeitos da Crise Econômica Internacional, aprovada na 28a Reunião do Pleno, 06/11/2008; Parecer do CDES sobre Perspectivas de Crescimento da Economia Brasileira e a Crise Internacional, aprovada na 25a Reunião do Pleno, 01/04/2008.
tribuindo para o aumento do PIB e para diminuição
da vulnerabilidade externa na medida em que pos-
sibilitou maior acúmulo de reservas internacionais.
Com US$ 35 bilhões de reservas internacionais em
2002, o Brasil estava vulnerável a ataques especulativos.
Atualmente, com cerca de US$ 250 bilhões, credor e não
mais devedor do Fundo Monetário Internacional (FMI),
com maior diversificação comercial e de parceiros e
melhor equilíbrio entre os mercados interno e externo,
o País tornou-se uma referência internacional. A acu-
mulação de reservas internacionais atenuou os efeitos
de ciclos econômicos mais pronunciados decorrentes
de crises financeiras sistêmicas e possibilitou ao Brasil
inserir-se de forma soberana na economia mundial.
A integração latino-americana está adquirindo re-
levância crescente, com avanços em ações articuladas
no plano das instituições, dos mecanismos de finan-
ciamento, das infraestruturas, das migrações, da acade-
mia, em busca de uma identidade comum. O Brasil tem
peso específico na região pelas inovações econômicas,
sociais, políticas e ambientais que tem desenvolvido.
O Brasil e seus parceiros latino-americanos, afri-
canos e asiáticos desfrutam, neste momento, de
posição privilegiada na economia global. Os paí-
ses que integram o BRIC (Brasil, Rússia, Índia e Chi-
na), nos últimos anos, tiraram da pobreza mais
de meio bilhão de pessoas, incorporando esse
enorme contingente à classe média e provocan-
do, em consequência, o aumento da capacidade
de consumo no interior de cada um desses países
e no potencial de consumo de produtos gerados
no âmbito de outros países da economia global.
Em 2020, com 3,14 bilhões de habitantes, cer-
ca de 40% da população mundial10 e crescen-
do a taxas muito superiores à dos países ricos,
os BRICs chegarão, de fato, muito próximo das
economias do G-7. Esses países elevarão a sofis-
ticação e complexidade da sua relação com os
mercados tradicionais, como os dos Estados Uni-
dos e Europa, e representarão importante motor
que impulsionará o consumo em escala mundial.
No conjunto, o Brasil destaca-se no cenário in-
ternacional como parceiro solidário, portador não
só de força econômica e riqueza cultural, mas
também de propostas práticas para o enfrenta-
mento dos principais desafios sociais, ambien-
tais e políticos. A confiabilidade e o respeito an-
gariados se refletem na aprovação do País para
sediar a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
V. Considerações Finais
O CDES aponta como estratégias para o desenvolvi-
mento do Brasil, neste momento, consolidar o processo
de expansão equânime do emprego e da renda, for-
talecendo o mercado interno ancorado em um modo
de produção, de consumo de massa e de distribuição
sustentáveis; ampliar os investimentos inovativos e
se inserir de forma ativa na economia internacional.
O Conselho considera estratégico, também, fortale-
cer o protagonismo do País na governança global, in-
* 10 Projeções da Organização das Nações Unidas - ONU
No conjunto, o Brasil
destaca-se no cenário
internacional como
parceiro solidário,
portador não só de força
econômica e riqueza
cultural, mas também
de propostas práticas
para o enfrentamento
dos principais desafios
sociais, ambientais e
políticos.
37
abril/junho/2010
fluenciando nas negociações econômicas, na reforma
financeira internacional, na reforma monetária e nas
negociações políticas relevantes para a paz no mundo.
Tais estratégias se articulam a um conjunto de
desafios que o Brasil deverá enfrentar. Os avanços
deste novo ciclo de desenvolvimento dependem da
educação, da transição para a economia do conhe-
cimento e da sustentabilidade, da força da indús-
tria, do comércio e do vasto potencial da agricul-
tura, impulsionados pela infraestrutura adequada,
pela inclusão produtiva e pelas políticas sociais.
Requerem ainda um Estado voltado para atender
a demanda da sociedade pelo desenvolvimento
econômico, social, político, ambiental e cultural.
A Agenda sugere desafios, complementares e
interrelacionados, e os principais eixos propositi-
vos de ação que devem gerar efeitos multiplicado-
res sobre o conjunto das atividades econômicas,
sociais, políticas e ambientais do País. O objetivo é
impulsionar o processo de desenvolvimento sus-
tentável, tal como o CDES defende e em relação
ao qual busca contribuir, a partir do diálogo en-
tre diferentes atores sociais e do trabalho coletivo.
Para o CDES, o combate às desigualdades é objetivo
central da estratégia de desenvolvimento e o Conselho
reafirma, então, a recomendação para que a equidade
seja o princípio a reger todas as políticas públicas e as
ações dos atores sociais.
A diversidade é o ativo mais valioso para o pleno
desenvolvimento brasileiro. Com dimensões conti-
nentais e população plural, trata-se de uma realidade
na qual não cabe solução única.É preciso flexibilidade,
abertura e diálogo para que o Brasil se encontre consi-
go mesmo, na sua diversidade cultural, étnica e regio-
nal e no enorme potencial que deriva desta riqueza.
A educação é, segundo os conselheiros, o eixo
prioritário e estruturante, na medida em que é ar-
ticulador de políticas públicas pró-equidade, o
grande vetor para libertar os potenciais de cria-
tividade e inovação e de produção nacionais
e elemento viabilizador da construção cultu-
ral para um novo padrão de convivência na so-
ciedade e de interação com o meio ambiente.
Esther Bemerguy de Albuquerque esther.bemerguy@planalto.gov.br
Economista pela UFPR (1985). Especialização em teoria e
conômica pela Universidade da Amazônia (1987). Na Prefeitura de
Belém foi titular da Secretaria Municipal de Saúde (2003), secreta-
ria Municipal de Finanças (1997 a 2002) e, Secretaria Municipal de
Coordenação Geral do Planejamento e Gestão (1997).
Atualmente é Secretária da Secretaria do Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social da Secretaria de Relações
Institucionais da Presidência da República (SEDES/SRI/PR).
Maria Luiza Falcão Silva maria.falcao@planalto.gov.br
Economista pela UFBA (1971), mestrado pela University of
Wisconsin – Madison/EUA (1979) e doutorado pela Heriot-Watt
University/Escócia (1997). Atualmente é diretora da Diretoria
Internacional da Secretaria do Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social da Secretaria de Relações Institucionais da
Presidência da República (SEDES/SRI/PR).
O milagre da multiplicação dos pães
José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho
O Brasil passa por um período de forte crescimento
econômico. O Produto Interno Bruto (PIB), a soma
de todas as riquezas produzidas pelo país em um
determinado ano, obteve o seu melhor resultado
trimestral dos últimos quinze anos, crescendo a uma
taxa de 9%. A expectativa de crescimento para 2010
está em torno de 6,5%, com uma taxa de formação bruta
de capital fixo da ordem de 18%. Diante de resultados
tão favoráveis, em que medida o atual processo de
crescimento se diferencia das experiências passadas?
No milagre econômico, período de crescimento
vigoroso de 1968 até 1973, o PIB cresceu a uma taxa
de 11% ao ano, liderado pelo bom desempenho do
setor de consumo de bens duráveis e, em menor
escala, pelo de bens de capital. A taxa de investimento
subiu de 19%, em 1968, para pouco mais de 20%,
em 1973. O crescimento da economia brasileira foi
considerado surpreendente, pois seu ritmo elevado
foi acompanhado de queda da inflação (ainda que
moderada) com melhora sensível do saldo do balanço
de pagamentos, registrando superávits crescentes.
O termo “milagre” se justificou por contradizer duas
relações macroeconômicas: i) a relação inversa entre
inflação e desemprego, e ii) o custo de oportunidade
entre crescimento econômico e equilíbrio externo. O
ministro da Fazenda da época, Antônio Delfim Netto,
buscou a estabilização monetária (sem uma fixação de
metas explícitas), a consolidação da infra-estrutura e
a ampliação do mercado interno (o qual sustentaria a
demanda de bens duráveis, especialmente). A política
econômica se baseava na concepção de que para
gerar mais investimento era necessário efetuar mais
poupança. Para realizar os investimentos era preciso
fazer a economia crescer, o que elevaria o nível de
poupança. De fato, houve um crescimento econômico
substancial; porém, tal comportamento foi seguido de
um aumento significativo da desigualdade de renda.
Esta situação era aceitável pelo argumento de que se
deveria crescer, primeiramente, para depois distribuir a
riqueza.
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva compreende
dois mandatos políticos, iniciando em 2002 até o
presente momento. Em termos de políticas e de
desempenho econômico, há uma nítida inflexão dos
principais indicadores econômicos, justamente após a
crise política instaurada no final do primeiro mandato
(o escândalo do mensalão). Por incrível que pareça,
esta crise culminou na substituição de vários ministros
de Estado, inclusive o ministro da Fazenda, Antônio
Palocci Filho. Além disso, a entrada de Guido Mantega
na pasta da Fazenda promoveu paulatinamente uma
substituição da austeridade econômica por uma
condução mais desenvolvimentista. Não se pode negar
que o segundo mandato do governo Lula foi marcado
por forte alta dos preços das commodities e por um
ambiente externo favorável, com crescimento das
principais economias emergentes.
A crise financeira americana, em finais de 2008,
reduziu o ritmo de crescimento da economia brasileira.
Porém, o Brasil foi, juntamente com a China, um dos
primeiros países a retomar o crescimento. De um lado,
a gestão econômica foi caracterizada pela estabilidade
d l i li ã d
39
abril/junho/2010
econômica, de acordo com metas inflacionárias
definidas pelo Banco Central, utilizando-se de taxas de
juros elevadas; de outro, com o aumento expressivo
das políticas sociais, o governo promoveu a criação de
empregos (12,1 milhões),a inclusão social (25,9 milhões
subiram para a classe c) e o aumento do salário mínimo
real (74% em sete anos).
Em síntese, a economia tem apresentado
crescimento com manutenção da taxa de inflação.
Contrariamente ao passado, a economia cresce e o
bolo é distribuído. Esta situação é denominada pelo
presidente Lula do milagre da multiplicação dos pães,
uma ironia ao milagre econômico,o qual não promoveu
a distribuição de renda. Entretanto, o excesso de
otimismo pode esconder as mudanças em curso.
É preciso atentar que, para níveis sustentáveis
de crescimento de longo prazo, o país deverá
melhorar a infra-estrutura, bem como elevar o nível
de investimento de 18% para cerca de 25% do PIB.
Ninguém questiona o sucesso das políticas sociais, que
distribuíram renda e aumentaram, indiretamente, os
salários como um todo. O que diferencia os milagres?
A atual fase de desenvolvimento é amparada por
uma política monetária austera e uma política fiscal
promotora de distribuição de renda. Não será uma
contradição da teoria econômica? O crescimento com
baixa inflação, equilíbrio externo e distribuição de
renda será alcançado apenas se a política monetária
não priorizar a contenção de demanda via taxa de juros,
mas se a mesma promover o adequado aumento do
investimento, elevando a oferta acima do crescimento
da demanda.
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De fato, houve um
crescimento econômico
substancial; porém,
tal comportamento
foi seguido de um
aumento significativo
da desigualdade de
renda. Esta situação era
aceitável pelo argumento
de que se deveria crescer,
primeiramente, para depois
distribuir a riqueza.
José Eustáquio Ribeiro Vieira Filhojose.vieira@ipea.gov.br
Economista pela UFMG com mestrado pela Universidade Federal
de Viçosa (UFV) e doutorado pela UNICAMP. Pesquisador do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Professor da
Universidade de Brasília (UnB). Realizou estágio de doutora-
mento na Universidade Montesquieu Bordeaux IV, no Groupe de
Recherche en Économie Théorique et Appliquée (GREThA) - França.
Especialização em Administração Pública pela Universidade
Federal de Ouro Preto (UFOP). Na área governamental, atuou com
o planejamento, gestão e avaliação de políticas públicas. Exerceu
cargos no Governo do Estado de Minas Gerais nas áreas de Minas e
Energia e de Relações Internacionais.
A influência econômica nas eleições presidenciais
Felipe Ohana
governo. Tecnicamente, a dúvida se refere ao prazo que
o estado do consumo influencia a decisão do eleitor.
Construção da Variável
O efeito satisfação decorre de duas circunstâncias
distintas: nível de consumo e a variação do nível.
A partir desta definição, é necessário estabelecer
o prazo de influência do nível de consumo. Em outros
termos, quanto leva para que a população se acostume
com um determinado nível de consumo? Se o nível de
consumo se eleva, por exemplo, por 6 meses, isto será
suficiente para que a população adote esse novo nível
como padrão e se julgue frustrada em caso de redução?
Essas questões foram trabalhadas empiricamente,
em planilhas Excel, a partir dos dados de consumo das
contas nacionais.
Os procedimentos buscaram minimizar os erros de
aderência aos resultados eleitorais conhecidos entre
1989 e 2006. Dessa maneira, os seguintes critérios para
a construção da variável antecedente da eleição foram
firmados:
a) Variável Nível de Consumo: medida como a diferença
entre o consumo do ano e a média móvel de 3 anos
desse mesmo consumo. A idéia é que a satisfação do
eleitor seja alterada sempre que o consumo observado
se distancie da média de 3 anos. Este prazo foi o que
produziu os resultados mais aderentes aos fatos
conhecidos. Essa variável tem a denominação de (C – C
barra);
O propósito é criar um indicador antecedente, de
fundamento econômico, para os resultados eleitorais.
Para isto, procura-se combinar variáveis econômicas
que, teoricamente, sejam relevantes para a escolha do
eleitor.
Naturalmente, fatores não econômicos também
influenciam. Contudo, dificilmente podem ser
antecipados e raramente estão sob controle.
Conceito
A teoria econômica parte de vários supostos sobre
o consumidor e o produtor, para construir modelos
de comportamento. O fato é que a teoria econômica
erra pouco sobre o mérito das questões. Portanto, os
supostos são eficazes para a consistência dos modelos
econômicos. Em um deles, o eleitor (consumidor)
maximiza seu bem-estar sem considerar condições
externas, vale dizer, sem altruísmos ou qualquer
consideração (ideologia ou inveja, por exemplo) que
não seja o seu interesse imediato. Contestável ou não, a
proposta metodológica dessa nota é esta: o eleitor vota
de acordo com seu bem-estar. Se há boas condições
econômicas, o governo é eficiente. Por conseqüência, o
eleitor vota com ele. A variável econômica tenta medir
esse bem-estar.1
A variável mais característica é o consumo familiar.
A lógica é direta: maior o consumo, mais elevada é a
satisfação do eleitor. Nesse cenário, maior o apoio ao
governo. Assim, sob a perspectiva teórica, o consumo
é positivamente associado à propensão a votar com o
* ¹ Certamente, há votos politizados. Mas se fossem determinantes, a economia não influenciaria o resultado da eleição.
cambial brasileiro formaram uma atmosfera de
preocupação sobre o futuro da economia brasileira,
que prejudicou o candidato do PT, visto, então, como
inconseqüente.2
Em termos do Indicador Antecedente, se, em vez de
pesos uniformes, a população tivesse dado importância
maior para a taxa de crescimento (por exemplo, 0,8
para a taxa e 0,2 para o nível), o candidato oficial teria
perdido a eleição. O gráfico sugere, também, que se
a eleição tivesse ocorrido em 1999, não teria havido
reeleição. 3
Em suma, sobre 1998, se a construção do indicador
estiver certa, a decisão do eleitor foi baseada em
elementos prospectivos a respeito da economia. O
estado de satisfação com o consumo não foi o fator
decisivo para o eleitor. Nesse sentido, pode-se dizer que
a decisão foi “extra-campo” (em relação ao indicador).
Nada obstante, cabe comentar que tais considerações
só prevaleceram porque havia margem de bem-estar a
permitir essa condescendência ao candidato oficial do
governo. Em outros termos, o nível de consumo estava,
embora levemente, acima da média.
* ² Observe-se que, em janeiro de 1999, eclodiu a crise cambial e a maxidesvalorização do real. * ³ Dados do DATAFOLHA indicam que em maio e junho de 1998, o candidato oficial tinha 33% das intenções de voto e seu adversário mais próximo, 30%. A mudança se deu a partir de agosto de 1998, associada à preocupação em relação à crise.
b)A taxa de variação do consumo: variação percentual
do consumo a preços constantes, entre um período e o
prévio. Esta é a variável (Var % CF).
c)Indicador Antecedente do Resultado Eleitoral -
IAE: é a combinação dessas duas variáveis, mediante
pesos aplicados a cada uma, na agregação. No teste
de aderência aos dados, a soma aritmética dos índices
construídos a partir das variáveis (a) e (b), empregando-
se pesos iguais, foi a fórmula que apresentou melhor
resultado.
O Desenvolvimento do Indicador
O indicador, na forma desagregada, é composto por
nível de consumo, média trienal do consumo e taxa
de variação percentual. O quadro abaixo mostra como
essas variáveis se relacionam:
Cada ano de eleição está marcado por uma linha
vertical.
Em 1998, a conjuntura era de fronteira. O consumo,
com nível levemente superior à média de 3 anos,
apresentava taxa de crescimento negativa (-0,4%).
Naquele ano, a crise russa e o esgotamento do regime
Consumo Familiar: Nível, Média e Taxa de Crescimento
(2,77)
8,53
6,91
1.200.000,00
1.300.000,00
1.400.000,00
1.500.000,00
1.600.000,00
1.700.000,00
1.800.000,00
1.900.000,00
2.000.000,00
2.100.000,00
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
R$
mil
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e 20
09
(8,00)
(6,00)
(4,00)
(2,00)
0,00
2,00
4,00
6,00
8,00
10,00
% a
o a
no
Nível
Média
Taxa de Cresc %
(0,4)
Em 2002, o gráfico dos indicadores sugere que
o candidato oficial não teria a menor chance. O nível
de consumo estava abaixo da média e a taxa de
crescimento era fortemente negativa (-2,8%). De se
observar que a tendência para o nível de consumo foi
decrescente desde 1999 e se acentuou em 2001, com
o “apagão”. Ou seja, em 2002, culminou um processo
cumulativo de degeneração do bem-estar, que só foi
revertido em 2004.
A partir de 2004 – 2005, a conjuntura internacional
favoreceu a economia nacional. Houve melhora nos
termos de troca, aumentou a liquidez internacional, os
efeitos do enriquecimento decorrente dos “subprimes”,
ao lado do comportamento chinês, melhoraram as
condições brasileiras de comércio. Desta circunstância,
a economia brasileira pôde expandir a absorção
doméstica, sem pressionar o gargalo externo. A taxa de
crescimento do PIB mudou de patamar, nada obstante
o fato de a postura keynesiana da política econômica
ter superaquecido a economia, ao final de 2007. No
princípio de 2008, a taxa de juros SELIC voltou a subir,
para frear a absorção.
Nesta conjuntura, na eleição ocorrida em 2006, o
candidato da oposição não tinha a menor chance de
sucesso. O nível de consumo estava 7,5% acima da
média móvel de 3 anos e a taxa de crescimento era
de 8,5%. Prosperava a percepção de bem-estar e de
boas perspectivas (em decorrência da taxa elevada de
crescimento).
Essa percepção explica o estranho resultado
daquela eleição. O candidato da oposição recebeu
41,6% dos votos válidos, no primeiro turno – contrário
ao que lhe atribuía o Datafolha, com máximo de 38%.
No segundo turno, quando a possibilidade de alteração
na Presidência da República tornou-se mais concreta,
os eleitores recuaram (ou prestaram mais atenção ao
que se passava) e entregaram para a oposição somente
39,2% dos votos válidos. Portanto, pode-se arriscar
a dizer que o eleitorado, no primeiro turno, votou
segundo outros valores, que não o consumo. Na hora
decisiva, a questão do bem-estar prevaleceu. Ganhou o
candidato da situação4.
A Eleição de 1989: para avaliar o indicador
Esta eleição foi realizada sob uma circunstância em
que o governo perdia, aceleradamente, credibilidade
econômica e política. A inflação alcançou 1390%.
Houve desabastecimento, como o de combustíveis,
denotando um princípio de hiperinflação.
Fonte: IBGE/Contas Nacionais
* 4 Se esta construção do índice e, portanto, a teoria implícita de que o eleitor vota conforme seu bem-estar estiverem certas, toda a discussão que tanto afligiu e constrangeu o candidato da oposição, envolvendo privatização, não valia de nada. E, tampouco, seria de se supor que valesse, considerando-se o sucesso da privatização nas telecomunicações, implantada pelo Governo do PSDB. O eleitor é pragmático e, sendo assim, não presta atenção em temas fabricados para fins do debate ideológico. Se a taxa de variação do consumo familiar fosse negativa e o nível estivesse abaixo da média, não haveria defesa da estatização que pudesse sustentar o candidato do governo. O índice de antecedência implica este entendimento.
Consumo Familiar: Observado, Média Móvel de 3 Anos e Taxa de Crescimento CR$ de 1984
12,6
-11,4
-7,0
-9,5
0
50000
100000
150000
200000
250000
300000
350000
1986 1987 1988 1989
CR$
de 1
984
-15
-10
-5
0
5
10
15
Tx d
e Cr
esc
a.a.
Cons Observ
Média
Taxa de Cresc
43
abril/junho/2010
Neste cenário, todos os fatores “extra-campo”
estavam contra o candidato oficial. Não bastasse, o
quadro de bem-estar, da mesma forma, condenava o
governo, como se observa no gráfico.
Em 1989, a taxa de crescimento do consumo era
fortemente negativa (-9,5%) e o consumo observado
estava 9% abaixo da média do triênio. Não foi por
acaso que o segundo turno foi disputado entre os dois
candidatos que, politicamente, eram os mais distantes
daquele governo.Com isso,o indicador também explica
o resultado de 1989.
A Formatação do Indicador Antecedente
A análise da chance política do candidato da
situação (incumbent) pode ser conduzida pelo
entrelaçar das 3 variáveis apresentadas. Mas, para
se constituir um indicador, é necessário proceder
à agregação, da qual resultará um valor cujo sinal
algébrico indique a chance de eleição (se positivo) ou
de derrota (se negativo).
A agregação foi conduzida a partir dos seguintes
procedimentos:
- A variável (C – C barra), cuja magnitude é em unidades
de reais, é transformada em índice de base 100, no ano
de livre escolha;
- A Variável (Var % CF), com magnitude de pontos de
percentagem, da mesma forma, é transformada num
índice de base 100, no mesmo ano.
- As duas séries de índices são agregadas mediante a
escolha arbitrária de pesos. Após algumas simulações
com os pesos, aquela ponderação que atribui 0,5 para
cada um (ponderação uniforme) é a mais aderente a
todos os resultados.
- Dessa forma o IAE é definido:
[Índice de (C-C barra) + Índice de (Var % CF)] / 2
Indicador Antecedente de Eleição
-150,0
-100,0
-50,0
0,0
50,0
100,0
150,0
200,0
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
O Indicador resume a análise feita acima. O ano
de 1988 era de fronteira. O valor do IEA está muito
próximo de ZERO e o candidato oficial foi auxiliado
por fatores extra-campo. Em 2002, o IEA é negativo.
O candidato da situação não teria chance. O governo
foi derrotado. Em 2006, o contrário. O IEA alcança seu
ponto de máximo nos 13 anos analisados. O candida-
to oficial ganhou.
O IEA é uma caracterização de uma função de bem-
estar econômico que, teoricamente, orienta o eleitor,
no momento de avaliar o governo. Em 2009, o indica-
dor sugere a repetição do quadro de 2006. Ao longo de
2010, as expectativas são de crescimento do PIB entre
4% e 5% e, portanto, de consumo.
Evidentemente, a incerteza do indicador corre por
conta dos fatores extra-campo, tão comuns em política.
O indicador está a sugerir que, tudo mais mantido cons-
tante, vale dizer, os elementos extra-campo, o candidato
oficial do governo tem o bem-estar a seu favor.
Equivale dizer que o candidato da oposição neces-
sita, fortemente, de efeitos extra-campo. Aí, residem o
carisma e a arte política.
Este indicador, para os anos recentes, tem o seguinte comportamento:
Rev
ista
de C
onju
ntur
a
Dados Utilizados: 1995 a 2009
Felipe Ohana fohana@terra.com.br
Economista pela UnB (1974) com mestrado em economia também
pela UnB (1976). Grau de Master of Philosophy pela George
Washington University, EUA. 1981 (PhD A.B.D.). Coordenador de
Macroeconomia do IPEA. Assessor do Ministro do Planejamento.
Secretário-adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
Consultor do Banco Mundial para Angola. Staff da CEPAL (nível
P5). Chefe da Assessoria Econômica do Presidente da Câmara dos
Deputados. Atualmente é sócio da OF Consultoria Econômica.
Anexos:Dados de 1980 a 1989 – trabalhados a preços constantes de 1984, pelo IPCA.
Média Cumulativa
C Fam R$ 2009 de 3 anos CRESC % C Fam
1995 1.500.332,42 1.634.286,171996 1.672.324,33 1.708.188,131997 1.730.201,77 1.714.997,30 3,461998 1.722.038,30 1.684.258,28 (0,47)1999 1.692.751,83 1.714.997,30 (1,70)2000 1.637.984,71 1.684.258,28 (3,24)2001 1.616.257,27 1.648.997,94 (1,33)2002 1.571.430,99 1.608.557,66 (2,77)2003 1.477.110,97 1.554.933,08 (6,00)2004 1.488.490,80 1.512.344,25 0,772005 1.566.411,92 1.510.671,23 5,232006 1.700.082,29 1.584.995,01 8,532007 1.804.944,36 1.690.479,53 6,172008 1.844.932,36 1.783.319,70 2,222009 1.972.431,00 1.874.102,61 6,91
44
A crise na Europa e os dilemas da Espanha
José Luis Oreiro
aos demais países da área do Euro (Ver Figura 1), viabili-
zando a manutenção da competitividade da economia
alemã e a importância da indústria e das exportações
como motor do crescimento de longo-prazo da maior
economia da Europa.
Figura 1
A moeda comum européia, o Euro, foi implantada
em 1999 como mais uma etapa no que se entendia
como um processo que deveria conduzir o Velho Conti-
nente a tão sonhada unificação política, a qual, por sua
vez, era vista por muitos europeus como condição ne-
cessária para a Europa reassumir sua liderança histórica
no mundo, suplantando os Estados Unidos. Passados
mais de 10 anos da introdução do Euro surgem dúvidas
cada vez maiores sobre a sustentabilidade da moeda
comum a médio-prazo.
Os países que compõe a área do Euro são bastante
heterogêneos no que se refere tanto a sua competitivi-
dade externa como a sua situação fiscal. Essas diferen-
ças impõe limites bastante estreitos para a condução
de políticas anti-cíclicas “autônomas” por parte dos pa-
íses a área do Euro.
Nesse contexto, podemos identificar dois grupos de
países. No primeiro grupo, composto basicamente pela
Alemanha, o crescimento do PIB é liderado pelas expor-
tações, a taxa real de câmbio permanece em patamares
razoavelmente competitivos e a situação fiscal (medida
pela relação dívida/PIB e déficit público/PIB) permite o
uso moderado da política fiscal por vários anos como
instrumento de política anti-cíclica. Num contexto de
forte apreciação do Euro frente ao dólar e outras moe-
das, a competitividade externa da economia Alemã foi
mantida nos últimos 10 anos graças a uma política de
“moderação salarial” adotada pelos sindicatos alemães,
os quais, em troca da manutenção dos empregos indus-
triais na Alemanha, aceitaram que um crescimento do
salário real muito abaixo da produtividade do trabalho.
Essa política salarial permitiu uma queda acentuada do
custo unitário do trabalho na Alemanha relativamente
O segundo grupo de países é constituído pelos PII-
GS: Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha. Em que
pesem a existência de algumas diferenças entre os
mesmos, podemos destacar a presença de alguns tra-
ços comuns a esse grupo de países. Com efeito, esses
países sofrem de um problema crônico de competitivi-
dade externa, o qual se reflete em grandes déficits em
conta-corrente (no caso da Espanha quase 10% do PIB
em 2008) somado com desequilíbrios fiscais que va-
riam de moderado (no caso da Espanha) à gravíssimo
(o caso da Grécia). O regime de crescimento desses pa-
íses nos últimos anos foi, em larga medida, finance-led,
ou seja, liderado pelo aumento do consumo (e do in-
vestimento imobiliário) financiado com endividamento
privado e aumento dos preços dos ativos. A combina-
Rev
ista
de C
onju
ntur
a
ção entre desequilíbrios nos balanços do setor privado
e desequilíbrios nas contas públicas não só torna muito
estreito o espaço para a utilização da política fiscal de
forma anti-cíclica, como ainda inviabiliza as chances de
uma recuperação do nível de atividade por intermé-
dio de um aumento da demanda doméstica privada.
Dessa forma, a única saída que esses países têm para
a atual crise consiste num aumento forte e sustentável
das exportações, o qual, no entanto, fica no aguardo da
recuperação da economia mundial, uma vez que: (i) a
adesão ao Euro eliminou a possibilidade de se usar a
desvalorização do câmbio como instrumento de políti-
ca econômica; e (ii) os sindicatos desses países não tem
a mesma “visão estratégica” dos sindicatos alemães e
aparentemente não estão dispostos a trocar redução
de salário real por garantia de manutenção de empre-
go no presente e no futuro. Sendo assim, os países des-
se grupo não têm como promover um ajuste rápido de
sua competitividade externa, o que deverá mantê-los
por um período longo de tempo numa situação de es-
tagnação econômica.
A crise recente da Grécia expôs as fragilidades da
área do Euro. Em função das desconfianças crescentes
dos mercados financeiros a respeito da solvência do se-
tor público na Grécia, as taxas de juros dos títulos da dí-
vida pública desse país aumentaram consideravelmen-
te nos últimos meses o que terminou por agravar a si-
tuação fiscal desse país, criando um ciclo vicioso: piora
das expectativas do mercado financeiro levando a um
aumento das taxas de juros que, por sua vez, gera um
agravamento da situação fiscal, conduzindo a um nova
piora das expectativas do mercado financeiro. Como
no contexto do arranjo monetário prevalecente hoje
na Área do Euro, o governo da Grécia não pode contar
com o apoio financeiro do Banco Central Europeu para
monetizar, ao menos uma parte, do seu enorme défi-
cit fiscal; segue-se que a eliminação desse ciclo vicioso
exige um ajuste fiscal draconiano por parte do governo
grego, justamente no momento em que a política ade-
quada, por conta do quadro recessivo que vive o país, e
da ausência de outros instrumentos de política econô-
mica, é a manutenção dos déficits fiscais.
A Grécia encontra-se, portanto, entre a Cruz e a
Espada: se não fizer um ajuste fiscal forte e crível, os
mercados financeiros internacionais irão exigir taxas
de juros cada vez mais altas para o financiamento do
seu déficit fiscal, o que irá conduzir o país inexoravel-
mente ao default; se fizer o ajuste fiscal requerido pe-
los mercados, poderá obter um alívio nas condições de
financiamento do seu déficit público às custas de um
aumento significativo do desemprego e queda do nível
de atividade econômica. Nessas condições, a sociedade
e os políticos da Grécia podem, em algum momento,
perceber que os custos de manutenção do país na área
do Euro superam os seus benefícios, o que levará o país
a abandonar a moeda comum. Se isso acontecer, a
pressão sobre os demais PIIGS, principalmente a Espa-
nha, pode se tornar insuportável, levando a um efeito
cascata de saída de países da área do Euro.
Com efeito, a Espanha, a quarta maior economia da
área do Euro – com um PIB de US$ 1,6 Trilhão – foi pro-
fundamente afetada pela crise econômica mundial. A
taxa de desemprego passou de 8,2% da força de traba-
lho em 2007 para 11,3% em 2008, fechando 2009 em
torno de 20%. O PIB espanhol apresentou uma con-
tração de 3,6% em 2009 e as expectativas do FMI para
2010 são de uma nova contração de 0,7%.
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A crise recente da Grécia expôs as fragilidades da área do Euro. Em função
das desconfianças crescen-tes dos mercados financei-ros a respeito da solvência do setor público na Grécia,as taxas de juros dos títu-
los da dívida pública desse país aumentaram consi-
deravelmente nos últimos meses o que terminou por
agravar a situação fiscal desse país...
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47
abril/junho/2010
A performance da economia espanhola nos últi-
mos anos teve também um profundo impacto sobre
a sua situação fiscal. Até 2007, a Espanha vinha redu-
zindo a dívida pública como proporção do PIB. Com
efeito, entre 2004 e 2007 a dívida pública apresentou
uma expressiva redução, caindo de 48% para 38% do
PIB. Ou seja, a Espanha, ao contrário dos demais PIIGS,
não estava fazendo uma “farra fiscal”, pelo contrário, a
gestão fiscal da Espanha era sólida e responsável, con-
dizente com os “princípios básicos da ortodoxia”. Após
2007, contudo, a dívida pública passa a apresentar uma
elevação expressiva, alcançando o patamar de 70% do
PIB no início de 2010. Essa deterioração resultou das
diversas medidas de estímulo fiscal que o governo do
primeiro-ministro José Luiz Zapatero vem adotando
desde 2008 para estimular a combalida economia es-
panhola e para evitar que a recessão se transformasse
numa depressão. Em conseqüência dessas medidas e
da própria recessão,o déficit orçamentário espanhol foi
de 11,9% do PIB em 2009.
A deterioração do quadro fiscal da Espanha tem le-
vado os mercados financeiros a temer um calote por
parte do governo espanhol. Os mercados pressionam o
governo da Espanha para adotar rapidamente medidas
no sentido de reduzir o déficit fiscal. Em função dessas
pressões, o governo da Espanha já sinalizou sua inten-
ção de cortar gastos e aumentar impostos, de forma a
reduzir o déficit orçamentário para 3% do PIB até 2013.
Mas será essa política a mais adequada para a Espanha
sair da crise na qual se encontra?
Fazer um ajuste fiscal dessa magnitude, num prazo
relativamente curto de tempo, num contexto de uma
economia que apresenta elevada taxa de desempre-
go e grande ociosidade da capacidade produtiva não
parece ser uma política muito sensata. Isso porque o
ajuste fiscal implica numa contração da demanda do
setor público (ou, analogamente, num aumento da
poupança do setor público) e a economia espanhola
precisa de mais demanda, e não menos, para se recu-
perar. Além disso, nos próximos anos o setor privado
espanhol, atolado em dívidas que superam, em muito,
a dívida do setor público, terá que reduzir o seu nível
de dispêndio para tentar ajustar os seus balanços. Com
efeito, o endividamento do setor privado (empresas e
famílias) era de cerca de 4,1 trilhão de dólares no fi-
nal de 2008 segundo dados da McKinsey Global Insti-
tute, quase três vezes o valor do PIB da Espanha. Esse
enorme endividamento do setor privado irá exigir
uma redução muito forte do dispêndio das famílias e
das empresas da Espanha. Dessa forma, os gastos de
consumo e de investimento do setor privado deverão
permanecer estagnados por vários anos. Em outras
palavras, a poupança privada (soma das poupanças
das famílias e das empresas) terá que aumentar muito
nos próximos anos para reduzir o enorme endivida-
mento do setor privado.
Em face do aumento necessário da poupança pri-
vada, a recuperação da economia espanhola exige ou
uma redução da poupança pública – política que vem
sendo adotada até o presente momento pelo governo
espanhol – e/ou uma redução da poupança externa, ou
seja, um aumento do saldo em conta-corrente. O espa-
ço para a utilização da política fiscal para estimular a
economia está rapidamente chegando ao fim. Embora
países como a Itália tenham uma dívida pública como
proporção do PIB muito maior que a Espanha, o ritmo
de deterioração fiscal da Espanha é assustador. Se essa
velocidade for mantida, em poucos anos a dívida pú-
blica da Espanha irá superar 100% do PIB … e os mer-
cados já sinalizaram que não estão dispostos a tolerar
uma deterioração muito mais forte da situação fiscal da
Espanha.
Isso deixa a Espanha com uma única solução possí-
vel: reduzir a poupança externa, ou seja, cortar o seu gi-
gantesco déficit em conta-corrente. Entre 2003 e 2008
‘‘ ‘‘Esse enorme endivida-
mento do setor privado irá
exigir uma redução muito
forte do dispêndio das fa-
mílias e das empresas da
Espanha.
Rev
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a
a Espanha vivenciou uma explosão do seu déficit em
conta corrente, o qual saltou de 30,8 bilhões de dóla-
res em 2003 para 154,1 bilhão de dólares em 2008, o
que equivale a quase 10% PIB.O aumento do déficit em
conta-corrente resultou, em larga medida, do aumento
do déficit comercial espanhol o qual passou de 45,1 bi-
lhões de dólares em 2003 para 129,6 bilhões de dólares
em 2008.
Se a Espanha não estivesse na área do Euro, a so-
lução seria simples: bastaria uma forte desvalorização
da taxa de câmbio, para impulsionar as exportações,
contrair as importações e aumentar as receitas com o
turismo … o problema é que a adesão a moeda única
européia tirou a possibilidade de usar a taxa de câmbio
como instrumento de política econômica.
Então como a Espanha pode sair desse imbróglio?
Existem duas alternativas possíveis. A primeira é pro-
duzir um ajuste na competitividade da economia es-
panhola por intermédio, não de uma desvalorização
do câmbio, mas de uma queda dos salários. A redução
dos salários teria o efeito de produzir um aumento da
relação câmbio/salário, reduzindo assim os custos das
empresas espanholas em euros, o que teria o mesmo
efeito de uma desvalorização do câmbio, caso a peseta
ainda fosse a moeda corrente da Espanha. O problema
com essa saída é que a sua implementação irá contar
com a fúria dos sindicatos espanhóis, o que certamente
torna muito custosa essa alternativa.
A segunda alternativa é o abandono puro e simples
do Euro. Nesse cenário, a Espanha volta a ter uma mo-
eda corrente própria e poderá desvalorizar o câmbio
para incentivar as suas exportações. Os custos dessa
alternativa também serão elevados. Certamente have-
rá corridas aos bancos, fuga de capitais e moratória de
todos os contratos em euros no país. A adoção dessas
medidas exigirá que a Espanha adote fortes controles
a saída de capitais, os depósitos a vista terão que ser
parcialmente congelados e o governo deverá intervir
nos contratos de dívida em euros para arbitrar ganhos
e perdas entre as partes.
Nenhum dos dois cenários nos permite vislumbrar
uma rápida saída para a crise na Espanha. Nesse con-
texto, o maior risco é a inação: o governo não faz nada,
a economia espanhola continua atolada na recessão e,
daqui a alguns anos, terá que enfrentar exatamente os
mesmos dilemas com os quais se depara hoje.
Uma alternativa a esse quadro sombrio seria a reali-
zação de uma política fiscal coordenada entre os países
da Área do Euro em conjunto com uma harmonização
das regras de fixação dos salários nominais em todos
os países da Área do Euro. Com efeito, uma parte signi-
ficativa dos problemas enfrentados atualmente pelos
PIIGS advém do fato de que a Alemanha conseguiu via-
bilizar uma “desvalorização cambial” por intermédio de
uma redução dos salários na Alemanha relativamente
aos prevalecentes no resto da Europa do Euro.
Sendo assim, uma harmonização das regras de fixa-
ção de salário pode ajudar a reverter parte da mudan-
ça da estrutura de salários relativos no interior da Área
do Euro,o que atuaria favoravelmente no sentido de au-
mentar a competitividade dos PIIGS. Essa reordenação
da estrutura de salários relativos pode e deve ser adota-
da em simultâneo com uma coordenação entre as polí-
ticas fiscais dos países membros, coordenação essa que
imponha uma forte expansão fiscal na Alemanha e na
França, as duas maiores economias do Euro, e uma con-
tração fiscal nos PIIGS. Dessa forma, evita-se uma queda
generalizada da demanda agregada na área do Euro,
o que seria extremamente prejudicial para a recupe-
ração das economias européias, ao mesmo tempo em
que permite a substituição de demanda doméstica (do
setor público) por demanda externa (da Alemanha e da
França) nas economias dos PIIGS, reduzindo assim o im-
pacto recessivo do ajuste fiscal nesses países.
José Luis Oreirojoreiro@unb.br
Doutor em Economia da Indústria e da Tecnologia pela UFRJ (2000).
Professor adjunto do Departamento de Economia da Universidade
de Brasília (UNB). Pesquisador Nível I do CNPQ e Diretor de Relações
Institucionais da Associação Keynesiana Brasileira.
48
Análise do Projeto de Lei Complementar - PLP 549/09
(limite dos gastos com pessoal do setor público)
Max Leno de Almeida e Clóvis Scherer
* ¹ O índice de inflação adotado é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, ou o que vier a substituí-lo, verificado no período entre abril de um ano e março do ano imediatamente anterior.
Em 2007, quando do lançamento do Programa
de Aceleração do Crescimento, o Governo Federal
apresentou o Projeto de Lei Complementar (PLP
01/2007) com o intuito de estabelecer limite adicional
para o aumento das despesas com pessoal da União.
O Governo apontou como objetivo da proposta a
redução, em percentual do PIB, da parcela de despesa
corrente primária da União representada pelos gastos
com pessoal e encargos sociais, abrindo caminho para
mais investimentos e maior crescimento econômico.
Pretendia-se com a medida, também, construir um
cenário de maior garantia e previsibilidade fiscal dos
investimentos federais.
O PLP 01/2007 não foi aprovado até o momento,
continuando em tramitação na Câmara dos Deputados.
Contudo, em dezembro de 2009, o Senado aprovou
Projeto semelhante, o PLP 611/07, encaminhando-o
para debate na Câmara dos Deputados como PLP
549/09. Esta nota analisa os potenciais impactos deste
último projeto sobre a despesa com pessoal da União.
1. Síntese do Projeto
O Projeto de Lei 549/09 altera o artigo 71 da Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF; ou LC 101, de 4 de maio
de 2000), fixando, para um período de 10 anos (2010 a
2019) nova limitação das despesas de pessoal para cada
esfera de poder (Legislativo, Executivo e Judiciário) e
órgão da União, além dos limites já estabelecidos na
LRF. Tal limitação permite incrementar a despesa de
pessoal, sobre o executado no ano imediatamente
anterior, até o limite da variação acumulada da inflação
mais 2,5% ou a variação do PIB, valendo o que for
menor1. Note-se que tal limitação refere-se ao total da
despesa de pessoal, não se aplicando diretamente à
remuneração dos servidores.
Nesse limite não serão considerados os valores
transferidos ao Distrito Federal para pagamento de
pessoal e encargos sociais, bem como as sentenças
judiciais associadas à folha de pessoal da União.
Serão admitidos excessos em relação ao limite
quando decorrentes de:
- despesas resultantes das alterações de legislação
efetivadas até 31 de dezembro de 2009 para fins
de criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação
governamental desde que acompanhadas de
estimativa do impacto orçamentário-financeiro no
exercício em que deva entrar em vigor e nos dois
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a
subsequentes e quando se colocar como de caráter
continuado sendo demonstrada a origem dos recursos
para seu custeio; e
- despesas resultantes da substituição por servidor
público concursado da mão de obra terceirizada
existente em 31 de dezembro de 2009, desde que o
montante acrescido na despesa total corresponda à
redução em valor equivalente da respectiva despesa
com contratação de mão de obra terceirizada.
O PLP 549 também propõe que, a partir do exercício
financeiro de 2008, as despesas com obras, instalações
e projetos de construção de novas sedes, ampliações
ou reformas da Administração Pública não poderão
exceder, em valores absolutos, a 1/4 (um quarto) dos
percentuais estabelecidos para despesas com pessoal
dos três poderes, do Tribunal de Contas da União e do
Ministério Público da União.
2. Abrangência das medidas e algumas
comparações com o PLP 01/2007
O novo artigo que está sendo proposto incluir na
Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 71-A) aplicar-se-á
somente à União, ainda que a LRF seja norma geral
e destinada a todos os entes da Federação, Estados,
Distrito Federal e Municípios (§ 2º do art. 1º).
Diferentemente da atual limitação para as despesas
de pessoal, que se refere à uma relação com a Receita
Corrente Líquida, o novo limitador aplica-se à variação
do montante do gasto em termos nominais. Os novos
limites transitórios propostos não revogam nem
suspendem, em princípio, os limites permanentes
e prudenciais previstos na LRF, que permaneceriam
válidos.
Isto significa que a Despesa Líquida de Pessoal
da União não pode ultrapassar a 50% da Receita
Corrente Líquida (RCL),havendo também uma margem
prudencial a ser respeitada.O período de ajuste é longo
(10 anos), muito maior do que o período de três anos
que constou como regra transitória da LRF.
As diferenças entre o PLP 01/2007 e o PLP 549/2009
são poucas. Atualizou-se o período de vigência das re-
gras de controle adicional dos gastos - passando de
2007-2016 para 2010-2019 - mas manteve-se a sua du-
ração em 10 anos.
A concepção de controle proposto foi mantida, em-
bora com uma mudança importante. No PLP 01/2007, o
incremento da folha de pessoal não poderia exceder à
variação do IPCA mais 1,5% ao ano. Já no texto do PLP
549, este limite foi alterado para equivaler à variação do
IPCA acrescida de 2,5% ou da taxa de crescimento do
PIB, o que for menor.
Além disso, o PLP 549 estabelece regra limitando o
montante de despesas com obras, instalações, constru-
ção de sedes, reformas e ampliações, vinculando-as à
própria despesa de pessoal.
Cabe observar que o texto não é preciso quanto à
fórmula de cálculo do percentual máximo de aumento
da despesa de pessoal, deixando de dizer se o acrésci-
mo se dará por acumulação ou simples soma aritmé-
tica. Além disso, o PLP 549 não esclarece qual taxa de
crescimento do PIB será considerada, se a de cresci-
mento nominal ou real.
Por omissão do texto do PLP, deduz-se que uma
eventual insuficiência da variação do PIB em um deter-
minado ano (abaixo de 2,5%) não será compensada em
ano fiscal subsequente. Ou seja, dependendo das taxas
anuais de crescimento do PIB real, o limite para aumen-
to da despesa de pessoal (DP) poderá ficar abaixo do
máximo de 2,5% ao ano, mesmo que haja crescimento
médio superior a esta taxa no período decenal previsto
no projeto.
As exceções à aplicação do limite - constituídas por
eventuais impactos de legislação efetivada até o final
de 2009, de despesas com pessoal e encargos do DF e
de sentenças judiciais - foram mantidas. Não está claro,
em relação aos efeitos financeiros decorrentes da legis-
lação já efetivada, o entendimento da expressão “efeti-
vada”, se significa ter sido aprovada, publicada ou posta
50
51
abril/junho/2010
em prática até 31 de dezembro de 2009 (por exemplo,
quando cargos não tenham sido concretamente pro-
vidos).
No PLP 549 permanece um lapso de tempo entre o
período de apuração da despesa liquidada e o período
utilizado para a apuração do IPCA (12 meses a partir
de abril do ano anterior ao da despesa liquidada), o
que pode gerar distorções. A defasagem foi justificada
como uma forma de se reduzir incertezas na elaboração
da Lei de Diretrizes Orçamentárias LDO.
3. Limites em vigor
A Lei de Responsabilidade Fiscal já estabelece um
limite para a despesa com pessoal no setor público, em
relação à Receita Corrente Líquida, conforme o quadro
abaixo.
QUADRO 1
Limites para as despesas com pessoal
Em % da Receita Corrente Líquida
A LRF estabelece, adicionalmente, um limite
prudencial correspondente a 95% do limite, a partir do
qual ocorrem sanções ao poder ou órgão.
A despesa com pessoal da União como proporção
da RCL está bem abaixo dos limites máximo e
prudencial estabelecidos pela LRF (Gráfico 1). Em 2005,
tal relação atingiu seu menor valor, inferior a 30%, e
permaneceu neste patamar entre 2004 e 2008 (último
ano da série disponível). Este dado permite questionar
a necessidade de limitação adicional na legislação para
que se efetive o controle sobre a evolução da despesa.
4. O PLP e a remuneração dos servidores
Primeiramente, é necessário ressaltar que o PLP
não assegura aos servidores qualquer reajuste em seus
vencimentos,pois apenas autoriza a União a elevar suas
despesas de pessoal dentro de determinado limite. Ou
seja, não fica assegurada, sequer, a manutenção do
valor real dos vencimentos, quanto mais sua elevação
periódica em termos reais.
Em segundo lugar, as regras propostas não limitam
diretamente a concessão de reajustes na remuneração
de servidores ou de suas categorias.
Tampouco as regras implicam uniformização
dos reajustes dos vencimentos entre as diferentes
carreiras do serviço público. Fixando um limite global,
fica facultado à Administração Pública aumentar os
vencimentos de forma diferenciada entre as diversas
carreiras do serviço público. Assim, teoricamente,
a remuneração de algumas categorias poderia ser
elevada acima da variação máxima estipulada, neste
caso em detrimento de outras categorias de servidores
que teriam seus vencimentos reajustados abaixo do
mesmo limite.
A regra transitória que constou do art. 71 da LRF
excluía dos limites então fixados os eventuais ganhos
obtidos por conta da revisão geral anual prevista
no inciso X do art. 37 da Constituição. O PLP 549 não
GRÁFICO 1
Poder/Ente União Estados Municipios
Executivo 40,9 49 54
Legislativo 2,5 3 6
Judiciário 6 6 -
Ministério
Público
0,6 2 -
Total 50 60 60
Fonte: Lei de Responsabilidade Fiscal
Fonte: MPOG - SRH - Boletim Estatístico de Pessoal
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manteve essa ressalva, de modo que aumento da
despesa de pessoal em função de uma eventual revisão
geral deverá se conter ao limite proposto.
O PLP 549 não exclui do computo do incremento
da DP o chamado “crescimento vegetativo da folha”.
Segundo algumas fontes, tal crescimento é de cerca
de 5% ao ano, em termos nominais, enquanto outros
o estimam em 1,5% ao ano. Embora não haja uma
estimativa consensual e certa, é fato que as carreiras
prevêem incrementos periódicos a todos os servidores,
segundo regras de promoção definidos em lei.
Além disso, a proposta irá limitar significativamente
o papel das Mesas de Negociações entre servidores e
o Governo, comprometendo os esforços de tratar das
questões do funcionalismo por meio do diálogo social
entre as partes.
5. Crescimento econômico e gastos de pessoal
Originalmente, a proposição do PLP 549 não
contém, em sua justificativa, projeções quanto à
evolução da Despesa de Pessoal e encargos sociais da
União. Quando da edição do PLP 01/2007, o Governo
Federal expôs seus objetivos com a medida, indicando
que:
- a meta estabelecida em relação à Despesa de
Pessoal da União era a de alcançar, em 2010, um valor
equivalente a 4,7% do PIB. Tal sinalização representava
o mais baixo patamar registrado ao longo do período
de 1999 a 2010; e
- a média projetada do período entre 2007 a 2010
era de uma despesa de pessoal da ordem de 5% do PIB,
próxima da média verificada entre 2003 a 2006 (4,9%),
e abaixo da média verificada no intervalo de 1999 a
2002 (5,23%) que representou um momento em que
os servidores tiveram muitas dificuldades quanto à
concessão de reajustes pelo governo federal.
Como se pode ver pelo Gráfico 2, desde 2003 as DPs
tem permanecido em patamar relativamente menor
do que entre 1995-2002. Houve elevação na relação
DP/PIB de 2004 a 2006, mas que não chegou a se situar
em patamares superiores aos verificado no período
anterior. A relação DP/PIB foi de, em média, 4,72% de
2003 a 2008, contra 4,92% entre 1995 e 2002. Mesmo
que se desconsidere o ano de 1995, o primeiro período
tem uma média acima do segundo.
Ou seja, a DP da União se manteve controlada como
percentual do PIB, sem necessidade da imposição legal
de limites adicionais aos atualmente em vigor.
A proposta do PLP 549 terá como resultado a
redução dos gastos com pessoal da União como
proporção do PIB. Se aprovado o PLP 549, a DP ficará
limitada não mais pela evolução da RCL, mas sim por
uma fração da variação do PIB - despesa liquidada do
ano anterior, mais inflação e um crescimento da folha
de pagamentos de no máximo 2,5%.
GRÁFICO 2
Despesa de pessoal da União como proporção do PIB
1995-2008 – em %
4,20%
4,40%
4,60%
4,80%
5,00%
5,20%
5,40%
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
5,37%
4,85%4,74%
4,90%4,84%
4,94%5,03%
5,08%
4,65%4,61%4,67%
4,85%
4,72%4,81%
%do
PIB
Anos
Fonte: STN – Acompanhamento da Despesa de Pessoal. IBGE. Cálculo e
elaboração: DIEESE
Há que se atentar para o fato de que a medida
exclui os ganhos decorrentes do crescimento real do
PIB superiores a 2,5%. Mas, por outro lado, quando
o crescimento do PIB é mais vagaroso, tal ritmo será
também aplicado à despesa com pessoal e encargos
sociais. Ou seja, na melhor das hipóteses poderá haver
52
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abril/junho/2010
um aumento real de 2,5%, ou na mesma variação do
PIB quando este tiver menor dinamismo.
Fazendo uma análise retrospectiva, nos últimos
10 anos, o PIB teve variação real acumulada de 38,5%.
Nota-se que em três anos o crescimento real do PIB
ficou abaixo de 2,5% e nos oito restantes, acima deste
percentual. Se o PLP 549 tivesse vigorado no período,
o limite máximo para incremento da DP teria sido de
13,71% a menos do que o crescimento do PIB (Tabela 1).
Considerando as expectativas de que o país esteja
atravessando um ciclo de crescimento sustentado de
longo prazo,bem diferente da dinâmica de crescimento
lento do início da década,o PLP 549 irá determinar uma
forte redução da relação DP/PIB.
TABELA 1
Taxa de crescimento do PIB e
limite do PLP 549 se aplicado ao período 2000-2009
formalização da economia, pode-se esperar que a
RCL tenha um desempenho favorável. Isto permitiria
haver também expansão das despesas de pessoal sem
comprometer os limites previstos na LRF bem como
mantendo inalterada sua relação com o PIB.
6. Limitação dos gastos e quadro de pessoal
Em função das políticas de privatização e desmonte
do serviço público levadas a cabo na década de 90 e
começo dos anos 2000, o quantitativo de pessoal da
União veio sendo reduzido ao longo dos anos, tanto
em termos absolutos quanto sobretudo em relação ao
crescimento populacional. Apenas nos últimos anos
houve um esforço em reverter tal trajetória, no sentido
de reestruturar o Estado e readequar a prestação de
serviços públicos às necessidades da sociedade.
Como mostra o Gráfico 3, entre 1995 e 2002 o
número de servidores ativos da União foi reduzido.
Somente a partir de 2003, e mais significativamente de
2006, é que se voltou a ter um quadro de funcionários
ativos nos mesmos níveis de 1995. A tendência de
aumento do pessoal aposentado se sucedeu a uma
certa estabilidade, enquanto se nota um contínuo
aumento do número de pensionistas até 2007,
passando a estabilizar-se a partir daí.
GRÁFICO 3
Quantitativo de pessoal da União segundo a situação do vínculo 1995-2008
0
200.000
400.000
600.000
800.000
1.000.000
1.200.000
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
Ativos Aposentados Inst. Pensão
Neste aspecto, a utilização da RCL como
referência para limitação dos gastos com pessoal na
administração pública, tal como hoje ocorre, permite
que tais gastos acompanhem, entre outros fatores,
a evolução do crescimento real do PIB. É sabido que
as receitas tributárias têm uma relação íntima com o
nível de atividade econômica, e com a eficiência na
arrecadação e estrutura tributária. Assim, num cenário
futuro de crescimento econômico como o atual, e de
ANO Taxa de cresci-
mento do PIB
(%)
Limite do PLP
549 - Acima do
IPCA
2000 4,3 205
2001 1,3 1,3
2002 2,7 2,5
2003 1,1 1,1
2004 5,7 2,5
2005 3,2 2,5
2006 4,0 2,5
2007 6,1 2,5
2008 5,1 2,5
2009 -0,2 0,0
TOTAL 38,5 21,8
Fonte: IBGE
Fonte: MPOG - Secretaria de Recursos Humanos – Boletim estatístico.
Elaboração: DIEESE
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Quando se considera o crescimento populacional,
fica evidente que o quadro de pessoal está em relativo
declínio. A razão entre o número de servidores e o
de habitantes teve uma pequena elevação em 2006,
mas não foi recuperado o patamar existente em 1995
(Gráfico 4). Desde então, a população aumentou em
20,5%, contra 10,1% de crescimento no quadro de
pessoal total e de apenas 2,7% no total de servidores
ativos.
GRÁFICO 4
Quantitativo de pessoal da união por habitante
segundo a situação do vínculo - 1995-2008
5,0
6,0
7,0
8,0
9,0
10,0
11,0
12,0
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Servidoresporhab
.
ATIVOS / hab em mil TOTAL / hab. emmil
Portanto, há espaço e necessidade de ampliação
do número de servidores para fazer face à demanda
represada por serviços públicos e para melhorar a
qualidade dos serviços atualmente prestados. Além
disso, deve-se considerar a necessidade de substituição
dos servidores que se aposentarem por pessoal ativo. E,
por fim, é preciso responder às demandas geradas pelo
crescimento populacional, estimado em 0,73% ao ano,
em média, nos próximos 10 anos, segundo o IBGE.
Neste sentido, ao limitar o incremento da DP
total da União, o PLP 549 poderá ter impactos sobre
a dimensão do quadro de pessoal, tornando difícil
que os de objetivos de universalização e melhoria da
qualidade dos serviços públicos sejam atingidos.
7. Avaliação da repercussão do PLP 549 em
retrospectiva
É bastante difícil fazer uma projeção segura do
comportamento das variáveis componentes do PLP
549 para os próximos 10 anos. Assim, uma maneira
de avaliar a potencial repercussão do PLP 549 sobre a
evolução da DP da União é considerar seus efeitos caso
estas determinações estivessem em vigor no passado.
Tomando as taxas de inflação e do PIB dos últimos
oito anos, e projetando hipoteticamente a evolução
das despesas de pessoal, conclui-se que as regras do
PLP 549 teriam limitado o aumento da DP colocando-a
muito abaixo dos níveis correntes.
Na Tabela 3 são calculados os limites para aumento
da despesa com pessoal caso as regras propostas no
PLP 549 estivessem em vigor desde 2001. Respeitando
estes limites, foi construída uma série hipotética de
despesas partindo dos valores realizados em 2001.
A tabela apresenta, ainda, os valores efetivamente
realizados no período, a variação anual e a relação dos
valores hipotéticos com os efetivos.
A tabela mostra que a despesa de pessoal da União
no período analisado teve variação anual superior ao
limite do PLP 549 em todos os anos, com exceção de
2003-2004. Com isto, se fossem aplicadas as regras
propostas, as despesas teriam sido limitadas a R$ 122
milhões em 2009,o que é 78,0% do que foi efetivamente
aplicado em pessoal naquele ano.
No período considerado, houve a seguinte variação
média anual dos critérios utilizados pelo PLP:
- IPCA-IBGE = 7,07% ao ano
- PIB ano (t – 1) = 3,71% ao ano
Por outro lado, o limite aplicável ao aumento da DP
foi de 9,43% ao ano. Descontando-se a variação média
do IPCA, restariam 2,21% ao ano para aumentos reais
da DP, o que é menos do que a taxa de crescimento real
do PIB.
Fontes: MPOG - Secretaria de Recursos Humanos - Boletim estatístico/IBGE/Cálculo e elaboração: DIEESE
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abril/junho/2010
TABELA 3
DESPESA DE PESSOAL DA UNIÃO REALIZADA E PROJETADA COM APLICAÇÃO DAS REGRAS DO PLP
Sob outra perspectiva, em igual período, se for
descontado do limite de aumento da DP, a variação
do IPCA de 7,07% a.a. e o aumento da população de
1,28% a.a., restariam um percentual de 0,92% a.a para
as necessidades de recursos para pessoal da União.
Ou seja, a aplicação do PLP 549 teria limitado o
aumento da DP da União neste período a, no máximo:
1- Manter o valor real da remuneração dos servidores frente ao aumento dos preços;
2 - permitir um aumento do quadro de pessoal compatível com o crescimento populacional (quando na verdade houve redução do quadro de pessoal no período); e
3 - dedicar 0,92%, para todas outras finalidades possíveis, inclusive atender ao crescimento vegetativo da folha.
Sendo assim, considerando que o crescimento
vegetativo da folha de pessoal é de 1,5% ao ano,
o PLP 549/09 teria inviabilizado a manutenção do
quadro de pessoal ou a manutenção do valor real
da remuneração dos servidores ou a aplicação dos
planos de carreiras do serviço público.
Fontes: IBGE. Ministério da Fazenda. Demonstrativo de Acompanhamento da Despesa com Pessoal. Obs: : o percentual máximo de
aumento da DP foi calculado por acumulação geométrica, apesar de que o PLP 549 não define o método de cálculo./ Elaboração e
cálculos: DIEESE – ER-DF.
8. Conclusões
Em síntese, pode-se dizer que:
- o PLP 549 reproduz, com algumas alterações, o PLP 01/2007, que visava estabelecer limites adicionais às DP da União;
- a principal alteração é substituir o limite real (acima do IPCA-IBGE) de 1,5% por 2,5% ou a taxa de crescimento do PIB, prevalecendo o menor percentual;
- sendo impossível prever o comportamento do PIB em um período tão extenso, não se pode afirmar que o do PLP 549 será maior ou menor do que o do PLP 01;
- há pontos indefinidos no PLP 549, tais como a taxa de crescimento do PIB que será considerada, a forma de cálculo do limite máximo de aumento da DP, com exceção da legislação já aprovada até 31/12/2009;
- na vigência dos atuais limites estabelecidos na LRF,observou-se o limite atualmente em vigor na redução da DP/RCL e na preservação da relação DP/PIB;
- o PLP 549 irá certamente provocar a redução significativa da relação DP/PIB;
- os servidores não terão garantida a preservação do valor real dos seus vencimentos, bem como sua
Mês/Ano IPCA Variação
anual até
março
(ano t-1)
Taxa de
crescimento
real do PIB
(ano t-1)
Limite de aumento
da DP
DP da União hipotética
(A)
DP efetiva
R$ mil (B) (%) variação
Despesa
hipotética em
relação à des-
pesa efetiva
(C=A/B)
2001 6,92% 4,30% 9,60% 59.881 60.564 10,8% 98,9%
2002 6,44% 1,30% 7,82% 64.566 68.826 13,6% 93,8%
2003 7,75% 2,70% 10,44% 71.308 72.448 5,3% 98,4%
2004 16,57% 1,10% 17,86% 84.041 81.806 12,9% 102,7%
2005 5,89% 5,70% 8,53% 91.213 91.793 12,2% 99,4%
2006 7,54% 3,20% 10,22% 100.539 104.707 14,1% 96,0%
2007 5,32% 4,00% 7,96% 108.537 115.441 10,3% 94,0%
2008 2,96% 6,10% 5,53% 114.540 133.015 15,2% 86,1%
2009 4,73% 5,10% 7,35% 122.955 157.710 18,6% 78,0%
TOTAIS2001-2009
84,9% 38,8% 125,04% 188,65%
Rev
ista
de C
onju
ntur
a
elevação de acordo com o desempenho econômico geral e, notadamente, do setor público;
- a norma pode levar a disputas entre setores do funcionalismo pela parcela de incremento da DP autorizada;
- as demandas dos servidores públicos podem não ser atendidas em função dos limites adicionais impostos,ainda que compatíveis com as disposições da LRF; e
- a via do diálogo social e da negociação coletiva em curso não está sendo valorizada pelo PLP 549.
Pelo exposto, as normas do PLP 549 implicarão em
que o Governo Federal tenha dificuldades em manter
o valor real dos vencimentos dos servidores federais
ao mesmo tempo em que atenda as necessidades de
crescimento vegetativo da folha de pessoal e mantenha
e recomponha o quadro de pessoal da União ao menos
para acompanhar o crescimento populacional.
Fontes consultadas
DIEESE. Subseção DIEESE/CUT e Subseção DIEESE/
CONDSEF. Projeto de Lei Complementar à Lei de
Responsabilidade Fiscal – LRF (limite dos gastos
com pessoal do setor público). s/dt. Mimeo.
IBGE. Revisão 2008 – Projeção da população do Brasil.
http://www.ibge.gov.br/series_estatisticas/
subtema.php?idsubtema=125
MINISTÉRIO DA FAZENDA. Tesouro Nacional.
Relatório de Gestão Fiscal Consolidado. vv.nn.
http://www.tesouro.fazenda.gov.br/hp/lei_
responsabilidade_fiscal.asp
MINISTÉRIO DA FAZENDA. TESOURO NACIONAL.
Relatório de Acompanhamento da Despesa com
Pessoal. Dezembro/2009. http://www.tesouro.
fazenda.gov.br/estatistica/index.asp
MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORçAMENTO E
GESTãO. Secretaria de Recursos Humanos.
Boletim Estatístico de Pessoal. Vários números.
http://www.ser vidor.gov.br/publicacao/
boletim_estatistico/bol_estatistico.htm
PESSOA, Eneuton et alli. Emprego Público no Brasil:
comparação internacional e evolução recente.
IPEA, Brasília. 19º Comunicado da Presidência do
IPEA. www.ipea.gov.br
SENADO FEDERAL. Comissão Diretora. Parecer nº 2.702,
de 2009. Redação final do Projeto de Lei do
Senado nº 611, de 2007 - Complementar.
SENADO FEDERAL. Parecer nº, De 2007. Da Comissão de
assuntos Econômicos, sobre o Projeto de Lei do
Senado nº 611, de 2007 – Complementar, que
acrescenta dispositivos à Lei Complementar nº
101, de 4 de maio de 2000.
Clóvis Scherer clovis@dieese.org.br
Economista pela Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC), com especialização em Engenharia
de Produção pela mesma Universidade.
Atualmente é Supervisor do Escritório regional do
DIEESE no Distrito Federal.
Max Leno de Almeida max@dieese.org.br
Mestre em Economia pela Universidade Católica de
Brasília (UCB). Conselheiro do COFECON. Atualmente
é economista do Departamento Intersindical de
Estatística e de Estudos Socioeconômicos (DIEESE) e
professor universitário.
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Conselho Regional de Economia da 11ª Região-DFSCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202
CEP 70300-907 - Brasília -DF Tels: (61) 3225-9242 / 3223-1429
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