monumentos e museografia
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Júri
Presidente: Prof.ª Doutora Maria Alexandra de Lacerda Nave Alegre
Orientador: Prof.ª Doutora Helena Silva Barranha Gomes
Vogal: Prof. Doutor João Rosa Vieira Caldas
Outubro de 2014
MONUMENTOS E MUSEOGRAFIA
Dois espaços museológicos no Castelo de São Jorge, em Lisboa
Rita Nobre Neto da Silva
Orientador: Prof.ª Doutora Helena Silva Barranha Gomes
Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em
Arquitetura
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MONUMENTOS E MUSEOGRAFIA
Dois espaços museológicos no Castelo de São Jorge, em Lisboa
Rita Nobre Neto da Silva
Instituto Superior Técnico, Lisboa
Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em
Arquitetura
Júri
Presidente: Prof.ª Doutora Maria Alexandra de Lacerda Nave Alegre
Vogal: Prof. Doutor João Rosa Vieira Caldas
Orientador: Prof.ª Doutora Helena Silva Barranha Gomes
Outubro de 2014
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Uma peça de arquitectura é como um desenvolvimento de linguagens. Escrevê-las, um esforço; melhorá-las, um enriquecimento; lê-las, depois (neste caso), um privilégio.
Manuel Graça Dias
in Prémio Secil Arquitectura 1994: Escola Superior de Comunicação Social, João Luís Carrilho da Graça. 1ª Edição. Lisboa: Secil, 1994, p. 21.
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AGRADECIMENTOS
À Prof.ª Doutora Helena Barranha, que aceitou orientar este trabalho, agradeço a partilha de
conhecimentos, a dedicação impressa nas críticas e sugestões que fizeram crescer a investigação e
a ajuda insubstituível na seleção de um conjunto inesgotável de informação.
Aos arquitetos Victor Mestre e Sofia Aleixo, agradeço a disponibilização de documentação sobre o
projeto que realizaram no Castelo e a resposta paciente às minhas questões. Ao arquiteto Victor
Beiramar Diniz, à Doutora Susana Serra e ao arquiteto João Pedro Falcão de Campos, agradeço a
disponibilidade e as conversas esclarecedoras.
Por fim, e porque o justifica o apreço pessoal, agradeço à mãe a leitura crítica e o incentivo; à avó, a
revisão final dos textos; ao Pedro Santos, a revisão dos textos em inglês; ao pai e ao Pedro, o
enquadramento e o ânimo; e ao Nuno, o apoio incondicional.
Passei muitas horas gratificantes nos espaços que esta dissertação me levou a conhecer. Foi uma
temporada de trabalho enriquecedora.
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Monumentos e Museografia: dois espaços museológicos no Castelo de São Jorge, em Lisboa
RESUMO
A crescente valorização do património e o desenvolvimento paralelo do setor museológico,
em número e diversidade programática, têm valorizado, sobretudo desde meados do
século XX, a reabilitação de edifícios, frequentemente classificados como monumentos,
para a atribuição de programas museológicos.
A presente dissertação pretende estudar a relação entre monumentos e museografia,
desenvolvendo uma reflexão de âmbito geral a partir da análise dos dois espaços
museológicos complementares, recentemente inaugurados no Castelo de São Jorge, em
Lisboa. Embora atuem sobre lugares de características distintas, o Núcleo Museológico
(projeto de Victor Mestre e Sofia Aleixo, 2007-08) e o Núcleo Arqueológico (da autoria de
João Luís Carrilho da Graça, 2008-10) evidenciam uma continuidade que garante que o
património se apresenta como parte integrante do seu contexto físico e cultural. Ambos os
projetos resolvem, de forma singular, a introdução do programa museológico num espaço
de natureza histórica, através da diferenciação entre obra nova e preexistente, da opção
pela reversibilidade das intervenções e do respeito pela autenticidade do lugar. O
património arquitetónico e arqueológico que constitui o Castelo, entendido como um valor
em si mesmo, surge valorizado pelo programa museológico, apto para um diálogo
renovado com a vontade do tempo.
Palavras-chave: património; arquitetura de museus; musealização do património; Castelo de São Jorge,
Lisboa.
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Monuments and Museums: two museum spaces in São Jorge Castle, Lisbon
ABSTRACT
The increasing recognition of the value of heritage and the parallel development of the
museum sector, in number and programmatic diversity, has valued, especially since the
mid-twentieth century, the reintegration of buildings, often classified as monuments, for the
allocation of museum programmes.
This research work aims to study the relationship between monuments and museum
practice, developing a thorough reflection based on the analysis of the two complementary
museum spaces, recently inaugurated in São Jorge Castle, Lisbon. Although acting upon
places of distinct features, the Museum Centre (project by Victor Mestre and Sofia Aleixo,
2007-08) and the Archaeological Site Centre (authored by João Luís Carrilho da Graça,
2008-10) evidence a continuity that ensures that heritage is presented as an integral part of
its physical and cultural context. Both projects substantiate, in unique ways, the introduction
of the museum programme in a space of historical character, by differentiating between new
and preexisting architectures, by opting for the interventions’ reversibility and by respecting
the authenticity of the site. The architectural and archaeological heritage that composes the
Castle, understood as a value in itself, is thus enriched by the museum programme,
establishing a renewed dialogue between the past and the present.
Keywords: heritage; museum architecture; musealization of heritage; São Jorge Castle, Lisbon.
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Nos edifícios, nas cidades ou no território sempre humanizado, a arquitectura dos próximos anos será marcada pela prática da recuperação. Recuperação e criação serão complemento e não especialidades passíveis de tratamentos autónomos. Reconhecer-se-á que não se inventa uma linguagem. Reconhecer-se-á que a linguagem se adapta à realidade para lhe dar forma. Tudo será reconhecido como património colectivo e, nessa condição, objecto de mudança e continuidade. Os instrumentos de reconhecimento do real chamam-se História, a arte de construir a transformação chama-se Arquitectura.
Álvaro Siza Vieira
cit. por Alexandre Alves Costa in “Acções Patrimoniais – Perspectivas Críticas”. Arq/a, nº 82/83. Lisboa: Futur Magazine Editora, Julho-Agosto 2010, p. 24.
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ÍNDICE
Agradecimentos
Resumo
Abstract
Índice
Índice de figuras
Lista de siglas e abreviaturas
III
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VII
XI
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1. Introdução
1.1. Âmbito e objetivos
1.2. Estado da arte
1.3. Metodologia
1.4. Estrutura da dissertação
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2. Intervenções no património edificado
2.1. Breve perspetiva histórica
2.2. O conceito de património na atualidade
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3. Reabilitação do património arquitetónico para programas museológicos
3.1. Panorama internacional: a evolução do conceito de museu
3.2. Caso português
3.3. A especificidade da musealização de sítios arqueológicos e castelos
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33
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4. Castelo de São Jorge
4.1. Enquadramento histórico
4.2. Intervenções dos séculos XX e XXI
4.2.1. Intervenção da DGEMN (1938-40)
4.2.2. Projeto Integrado do Castelo (1995-2001)
4.2.3. Reabilitação do troço sul / nascente do Caminho-de-Ronda (1996-2002)
4.2.4. Campanha arqueológica na Praça Nova (1996-2007)
4.2.5. Percurso Pedonal Assistido da Baixa ao Castelo de São Jorge (2009-13)
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5. Núcleo Expositivo da Alcáçova do Castelo, Arq. Victor Mestre / Sofia Aleixo
5.1. Conceito e programa
5.2. Metodologia de intervenção no património e estratégia museológica
5.3. Reflexão final
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75
81
88
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6. Núcleo Arqueológico: Musealização da Área Arqueológica da Praça Nova do
Castelo, Arq. João Luís Carrilho da Graça
6.1. Conceito e programa
6.2. Metodologia de intervenção no património e estratégia museológica
6.3. Reflexão final
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100
109
7. Considerações finais
111
Bibliografia
121
Anexos
Anexo A. Ficha síntese de caracterização dos projetos
Núcleo Expositivo
Núcleo Arqueológico
Anexo B. Desenhos técnicos dos projetos
Plantas de localização
Núcleo Expositivo
Núcleo Arqueológico
Anexo C. Nota biográfica dos arquitetos
Victor Mestre / Sofia Aleixo
João Luís Carrilho da Graça
Anexo D. Entrevistas
Entrevista à Dra. Susana Serra (Coordenadora da Área de Património Cultural do Castelo de São Jorge)
Entrevista ao Arq. João Pedro Falcão de Campos (Arq. Percurso Pedonal Assistido da Baixa ao Castelo de São Jorge)
Entrevista aos Arq. Victor Mestre / Sofia Aleixo (Arq. Núcleo Museológico do Castelo de São Jorge)
Entrevista ao Arq. Victor Beiramar Diniz (Arq. Paisagista, colaborador do ateliê Carrilho da Graça Arquitetos)
Anexo E. Estatísticas: visitantes do Castelo de São Jorge
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ÍNDICE DE FIGURAS
Figura
Página Descrição Fonte
01 12 Cidadela de Carcassonne, o Castelo antes do restauro.
Editions des Riches Heures, Editions Culturelles et Éducatives, Atlas Internet des Monuments Français. <www.richesheures.net>
02 12 Cidadela de Carcassonne, o Castelo atualmente.
4 images, Image Gallery Management System, 2012. <http://hqworld.net>
03 14 Castelo de Leiria, vista geral do Castelo antes da intervenção.
Ernesto Korrodi, início do século XX. Fotografia da coleção particular de Ernesto Korrodi reproduzida em postal, integrando uma série da responsabilidade da Câmara Municipal de Leiria, s.d.
04 14 Castelo de Leiria, atualmente. Rita Neto Silva, 2009.
05 15 Castello Sforzesco, Torre de Filarete. Jonathan Rome, 2010. <http://romeonrome.com>
06 15 Castello Sforzesco, planta (com indicação da Torre de Filarete, cujo projeto original é atribuído a Filarete).
Politecnico di Milano, s.d. <http://beep.metid.polimi.it>
07 17 Paço dos Duques de Bragança, vista aérea (antes dos arranjos exteriores).
ALÇADA, Margarida e GRILO, Maria Inácia Teles (Coord.) – Caminhos do Património 1929-1999. Lisboa: Livros Horizonte, Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, 1999, p. 55.
08 17 Paço dos Duques de Bragança, planta geral do Castelo e Paço dos Duques, antes e depois do restauro.
Rogério de Azevedo, s.d. <http://www.skyscrapercity.com>
09 20 Pousada de D. Dinis, núcleo reabilitado.
CREMASCOLI, Roberto – Alcino Soutinho. 1ª Edição. Col. Arquitectos Portugueses. Série 2. Avelada, Vila do Conde: Verso da História, 2013, p. 29.
10 20 Pousada de D. Dinis, planta do núcleo muralhado.
SIPA, IHRU, 1972. <http://www.monumentos.pt>
11 21 Fortaleza de Sagres, corpo projetado por João Carreira.
Renata Sousa, 2012. <https://www.behance.net>
12 21 Fortaleza de Sagres, planta do promontório.
SIPA, IHRU, s.d. <http://www.monumentos.pt>
13 30 Museu de Castelvecchio, pormenor exterior.
Luca Onniboni, 2014. <https://www.archiobjects.org>
14 30 Museu de Castelvecchio, corte pelo pátio (em cima) e pelo volume de galerias (em baixo).
Carlo Scarpa, s.d. <http://archiviocarloscarpa.it>
15 32 Tate Modern, exterior. Autor não identificado, 2014. <https://www.nyhabitat.com>
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16 32 Tate Modern, corte virado a este, evidenciando a Turbine Hall.
Herzog & de Meuron, 2013. <http://www.archdaily.com>
17 34 Museu Nacional Machado de Castro, planta do piso 0: exposições, serviços internos e serviços para o público.
GUIMARÃES, Carlos – Arquitectura e Museus em Portugal – Entre Reinterpretação e Obra Nova. 1ª Edição. Porto: FAUP Publicações, Série 1, Ensaios 12, 2004, p. 329.
18 34 Museu de Aveiro, planta do piso 0: exposições, serviços para o público, serviços internos.
Idem, p. 488.
19 37 Museu Nacional Machado de Castro. Duccio Malagamba, 2009. <http://www.byrnearq.com>
20 37 Museu Amadeo de Souza Cardoso. Fernando Guerra, 2013. <http://ultimasreportagens.com>
21 38 Farol Museu de Santa Marta, preexistências recuperadas.
Idem, 2008.
22 38 Farol Museu de Santa Marta, planta térrea do projeto.
Aires Mateus Associados, 2010. <http://europaconcorsi.com>
23 42 Museu Madinat Al Zahra, pátio interior. Fernando Alda, 2013. <http://www.archdaily.com>
24 42 Museu Madinat Al Zahra, planta composta por métrica quadrada.
Nieto & Sobejano Arquitectos, 2013. <http://www.archdaily.com>
25 42 Museu Marítimo do Castillo de la Luz, interior.
Roland Halbe, 2014. <www.rolandhalbe.eu>
26 42 Museu Marítimo do Castillo de la Luz, planta do primeiro piso, sala de exposições.
Nieto & Sobejano Arquitectos, 2013. <http://www.nietosobejano.com>
27 43 Museu Kolumba, unidade entre novo e preexistente no pátio interior.
José Fernando Vázquez, 2010. <http://www.archdaily.com>
28 43 Museu Kolumba, unidade entre novo e preexistente na fachada.
Teraform Environments, 2012 <http://www.tera-form.com>
29 44 Castelo dos Mouros, novo e preexistente.
Rita Neto Silva, 2013.
30 44 Castelo dos Mouros, adaptação da Igreja a Centro de Interpretação.
Parques de Sintra, Monte da Lua, 2014. <http://www.parquesdesintra.pt>
31 44 Castelo de Campo Maior, vista exterior.
Fernando Guerra, 2009. <http://ultimasreportagens.com>
32 44 Castelo de Campo Maior, estrutura que permite a visita dos vestígios arqueológicos.
Idem.
33 45 Castelo de Mértola, vista exterior. PEDREIRINHO, José Manuel – “Musealização da Alcáçova e Castelo de Mértola”. Arquitectura Ibérica, nº 36. Sintra: Caleidoscópio, Março 2011, p. 19.
34 45 Castelo de Mértola, espaço interior. Idem, p. 22.
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35 45 Castelo de Mértola, corte. Idem, p. 16.
36 46 Casa de Chá do Paço das Infantas, corte.
PEDRO, Désirée – João Mendes Ribeiro. 1ª Edição. Col. Arquitectos Portugueses. Série 1. Avelada, Vila do Conde: QN Edição e Conteúdos, S.A, 2011, p. 29.
37 46 Casa de Chá do Paço das Infantas, vista geral.
Idem, p. 27.
38 46 Casa de Chá do Paço das Infantas, pormenor.
Sérgio Barbosa, 2009. <http://arquitecturafotos.blogspot.pt>
39 50 Castelo de São Jorge, vista aérea, 1992.
SIPA, IHRU, 1992. <http://www.monumentos.pt>
40 52 Gravura publicada no atlas Civitates Orbis Terrarum (1572), que reproduz Lisboa no século XVI, o rio Tejo na era dos Descobrimentos e o Castelo de São Jorge, ao fundo.
BRAUN, Georg e HOGENBERG, Franz – Civitates Orbis Terrarum. Volume I. Colónia, 1572.
41 53 Castelo de São Jorge, planta da Freguesia de Santa Cruz do Castelo em 1650.
Cópia por Augusto Vieira da Silva a partir de planta extraída de “Planta da Cidade de Lxª...” por João Nunes Tinoco, 1650, in SILVA, Augusto Vieira da – O Castelo de S. Jorge em Lisboa. Estudo Histórico- -descritivo. 2ª Edição. Lisboa: Tipografia da Emprênsa Nacional de Publicidade, 1937, p. 15.
42 53 Castelo de São Jorge, planta da mesma freguesia, anterior ao Terramoto de 1755.
Cópia ou desenho realizado em 1761, in SILVA, Augusto Vieira da – O Castelo de S. Jorge em Lisboa. Estudo Histórico-descritivo. 2ª Edição. Lisboa: Tipografia da Emprênsa Nacional de Publicidade, 1937, p. 17.
43 54 Capa do Boletim da DGEMN nº 25-26.
DGEMN – Boletim da Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais – Castelo de S. Jorge. 1ª Edição, nº 25-26. Lisboa: Ministério das Obras Públicas, Setembro-Dezembro 1941.
44 57 Castelo de São Jorge, planta do Castelo antes da intervenção da DGEMN.
Idem.
45 57 Castelo de São Jorge, planta idêntica, depois da intervenção.
Idem.
46 57 Castelejo do Castelo de São Jorge, planta do Castelejo antes da intervenção da DGEMN.
Idem.
47 57 Castelejo do Castelo de São Jorge, a mesma planta depois da intervenção.
Idem.
48 60 Conjunto geral do Castelo de São Jorge, antes da intervenção da DGEMN.
Aviação Naval de Lisboa, s.d. in DGEMN – Boletim da Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais – Castelo de S. Jorge. 1ª Edição, nº 25 -26. Lisboa: Ministério das Obras Públicas, Setembro-Dezembro 1941.
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49 60 Conjunto geral do Castelo de São Jorge, depois da intervenção.
Base Aérea Ota, s.d. in DGEMN – Boletim da Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais – Castelo de S. Jorge. 1ª Edição, nº 25 -26. Lisboa: Ministério das Obras Públicas, 1941.
50 60 Torre de Ulisses e entrada no Castelejo, antes da intervenção da DGEMN – segundo descrição do Boletim da DGEMN: quartel militar, Torre de Ulisses cortada, muralha da barbacã escondida por reboco, escada moderna, edifício do posto meteorológico, Torre do Observatório.
Eduardo Portugal, 1939, in DGEMN – Boletim da Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais – Castelo de S. Jorge. 1ª Edição, nº 25 -26. Lisboa: Ministério das Obras Públicas, Setembro-Dezembro 1941.
51 60 Torre de Ulisses e entrada no Castelejo, o mesmo local depois do desaterro e da reconstituição das torres, barbacã, fosso, ponte, muralhas e ameias.
DGEMN – Boletim da Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais – Castelo de S. Jorge. 1ª Edição, nº 25-26. Lisboa: Ministério das Obras Públicas, Setembro-Dezembro 1941.
52 60 Torre da Cisterna (canto nordeste do Castelejo) e muralha norte, antes da intervenção.
Eduardo Portugal, 1939, in DGEMN – Boletim da Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais – Castelo de S. Jorge. 1ª Edição, nº 25 -26. Lisboa: Ministério das Obras Públicas, Setembro-Dezembro 1941.
53 60 Torre da Cisterna (canto nordeste do Castelejo) e muralha norte, depois da reconstituição.
DGEMN – Boletim da Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais – Castelo de S. Jorge. 1ª Edição, nº 25-26. Lisboa: Ministério das Obras Públicas, Setembro-Dezembro 1941.
54 60 Sala Ogival do Paço Real da Alcáçova, no início dos trabalhos.
Fotografia exposta na exposição da Sala Ogival do Núcleo Museológico do Castelo de São Jorge: IHRU – DIBA Arquivo DGEMN, Arquivo Municipal de Lisboa, Núcleo Fotográfico.
55 60 Sala Ogival do Paço Real da Alcáçova, durante a reconstituição.
Idem.
56 62 Núcleo urbano do Castelo de São Jorge, vista aérea de sul, após o restauro de 1940.
SIPA, IHRU, 1940. <http://www.monumentos.pt>
57 63 Castelo de São Jorge, perspetiva esquemática.
Figura adaptada pela autora a partir de AA. VV. – Castelo de São Jorge: Museum. 1ª Edição. Lisboa: Câmara Municipal: EGEAC, 2009, p. 23.
58 65 Reabilitação do troço sul / nascente do Caminho-de-Ronda do Castelo de São Jorge e edifício da bilheteira, início dos trabalhos de limpeza.
Victor Mestre, s.d. in GASPAR, Alexandra, GOMES, Ana e MESTRE, Victor – “Reabilitação do troço sul / nascente do Caminho-de-Ronda do Castelo de São Jorge, Lisboa”. Monumentos, nº 17. Lisboa: Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Setembro 2002, p. 134.
59 65 Reabilitação do troço sul / nascente do Caminho-de-Ronda do Castelo de São Jorge e edifício da bilheteira, implantação da estrutura da cobertura do edifício da bilheteira (terminado em 2001).
Idem, p. 135.
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60 66 Reabilitação do troço sul / nascente do Caminho-de-Ronda do Castelo de São Jorge e edifício da bilheteira, fachada sul do edifício integrada nas ruínas (2014).
Rita Neto Silva, 2014.
61 66 Reabilitação do troço sul / nascente do Caminho-de-Ronda do Castelo de São Jorge e edifício da bilheteira, interior do edifício (2002).
José Pedro Aboim Borges, DGEMN, 2002, in GASPAR, Alexandra, GOMES, Ana e MESTRE, Victor – “Reabilitação do troço sul / nascente do Caminho- -de-Ronda do Castelo de São Jorge, Lisboa”. Monumentos, nº 17. Lisboa: Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, 2002, p. 135.
62 66 Reabilitação do troço sul / nascente do Caminho-de-Ronda do Castelo de São Jorge e edifício da bilheteira, visto de cima (2014).
Rita Neto Silva, 2014.
63 66 Reabilitação do troço sul / nascente do Caminho-de-Ronda do Castelo de São Jorge e edifício da bilheteira, passadiço do Caminho-de-Ronda (2014).
Idem.
64 67 Sítio Arqueológico da Praça Nova do Castelo de São Jorge.
Figura adaptada pela autora a partir de axonometria da autoria de João Luís Carrilho da Graça Arquitetos, apresentada em NEVES, José Manuel das – Carrilho da Graça – Musealização da Área Arqueológica da Praça Nova do Castelo de S. Jorge / Ponte Pedonal sobre a Ribeira da Carpinteira. 1ª Edição. Lisboa: Uzina Books, 2012, p. 33.
65 69 Planta de implantação das intervenções no Castelo de São Jorge.
Figura adaptada pela autora a partir de GRAÇA, João Luís Carrilho da – João Luís Carrilho da Graça – Obras Recentes. 1ª Edição. Lisboa: Ordem dos Arquitetos, Secção Regional Sul, Núcleo do Médio Tejo, Outubro 2011, pp. 12-13.
66 71 Percurso Pedonal Assistido da Baixa ao Castelo de São Jorge, diagrama.
Figura adaptada pela autora a partir de CML – Da Baixa ao Castelo de S. Jorge. Panfleto. Lisboa: Câmara Municipal Lisboa, Turismo de Portugal, 2013.
67 71 Percurso Pedonal Assistido da Baixa ao Castelo de São Jorge, planta esquemática.
Figura adaptada pela autora a partir de diagrama exposto no átrio do edifício (Rua dos Fanqueiros).
68 72 Edifício de acolhimento Rua dos Fanqueiros / Rua da Madalena, interior.
Falcão de Campos Arquiteto, 2013. <http://falcaodecampos.pt>
69 72 Edifício de acolhimento Rua dos Fanqueiros / Rua da Madalena, entrada Rua dos Fanqueiros.
Rita Neto Silva, 2014.
70 72 Edifício de acolhimento Rua dos Fanqueiros / Rua da Madalena, entrada Rua da Madalena.
Idem.
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71 72 Edifício de acolhimento Rua dos Fanqueiros / Rua da Madalena, alçado Rua dos Fanqueiros.
Falcão de Campos Arquiteto, 2013. <http://falcaodecampos.pt>
72 72 Edifício de acolhimento Rua dos Fanqueiros / Rua da Madalena, alçado Rua da Madalena.
Idem.
73 72 Edifício de acolhimento Rua dos Fanqueiros / Rua da Madalena, corte longitudinal, evidenciando a ligação entre a cota da Baixa (Rua dos Fanqueiros) e a cota do Largo Adelino Amaro da Costa (Rua da Madalena).
Idem.
74 74 Planta de localização do Núcleo Expositivo, orientada a Norte.
Planta de localização realizada pela autora a partir de base cartográfica disponibilizada pela CML à coordenação do Mestrado Integrado em Arquitetura do Instituto Superior Técnico, Lisboa.
75 76 Planta do Núcleo Museológico, diagrama de disposição da exposição.
Figura adaptada pela autora a partir de AA. VV. – Castelo de São Jorge: Museum. 1ª Edição. Lisboa: Câmara Municipal: EGEAC, 2009, p. 15.
76 77 Sala Ogival, vista a partir do lado sul da sala.
Rita Neto Silva, 2014.
77 77 Sala Ogival, vista a partir do lado norte da sala.
Idem.
78 78 Sala das Colunas, mesa luminosa que acompanha o percurso expositivo.
Idem.
79 78 Sala das Colunas, início da mesa. Idem.
80 78 Sala das Colunas, leitura do espaço desde o nível superior da sala.
Idem.
81 78 Sala das Colunas, nível inferior da sala.
Idem.
82 79 Sala da Cisterna, leitura do espaço da sala.
Fotografia cedida pelos arquitetos Victor Mestre e Sofia Aleixo, espólio particular dos arquitetos, 2008.
83 79 Sala da Cisterna, vitrinas ondulantes. Rita Neto Silva, 2014.
84 80 Planta do Núcleo Museológico, Piso 0 e Piso -1, com indicação dos cortes.
Documento projetual cedido pelos arquitetos Victor Mestre e Sofia Aleixo, espólio particular dos arquitetos, Núcleo Expositivo da Alcáçova do Castelo de São Jorge, Lisboa, 2007-08.
85 80 Corte nº 5, Sala das Colunas e Sala da Cisterna.
Idem.
86 80 Corte nº 2, Sala Ogival. Idem.
87 80 Corte nº 3, Sala das Colunas e Sala Ogival.
Idem.
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88 80 Corte nº 4, Sala Ogival e Sala das Colunas.
Idem.
89 85 Zonas de transição novo / antigo, rampa de acesso à entrada do Museu.
Rita Neto Silva, 2014.
90 85 Zonas de transição novo / antigo, área sobrelevada, Sala Ogival.
Idem.
91 87 Vitrina na Sala das Colunas. Idem.
92 87 Suporte expositivo temático na Sala da Cisterna.
Idem.
93 87 Suporte expositivo na Sala da Cisterna, dedicado ao século XIV.
Idem.
94 87 Suporte expositivo na Sala da Cisterna, dedicado aos séculos XV e XVI.
Idem.
95 89 Entrada principal do Núcleo Museológico.
Idem.
96 89 Acesso ao nível inferior do Museu; acesso à loja.
Idem.
97 92 Planta de localização do Núcleo Arqueológico, orientada a Norte.
Planta de localização realizada pela autora a partir de base cartográfica disponibilizada pela CML à coordenação do Mestrado Integrado em Arquitetura do Instituto Superior Técnico, Lisboa.
98 93 Vista aérea do Sítio Arqueológico. Fernando Guerra, 2013. <http://ultimasreportagens.com>
99 93 Vista de conjunto a partir de este. Idem, 2010.
100 94 Planta de implantação do Sítio Arqueológico.
Figura adaptada pela autora a partir de GRAÇA, João Luís Carrilho da – João Luís Carrilho da Graça – Obras Recentes. 1ª Edição. Lisboa: Ordem dos Arquitetos, Secção Regional Sul, Núcleo do Médio Tejo, Outubro 2011, p. 14.
101 94 Corte oeste / este (virado a norte). GRAÇA, João Luís Carrilho da – João Luís Carrilho da Graça – Obras Recentes. 1ª Edição. Lisboa: Ordem dos Arquitetos, Secção Regional Sul, Núcleo do Médio Tejo, Outubro 2011, p. 17.
102 94 Corte norte / sul (virado a este). Idem, p. 16.
103 96 Elementos de transição de cotas, membrana de aço corten e escadas em lioz.
Rita Neto Silva, 2014.
104 96 Degraus e banco em lioz. Idem.
105 96 Casas islâmicas, pormenor da fachada sul.
Fernando Guerra, 2010. <http://ultimasreportagens.com>
106 96 Casas islâmicas, fachada sul. Idem.
!XX
107 97 Estrutura de proteção dos pavimentos do século XV – XVI do Palácio dos Condes de Santiago, enquadramento no conjunto.
Idem.
108 97 Estrutura de proteção do perfil de escavação do núcleo da Idade do Ferro, século VII a. C.
Idem.
109 98 Reconstituição das casas islâmicas a partir de estudo desenvolvido pela equipa de arqueologia.
GRAÇA, João Luís Carrilho da – João Luís Carrilho da Graça – Obras Recentes. 1ª Edição. Lisboa: Ordem dos Arquitetos, Secção Regional Sul, Núcleo do Médio Tejo, Outubro 2011, p. 15.
110 98 Axonometria ilustrativa dos diversos momentos da intervenção.
Figura adaptada pela autora a partir de GRAÇA, João Luís Carrilho da – João Luís Carrilho da Graça – Obras Recentes. 1ª Edição. Lisboa: Ordem dos Arquitetos, Secção Regional Sul, Núcleo do Médio Tejo, Outubro 2011, p. 20.
111 99 Maquete de implantação da bancada no Sítio Arqueológico, vista de nordeste.
Rita Neto Silva, 2014. Fotografias da maquete desenvolvida pelo ateliê JLCG Arquitetos.
112 99 Maquete de implantação da bancada no Sítio Arqueológico, vista de sudeste.
Idem.
113 99 Maquete ilustrativa da relação entre a bancada e o Sítio Arqueológico, vista aérea de norte.
Idem.
114 99 Maquete ilustrativa da relação entre a bancada e o Sítio Arqueológico, vista de cima.
Idem.
115 103 O encontro entre as paredes brancas e as ruínas, compartimento da casa.
Fernando Guerra, 2010. <http://ultimasreportagens.com>
116 103 O encontro entre as paredes brancas e as ruínas, pátio e sucessão de espaços.
Idem.
117 103 O encontro entre as paredes brancas e as ruínas, linha de separação, linha de luz / sombra.
Idem.
118 103 O encontro entre as paredes brancas, as ruínas e os elementos de lioz, pormenor 1.
Rita Neto Silva, 2014.
119 103 O encontro entre as paredes brancas, as ruínas e os elementos de lioz, pormenor 2.
Idem.
120 104 Linha de luz entre as ruínas e as paredes brancas, no conjunto.
Fernando Guerra, 2010. <http://ultimasreportagens.com>
!XXI
121 104 Linha de luz entre as ruínas e as paredes brancas, ao longo das paredes brancas.
Idem.
122 107 Casa Candeias, fachada. Idem.
123 107 Casa Candeias, pátio. Idem.
124 107 Casa Candeias, alçado. Idem.
125 108 Suportes de informação em aço corten, no percurso de chegada.
Rita Neto Silva, 2014.
126 108 Suportes de informação em aço corten, no Sítio Arqueológico.
Idem.
127 110 Núcleo da Idade do Ferro em primeiro plano e casas islâmicas em segundo plano; pavimento do campo arqueológico em saibro; elementos de transição de cotas em lioz e membrana de aço corten.
Fernando Guerra, 2010. <http://ultimasreportagens.com>
128 110 Vista de conjunto a partir de sudeste. Idem.
Nota 01: A autora incluiu neste trabalho algumas imagens protegidas por direitos de autor ou copyright,
devidamente referenciadas no índice de figuras, tendo em conta que esta dissertação se destina exclusivamente a
fins académicos. A autora não autoriza a reprodução do presente documento.
Nota 02: No caso do Núcleo Museológico, os desenhos técnicos apresentados em anexo foram cedidos pelos
autores do projeto. No caso do Sítio Arqueológico, são provenientes de uma publicação devidamente referenciada:
GRAÇA, João Luís Carrilho da – João Luís Carrilho da Graça – Obras Recentes. 1ª Edição. Lisboa: Ordem dos
Arquitetos, Secção Regional Sul, Núcleo do Médio Tejo, Outubro de 2011, p. 14 e pp. 16-18. As plantas de
localização são da responsabilidade da autora e foram realizadas a partir de uma base cartográfica
disponibilizada pela Câmara Municipal de Lisboa (CML) à coordenação do Mestrado Integrado em Arquitetura do
Instituto Superior Técnico, Lisboa.
!XXII
!XXIII
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AAP Associação dos Arqueólogos Portugueses
CML Câmara Municipal de Lisboa
CIAM Congrès Internationaux d’Architecture Moderne
DGEMN Direção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais
DGPC Direção Geral do Património Cultural
DMRU Direção Municipal de Reabilitação Urbana
EGEAC Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural, CML
ESBAL Escola Superior de Belas Artes de Lisboa
ICOMOS International Council on Monuments and Sites
ICR Instituto Português de Conservação e Restauro
IGAPHE Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado
IGESPAR Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico
IMC Instituto dos Museus e da Conservação
IPM Instituto Português dos Museus
IPA Instituto Português de Arqueologia
IPPAR Instituto Português do Património Arquitetónico a Arqueológico
IPPC Instituto Português do Património Cultural
PIC Projeto Integrado do Castelo
POC Plano Operacional de Cultura
RPM Rede Portuguesa de Museus
SAAL Serviço de Apoio Ambulatório Local
SIPA Sistema de Informação para o Património Arquitetónico
UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
! !
!XXIV
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1. INTRODUÇÃO
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!3
1.1. Âmbito e objetivos
[...] todo o património construído (com relevo para a cidade) é fonte de ensinamentos parcelares, a procura extremamente intencional e propositada do sentido dos sítios e das suas potencialidades formais, um extremo respeito pelas razões da construção em que cada tijolo tem significado (mesmo que esse significado seja um produto cultural sofisticado ou venha pela via da analogia literária), o entendimento da arquitectura como linguagem.
João Luís Carrilho da Graça1
O Castelo de São Jorge demonstra que os monumentos históricos podem sobreviver para
além das suas ocupações e funções originais. Monumento emblemático da cidade de
Lisboa, tem sido objeto de várias ações de conservação, restauro e valorização, entre as
quais se destacam a intervenção da Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais
(DGEMN, 1938-40) e o Projeto Integrado do Castelo (PIC, 1995-2001). Mais recentemente,
os projetos de Victor Mestre e Sofia Aleixo, para o Núcleo Expositivo da Alcáçova do
Castelo (2007-08), e de João Luís Carrilho da Graça, para a Musealização da Área
Arqueológica da Praça Nova (2008-10), introduziram um diálogo renovado entre
preexistências e intervenções contemporâneas.
A presente dissertação pretende analisar o contributo destes projetos para a valorização do
monumento preexistente, no contexto de conservação e restauro de um dos imóveis mais
significativos de Portugal, e interpretar a coexistência dos dois programas museológicos
complementares, tendo em conta o enquadramento histórico da arquitetura de museus,
desde sempre associada à integração de espaços expositivos em edifícios históricos, !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1 João Luís Carrilho da Graça in AA. VV. – “Arquitectura em Debate: Aveiro 79 – Depoimentos de Manuel Graça Dias, José Lopo Prata, Pedro Vieira de Almeida, Álvaro Siza, Madalena Cunha Matos e Luís Costa, João Luís Carrilho da Graça, António Marques Miguel”. Arquitectura, Série 4, nº 134, Lisboa, Junho-Julho 1979, p. 52.
!4
frequentemente classificados como monumentos. A análise destas duas intervenções no
Castelo de São Jorge serve o propósito de uma reflexão de âmbito mais geral acerca da
relevância da reabilitação do património arquitetónico para programas museológicos. Deste
modo, os objetivos da investigação podem ser definidos nos seguintes pontos:
• Analisar a relevância de ações de reabilitação do património para fins museológicos,
enquanto via para a sua salvaguarda, face à perda de viabilidade da função primitiva;
• Relacionar a evolução da noção de património e o desenvolvimento da arquitetura de
museus sediados em edifícios preexistentes;
• Investigar a sequência de intervenções no Castelo de São Jorge, estudando as
abordagens subjacentes e contextualizando-as do ponto de vista histórico e ideológico;
• Analisar a relação entre monumentos e museografia, tendo como casos de estudo os
projetos de Victor Mestre / Sofia Aleixo e Carrilho da Graça no Castelo de São Jorge;
• Analisar as premissas, metodologias e soluções associadas às duas intervenções em
análise, estudando a estratégia museológica adotada, a sua relação com as doutrinas e
convenções de intervenção no património e o seu resultado nas dinâmicas de turismo do
Castelo e da cidade.
Pretende-se uma investigação nas áreas da arquitetura, da teoria da conservação e do
restauro e da museologia, compreendendo de que modo estas disciplinas convergem para
a salvaguarda do património. Neste sentido, a presente dissertação pretende contribuir
para o estudo do património arquitetónico, na especificidade de ações de reabilitação de
monumentos para fins museológicos.
Os casos de estudo selecionados afiguram-se pertinentes, na medida em que revelam
contribuições de qualidade para a preservação do património português. Acredita-se que a
sua análise será relevante para a compreensão da atitude contemporânea de intervenção
em edifícios históricos, sobre o equilíbrio entre preexistência e obra nova, compreendendo
o papel da arquitetura e da museologia na sua relação com a conservação e valorização do
património.
Para uma leitura plena desta dissertação será essencial visitar os projetos apresentados,
compreendendo as singularidades e as oportunidades impressas em cada um deles –
porque os museus são, antes de mais, lugares que se constroem de uma leitura próxima e
pessoal, uma interpretação sobre os territórios construídos e as memórias neles expressas.
!5
1.2. Estado da arte
O presente trabalho pretende contribuir para o entendimento do papel da arquitetura de
museus na salvaguarda do património, desenvolvendo uma reflexão de âmbito geral a partir
da análise de dois casos de estudo. Embora os projetos sobre os quais se centra esta
dissertação sejam recentes, já se encontram bastante documentados, sobretudo em
publicações periódicas. Existem também referências aos projetos em análise em
monografias dos autores, como é o caso da publicação Musealização da Área
Arqueológica da Praça Nova do Castelo de S. Jorge (2012), da Uzina Books, sobre a
intervenção de Carrilho da Graça. No que diz respeito à globalidade da obra deste
arquiteto, existe uma vasta coleção de artigos e livros com reflexões desenvolvidas por
vários autores. A revista El Croquis dedicou-lhe o nº 170 (2014), com o título João Luís
Carrilho da Graça 2002-2013. Trazar conexiones, construir pautas.
Sobre o Núcleo Expositivo (da autoria de Victor Mestre / Sofia Aleixo), as referências diretas
são menos evidentes, estando a obra dos autores documentada sobretudo em monografias
especialmente direcionadas para outras obras de conservação e restauro da sua autoria.
Neste contexto, destaca-se o livro Reabilitação do Tempo (2004), de José Manuel das
Neves. A monografia ao (per)correr (d)a vida (2013), sobre a obra de Victor Mestre, assume
também relevância para o presente estudo, evidenciando o seu trabalho enquanto
investigador e a sua vasta contribuição para a reabilitação do património.
A diacronia de intervenções no Castelo de São Jorge encontra-se documentada em
publicações da responsabilidade da CML, nomeadamente no catálogo Reabilitação Urbana
dos Bairros Históricos de Lisboa (2001) e na publicação de comemoração dos 100 anos do
Castelo como monumento nacional (2010). Importa ainda mencionar que Augusto Vieira da
Silva publicou, em 1898, a primeira monografia sobre o Castelo, com 2ª edição em 1937, e
que o Boletim da DGEMN nº 25-26 (1941) regista a intervenção realizada entre 1938 e 1940.
Importa também realçar os autores e respetivas obras de referência que se revelaram
indispensáveis numa primeira abordagem ao tema. Em relação à noção de património e à
evolução das práticas de conservação e restauro, destacam-se as reflexões de Françoise
Choay (1982) Alegoria do Património e, no contexto português, de Paulo Pereira, com a
publicação de diversos artigos sobre as intervenções no património edificado nacional; e de
Jorge Custódio (2010) 100 Anos de Património. Memória e Identidade. Portugal 1910-2010.
No que diz respeito à especificidade da temática da arquitetura de museus, salienta-se
que, no contexto nacional, este tem sido um tema abordado por vários autores,
!6
constituindo-se, assim, um mapa de referências abrangente e completo, decorrente de uma
ampla investigação e produção teórica. Referem-se as investigações de Isabel Martins
Moreira (1988) As Formas Materiais do Legado da Cultura – Museus e Monumentos em
Portugal (1772-1974); Ana Tostões (1997) “El museo como programa en la arquitectura
contemporánea”, texto incluído no número monográfico da Revista de Museología,
coordenada por Maria da Luz Nolasco; Helena Barranha (2001) Museus de Arte Moderna e
Contemporânea. Conceitos, conteúdos, arquitecturas. Das tendências internacionais ao
caso português e (2007) Arquitectura de Museus de Arte Contemporânea em Portugal – Da
intervenção Urbana ao Desenho do Espaço Expositivo; Raquel Henriques da Silva (2002)
“Os Museus: História e Prospectiva”, texto incluído na coletânea coordenada por Fernando
Pernes: Panorama da Cultura Portuguesa no Século XX; e Carlos Guimarães (2004)
Arquitectura e Museus em Portugal – Entre Reinterpretação e Obra Nova. A nível
internacional, e sobre a historiografia dos museus, destacam-se as contribuições de
Nikolaus Pevsner (1976) A History of Building Types; Karsten Schubert (2009) The Curator’s
Egg: The evolution of the museum concept from the French Revolution to the present day; e
Josep María Montaner, com a publicação de várias obras relativas a esta temática.
Esta dissertação propõe uma leitura cruzada da bibliografia citada, atentando na relação
entre as intervenções no património e o desenvolvimento da arquitetura de museus,
constituindo, assim, um documento que amplia a discussão relativa à afinidade entre estes
dois conceitos, através da exploração de uma perspetiva conjunta da sua evolução.
1.3. Metodologia
A metodologia de trabalho adotada tem por base uma investigação fundamentada na
consulta de documentação existente em bibliotecas e arquivos. Esta abordagem teórica foi
complementada pela análise arquitetónica e museográfica dos espaços em análise, através
dos meios de investigação disponíveis: visitas aos locais e entrevistas aos autores dos
projetos e às entidades responsáveis pela gestão do Castelo. O desenvolvimento do trabalho
compreendeu diversas fases que se complementaram: levantamento de fontes bibliográficas;
pesquisa relativa ao estado da arte; estruturação da abordagem orientadora da tese,
especificação do método e do plano de trabalho; tratamento e interpretação da informação;
contextualização e introdução ao tema; estudo da sequência de intervenções efetuadas no
Castelo; análise crítica dos casos de estudo; reflexão sobre o resultado das intervenções.
!7
A realização de entrevistas à Dra. Susana Serra (Coordenadora da Área de Património
Cultural do Castelo de São Jorge), ao arquiteto João Pedro Falcão de Campos (autor do
projeto do Percurso Pedonal Assistido da Baixa ao Castelo de São Jorge) e aos arquitetos
responsáveis pelos casos de estudo complementa a análise crítica, apresentando uma
perspetiva única da conceção dos projetos e das suas premissas orientadoras.
Optou-se por orientar o discurso de contextualização para a especificidade do tema da
dissertação, revendo a historiografia do património e da sua musealização a partir de uma
perspetiva direcionada para os exemplos que se entendem em afinidade com os casos de
estudo. Destacam-se os monumentos que, por questões tipológicas ou simbólicas, se
aproximam da temática da musealização de castelos e sítios arqueológicos.
O assunto sobre o qual incide esta dissertação compreende diversas ramificações, no
entanto o objetivo formulado implica uma descrição sintética dessas questões. A leitura
histórica é realizada mais ao nível das continuidades, que permitem tecer um fio condutor
das ocorrências, do que dos detalhes. Assim sendo, sem prejuízo dos acontecimentos que
lhe são precedentes, a investigação centra-se nos factos que datam do século XX, momento
de tensões e progressos que influenciou diretamente a produção do século XXI. O contexto
legal e institucional do património não é referido, exceto quando em relação evidente com
um determinado tema abordado. A constante evolução do tema e o carácter subjetivo da
análise crítica justificam que se afirme que o presente trabalho se materializa enquanto uma
reflexão possível, consciente das atualizações que o tema irá certamente registar.
Importa ainda referir que, ao longo deste trabalho, os conceitos de conservação e restauro
são referidos quase sempre em conjunto, tal como foram apresentados pela Carta de
Veneza – Carta Internacional Sobre a Conservação e o Restauro de Monumentos e Sítios
(1964). No entanto, e uma vez que a noção de restauro significa “[...] restabelecer a
unidade da edificação do ponto de vista da sua concepção e legibilidade originais e
acentuar os valores artísticos e históricos de um edifício”2, podendo ser negligenciado um
determinado estrato construtivo em favor de outro mais importante; deverá ser feita uma
distinção. Com efeito, verifica-se que a salvaguarda do património se centra atualmente em
critérios de conservação (consolidação, manutenção) e não de reconstituição ou recriação
arquitetónica. Procede-se à reabilitação, ampliação ou reinterpretação do edifício preexistente
segundo parâmetros atuais, pondo de parte a reconstituição e a unidade de estilo, para
privilegiar a autenticidade e a relação da preexistência com a contemporaneidade. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!2 Fernando M. A. Henriques – “A Conservação do Património Histórico Edificado”, 1991, cit. por António Nunes Pereira – “Para uma terminologia da disciplina de protecção do património construído”. Jornal de Arquitectos, nº 213. Lisboa: Estar Editora, Novembro-Dezembro 2003, p. 29.
!8
1.4. Estrutura da dissertação
A sequência de textos apresentada desenvolve-se desde uma fase introdutória, onde se
estabelece um enquadramento teórico do tema, esclarecendo conceitos associados à
noção de património arquitetónico, até uma fase de investigação sobre a adaptação do
património a programas museológicos, culminando com a análise dos casos de estudo.
A dissertação estrutura-se em sete partes, compreendendo a matéria referida. Após este
primeiro capítulo introdutório, realiza-se, no segundo capítulo, uma síntese evolutiva de
intervenções no património edificado, nos planos nacional e internacional, especificando-se,
numa segunda fase, a perspetiva contemporânea. No seguimento desta nota histórica,
aborda-se, no terceiro capítulo, a especificidade da reabilitação do património arquitetónico
para fins museológicos e inclui-se, também, uma referência à musealização de castelos e
sítios arqueológicos, introduzindo o enquadramento dos casos de estudo.
O quarto capítulo diz respeito ao enquadramento do Castelo de São Jorge enquanto
monumento nacional, objeto de sucessivas intervenções. Este tópico encontra-se dividido
em dois pontos: enquadramento histórico e intervenções dos séculos XX e XXI, fazendo
este segundo ponto referência à obra realizada durante o Estado Novo, ao Projeto
Integrado do Castelo (PIC), à reabilitação do troço sul / nascente do Caminho-de-Ronda, à
campanha arqueológica na Praça Nova, que deu origem aos casos de estudo desta
investigação, e ao Percurso Pedonal Assistido da Baixa ao Castelo de São Jorge.
Os capítulos cinco e seis são dedicados, respetivamente, à análise do Núcleo Expositivo da
Alcáçova do Castelo (projeto de Victor Mestre / Sofia Aleixo) e do Núcleo Arqueológico da
Praça Nova (projeto de Carrilho da Graça), discutindo o programa e o conceito de cada
projeto, bem como a metodologia de intervenção no património e a estratégia museológica.
O último ponto fundamenta uma síntese conclusiva da investigação. A bibliografia encontra-
-se organizada segundo tipologia de publicação, de acordo com a norma portuguesa.
Inclui-se um conjunto de anexos que possibilita uma leitura mais detalhada da tese,
apresentando, entre outros elementos, as entrevistas realizadas, as fichas de caracterização
e os desenhos técnicos dos projetos.
As citações enquadradas nos textos encontram-se traduzidas para português, de modo a
garantir a fluência do discurso; apenas quando se encontram destacadas estão transcritas
no registo original. Autores portugueses são citados em português, independentemente da
língua da publicação original.
!9
2. INTERVENÇÕES NO PATRIMÓNIO EDIFICADO
!10
!11
2.1. Breve perspetiva histórica
Não podemos debruçar-nos sobre o espelho do património, nem interpretar as imagens que ele nos reenvia actualmente, sem procurar, antes de mais, compreender como a grande superfície lisa desse espelho foi constituída pouco a pouco pela soma e pela fusão de fragmentos, a princípio chamados antiguidades, e depois monumentos históricos.
Françoise Choay3
O século XVIII veio impulsionar a necessidade de conservação do património construído: no
contexto da Revolução Francesa (1789-99) foram “[...] elaborados os conceitos de monumento
histórico e os instrumentos de preservação (museus, inventários, classificação, reutilização)
que lhe estão associados”4, bem como as primeiras leis de conservação e restauro. Embora
as noções de preservar e colecionar estejam presentes desde o Renascimento, foi no
âmbito da Revolução Francesa que se inaugurou o enquadramento sociocultural do
património e do museu, despertando-se o sentido de consciência coletiva do património e a
preocupação pela preservação da história e dos monumentos. Pode-se, assim, observar
que os conceitos monumento histórico e museu foram estabelecidos na mesma altura,
derivando a sua consolidação de uma ideologia comum. Registou-se, além disso, uma ação
de inventariação sistemática que marcou o desenvolvimento disciplinar da conservação e
do restauro. O Iluminismo, com centro também em França, e a edição da enciclopédia a ele
associada, contribuíram igualmente para uma visão global, coesa e unitária da cultura.
O século XIX foi o século das viagens, do Grand Tour, promovendo-se um conhecimento
adquirido in loco pela experiência, a análise e o desenho. O movimento de (re)descoberta
das civilizações antigas foi acompanhado por viagens a Itália e à Grécia, pelas elites !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!3 Françoise Choay – Alegoria do Património. 2ª Edição. Lisboa: Edições 70 Arte e Comunicação, Janeiro 2013, p. 27. 4 Idem, ibidem.
!12
europeias, com o intuito de estudar as ruínas. A arqueologia apareceu ligada ao exercício
da arquitetura, materializando uma aproximação ao restauro arquitetónico, que passou a ser
percecionado como uma disciplina autónoma5. Com efeito, o fenómeno cultural do século
XIX marcou a consolidação do termo monumento histórico e do seu significado e
representou um impulso no surgimento de correntes de pensamento ligadas à conservação
e restauro de edifícios6. Nesta altura, foi dada prioridade aos símbolos da Idade Média: os
castelos e as catedrais foram os primeiros edifícios a merecer uma valorização, sobretudo
quando assumiam uma presença urbana significativa.
Caracterizada pelo espírito historicista do século XIX, a obra de Viollet-le-Duc (1814-79) visou
essencialmente o restauro dos monumentos franceses, no período pós-Revolução; contudo,
o impacto da sua teoria propagou-se em diversos países europeus. Le-Duc trabalhou sobre
o Gótico, um período com forte presença em França, que se enquadrava no âmbito medieval
a que se dava preferência. A sua teoria assenta na necessidade de intervenção, ou seja, vê
o restauro enquanto atividade direta de reconstrução e reconstituição, recriando os elementos
arquitetónicos que contribuem para fortalecer uma unidade de estilo e uma dimensão
estilística da qual resulta um edifício que se pode provar diferente do original7. Ignoram-se
os acrescentos de outras épocas e os efeitos da passagem do tempo; imagina-se o projeto
idealizado à luz da gramática do seu estilo predominante, mesmo que não tenha sido essa
a perfeição primitiva. A Cidadela de Carcassonne é um exemplo nítido de aplicação da sua
teoria: embora tenha origem nas sucessivas ocupações de povos celtas, galo-romanos e
visigodos, com melhoramentos nas fortificações e muralhas que se atribuem à Idade Média,
o seu aspeto monumental advém do restauro realizado por Le-Duc, no século XIX8.
Cidadela de Carcassonne: 01. O Castelo antes do restauro. 02. O Castelo atualmente.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!5 Idem, p. 155. 6 Miguel Brito Correia e Flávio Lopes – Património Arquitectónico e Arqueológico. Cartas, Recomendações e Convenções Internacionais. Lisboa: Livros Horizonte, 2004, p.15. 7 Viollet-le-Duc cit. in Françoise Choay – op. cit., p. 160: “Restaurar um edifício é restabelecê-lo num estado completo que pode nunca ter existido num dado momento.” 8 Ver Viollet-le-Duc – La cité de Carcassonne. Paris: Editions Albert Morancé, s.d.
!13
A abordagem intervencionista subjacente ao Restauro Estilístico de Viollet-le-Duc encontra
um contraponto na teoria de John Ruskin (1819-1900) e William Morris (1834-96), associados
ao movimento Arts & Crafts, em Inglaterra. A sua teoria Não-Intervencionista (ou Anti-
-Restauro) baseia-se no princípio da intervenção mínima, defendendo a aceitação do efeito
do tempo na arquitetura e do seu envelhecimento como registo do passado9. Ruskin e
Morris defendiam a conservação da ruína – percecionada como valor estético e patrimonial
e preservada no seu estado natural – em oposição à reconstituição do edifício original. Esta
teoria marca o sentimento decorrente da industrialização (e consequente degradação dos
monumentos) e, por antítese, o ideal romântico de preservação do edifício como testemunho
da sua história. Neste sentido, é possível atribuir a consolidação do termo monumento
histórico, associada ao século XIX, à relação antagónica com a industrialização10, sentida
particularmente em Inglaterra.
Estas duas correntes eram de tal forma antagónicas que Ruskin acusou Le-Duc de produzir
restauros falsos, que desrespeitavam a forma original dos edifícios. Ainda assim, é possível
encontrar pontos comuns entre os dois pensadores: ambos acreditavam na necessidade de
um estudo científico do edifício, antes de se iniciar qualquer ação. Além disto, ambos elegiam
o Gótico como tema central do imaginário oitocentista, associado a uma atmosfera mística
que envolvia, nesta altura, o entendimento da Idade Média.
Em Portugal, foi em meados do século XIX, no âmbito do Romantismo, que se começou a
evidenciar um pensamento sobre a salvaguarda do património11, impulsionado sobretudo
por Alexandre Herculano (1810-77) e Almeida Garrett (1799-1854), que manifestaram a sua
inquietação face ao estado de degradação dos monumentos nacionais, imposto pela
destruição consequente das invasões francesas e pela extinção das Ordens Religiosas
(1834). Segundo Isabel Martins Moreira, “[...] as primeiras intenções formais de salvaguarda
de monumentos surgem no seio da Associação dos Arqueólogos Portugueses”12 (AAP),
fundada em 1863. Neste contexto, o museu aparece como entidade de reunião de objetos
com interesse histórico e arqueológico. Iniciam-se, nesta altura, as primeiras obras de
restauro, tendo como objeto os monumentos com o mesmo cariz medieval sobre os quais
se debruçavam as intervenções na Europa. Centradas em “[...] critérios de recriação !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!9 John Ruskin – The Seven Lamps of Architecture. Londres: J. M. Dent and Sons, 1956, p. 191: ”[...] the strength [of past buildings] which, through the lapse of seasons and times [...], connects forgotten and following ages with each others and half constitutes the identity, as it concentrates the sympathy of nations [...]”. 10 A reação à Revolução Industrial (1760-1840) dita que “[...] o monumento histórico é inscrito no signo do insubstituível: os danos que sofre são irreparáveis e a sua perda irremediável.” Françoise Choay – op. cit., p. 145. 11 Paulo Pereira – “Acerca das Intervenções no Património Edificado. Alguma História”. Intervenções no Património – 1995-2000: Nova Política, Lisboa: IPPAR, 1997 [páginas não numeradas]. 12 Isabel Martins Moreira – As Formas Materiais do Legado da Cultura – Museus e Monumentos em Portugal (1772-1974), Dissertação de Mestrado em Sociologia Aprofundada e Realidade Portuguesa, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, 1988, p. 139.
!14
arquitetónica [...]”13, destacam-se as obras no Mosteiro dos Jerónimos, no Mosteiro da
Batalha, na Sé de Lisboa e no Castelo de Leiria, entre outros.
É de referir a ação de Ernesto Korrodi (1870-1944) no Castelo de Leiria, realizada em
resposta à degradação do monumento. As obras de restauro, iniciadas em 1915,
prosseguiram sob a sua direção até 1933, altura em que a DGEMN14 assumiu a sua
responsabilidade. A intervenção orientada por Ernesto Korrodi assentou no estudo que
publicou em 1898, intitulado Estudos de Reconstrução sobre o Castelo de Leiria, e foi
realizada no sentido de reatribuir ao Castelo a sua forma original, numa abordagem que se
entende próxima da teoria de Viollet-Le-Duc15.
Castelo de Leiria: 03. Vista geral do Castelo antes da intervenção. 04. O Castelo atualmente.
A contribuição da escola italiana parte da teoria do Restauro Moderno, de Camillo Boito
(1836-1914), para uma abordagem mais pragmática e científica, capaz de atingir um
compromisso entre o Restauro Estilístico e a teoria Anti-Restauro. Boito propunha uma
análise exaustiva do monumento antes da intervenção e uma diferenciação entre a obra
nova e o edifício preexistente: as reconstituições deveriam ser evitadas e, se realizadas,
profundamente documentadas, assumindo as atividades de manutenção, consolidação,
conservação e reparação preferência em relação ao restauro. Defendia que as novas
adições introduzissem linguagens diferentes nos edifícios, assumindo a sua
contemporaneidade, sendo que se deveriam conservar também as adições sequenciais
realizadas ao longo do tempo. Boito introduziu, ainda, o conceito de autenticidade, mais
tarde definido pela Carta de Cracóvia (2000).
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!13 Paulo Pereira – “(Re)trabalhar o Passado. Intervenção no Património Edificado” in BECKER, Annette, TOSTÕES, Ana e WANG, Wilfried (Coord.) – Arquitectura do século XX. Portugal. Frankfurt: Deutsches Architektur-Museum, 1997, p. 99. 14 Fundada em 1929, integrada no Ministério do Comércio e Comunicações (depois, Ministério das Obras Públicas e Comunicações). Em 2007 foi extinta e integrada no IHRU. A gestão do património classificado ficou a cargo do IGESPAR. Ver D. L. nº 223/2007 de 30 de Maio. 15 Maria Genoveva Oliveira – Ernesto Korrodi. Roteiro na Cidade de Leiria. Leiria: Associação para o Desenvolvimento de Leiria e Centro do Património da Estremadura, Delegação Distrital de Leiria da Ordem dos Arquitetos, s.d., p. 6.
!15
A partir de Camillo Boito assiste-se a um movimento gradual de teorias individuais para
teorias institucionais – podemos inclusivamente afirmar que a sua doutrina constitui a base
do pensamento contemporâneo sobre o património. Teve muita influência no campo teórico,
mas, na prática, a arquitetura ainda não estava preparada para a sua abordagem – a
diferenciação antigo / novo só seria realmente estabelecida com a Carta de Veneza (1964).
Não obstante, os conceitos e as regras que enunciou estiveram na base de diversas teorias
e convenções internacionais, tendo sido ajustados em função da evolução dos sistemas
construtivos e dos acontecimentos históricos.
É de realçar, também, a teoria do Restauro Histórico de Luca Beltrami (1854-1933) –
com’era e dov’era. Baseada em fontes documentais, preconiza um restauro filológico, sem
adotar uma linguagem preferencial (ao contrário de Le-Duc) e defendendo o estudo,
valorização, preservação ou mesmo reposição de contributos de épocas distintas e
elementos que porventura faltariam nos edifícios ou que nunca tinham sido construídos.
Castello Sforzesco: 05. Torre de Filarete. 06. Planta (com indicação da Torre de Filarete, cujo projeto original é atribuído a Filarete).
Apresenta-se, neste contexto, a ação realizada por Luca Beltrami no Castello Sforzesco, em
Milão, uma construção do século XV, realizada com a contribuição de diversos arquitetos,
nomeadamente Brunelleschi (1377-1446), Filarete (1400-69), Leonardo da Vinci (1452-1519)
e Bramante (1444-1514), entre outros. No final do século XIX, a história do Castelo foi
repensada e a sua demolição foi defendida por muitos. Contudo, sobrepôs-se a proposta
de Luca Beltrami, que fez regressar a fortificação à forma que exibia durante o domínio dos
Sforza, através de um restauro extenso (1833-1905) que terminou com a inauguração da
Torre del Filarete, reconstruída segundo interpretações ambíguas dos documentos
disponíveis. O Castelo foi reconstituído de acordo com registos da sua forma original,
seguindo um método sistemático, baseado numa ampla investigação que se previa na
teoria do Restauro Histórico. No século XX, entre 1954 e 1963, realizou-se um projeto de
!16
musealização do Castelo (danificado pela Segunda Guerra Mundial), a cargo do grupo
BBPR16. Este projeto deu-se segundo critérios muito distintos do que foi efetuado por Beltrami,
dado que se introduziram elementos novos, em claro contraste com as preexistências.
Foi apenas no início do século XX, e após a Primeira Guerra Mundial (1914-18), como
consequência de uma destruição em massa, que a noção de património se alargou e se
libertou de uma associação quase exclusiva aos monumentos medievais. Esta mudança de
mentalidade teve, antes de mais, fundamento na teoria de Gustavo Giovannoni (1873-1947),
o Restauro Científico, caracterizado sobretudo pelo alargamento do conceito de monumento
à escala urbana, dando atenção aos conjuntos urbanos e à dita arquitetura menor.
Além da influência que alcançou no contexto italiano (Carta de Restauro Italiana, 1931),
Giovannoni teve ainda uma influência importante na redação da Carta de Atenas – Carta
Para o Restauro de Monumentos Históricos, Primeiro Congresso Internacional de Arquitetos
e Técnicos de Monumentos Históricos (1931) – que expressa o esforço de regulamentação
do restauro a nível mundial, constituindo o primeiro documento internacional com esta
vocação17. A carta enfatiza a importância de preservar o património e a relevância do seu
valor histórico e artístico, destacando aspetos como o interesse do contexto do edifício e a
proteção da sua zona circundante, que derivam claramente da teoria de Giovannoni.
Defende a aceitação das técnicas modernas, utilizando materiais novos, contudo ainda de
forma bastante discreta e limitada a aspetos estruturais.
Em Portugal, a ação da AAP encontrou seguimento na obra da Primeira República (1910-
26), que criou “[...] um primeiro sistema coerente de protecção, salvaguarda, conservação
e transmissão da herança cultural portuguesa”18, implementado pela publicação de leis
direcionadas para a preservação e a inventariação do património. As intervenções que se
realizaram no final do século XIX representaram, assim, o ponto de partida para a ação da
DGEMN, a partir de 1929, no quadro do regime ditatorial do Estado Novo.
Os trabalhos de restauro levados a cabo pela DGEMN, na primeira metade do século XX,
pautaram-se por um processo metódico e sistemático (registado em boletins que ilustravam
o antes e o depois), fazendo face ao avançado estado de degradação de muitos dos
monumentos nacionais e ampliando o campo de intervenção a obras de menor presença –
uma medida expressa na teoria de Giovannoni. “No entanto, tendo em conta a estética
memorialista, nacionalista e, de algum modo ilustrativa do Estado Novo, era dada !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!16 Fundado em Milão, Itália, em 1932, por Gianluigi Banfi, Lodovico Belgiojoso, Enrico Peressutti e Nathan Rogers. 17 Miguel Brito Correia e Flávio Lopes – op. cit., p. 17. 18 Jorge Custódio – “A obra patrimonial da Primeira República (1910-1932)” in CUSTÓDIO, Jorge (Coord.) – 100 Anos de Património. Memória e Identidade. Portugal 1910-2010. Lisboa: IGESPAR, 2010, p. 85.
!17
preferência aos monumentos medievais [...]”19, exemplos da glória e da grandiosidade que
se pretendia identificável com a pátria. Com efeito, a ação da DGEMN baseava-se em
critérios histórico-ideológicos próximos da teoria de Le-Duc20, focando-se na unidade de
estilo. Motivadas por uma “[...] visão monumentalista e ultra-tradicionalista da paisagem
construída [...]”21, as intervenções eliminavam as alterações efetuadas ao longo da história
do monumento, reconstituindo um ideal de perfeição, que muitas vezes resultava em algo
que o monumento jamais tinha sido. De acordo com Maria João Neto, “Os monumentos
nacionais foram tomados como documentos vivos das épocas de glória, e o poder político
fez da sua salvaguarda uma das suas principais cruzadas”22.
Paço dos Duques de Bragança: 07. Vista aérea (antes dos arranjos exteriores). 08. Planta geral do Castelo e Paço dos Duques, antes e depois do restauro.
Ainda assim, a obra realizada pela DGEMN representou um contributo assinalável para a
preservação dos monumentos nacionais. A intervenção realizada no Paço dos Duques de
Bragança, em Guimarães (1936-59), a cargo de Rogério de Azevedo (1898-1983), constitui
um exemplo paradigmático da ação da DGEMN: o simbolismo de Guimarães enquanto
berço de Portugal, potenciado pelo sentimento nacionalista do regime, resultou num restauro
inventivo, tendo sido destruídas pequenas construções nas imediações do Paço, de modo
a criar um cenário mais grandioso (algo que se prova incompatível com a teoria de
Giovannoni). Esta intervenção demonstra que os valores do Estado Novo se sobrepunham
às teorias e convenções de restauro suas contemporâneas, optando-se, em vez delas, pela
recriação arquitetónica. O objetivo inicial do arquiteto seria uma intervenção baseada na
teoria do Restauro Histórico, de Luca Beltrami. No entanto, “Do simples restauro, que
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!19 Paulo Pereira – “Acerca das Intervenções no Património Edificado. Alguma História” [páginas não numeradas]. 20 Jorge Rodrigues – “A Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais e o restauro dos monumentos medievais durante o Estado Novo” in CALDAS, João Vieira (Coord.) – Caminhos do Património 1929-1999. Lisboa: Livros Horizonte, Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, 1999, p. 69. 21 Paulo Pereira – “Acerca das Intervenções no Património Edificado. Alguma História” [páginas não numeradas]. 22 Maria João Neto – “Restaurar os monumentos da Nação entre 1932 e 1964” in CUSTÓDIO, Jorge (Coord.) – op. cit., pp. 157-158.
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pretendia tornar-se fiel a uma linguagem artística estribada na objectividade histórica,
rapidamente se avançou para intervenções cujo resultado era, sobejamente, subjectivo”23.
A intervenção no Castelo de São Jorge, em Lisboa (1938-40), espelha também de forma
exemplar esta ideologia, como teremos oportunidade de verificar, no quarto capítulo. De
facto, como nota Jorge Rodrigues:
Os casos mais gritantes de abuso interpretativo das estruturas existentes seriam [...] os do Castelo de S. Jorge e do Paço dos Duques de Bragança [...]. O procedimento da Direcção-Geral, semelhante em ambos os casos, foi o de verdadeiramente construir novas estruturas, pretensamente baseadas numa correcta interpretação dos indícios materiais e documentais existentes24.
Paralelamente, no plano internacional, a Segunda Guerra Mundial (1939-45) teve como
consequência uma vasta destruição de edifícios, monumentos históricos e conjuntos
urbanos. Neste cenário, no final da Guerra impôs-se a reconstrução das cidades e o
restauro dos monumentos e começou a surgir a consciência de um compromisso entre
património e novas intervenções. Além disso, no pós-Guerra assistiu-se a uma ampliação
do conceito de património, com o seu alargamento a arquiteturas dos séculos XIX e XX25.
Em Portugal, a partir dos anos 50, surgiu um novo ímpeto ideológico impulsionado por uma
nova geração que, em 1948, protagonizou o Primeiro Congresso Nacional de Arquitetura e,
entre 1955 e 1960, realizou o Inquérito à Arquitetura Regional Portuguesa.
Do ponto de vista teórico, e no plano internacional, este período foi marcado por autores
como Roberto Pane (1897-1987), Cesare Brandi (1906-88) e Renato Bonelli (1911-2004)
que preconizaram a teoria do Restauro Crítico. Recusando qualquer dogmatismo ou
método pré-definido, estabelecendo os critérios de restauro de acordo com a
particularidade de cada situação e sublinhando a importância da distinção entre antigo e
novo, esta teoria, em conjunto com a de Camillo Boito, teve bastante influência na Carta de
Veneza (1964), tal como a prática de Carlo Scarpa (1906-78) que, de certo modo, antecipou
a redação deste documento. Com efeito, na obra de Scarpa lê-se a relação entre novo e
antigo, assumindo e reconhecendo o percurso do edifício e as suas sucessivas fases e
incluindo a visibilidade dos novos materiais, associados à arquitetura moderna (como, por
exemplo, o betão armado e o aço)26.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!23 Paulo Pereira – “Acerca das Intervenções no Património Edificado. Alguma História” [páginas não numeradas]. 24 Jorge Rodrigues – “A Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais e o restauro dos monumentos medievais durante o Estado Novo” in CALDAS, João Vieira (Coord.) – op. cit., p. 80. 25 A este respeito ver Françoise Choay – op. cit., p. 106. 26 Consultar análise do projeto de Carlo Scarpa para o Museo Civico di Castelvecchio, em Verona (1958-73), apresentado no capítulo 3.1. desta dissertação.
!19
A Carta de Veneza – Carta Internacional Sobre a Conservação e o Restauro de Monumentos
e Sítios, Segundo Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos de Monumentos
Históricos (1964) – aparece, nesta época, como reação à destruição causada pela Segunda
Guerra Mundial, tendo assumido grande influência nas práticas de conservação e
restauro27. Este documento amplia o conteúdo da Carta de Atenas (1931), apresentando
conceitos base 28 que revelam um entendimento mais vasto do património e o
estabelecimento de princípios fundamentais, a seguir em qualquer intervenção; reforça a
importância do conceito de autenticidade e de compromisso entre épocas e linguagens
arquitetónicas diferentes; reforça a necessidade de distinção entre novo e antigo, bem
como a utilização de novos materiais deixados à vista, em relação com os antigos (aspetos
que podemos rever na teoria de Boito e na obra de Scarpa); e regista o alargamento do
conceito de património à arquitetura corrente (uma ideia original de Giovannoni) e a
adaptação de monumentos a novos usos para que possam ser úteis e, por isso,
preservados. A Carta de Veneza fundamenta uma ocasião de distinta atenção ao património,
um facto que se lê em consonância com os efeitos destrutivos das duas Grandes Guerras.
Na década seguinte, a Convenção Para a Proteção do Património Mundial, Cultural e
Natural, UNESCO (Paris, 1972), introduz os conceitos de património mundial, natural e
cultural; define as categorias do património construído (monumentos, conjuntos e sítios) e a
lista dos imóveis classificados. A UNESCO afirma-se como organização de salvaguarda do
património da humanidade. As cartas seguintes, datadas de 1975 (a Declaração de
Amsterdão – Congresso Sobre o Património Arquitetónico Europeu – e a Carta Europeia do
Património Arquitetónico – Conselho da Europa), evidenciam o facto de, desde a Segunda
Guerra Mundial, a Europa se encontrar investida na salvaguarda do património e na
extensão desse conceito aos conjuntos e sítios.
Na passagem para os anos 80, a Carta de Burra – Carta Para a Conservação de Sítios com
Significado Cultural, ICOMOS Australia (1979-99) – reflete a influência da teoria de Antoni
González Navarro (n.1943). O Restauro Objetivo destaca a valorização do significado do
património, o projeto como um trabalho interdisciplinar e a perspetiva crítica relativamente à
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!27 Miguel Brito Correia e Flávio Lopes – op. cit., p. 27: “Quarenta anos depois da sua aprovação ainda é considerada actual, na maioria dos seus princípios, e tem sido o texto doutrinário mais citado [...].” 28 Esta carta define o conceito de restauro como: “[…] uma operação que deve ter um carácter excepcional. Destina-se a conservar e a revelar os valores estéticos e históricos dos monumentos e baseia-se no respeito pelas substâncias antigas e pelos documentos autênticos (ou seja pela antiguidade e pela autenticidade). O restauro deixa de ter significado quando se levanta a hipótese de reconstituição; numa reconstituição, qualquer trabalho complementar, que se reconheça indispensável por causas estéticas ou técnicas, fica condicionado a uma conciliação ou harmonia arquitectónica (continuidade) e terá que acusar a data da intervenção (modernidade). O restauro será sempre precedido e acompanhado de um estudo arqueológico e histórico do monumento. [...] Os contributos válidos das diferentes épocas referentes à edificação de um monumento devem ser respeitados, não sendo a unidade de estilo um objectivo a alcançar no decurso de um restauro.” Documento disponível em: <http://www.patrimoniocultural.pt/pt/patrimonio/cartas-e-convencoes-internacionais-sobre-patrimonio/>.
!20
adaptação de monumentos a usos pouco compatíveis, reclamando uma análise atenta às
particularidades de cada situação. Nesse sentido, a Carta de Burra introduz novas noções
e atualiza conceitos definidos pela Carta de Veneza, focando-se no valor da manutenção
como processo de restauro, na importância do estudo documentado do lugar e na definição
de três fases de restauro: compreensão do lugar, definição da estratégia e manutenção.
Em Portugal, os anos 70 e a Revolução de Abril alteraram o contexto patrimonial, ditando
preocupações arquitetónicas de índole urbanística e social que impulsionaram o surgimento
do SAAL. Em 1980 registou-se a criação do Instituto Português do Património Cultural
(IPPC)29 e, três anos mais tarde, o restauro da Casa dos Bicos 30, em Lisboa, gerou
controvérsia por interpretar a Carta de Veneza de uma forma desafiadora, extrapolando as
suas recomendações de distinção entre novo e preexistente. Os anos 80 representaram um
teste aos limites da deontologia do património, expondo uma grande variedade de métodos
de intervenção e novos desafios programáticos, nomeadamente a campanha de adaptação
de monumentos históricos a Pousadas de Portugal, seguindo uma metodologia de ação
baseada na Carta de Veneza, com cuidados de harmonização entre preexistências e
adições novas, indispensáveis para a adequação ao novo programa (por vezes demasiado
exigente para o monumento original).
Pousada de D. Dinis: 09. Núcleo reabilitado. 10. Planta do núcleo muralhado.
Com a particularidade do contexto muralhado, salienta-se a Pousada de D. Dinis, em Vila
Nova de Cerveira (1972-78), inaugurada em 1982; uma adaptação do núcleo intramuralhas,
da responsabilidade da DGEMN, com projeto de Alcino Soutinho (1930-2013), Octávio Lixa
Filgueiras (1922-1996) e Rolando Torgo (n.1933). Inaugurando uma nova premissa no
conjunto de iniciativas semelhantes, esta intervenção partiu da manutenção do conjunto
preexistente, prolongando esse princípio à envolvência urbana através da recuperação de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!29 O IPPC deu origem ao IPM (1991), ao IPPAR (1992) e ao IGESPAR (2006), cuja criação implicou a fusão do IPA e do IPPAR. Em 2007, o IPM e o ICR deram origem ao IMC, que se fundiu com o IGESPAR para dar origem à DGPC (2012). 30 Projeto de Daniel Santa-Rita (1950-2001) e Manuel Vicente (1934-2013).
!21
várias ruas circundantes. A ação necessária à adaptação dos espaços a pousada foi
materializada por uma reorganização cuidada do interior dos edifícios dos vários núcleos
de construções existentes31, complementando os volumes reabilitados com o desenho
pontual de componentes contemporâneas, que se integram no contexto muralhado de
forma equilibrada e satisfazem a insuficiência de área nos edifícios afetos à Pousada32.
Fortaleza de Sagres: 11. Corpo projetado por João Carreira. 12. Planta do promontório.
Destaca-se, por outro lado, a valorização da Fortaleza de Sagres, a cargo de João Carreira,
uma obra bastante controversa, que integrou a criação de um centro de exposições. A
proposta de João Carreira, vencedora do concurso de 198833, recriou, através de uma
linguagem arquitetónica contemporânea, uma parte das edificações rejeitadas pela
intervenção realizada no Estado Novo, que procurou devolver a fortaleza à sua forma
original. A opção projetual foi amplamente discutida e os trabalhos chegaram a ser
interrompidos. Contudo, optou-se por terminar a obra (1996-97), passando esta a integrar o
debate da reutilização do património para usos contemporâneos.
Como consequência da Convenção de 1972, inaugurou-se, em 1983, a inserção de bens
portugueses na lista do património mundial da UNESCO. A conservação do património
urbano, nomeadamente dos centros históricos (uma preocupação expressa nesta mesma
convenção), foi ganhando relevância. Enquadra-se, neste contexto, o plano de recuperação
do Chiado, da autoria de Álvaro Siza Vieira (n.1933), decorrente do incêndio de 1988 e
concluído em 2004. De acordo com José Aguiar, “A experiência portuguesa de reabilitação
urbana integrada, baseada numa gestão social e participada dos centros históricos [...]
tornou-se, nos anos 90, uma prática de referência mundial”34:
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!31 Susana Lobo – Pousadas de Portugal. Reflexos da Arquitectura Portuguesa do Século XX. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2006, p.120. 32 A intervenção de Carrilho da Graça (n.1952) no Mosteiro da Flor da Rosa (1990-95), no Crato, também deve ser registada, assim como a instalação da pousada no Convento de Santa Marinha da Costa (1972-85), de Fernando Távora (1923-2005), dois exemplos de excelência de projetos de intervenção no património. 33 Realizaram-se concursos em 1934, 1938, 1958 e 1988. 34 José Aguiar – “Após Veneza: do restauro estilístico para o restauro crítico”, in CUSTÓDIO, Jorge (Coord.) – op. cit., p. 230.
!22
[Com as intervenções do final do século XX] ultrapassaram-se as anteriores tradições (da antiga DGEMN) do restauro reconstitutivo e empírico, fundamentado em bases estilísticas e em métodos analógicos, e inicia-se a pós-moderna e ainda actual dialéctica entre projecto e conservação estrita; i.e. entre o projecto que constrói com o (ou no) já construído, construindo uma outra e nova, assumidamente contemporânea, realidade e o projecto de uma conservação estrita, ancorado em contributos pluridisciplinares e fundamentado numa nova cientificidade quanto ao diagnóstico dos problemas e sustentação das terapias possíveis35.
A adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (atual União Europeia), em 1986,
impulsionou fortemente, sobretudo nos anos 90, o investimento no setor da construção e da
reabilitação do património, com a concretização de diversos eventos que possibilitaram a
entrada de fundos europeus significativos e uma maior projeção internacional da arquitetura
portuguesa. Entre outras iniciativas, que promoveram a requalificação de centros urbanos e
edifícios notáveis, destacam-se: Lisboa Capital Europeia da Cultura (1994), Programa
POLIS (2000), Porto Capital Europeia da Cultura (2001) e, como iremos verificar no próximo
capítulo, acontecimentos análogos que promoveram a construção de museus e
equipamentos culturais no final do século XX.
A Carta de Cracóvia Sobre os Princípios Para a Conservação e o Restauro do Património
Construído (2000) marca a mudança de século e o processo de unificação da Europa,
referindo-se ao património como um processo em mudança contínua36, dando enfâse ao
valor de compreender o património antes de atuar sobre ele, vendo o projeto de restauro
como parte integrante da história do edifício e afirmando que as intervenções devem ter um
carácter reversível para garantir a possibilidade de adaptação a novos usos compatíveis.
Se até à Carta de Cracóvia, houve uma tendência para alargar o entendimento do
património e a variedade de intervenções, a Carta ICOMOS – Princípios Para a Análise,
Conservação e Restauro Estrutural do Património Arquitetónico, 14ª Assembleia Geral do
ICOMOS (Zimbabwe, 2003) – preconiza uma prática mais operativa e específica,
apresentando recomendações e princípios orientadores para a conservação e restauro de
imóveis, que funcionam como um código deontológico a seguir por qualquer profissional.
Estes princípios ditam que a intervenção não deve ser superficial, não olhando apenas para
a aparência do monumento, mas para a sua identidade, seguindo uma metodologia
rigorosa e exata. Alerta-se para o facto de que uma obra pode ser prejudicial para o imóvel,
devendo, por isso, ser ponderadas as vantagens e desvantagens da ação a realizar.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!35 Idem, p. 231. 36 A Carta de Cracóvia (2000) define património como: “[…] o conjunto das obras do homem nas quais uma comunidade reconhece os seus valores específicos e particulares e com os quais se identifica. A identificação e valorização destas obras como património é, assim, um processo que implica a selecção de valores.” Documento em: <http://www.patrimoniocultural.pt/pt/patrimonio/cartas-e-convencoes-internacionais-sobre-patrimonio/>.
!23
Valoriza-se o conceito de intervenção mínima – deve-se fazer apenas o que é realmente
necessário para garantir a segurança e a durabilidade do património – e destaca-se,
também, a importância da reversibilidade e dos usos compatíveis.
Dada a estreita proximidade que os conceitos de património, arquitetura e arqueologia
assumem nos casos de estudo analisados nesta dissertação, importa registar que as
noções associadas à reabilitação do património arqueológico apresentam coerência com
as assinaladas relativamente ao património arquitetónico.
2.2. O conceito de patr imónio na atualidade
A noção de património implica um reconhecimento cultural (conceptual e material) de valor,
que se estende a uma dimensão cada vez mais lata e subjetiva, decorrente do alargamento
e da conceptualização contemporânea do significado do termo património.
Embora as cartas internacionais orientem as intervenções, reconhecem-se atualmente
diferentes abordagens de ação sobre o património, uma vez que o restauro é inevitavelmente
assinalado por um tempo e por um contexto. Segundo Paulo Pereira, praticam-se novos e
diferentes critérios, sendo que todos os princípios precedentes “[...] são passíveis de serem
adoptados, cabendo ao monumento, através do seu estudo, determinar a intervenção
possível e, eventualmente, ideal”37. Luís Santiago Baptista partilha esta ideia, considerando
que as intervenções contemporâneas no património evidenciam um carácter experimental
expresso na pluralidade de metodologias e interesses38, um raciocínio que é possível
associar à tese do Restauro Objetivo, de Antoni González Navarro, que destaca a análise
da especificidade de cada caso e a recusa de critérios de intervenção pré-definidos.
Na mesma linha, Alexandre Alves Costa reflete que a “[...] teoria da intervenção nascerá de
cada circunstância nunca generalizável – circunstância de que fazem parte não só a
expressão da individualidade de cada autor, como a obrigação ética de um rigoroso e
exaustivo reconhecimento histórico e arqueológico do edifício a transformar”39 . Assim
sendo, ao intervir no património, o arquiteto deve usar a realidade como recurso principal e
dado inspirador do projeto, encontrando o seu princípio orientador na matéria existente.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!37 Paulo Pereira – “Acerca das Intervenções no Património Edificado. Alguma História” [páginas não numeradas]. 38 Luís Santiago Baptista – “Acções Patrimoniais – as tensões entre a memória do passado e a experiência do presente”. Arq/a, nº 82/83. Lisboa: Futur Magazine Editora, Julho-Agosto 2010, p. 7. 39 Alexandre Alves Costa – “O património: entre a aposta arriscada e a confidência nascida da intimidade”. Jornal de Arquitectos, nº 213. Lisboa: Estar Editora, Novembro-Dezembro 2003, pp. 9-10.
!24
Importa ter em conta que a consolidação das práticas de intervenção no património é um
dado bastante recente, uma vez que as cartas internacionais datam apenas do século XX.
A crescente valorização do património tem favorecido a realização de projetos de recuperação
de edifícios e monumentos históricos, colocando ao dispor do público um conjunto variado
de património natural e cultural40. Os imóveis requalificados fazem renascer os conjuntos
urbanos em que se encontram, reforçando a importância, não só estratégica mas sobretudo
histórica e cultural, da conservação e do restauro enquanto atividades primordiais de
salvaguarda, dinamização e revitalização. De facto, o interesse pelo património tem vindo a
aumentar desde o século XX – primeiro tendo como objeto os monumentos históricos com
maior presença e significado e, depois, estendendo-se aos centros históricos e conjuntos
urbanos, incluindo considerações urbanísticas e preocupações ambientais41.
É pertinente salientar, porém, que o cenário económico atual tem condicionado a
progressão das ações de conservação do património, uma realidade com resultados
marcantes em Portugal, onde se pode ver o abandono e a demolição pontual de edifícios
com valor histórico. Depois do período de grande investimento no património que
caracterizou os anos 90, assistimos a um empobrecimento geral do setor que, segundo
Victor Mestre, se estende para lá dos impedimentos financeiros: “A indignação terá sido
vencida pela resignação geral da sociedade e principalmente por quem compete zelar pelo
património nacional que, na verdade, já ninguém sabe quem é”42.
De qualquer modo, julgamos que este ciclo de desarticulações não invalida a prática já
fortalecida, que se baseia, na sua essência, numa ideia de longevidade: fazer com que o
património perdure no tempo para que possa ser utilizado por novas gerações43. Apesar da
inegável crise económica, incentiva-se o desenvolvimento de projetos que permitam a
abertura do património numa atitude de inclusão, a par de um indispensável debate sobre
os conceitos registados pelas cartas internacionais. Com efeito, este parecer é expresso em
vários desses documentos, que recomendam a adaptação de edifícios históricos a outros
usos, como via eficaz de conservação44. A musealização do património aparece como uma
das medidas preferenciais de concretização desta demanda.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!40 Helena Barranha – “Os Museus como Requalificação do Património”, 2012, disponível em: <http://www.patrimo-nio.pt/index.php/por-dentro/390-os-museus-como-requalificacao-do-patrimonio> [páginas não numeradas]. 41 Miguel Brito Correia e Flávio Lopes – op. cit., p. 23. 42 Victor Mestre – “Em tempos de contra ciclo económico o património empobrece a par de todos nós”, Patrimonio.pt, 2013, disponível em: <http://www.patrimonio.pt/index.php/por-dentro/591-em-tempos-de-contra-ciclo-economico-o-patrimonio-empobrece-a-par-de-todos-nos> [páginas não numeradas]. 43 Remete-se, neste contexto, para o conceito contemporâneo de Architecture Durable, que se refere a uma arquitetura compatível com o desenvolvimento sustentável e com preocupações relativas à ecologia e ao ambiente. 44 Ver, por exemplo, a Carta de Veneza (1964), artigo 5º.
!25
3. REABILITAÇÃO DO PATRIMÓNIO ARQUITETÓNICO
PARA PROGRAMAS MUSEOLÓGICOS
!26
!27
3.1. Panorama Internacional: a evolução do conceito de museu
É importante destacar que a instituição museu, apesar das contínuas crises que tem sofrido desde a própria fundação, agravadas pelas críticas da arte de vanguarda e pelas destruições causadas pela Segunda Guerra Mundial, foi ampliando o seu papel crucial dentro das sociedades contemporâneas. Paradoxalmente, tais crises acabaram por reafirmar o poder do museu [...].
Josep María Montaner45
Segundo Karsten Schubert, o palco geográfico da origem do museu é partilhado entre
Londres e Paris46, no entanto, é seguro afirmar que é o Musée du Louvre (1793) que detém
o título de primeiro museu, entendido no sentido atual do termo, ou seja, como equipamento
cultural público47. A ideia deste museu enquanto edifício público considera-se anterior à
Revolução Francesa, no entanto o seu cariz inovador advém da defesa do livre acesso à
educação e ao conhecimento: a abertura do museu ao público. A existência do museu,
consolidada pelo Iluminismo, está, portanto, relacionada com as circunstâncias
revolucionárias em cena e com os valores que, então, introduziram a conservação e o
restauro de edifícios históricos.
A “[...] vontade de afirmação monumental do novo tema, assumido no campo político como
prova da [...] clarividência e identificação nacional”48 de cada nação, desenvolveu-se no
século seguinte, assinalando um período importante na construção de museus. Os
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!45 Josep María Montaner – Museus para o século XXI. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2003, p. 8. 46 Karsten Schubert – The Curator’s Egg: The evolution of the museum concept from the French Revolution to the present day. London: Riding House, 2009, pp. 16-28. 47 O colecionismo surge no Renascimento, porém, é apenas no século XVIII que se inaugura a conceção atual de museu. No século XVII, as coleções privadas eram destinadas a visitas restritas e, por isso, não qualificam ainda o conceito de museu, embora fossem apelidadas assim. Ver Carlos Guimarães – Arquitectura e Museus em Portugal – Entre Reinterpretação e Obra Nova, 1ª Edição, Porto: FAUP Publicações, Série 1, Ensaios 12, 2004, pp. 25-26. 48 Idem, p. 71.
!28
exemplares baseavam-se num ideal monumental de influência neoclássica – registam-se os
casos do British Museum, em Londres (1823-47), de Robert Smirke (1780-1867), e do Altes
Museum de Berlim (1823-30), de Karl Friedrich Schinkel (1781-1841)49. A partir de meados
do século XIX, e paralelamente à difusão do modelo de museu-palácio, no espetro oposto
do debate museal, emergiram os grandes espaços-nave: com a Exposição Universal de
1851 surgiu, em Londres, o Crystal Palace, de Joseph Paxton (1803-65), que inaugurou a
era das grandes estruturas em ferro e vidro e o paradigma dos espaços transparentes,
inspirador da produção de alguns museus da segunda metade do século XX.
Depois da inauguração, no final do século XIX, do Art Institute (Chicago, 1866), do Museum
of Fine Arts (Boston, 1870) e do Metropolitan Museum of Art (Nova Iorque, 1872), os museus
americanos do início do século XX emergiram como entidades sociais, exemplos de
expressão cultural de uma nova nação, em processo de construção identitária. Em 1929, foi
fundado o MoMA (Museum of Modern Art), em Nova Iorque, assente numa ideologia
participativa associada à afirmação do Movimento Moderno e, portanto, nitidamente distinta
da dos museus do século XIX.
Na Europa, as vanguardas do início do século XX contestaram o conceito de museu
académico e declararam o fim das instituições museais; ainda assim, o museu acabou por
evidenciar um desenvolvimento singular, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial.
Expande-se, então, uma nova conceção de museu, coerente com a ideologia moderna: um
espaço universal, neutro, transparente, despojado e flexível, com uma estética espacial de
abstração e depuração, em rutura decidida com os “[...] valores historicistas dos modelos
neoclássicos que dominaram durante mais de um século a arquitectura de museus [...]”50.
Le Corbusier (1887-1965) experimentou, durante os anos 20 e 30, variados modelos de
museus de crescimento ilimitado, nunca realizados.
A primazia de França e Inglaterra no setor museal apenas foi comprometida, no início do
século XX, pelo surgimento de Berlim enquanto centro político. A emergência dos museus
na Alemanha consolidou-se independentemente da instabilidade causada pela Primeira
Guerra Mundial e pela crise económica que se seguiu. Apenas durante o domínio de Hitler,
por representar a abertura de culturas e conhecimentos, o museu se viu derrotado51. Após a
Segunda Guerra Mundial, a preocupação com a salvaguarda dos monumentos históricos e
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!49 Com influência do modelo teórico elaborado por Durand (1760-1834) em 1802. Ver Nikolaus Pevsner – A History of Building Types. New Jersey: Princeton University Press; London: Thames and Hudson Ltd, 1976, pp. 126-127. 50 Helena Barranha – “Arquitectura de museus e iconografia urbana: concretizar um programa / construir uma imagem”, in LOPES, João Teixeira e SEMEDO, Alice (Coord.) – Museus, Discursos e Representações. Porto: Afrontamento, 2006, p.182. 51 Ver Karsten Schubert – op. cit., pp. 29-38.
!29
a repulsa em relação à conduta Nazi estimulou, a partir de 1945, a proteção dos museus
enquanto instituições autónomas de saber e de liberdade de expressão.
Apesar da conceção moderna do museu e da sua emergência ideológica, as circunstâncias
do pós-Guerra empurraram a construção de novos museus para um plano secundário e
ditaram a afirmação da reabilitação de imóveis para a atribuição de programas
museológicos, uma tendência que se confirmou como via preferencial na Europa (e também
em Portugal), sobretudo a partir da Carta de Atenas (1931), e que foi reforçada depois da
Segunda Guerra Mundial. A partir desta altura, a construção de edifícios de raiz para
albergar este tipo de programa foi preterida em relação à integração de coleções e
exposições em edifícios históricos, originalmente erguidos para outros usos. O primeiro
museu construído de raiz pós-Segunda Guerra Mundial realmente paradigmático, do ponto
de vista da arquitetura, foi a Neue Nationalgalerie, em Berlim (1962-68), um projeto de Mies
Van der Rohe (1886-1969).
A adaptação de edifícios históricos a usos renovados tornou-se, também, um enquadramento
propício para a “Afirmação de novas tendências na arquitectura contemporânea, assim
como para a materialização de sucessivas doutrinas sobre conservação e restauro”52. A
este respeito refere-se a intervenção de Carlo Scarpa no Museo Civico di Castelvecchio, em
Verona (1958-73), um projeto que antecedeu os princípios da Carta de Veneza (1964),
sobretudo por apresentar a sua contemporaneidade sem desvirtuar o edifício antigo e a
história dos sucessivos acrescentos. O edifício original é do século XIV e já tinha sido
adaptado a museu em 1925, por Ferdinando Forlati (1882-1975), segundo uma versão tardia
da teoria de Viollet-le-Duc. A proposta de Scarpa assumiu as adições das diversas épocas,
uma ação que seria mais tarde defendida pela Carta de Veneza, e concretizou uma
intervenção subtil, com composições geométricas que relacionam arte, arquitetura e
escultura. O restauro envolveu-se com os pormenores e as funcionalidades, assumindo os
novos materiais na sua relação de equilíbrio com o monumento antigo. A musealização de
Castelvecchio incluiu uma estratégia museal cuidada, articulada com a valorização da
arquitetura e das obras em exposição. A execução prática das teorias publicadas pelas
cartas reconhece na obra de Scarpa (e na escola italiana que integra53) um importante
contributo e um marco na quebra com os dogmas criados por Le-Duc.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!52 Helena Barranha – “Os Museus como Requalificação do Património” [páginas não numeradas]. 53 Ver Helena Barranha – Arquitectura de Museus de Arte Contemporânea em Portugal – Da intervenção Urbana ao Desenho do Espaço Expositivo. Dissertação de Doutoramento em Arquitectura, Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, 2007, p. 78.
!30
Museu de Castelvecchio: 13. Pormenor exterior. 14. Corte pelo pátio (em cima) e pelo volume de galerias (em baixo).
Os museus americanos das décadas de 60 e 70 não privilegiaram o ideal de museu
transparente54 divulgado na Europa, seguindo uma via diferente da nova monumentalidade
moderna – em Nova Iorque, destaca-se o Guggenheim Museum (1943-59), projeto de Frank
Lloyd Wright (1867-1959), que se afirmou pela identidade escultórica e icónica e pelo
inovador percurso expositivo, levando Pevsner a afirmar que a mestria dos arquitetos pode
monopolizar a atenção dos visitantes55. Este projeto inaugurou o desígnio do museu como
objeto de referência no contexto urbano, um modelo que foi amplamente recriado na
segunda metade do século XX56.
As mudanças culturais e ideológicas iniciadas nos anos 60, a gradual democratização dos
organismos culturais, o desenvolvimento do turismo 57 e os avanços tecnológicos na
construção (associados à era high-tech) permitiram a expansão internacional do museu e a
divulgação do acesso do público generalizado aos equipamentos culturais. O Pós-
-Modernismo alterou o entendimento da entidade museológica, passando de uma natureza
educacional para um carácter mais recreativo. Os museus surgem como agentes flexíveis
de desenvolvimento económico e registam um novo conceito museológico, que reflete uma
pluralidade de abordagens, em obras de evidente marca autoral, entre as quais se destaca
o Centre Georges Pompidou58 (projetado por Renzo Piano (n.1937) e Richard Rogers
(n.1933) em 1972-77), um exemplo que sugere “[...] que a arquitectura de museus, na !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!54 Josep María Montaner – Museos para el nuevo siglo. Barcelona: Editorial Gustavo Gil, 1995, p. 10. 55 Nikolaus Pevsner – op. cit., p. 138. 56 Helena Barranha – “A arquitectura do museu, entre a invenção do presente e a (re)construção da memória”, Actas do Colóquio Adaptação de edifícios históricos a museus 2003. Faro: Museu Municipal de Faro, Câmara Municipal de Faro, 2005, p. 12. 57 A emergência do turismo representou um aumento exponencial na procura de museus, porém, a sua relação com o património não pode ser considerada de forma igualmente linear: se, por um lado, o turismo pode impulsionar a divulgação do património, pode também levar à sua degradação, devido a utilizações excessivas e desadequadas. 58 O Centre Georges Pompidou personifica o arquétipo da cultura high-tech e da utilização das instalações como elementos estéticos. Revela uma arquitetura de inspiração industrial e o desejo de se afirmar enquanto monumento urbano; um novo centro da cultura parisiense, que depressa se tornou num dos ícones mais visitados da capital.
!31
segunda metade do século XX, não está confinada aos arquétipos classicistas, adoptando
modelos tipológicos mais próximos de construções industriais do que de templos ou
palácios”59. Para além da multifuncionalidade e variedade que caracteriza os museus nos
anos 80, regista-se também um aumento na complexidade programática exigida: o museu
afigura-se como uma entidade interativa com vertentes diversas, seguindo a disposição
mundial de emergente globalização e massificação.
Enquanto a segunda metade do século XIX se afigurou como o grande período dos novos
museus60, consolidando a sua afirmação programática e tipológica, o final do século XX
impôs novos desafios que exigiram alterações na conceção dos espaços expositivos.
Si a los museos del siglo XIX sólo se les exigía espacios para la exposición permanente de las obras de arte, los museos de finales del siglo XX cumplen una gran variedad de funciones. Además de exponer las obras de arte, necesitan gran cantidad de espacios para la reserva, conservación y restauración de las obras. La mayor afluencia de público a los edificios culturales – en la medida que se entienden como foco de actividades y de consumo – comporta la necesidad de espacios para vestíbulos, tiendas, restaurantes, auditorios y salas para exposiciones temporales61.
O final do século XX proporcionou um período de novo desenvolvimento da instituição
museal, impulsionado pelo crescimento do turismo cultural e pela crescente valorização do
património que se tem registado até aos nossos dias. Como refere Andreas Huyssen, “O
papel do museu como espaço de conservação elitista [...] deu lugar ao do museu como
meio de comunicação social, como espaço de encenação espectacular e exuberância
operática”62. Os museus deixaram de ser organismos reservados a uma elite, para passarem
a ser centros da vida social e comunitária, tornando-se elementos fundamentais para a
imagem coletiva das cidades63.
A afirmação dos museus enquanto entidades direcionadas ao público internacional e a sua
projeção mediática promotora das cidades reforçaram a importância da arquitetura de
museus. Volta-se a falar de um registo autoral: o Museo Guggenheim de Bilbao (1993-97),
de Frank Gehry (n.1929), é representativo de uma arquitetura com intuito de projeção
internacional do museu, sendo o edifício considerado um símbolo em si mesmo, um marco
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!59 Helena Barranha – Arquitectura de Museus de Arte Contemporânea em Portugal – Da intervenção Urbana ao Desenho do Espaço Expositivo, p. 114. 60 Nikolaus Pevsner – op. cit., p. 130. 61 Josep María Montaner – Nuevos Museos – Espacios para el arte y la cultura. Barcelona: Editorial Gustavo Gil, 1990, p. 7. 62 Andreas Huyssen – “Sair da Amnésia: o Museu como meio de comunicação de massas”, 1995, cit. in GRANDE, Nuno – Museumania – Museus de hoje, modelos de ontem. Porto: Fundação de Serralves / Jornal Público, Coleção de Arte Contemporânea Público Serralves, 2009, p. 6. 63 Javier Tusell Gómez – “Introducción” in GÓMEZ, Javier Tusell (Coord.) – Los Museos y la Conservación del Patrimonio. Col. “Debates sobre Arte. Encontros sobre Patrimonio. Volumen XI”. Madrid: Fundación Argentaria – António Machado Libros, 2001, pp. 10-11.
!32
iconográfico da cidade. Este projeto vem expressar, de forma inequívoca, o temperamento
mediático da arquitetura de museus no final do século64.
A multiplicidade de soluções advém do desejo de fixação de símbolos e da vocação de
entretenimento dos museus, uma vertente assumida em paralelo às funções expositivas,
educacionais e científicas. Segundo Nuno Grande, “A instituição museu – cuja génese se
afirma no dealbar do século XIX – foi aquela que melhor sobreviveu às sucessivas
mudanças de paradigma cultural ao longo do século XX”65. Atualmente, os museus ditam o
interesse turístico das cidades, posicionando-as nas redes universais e personificando o
“[...] marco de mediatização da arquitetura como produto cultural [...]”66.
No que diz respeito à musealização de edifícios preexistentes, salienta-se o caso da Tate
Modern, em Londres (1994-2000), projeto de Herzog (n.1950) e De Meuron (n.1950), uma
antiga central elétrica, epicentro do plano de reconversão de uma zona industrial degradada.
A proposta, de uma notável sobriedade, nasce da leitura da função original do edifício,
ditando a escolha dos materiais e a composição dos espaços museológicos, amplos e
interdisciplinares. Este projeto é um exemplo incontornável da adaptação de usos,
atestando a relevância da arquitetura para a difusão do museu e para o aumento do número
de visitantes, de tal forma que o museu tem em curso, desde 2004, uma ampliação que
inclui a reconversão de espaços adicionais da central elétrica e a construção de um novo
volume (que gerou alguma contestação no seio do debate arquitetónico), igualmente
projetado por Herzog e De Meuron, com inauguração prevista para 2016.
Tate Modern: 15. Exterior. 16. Corte virado a este, evidenciando a Turbine Hall.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!64 Ver Luís Fernández-Galiano – “Con faldas y a lo loco / Some Like it Hot” e “El arte del museo / The Art of the Museum”. AV Monografias, nº 71. Madrid: Editorial Arquitectura Viva SL, Maio-Junho 1998, pp. 4-9. 65 Nuno Grande – Museumania – Museus de hoje, modelos de ontem, p. 6. 66 Ana Tostões – “El museo como programa en la arquitectura contemporánea” in NOLASCO, Maria da Luz (Coord.) – Museos y museología en Portugal. Una ruta ibérica para el futuro. Número monográfico da Revista de Museología, Asociación Española de Museólogos, 1997, p. 134 [tradução livre].
!33
O conceito de museu, na sua conceção atual, inclui um conjunto ilimitado de espaços,
programas e conteúdos, que se relaciona com o alargamento da noção de património,
próprio da cultura contemporânea. Na relação arquitetura-museologia é relevante afirmar
que a dimensão atual do museu se expressa segundo critérios de atribuição de
protagonismo aos museus e às cidades, resultando, muitas vezes, na criação de espaços
em que a arquitetura se sobrepõe às peças expostas.
Como afirma Helena Barranha, “A notoriedade do museu, enquanto obra arquitectónica,
tem vindo a intensificar-se nas últimas décadas e, em particular, nos anos 90, suscitando
um debate alargado sobre os conceitos e soluções propostos por diferentes arquitectos”67.
A identidade do museu equivale, portanto, não só à sua coleção mas também à arquitetura
do seu edifício. Em síntese, as últimas décadas do século XX e as primeiras do século XXI
contribuíram de forma significativa para a difusão do conceito de museu e para a sua
transformação, alargando o campo de influência e ampliando as opções programáticas.
3.2. Caso português
Na ausência de experiência e tradição de pensar e realizar museus de raiz, o dado da preexistência tem-se constituído como plano de referência [...], com isso permitindo um pragmatismo na concretização de obras de renovação [...]. Isto é, poder-se-á considerar que os caminhos e realizações que conformaram o programa museal português afirmam uma matriz onde a criação de museus de raiz se revela pouco adaptada aos condicionalismos nacionais [...]68.
Em Portugal, foi durante a Primeira República (1910-26) que a temática museológica
adquiriu importância efetiva, associada a um novo entendimento do património. A
valorização das instituições museais incluiu a sua modernização e reorganização –
subdivisão pela temática do espólio e pelas áreas regionais de influência (as circunscrições
artísticas de Lisboa, Coimbra e Porto) – bem como a fundação de museus regionais (1912-
24) que assumiram, nesta altura, um protagonismo paralelo aos museus nacionais, num
quadro de medidas que integrou a política cultural republicana. A par das leis de
conservação do património, decretaram-se normas nacionais de orientação da atividade
museológica, sobretudo enquanto complemento do sistema educativo.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!67 Helena Barranha – Museus de Arte Moderna e Contemporânea. Conceitos, conteúdos, arquitecturas. Das tendências internacionais ao caso português, Dissertação de Mestrado em Gestão do Património Cultural, Universidade do Algarve / Universidade de Paris, 2001, p. 44. 68 Carlos Guimarães – op. cit., p. 592.
!34
Nesta altura, um número significativo das intervenções no património, com vista à atribuição
de um novo uso, formalizou-se sobre antigos equipamentos religiosos, uma ocorrência que
se deveu também ao facto de o património religioso representar a maior parte do património
arquitetónico existente. A destruição resultante das invasões francesas (com início em
1807) e, sobretudo, a extinção das Ordens Religiosas (em 1834), com os bens da Igreja a
passarem para a posse do Estado, resultou na adaptação de muitos mosteiros e igrejas a
novos usos. Com a Lei de Separação do Estado das Igrejas (1911), aumentou o número de
edifícios de uso público que eram inicialmente monumentos religiosos. Este facto coincidiu
com a classificação sistemática do património que se deu durante a Primeira República e
com a criação dos museus regionais, tendo sido instaladas várias coleções nacionais em
equipamentos religiosos, resultando, assim, num aumento significativo do número de
museus. A título exemplificativo, refere-se o Museu de Aveiro (1911), instalado no Convento
de Jesus; o Museu de Évora (1915), estabelecido no Paço Episcopal; o Museu de Grão
Vasco, em Viseu (1915), instalado no Paço dos Três Escalões; e o Museu Nacional
Machado de Castro, em Coimbra (1911), que ocupou o Paço Episcopal.
17. Museu Nacional Machado de Castro, planta do piso 0: exposições, serviços internos e serviços para o público. 18. Museu de Aveiro, planta do piso 0: exposições, serviços para o público, serviços internos.
Estas apropriações de edifícios de cariz patrimonial para fins museológicos careceram
frequentemente de uma avaliação relativa ao estado de conservação dos imóveis e à sua
adaptabilidade ao novo programa e, nesse contexto, muitos dos antigos edifícios serviram
“[...] apenas como espaço de acolhimento, no sentido mais elementar [...]”69.
Ao longo do século XIX, seguindo o caminho da obra das academias, os museus começam a surgir em Portugal no âmbito liberal da secularização do património eclesiástico, após a extinção das Ordens Religiosas. Estabelece-se, assim, uma relação lógica entre academia e museu, entre o efémero da exposição e a necessidade de reunir o acervo do Estado com carácter permanente. Tal como ocorreu com outras instituições,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!69 Idem, p. 217.
!35
também o programa museu se baseou na reutilização de espaços, especialmente conventos e mosteiros e palácios, também. Daí se pode falar de uma relação direta entre a evolução deste programa e a do conceito de atuação sobre o património70.
Na abertura do século XX, a realidade museológica portuguesa estava ainda desfasada da
dinâmica europeia e, por isso, é necessário fazer referência às medidas implementadas
pela Primeira República, que constituíram o princípio do sistema museal em Portugal71. Com
a Ditadura Militar (1926) e o Estado Novo (1933), “A busca da identidade cultural de cada
região acabou por motivar e dinamizar práticas de conservação, nas quais os museus
desempenharam um papel preponderante”72. Começando por dar continuidade a este
esforço, iniciado pela Primeira República, o regime ditatorial do Estado Novo decidiu, no
início dos anos 30, reestruturar a política referente aos museus e ao património, de acordo
com a sua ideologia, decretando a extinção das três circunscrições artísticas criadas pela
Primeira República e reorganizando o conjunto de museus em três novas categorias73.
As ações museais ligadas às comemorações de 194074 e sobretudo a Exposição do Mundo
Português refletiram de forma inquestionável a ideologia do regime. Neste quadro de ação,
os museus integraram um ato político com propósitos claramente definidos, constituindo um
instrumento essencial de propaganda do regime, com notoriedade pública.
A conceção de espaços museológicos especificamente criados para esse propósito apenas
se inaugurou na fase final dos anos 50, tendo até aí o programa funcionado sobretudo em
edifícios preexistentes75. Nos anos 60 e 70, em virtude das alterações ideológicas que se
começaram a sentir com a cedência progressiva do Estado Novo às incontornáveis tensões
da modernidade, o museu assumiu um carácter cultural, educacional, social e interativo,
evoluindo em consonância com o panorama internacional. Neste contexto, alude-se à
modificação do entendimento do museu, motivada pela legislação de 1965: para além da
função de conservar, os museus adquirem as funções de expor, valorizar, dar a conhecer e
a apreciar as peças76, passando a ter um desígnio social, tão importante quanto o científico,
e tornando-se organismos culturais, orientados para o público. O Museu da Fundação
Calouste Gulbenkian (1959-69)77 reforçou a nova conceção de museu, inaugurando uma
nova monumentalidade no contexto nacional, próxima do desejo moderno.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!70 Ana Tostões – “El museo como programa en la arquitectura contemporánea”, p. 130 [tradução livre]. 71 Jorge Custódio – “A obra patrimonial da Primeira República (1910-1932)” in CUSTÓDIO, Jorge (Coord.) – op. cit., p. 85. 72 Isabel M. Martins Moreira – op. cit., p. 86. 73 Ver Decreto nº 20: 985 de 7 de Março de 1932, p. 435. 74 Comemorou-se, em 1940, o duplo Centenário da Nacionalidade Portuguesa: o VIII Centenário da Fundação da Nacionalidade (1140) e o III Centenário da Restauração da Independência Nacional (1640). 75 Ana Tostões – “El museo como programa en la arquitectura contemporánea”, p. 130. 76 Sérgio Lira – “Museus no Estado Novo: continuidade ou mudança?” in CUSTÓDIO, Jorge (Coord.) – op. cit., p. 196. 77 Projeto de Alberto José Pessoa (1919-85), Pedro Cid (1925-83), e Ruy d’Athouguia (1917-2006).
!36
A Revolução de 1974 alterou não só a conjuntura política, social e cultural, mas também o
debate e a produção arquitetónica. No panorama museológico, registou-se uma
aproximação aos domínios locais e regionais, numa tentativa de descentralizar e
democratizar as iniciativas78, não se verificando, no entanto, um progresso significativo ao
nível dos museus, uma vez que as prioridades arquitetónicas se centraram em setores
manifestamente mais urgentes, nomeadamente na habitação.
Os anos 80 motivaram desafios programáticos novos que desencadearam o surgimento de
museus de tipologias diversas, expressas “[...] quer com a renovação dos museus herdados,
quer com a implementação de novos projectos que representaram o alargamento dos
conceitos de património e, simultaneamente, a reivindicação do desempenho cultural nesta
área [...]”79. Esta tendência resultou num aumento do número de museus, possibilitado,
sobretudo, pelos fundos europeus resultantes da entrada (em 1986) de Portugal na
Comunidade Económica Europeia e pelas iniciativas culturais mencionadas no capítulo 2.1.,
às quais se acrescentam, com a especificidade do programa museológico, a XVII
Exposição Europeia de Arte, Ciência e Cultura (1983) – que concretizou um momento de
valorização de espaços museais e patrimoniais da cidade de Lisboa, motivando várias
obras de recuperação e remodelação – e a Exposição Universal de Lisboa (1998), que
possibilitou a construção de vários museus. Os anos 80 e 90 representaram, com efeito, um
período importante de investimento no setor e de crescimento do número de museus,
registando-se em 1990 um total de 324 instituições, mais 210 do que em 197480.
A adaptação de imóveis a usos compatíveis conheceu uma expansão inédita nesta altura,
como foi observado no capítulo 2.1. A reabilitação de edifícios com reconhecido valor
patrimonial para a atividade museológica registou, sobretudo a partir das décadas de 80 e
90, um número elevado de exemplos notáveis em Portugal, atuando sobre edifícios originais
de tipologias e condicionantes variadas, segundo critérios que demonstram a
exequibilidade de intervenções desta natureza, resultando numa metodologia eficaz de
salvaguarda do património e gestão dos museus.
Sobre a adaptação do património a outros usos é, no entanto, necessário atuar com
prudência, evitando-se a atribuição de programas demasiado impositivos aos monumentos
históricos. Segundo José Aguiar, nos últimos vinte anos do século XX “[...] os usos
geralmente propostos estavam [...] longe de serem os mais desejáveis para a salvaguarda !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!78 Helena Barranha – Arquitectura de Museus de Arte Contemporânea em Portugal – Da intervenção Urbana ao Desenho do Espaço Expositivo, p. 135. 79 Raquel Henriques da Silva – “Os Museus: História e Prospectiva” in PERNES, Fernando (Coord.) – Panorama da Cultura Portuguesa no Século XX – 3 Arte(s) e Letras [III]. Porto: Edições Afrontamento, 2002, 3º vol., p. 97. 80 Dados de 2013 do Instituto Nacional de Estatística (INE).
!37
dos valores presentes e das características específicas de muitas dessas construções,
então profundamente e definitivamente alteradas!”81 As exigências programáticas excessivas
podem comprometer a autenticidade do monumento preexistente: o risco de deturpar o
carácter original do edifício é inevitável, assim como a possibilidade de incompatibilidades
funcionais dos espaços existentes, muitas vezes insuficientes em área ou número, ou
inadequados, devido à sua conceção espacial, ao fim museológico. Os obstáculos
técnicos, construtivos e financeiros são variáveis importantes, dado que em muitos dos
casos os projetos atuais lidam com uma grande diversidade de condicionalismos.
De qualquer modo, é um facto que muitos monumentos históricos sobrevivem
independentemente das suas funções originais se tornarem obsoletas. O restauro destes
edifícios com valor histórico-patrimonial (nos quais se inclui o Castelo de São Jorge) passa
pela atribuição de novas funções, que lhes dão uma nova oportunidade de sobrevivência e
um novo sentido de utilidade pública. O programa museológico representa uma resposta
válida e apresenta concretizações evidentes em Portugal, com cerca de 90% das
instituições da Rede Portuguesa de Museus (RPM) a existirem em edifícios convertidos82.
19. Museu Nacional Machado de Castro. 20. Museu Amadeo de Souza Cardoso.
Verificando esta tendência, mencionam-se os casos do Museu Amadeo de Souza Cardoso,
em Amarante, instalado no Convento de São Gonçalo, com projeto (1977-88) de Alcino
Soutinho; o Museu Nacional de Soares dos Reis, no Porto, criado em 1911 e inaugurado em
1941 nas instalações do Palácio dos Carrancas, reabilitado e expandido (1992-2001)
segundo projeto de Fernando Távora (1923-2005); o Museu do Chiado (antigo MNAC), em
Lisboa, criado e instalado no Convento de São Francisco da Cidade, em 1911, danificado
pelo incêndio de 1988, renovado por Jean-Michel Wilmotte (n.1948) e reinaugurado em
1994; o Museu de Grão Vasco, em Viseu, fundado em 1915, localizado no Paço dos Três
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!81 José Aguiar – “Após Veneza: do restauro estilístico para o restauro crítico” in CUSTÓDIO, Jorge (Coord.) – op. cit., p. 231. 82 Helena Barranha – “Os Museus como Requalificação do Património” [páginas não numeradas].!
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Escalões, reabilitado (2001-03) por Eduardo Souto de Moura (n.1952); e o Museu Nacional
Machado de Castro, constituído em 1911 e renovado (2004-12) por Gonçalo Byrne (n.1941).
Conforme refere Raquel Henriques da Silva, a museologia vive atualmente “[...] uma
situação inédita em Portugal, pela continuidade, num tempo já relativamente longo, das
políticas de requalificação de museus, reconhecidos também como instrumentos de melhor
vida para as comunidades”, conjuntura que se deve ao empenho dos recursos humanos
dos museus, à ação organizadora da RPM e ao trabalho dos arquitetos83, resultando num
período de qualificação da arquitetura de museus, acompanhada pela evolução da
programação dos museus e das estratégias de intervenção em imóveis com valor patrimonial.
Na impossibilidade de destacar a profusão de projetos de referência datados da última
década, citam-se apenas alguns exemplos: o Museu da Sede do Banco de Portugal, em
Lisboa (2007-12), instalado na Igreja de São Julião, segundo projeto de Gonçalo Byrne e
João Pedro Falcão de Campos (n.1961); o Museu do Oriente, em Lisboa (2006-08), com o
antigo edifício dos armazéns de bacalhau adaptado a museu por Carrilho da Graça
(n.1952); e o projeto de valorização do Convento de Santa Clara-a-Velha, em Coimbra
(2002-08), da autoria de Alexandre Alves Costa (n.1939) e Sérgio Fernandez (n.1937).
Apresenta-se ainda, com especial destaque, o Farol Museu de Santa Marta, em Cascais
(2003-07), pela sua condição de fortaleza militar, musealizada pelo projeto de Manuel Aires
Mateus (n.1963) e Francisco Aires Mateus (n.1964). A intervenção parte da procura da
essência do lugar, materializada através de uma linguagem coerente e contínua entre o
novo e o preexistente – uma sequência de volumes irregulares, caiados a branco, alberga
os usos requeridos pelo museu e afirma a sua atualidade na clarificação das preexistências
recuperadas, com o material de revestimento original do farol, o azulejo. Sente-se uma
estratégia global de museologia: o sítio, na sua totalidade, é transformado num museu.
Farol Museu de Santa Marta: 21. Preexistências recuperadas. 22. Planta térrea do projeto.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!83 Raquel Henriques da Silva – “Museus em Construção”. Museologia.pt, nº 1, periodicidade anual. Lisboa: Instituto dos Museus e da Conservação, Maio 2007, p. 107.
!39
Os projetos museológicos aqui enunciados reúnem um conjunto variado de intervenções de
qualidade em edifícios preexistentes, em que se reconhecem preocupações comuns com a
conservação do preexistente aliada à sua valorização e outras tantas singularidades
ilustrativas do rigor e da segurança expressiva que os orienta. A maioria destas propostas,
além de se debruçar sobre a reabilitação do imóvel preexistente, visa, também, uma
requalificação do espaço envolvente, seja ele de natureza paisagística ou de natureza
urbana, como por exemplo no caso da reabilitação da zona envolvente ao Mosteiro de
Alcobaça, realizada entre 2002 e 2006 por João Pedro Falcão de Campos e Gonçalo Byrne.
É igualmente relevante referir que estas intervenções exigem, muitas vezes, a ampliação de
edifícios ou a criação de novos volumes que satisfaçam as necessidades programáticas do
museu, as eventuais carências espaciais e a adequação do monumento às necessidades
funcionais e tecnológicas dos museus atuais. Nestas situações, o equilíbrio entre obra nova
e preexistente assume um papel preponderante, aliado às ações de conservação e aos
critérios consensuais de intervenção no património. As opções projetuais resultam da
especificidade dos programas museológicos e do conhecimento do lugar e são claras as
intenções dos arquitetos em manter a identidade do edifício preexistente, assegurando um
ponto de interseção entre a arquitetura e o programa museológico, entre o espaço e os
objetos. De facto, as intervenções têm seguido, nos últimos anos, uma atuação de
preservação do monumento no sentido mais direto, consolidando a construção original e
resolvendo patologias existentes84. Esta tarefa engloba um estudo profundo da obra antes
de se realizar qualquer ação, entendida no sentido de intervenção mínima.
Apesar das complexidades programáticas exigidas, a musealização do património tem
criado espaços e arquiteturas de grande significado, resultando na valorização histórica e
patrimonial de muitos edifícios preexistentes. Com efeito, “[...] um número significativo
destes museus corresponde mesmo a obras de referência no panorama da arquitectura
portuguesa dos séculos XX e XXI, assinadas por arquitectos de diferentes escolas e
gerações” 85 . A qualidade das intervenções advém da articulação entre a proposta
arquitetónica e a estratégia museológica, da distribuição dos museus pelo território, da sua
intervenção no plano social, da variedade de tutelas e temáticas e da condição dos museus
enquanto “[...] componentes decisivas de requalificação dos lugares, servindo-os e
representando-os simbolicamente”86. O museu aparece, portanto, como testemunho histórico,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!84 Paulo Pereira – “La musealización del patrimonio edificado. Algunos ejemplos.” in NOLASCO, Maria da Luz (Coord.) – op. cit., p. 124. 85 Helena Barranha – “Os Museus como Requalificação do Património” [páginas não numeradas]. 86 Raquel Henriques da Silva – “Museus em Construção”, p. 105.
!40
geográfico e arquitetónico, encerrando em si os valores culturais que se reúnem na
salvaguarda do conhecimento. Os monumentos históricos adaptados a programas
museológicos erguem-se num novo enquadramento, enriquecido pela leitura dos contextos.
Ao contrário das iniciativas autorais que se registaram, no final do século XX, no plano
internacional, a arquitetura de museus, em Portugal, mantém a sua principal preocupação
na valorização da envolvente e do programa. De facto, a temática dos museus tem-se
destacado no quadro da arquitetura portuguesa dos últimos anos: o século XXI vem
confirmar a tendência de valorização das entidades museais, bem como o seu
reconhecimento a nível internacional, um facto que confirma a importância da arquitetura de
museus e do envolvimento dos arquitetos neste programa múltiplo e complexo. Não
deixando de reconhecer a conjuntura positiva do setor museológico nacional (que se
reforçou com a criação da RPM, em 2000), importa registar que existem falhas no
investimento e gestão das instituições e dos projetos, cuja realização é frequentemente
demorada e, apesar de tudo, o panorama nacional é ainda muito diferente do europeu87.
Em síntese, verifica-se uma relação direta entre a evolução do programa museológico,
entendido como parte integrante de um edifício preexistente, e a evolução da prática de
procedimentos sobre o património. Percebemos, já a partir deste momento, a interação
entre os dois conceitos e as formas pelas quais se podem valorizar mutuamente,
destacando-se o papel do museu enquanto agente de requalificação do património
arquitetónico português.
3.3. A especif icidade da musealização de sít ios arqueológicos e castelos
Tendo em conta a especificidade dos casos de estudo analisados nesta dissertação, é
relevante atentar particularmente na musealização de áreas arqueológicas e castelos, uma
vez que a opção entre preservar a ruína, tal como ela se encontra, ou reconstituir a sua
(suposta) forma original tem acompanhado de forma sistemática a evolução das cartas e
convenções internacionais de conservação e restauro.
A estratégia de intervenção em sítios arqueológicos, com o objetivo de adaptação a museu,
deve ser adequada à especificidade da situação e das condições em que se descobrem os
vestígios, considerando o local onde se encontram e preservando sempre a ruína. Segundo
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!87 Idem, p. 108.
!41
Luís Raposo, a reconstituição da construção original poderá ser uma opção positiva, de
valorização da experiência museológica88, dando ao visitante a possibilidade de experienciar
o espaço composto pelas ruínas. No entanto, esta premissa implica necessariamente uma
investigação preliminar e um extenso conhecimento histórico das ruínas89, garantindo que
se afasta a possibilidade “[...] de que esses bens se convertam em autênticos simulacros”90.
A opção mais recorrente consiste na aplicação de estratégias concisas e eficazes (como a
consolidação das ruínas, a construção de estruturas para percorrer a área arqueológica, a
disposição de sinalética e a exposição de painéis informativos) que promovam a
salvaguarda das ruínas e criem condições para a visita, a uma distância controlada.
Os sítios arqueológicos representam um momento imediato de contacto com o objeto
museológico, proporcionando a descoberta do espaço real, situado no lugar onde pertence
originalmente e, por isso, a sua dimensão narrativa pode ser associada à noção de centro
interpretativo. Para Paulo Pereira, “O que importa na valorização dos sítios arqueológicos é
o entendimento dos mesmos enquanto património arquitectónico a reintegrar.” Neste
contexto, as intervenções assumem frequentemente uma posição que se pauta pela
intervenção mínima nas ruínas propriamente ditas e por um gesto arquitetónico significativo
nos volumes de suporte ao sítio arqueológico visitável91.
A este propósito, salientam-se alguns projetos de referência. Começando pelo contexto
internacional, destaca-se a obra da dupla espanhola Nieto & Sobejano Arquitectos,
nomeadamente o projeto para o Museu Madinat Al Zahra, em Córdova (1999-2009), que
sugere um diálogo entre as ruínas islâmicas e a paisagem envolvente. Desenhado como um
local de interpretação e exposição dos achados arqueológicos, o museu é também o local
de trabalho da equipa de arqueologia. A intervenção realizada por Nieto & Sobejano revela
o plano de um museu escavado no terreno, articulado em torno de uma sequência de
volumes, cheios e vazios, espaços cobertos e pátios, que guiam o visitante pelo museu. A
conceção dos espaços e a planta composta por uma métrica quadrada, correspondente às
estruturas da medina, permitem que o museu permaneça silencioso na paisagem e
preveem a possibilidade de ampliação dos espaços, funcionando como um sistema em
módulos. O desenho do museu evoca a geometria abstrata de uma área de escavação,
criando uma associação subtil à temática da arqueologia, que está na origem do projeto. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!88 Luís Raposo – “Arqueologia e Museus: experiências portuguesas recentes”. Museologia.pt, nº 3, periodicidade anual. Lisboa: Instituto dos Museus e da Conservação, 2009, p. 77. 89 Carta Internacional Sobre a Proteção e Gestão do Património Arqueológico, Lausana, 1990, artigo 4º: “A protecção do património arqueológico deve basear-se no conhecimento, o mais completo possível, da sua existência, extensão e natureza.” Documento para consulta em: <http://www.patrimoniocultural.pt>. 90 Luís Raposo – op. cit., p.77. 91 Paulo Pereira – “Intervenções arquitectónicas recentes no Património Edificado”. Jornal de Arquitectos, nº 213. Lisboa: Estar Editora, Novembro-Dezembro 2003, p.16.
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Museu Madinat Al Zahra: 23. Pátio interior. 24. Planta composta por métrica quadrada.
Também da autoria de Nieto & Sobejano, o Museu Marítimo do Castillo de la Luz, em Las
Palmas (2013), revela uma sensibilidade semelhante, tomando a história do Castelo como
guia da proposta. A intervenção assenta em tornar o passado do Castelo visível, sendo para
isso recuperadas estruturas descaracterizadas ao longo do tempo e escavados espaços
interiores e exteriores que permaneciam ocultos, embora sempre tivessem existido92. Um
novo volume, parcialmente enterrado, silencioso, inclui os espaços necessários ao
funcionamento programático do museu. Atuando sobre pontos estratégicos, a proposta
arquitetónica pretende revelar o Castelo na sua dimensão real, articulando as estruturas
existentes com os elementos contemporâneos que possibilitam a atividade museológica.
! Museu Marítimo do Castillo de la Luz: 25. Interior. 26. Planta do primeiro piso, sala de exposições.
Neste âmbito, importa também referir o projeto de Peter Zumthor (n.1943) para o Museu
Kolumba, em Colónia (1997-2007), uma cidade que, após a Segunda Guerra Mundial, se
encontrava praticamente destruída. O museu, que alberga a coleção de arte da
Arquidiocese Católica Romana, foi construído delicadamente sobre as ruínas de uma
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!92 Ver Fuensanta Nieto e Enrique Sobejano – “Castillo De La Luz Museum”, Archdaily, 2014, disponível em: <http://www.archdaily.com/480322/castillo-de-la-luz-museum-nieto-sobejano-arquitectos/> [páginas não numeradas].
!43
catedral Gótica, numa abordagem respeitadora da identidade e da história do local,
expressa no uso dos materiais e no desenho dos pormenores. O contraste entre materiais
novos e preexistentes equilibra-se pelo confronto e pela sobriedade do tijolo que une os
fragmentos do edifício preexistente ao volume contemporâneo, revestido de uma textura
perfurada que permite filtrar a luz no interior dos espaços. A sensibilidade com que Zumthor
pousa o volume contemporâneo sobre o território escavado evidencia a afinidade deste
projeto com o que iremos estudar da autoria de Carrilho da Graça, no Castelo de São
Jorge. Aqui, o novo corpo nasce das ruínas, assumindo uma diferenciação que se lê no
contraste dos materiais e das linguagens: “O volume desenhado por Peter Zumthor transfere
a soma dos fragmentos existentes para um corpo completo. Ao adotar os planos originais e
a construção das ruínas, o novo volume torna-se parte da continuidade arquitetónica”93.
Museu Kolumba, unidade entre novo e preexistente: 27. No pátio interior. 28. Na fachada.
Relativamente ao contexto nacional, e igualmente relevante para esta dissertação,
apresenta-se a intervenção realizada pela Parques de Sintra no Castelo dos Mouros (2009-
13), com projeto de arquitetura da responsabilidade do gabinete Ubiquidade – Ricardo
Miranda e Miguel Fevereiro. O projeto incluiu a valorização global da fortificação e implicou
a recuperação e a consolidação dos caminhos de acesso e de ronda, das muralhas, da
paisagem envolvente (nomeadamente do jardim da Praça de Armas), da cisterna e da
Igreja (adaptada a Centro de Interpretação do Castelo), segundo estudos das várias fases
construtivas, desde a origem muçulmana do século X. As escavações arqueológicas,
realizadas desde 2009, informaram a intervenção arquitetónica, sugerindo o desenho das
estruturas de madeira sobrelevadas e reversíveis, que permitem observar os vestígios e
possibilitam o seguimento dos trabalhos em simultâneo com as visitas do público. Os
passadiços que interligam as estruturas de madeira reforçam o imaginário medieval do
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!93 Parte da descrição do projeto impressa no catálogo da Bienal de Veneza de 2002.
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Castelo, sugerindo a disposição de torres de assalto94. O projeto contemporâneo introduziu
valências museológicas importantes de apoio ao monumento, garantindo a sua adequação
às exigências atuais do setor.
Castelo dos Mouros: 29. Novo e preexistente. 30. Adaptação da Igreja a Centro de Interpretação.
Refere-se, também, a reabilitação do antigo paiol do Castelo de Campo Maior (2005-08), da
autoria de João Luís Carrilho da Graça. A musealização do Castelo refere-se especificamente
ao espólio de estruturas medievais, descobertas por uma campanha arqueológica realizada
no interior de um dos edifícios do Castelo, o paiol. Passadiços sobrelevados permitem
percorrer o edifício e visitar as estruturas arqueológicas encontradas, evidenciando o
equilíbrio entre materiais preexistentes e contemporâneos. Os passadiços elevam-se a
diversas alturas, permitindo diferentes perspetivas e relações de escala com os achados,
dispostos a uma cota inferior. A reabilitação do edifício do paiol e a introdução de estruturas
pontuais, que resolvem acessos e diferenças de cota, evidenciam a uniformidade da
linguagem arquitetónica contemporânea, lida em conjunto com o existente.
Castelo de Campo Maior: 31. Vista exterior. 32. Estrutura que permite a visita dos vestígios arqueológicos.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!94 Ver Parques de Sintra, Monte da Lua – À Conquista do Castelo dos Mouros. Panfleto, Turismo de Portugal, 2010-2013 [páginas não numeradas].
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A musealização do Castelo de Mértola (2005-08), projeto de José Manuel Pedreirinho
(n.1950), também merece destaque. A intervenção incluiu a valorização geral do Castelo,
da Alcáçova e do caminho de ligação entre as duas zonas e a construção de uma estrutura
de apoio ao sítio arqueológico. A intenção projetual caracteriza-se por uma intervenção
mínima, não intrusiva, privilegiadora de afinidades com o território e o Castelo preexistente.
No sentido de não alterar a história do lugar, o projeto “[...] optou por uma redução
significativa dos materiais e das soluções utilizadas [...], [minimizando] os impactos visuais
de todas as intervenções naquilo que é a sua proximidade, mas também na sua relação
com uma paisagem topograficamente tão marcada como a de Mértola”95. O processo de
construção seguiu esta mesma metodologia, realizando-se por técnicas o menos agressivas
possível e aproveitando os trabalhos estruturais necessários para introduzir as
infraestruturas essenciais à função museológica atual. A diferenciação entre obra nova e
preexistente é clarificada pela sensibilidade do contraste entre materiais e texturas.
Castelo de Mértola: 33. Vista exterior. 34. Espaço interior.
35. Castelo de Mértola, corte. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!95 José Manuel Pedreirinho – “Musealização da Alcáçova e Castelo de Mértola”. Arquitectura Ibérica, nº 36. Casal de Cambra, Sintra: Caleidoscópio, Março 2011, p. 16.
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Finalmente, importa referir a Casa de Chá do Paço das Infantas, no Castelo de Montemor-o-
-Velho (1997-2000), um projeto de João Mendes Ribeiro (n.1960) que introduz uma valência
museológica no conjunto. A estrutura é de uma extrema leveza: materializa-se através de
dois planos horizontais, o pavimento e a cobertura, suportados por quatro pilares recuados,
em aço. Os panos de vidro verticais, que desenham as fachadas livres de caixilhos, soltam
a estrutura das preexistências e intensificam a relação entre interior e exterior. O projeto
oferece uma nova proximidade com o Castelo, reforçada pela sensação de leveza e
reversibilidade, conservando a hipótese de leitura do espaço original. A proximidade entre
as paredes de vidro e as de pedra, primitivas, traduz a participação da ruína na
implantação e conceção do volume novo, orientado segundo o desenho original do Paço. A
reabilitação do acesso principal ao Castelo evidencia intervenções pontuais, como uma
escada em metal que alcança um vão e um banco que se apoia na ruína. Para o arquiteto,
intervir no património implica “[...] reorganizar criticamente a matéria preexistente, através
de uma arquitectura que se deixa contaminar pelo existente e que, ao introduzir o novo,
afirma a sua consolidação. [...] Cabe ao arquitecto ter a sensibilidade para, através do
conhecimento da preexistência, fazer uma síntese entre o passado e o presente,
acrescentando novos significados e utilidades ao existente, sem o destruir ou anular”96.
36. Casa de Chá do Paço das Infantas, corte.
Casa de Chá do Paço das Infantas: 37. Vista geral. 38. Pormenor. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!96 João Mendes Ribeiro in “Acções Patrimoniais – Perspectivas Críticas”. Arq/a, nº 82/83. Lisboa: Futur Magazine Editora, Julho-Agosto 2010, p. 28.
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4. CASTELO DE SÃO JORGE
!48
!49
4.1. Enquadramento histórico
Neste percurso de muitos séculos o Castelo de S. Jorge é ele próprio um testemunho único dessa dinâmica tão própria da arquitectura que atravessa os séculos reinventando-se e adaptando-se na continuidade e diversidade, ao sabor da vontade humana que nas suas obstinações constrói e desconstrói e, sem se dar conta, escreve e apaga páginas da História. É nesta complexidade de registos materiais que foram ficando dispersos e isolados ao longo dos tempos que também se faz a imagem do Monumento Nacional sem que isso determine uma desvalorização do seu significado histórico.
AA. VV.97
Como temos vindo a observar, ao longo da presente dissertação, a crescente
consciencialização do valor do património (aliada a uma componente social e económica
que inclui o desenvolvimento turístico) tem constituído um fator de valorização e
conservação do património arquitetónico, em Portugal. Sendo um dos monumentos mais
emblemáticos do país, o Castelo de São Jorge afigura-se como um caso de estudo
relevante neste contexto: as intervenções de que foi objeto, através do tempo, revelam um
conjunto arquitetónico com um percurso dinâmico, revestido de um simbolismo associado à
afirmação da identidade nacional. Com evidente valor patrimonial e forte presença na
cidade, o Castelo de São Jorge afirma-se nas dinâmicas de turismo de Lisboa como uma
das principais atrações. O Projeto Integrado do Castelo (PIC) e as duas intervenções
museológicas complementares, que constituem o foco desta dissertação, inauguraram um
momento renovado de salvaguarda do património da fortificação. Neste sentido, o presente
capítulo diz respeito ao caso do Castelo de São Jorge como exemplo singular de
musealização do património.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!97 AA. VV. – 100 Anos – Monumento Nacional: Castelo de S. Jorge. 1ª Edição. Lisboa: EGEAC, 2010, p. 28.
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39. Castelo de São Jorge, vista aérea, 1992.
O Castelo de São Jorge98, como hoje o conhecemos, teve origem no período islâmico e é
um edifício de características essencialmente militares. Embora, ao longo da história, esta
noção tenha sofrido alterações, entende-se atualmente que o Castelo, enquanto
monumento nacional, inclui a Alcáçova99, os vestígios do antigo Paço Real, o Castelo (ou
Castelejo) e parte de um aglomerado residencial (a Praça Nova).
A data de criação do Castelo de São Jorge é incerta devido à escassez de documentação100.
Sabe-se, contudo, que os sinais primitivos de ocupação da colina remontam à Idade do
Ferro (com sucessivas ocupações desde o século VII a. C. até ao III a. C.), período em que
existia, no local, uma povoação muralhada. As circunstâncias físicas e geográficas da
colina proporcionaram a fixação do povoado, beneficiando de proximidade ao rio Tejo, fonte
de riquezas agrícolas, alimento de terras férteis e meio de transporte, e de uma posição
militar privilegiada, devido à elevação do terreno (vigilância) e às escarpas acentuadas, a
Norte e a Oeste, que criavam dificuldades de acesso. Os primeiros sinais da fortaleza datam
do ano 48 a. C.101, altura em que Júlio César atribuiu a Lisboa (Olissipo) o estatuto de município
romano, tendo os romanos aqui permanecido até ao século V. Os vestígios posteriores de
ocupação do Castelo pelas monarquias sueva, alana e visigoda (os bárbaros do norte que
expulsaram os romanos) são escassos. Acredita-se que as fortificações foram mantidas,
embora não se entenda que estes povos tenham valorizado as defesas militares da cidade102,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!98 O culto a São Jorge, santo padroeiro dos soldados, cavaleiros e cruzadas, é introduzido em Portugal durante o reinado de D. João I (1385-1433) devido à sua divulgação pelo exército inglês que colaborou com o rei. 99 Palavra de origem árabe. A Alcáçova é uma área fortificada, residência das elites e sede do poder religioso, militar e político; é a zona nobre da cidadela e protege a medina (o núcleo urbano principal). 100 Augusto Vieira da Silva – O Castelo de S. Jorge em Lisboa. Estudo Histórico-descritivo. 2ª Edição. Lisboa: Tipografia da Emprênsa Nacional de Publicidade, 1937, p. 9. 101 Norberto de Araújo – Castelo de S. Jorge. Separata do Inventário de Lisboa, fascículo 1. Lisboa: Oficinas Gráficas da Câmara Municipal de Lisboa, 1959, p. 3. 102 DGEMN (Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais) – Boletim da Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais – Castelo de S. Jorge. 1ª Edição, nº 25-26. Lisboa: Ministério das Obras Públicas, Setembro-Dezembro 1941, p. 10.
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durante os três séculos em que a ocuparam. Desde o período de presença romana até à
chegada dos muçulmanos, o Castelo foi ocupado de forma descontínua.
No século VIII, com a chegada dos mouros, vindos do norte de África, Olissipo passou a
chamar-se Al-Uxbuna e construíram-se as fortificações que estão na origem daquelas que
hoje conhecemos. Os séculos XI e XII, marcados pelos conflitos entre árabes, berberes e
cristãos, levaram os muçulmanos a fortificar o sistema defensivo do Castelo. A nova
construção apresentava grande valor militar: era constituída pelo Castelo, a última fortificação
de defesa da cidade, mais tarde apelidada de Castelejo103, e por um perímetro de muralhas
que o circundava, definindo a cidadela ou medina, com elementos defensivos como uma
barbacã e várias torres. Edificou-se nesta altura o bairro residencial da Praça Nova (onde
existiram as fortificações da Idade do Ferro) e o Palácio do Alcaide ou Paço Mouro.
Foi esta dupla fortaleza, composta pela muralha e pelo Castelejo, que D. Afonso Henriques
conquistou aos mouros, em 1147, após cinco meses de cerco que devastaram os mouros
pela fome. A estratégia militar utilizada evidencia a qualidade das fortificações existentes,
que desencorajaram a conquista de assalto. D. Afonso Henriques instalou-se na Alcáçova,
onde residia o Governador mouro da cidade, e cedeu aos seus habitantes anteriores a
encosta norte do Castelo, fora do perímetro das muralhas, ocupando o bairro a que hoje
chamamos Mouraria. A substituição do poder religioso acompanhou a substituição do
poder político e militar e, assim sendo, D. Afonso Henriques mandou construir, no lugar da
mesquita islâmica, a Igreja de Santa Cruz do Castelo (ainda em 1147). A área residencial
islâmica que se situava nas imediações da mesquita, na Praça Nova, foi doada ao Bispo de
Lisboa para aí construir o Paço Episcopal (construído e acrescentado desde o século XII ao
XV) e a residência dos nobres. Os ocupantes da Alcáçova alteraram-se, contudo as funções
da cidadela mantiveram-se, permanecendo este o local de residência das elites.
Nos séculos seguintes à conquista, a Alcáçova continuou a ser tida como uma zona nobre
da cidade fortificada e foi objeto de diversas obras, evidenciando-se aquelas realizadas
durante os reinados de D. Afonso III (1248-79) e D. Dinis (1279-1325), que terá sido quem
decretou as obras que verdadeiramente constituíram o Paço Real da Alcáçova (sobre o
Palácio do Alcaide mouro)104, onde a corte se estabelecia sempre que se encontrava em
Lisboa. A ele se deve, também, a Capela de São Miguel105. Nos reinados de D. Afonso IV
(1325-57), D. Fernando (1373-75) e D. João I (1385-1433), registaram-se obras no Paço dos !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!103 Edificado na zona mais inacessível da colina. Castelejo é uma denominação espanhola (castillejo – castelo pequeno) que começou a ser utilizada no século XVII, com o domínio filipino (antes disso era chamado de Castelo Velho). Ver Norberto de Araújo – op. cit., p. 4. 104 DGEMN (Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais) – op. cit., p. 5. 105 AA. VV. – Castelo de São Jorge: Museum. 1ª Edição. Lisboa: Câmara Municipal: EGEAC, 2009, p. 51.
!52
Bispos, no Castelo e nas muralhas, tendo o rei D. Fernando mandado construir a Muralha
Fernandina, que veio substituir a cerca moura por uma de maior perímetro, acompanhando
o crescimento da cidade, e o Arquivo Régio, instalado na Torre de Ulisses (ou Albarrã ou do
Haver), apelidada nessa ocasião de Torre do Tombo, tendo o Arquivo aí permanecido até
ao Terramoto de 1755. Ao reinado de D. João I atribui-se a construção das Casas da
Rainha, entre outras construções habitacionais para os nobres da corte, bem como o
atulhamento do fosso de proteção do Castelejo106. “De meados do século XIII até ao início
do século XVI, o Castelo de São Jorge conheceu o seu período áureo”107, sendo a
residência principal da corte e o palco de acontecimentos notórios: Vasco da Gama foi
recebido, em 1499, no Paço da Alcáçova, por ocasião do regresso da sua viagem à Índia.
D. Manuel I foi o último rei a residir no Castelo, mudando-se no início do século XVI para o
Paço da Ribeira, no Terreiro do Paço. Com a saída do rei, o poder religioso também se
deslocou, dando o Paço dos Bispos lugar ao Palácio dos Condes de Santiago, que sofreu
vários acrescentos e alterações realizados até ao século XVIII e foi a última construção
palatina da Alcáçova, mais tarde devastada pelo Terramoto de 1755. O declínio do Castelo
coincide, de forma que se entende lógica, com o início da expansão marítima e com o
momento áureo dos Descobrimentos, que deslocou o centro de poder para a Baixa da cidade.
Antes de sair do Paço Real da Alcáçova, D. Manuel I iniciou, em 1485, obras no Castelo e
na residência régia, que se estenderam até 1521108; apesar desses esforços, a transferência
do poder para a Baixa da cidade votou o espaço ao esquecimento. Em 1569, D. Sebastião
mandou reedificar o Paço Real, presumivelmente danificado devido ao Terramoto de 1531,
segundo uma intervenção que se poderá classificar como de reconstrução109.
40. Gravura publicada no atlas Civitates Orbis Terrarum (1572), que reproduz Lisboa no século XVI, o rio Tejo na era dos Descobrimentos e o Castelo de São Jorge, ao fundo.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!106 Augusto Vieira da Silva – op. cit., p. 39. 107 AA. VV. – 100 Anos – Monumento Nacional: Castelo de S. Jorge, p. 23. 108 Marília Abel e Carlos Consiglieri – O Castelo de São Jorge. 1ª Edição. Lisboa: Fonte da Palavra, Lda., 2011, p. 18. 109 DGEMN (Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais) – op. cit., p. 23.
!53
Com a integração de Portugal na coroa de Espanha (de 1580 a 1640), a vida militar regressou
ao Castelo, que “[...] reassumiu um papel de comando político e defesa. Parte da área
ocupada pelo Paço Real da Alcáçova foi transformada em quartel para aí se instalar o
Governador e a sua guarnição militar [...]”110 e parte dos edifícios foi transformada em prisão.
As construções palatinas foram, então, ocupadas por funções militares: de lugar nobre e
residência real, o Castelo passou a receber soldados, presos e residentes da freguesia. Uma
campanha de restauro é levada a cabo em 1640, no entanto perduram as funções militares e
prisionais e, em 1673, instala-se o Hospital dos Soldados na atual Rua do Recolhimento111.
Castelo de São Jorge: 41. Planta da freguesia, em 1650. 42. Planta da mesma freguesia, anterior ao Terramoto de 1755.
O Terramoto de 1755 deixou grande parte do Castelo em ruínas – apenas a Igreja de Santa
Cruz foi reconstruída, em 1776 e, gradualmente, foram erguidas novas edificações sobre os
escombros das anteriores. Desde o Terramoto até ao início do século XX, as funções militares
persistiram, com adaptações pontuais dos espaços em função das necessidades dos
ocupantes. No final do século XVIII, em 1780, a Real Casa Pia de Lisboa instalou-se “[...] em
metade do espaço da cerca do Castelo, o que atesta bem a situação caótica do local. Esta
instituição pôs a funcionar recolhimentos, escolas e oficinas, casa de correcção e prisão” e
edificou, na Praça Nova, “[...] oficinas e manufactura de cordoaria”112. Regista-se que, em
1786, o Palácio dos Condes de Santiago era habitado por pobres113.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!110 Idem, p. 25. 111 SIPA (Sistema de Informação para o Património Arquitetónico) – “Castelo de São Jorge e restos das cercas de Lisboa”, 2002, ver:<http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=3128> [páginas não numeradas]. 112 Marília Abel e Carlos Consiglieri – O Castelo de São Jorge, p. 15. 113 Idem, p. 55.
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As invasões francesas, com início em 1807, desalojaram a Casa Pia do Castelo e, no século
XIX, os quartéis militares multiplicaram-se, tendo as edificações palatinas permanecido sob
os escombros do Terramoto, descaracterizadas pelas construções militares.
[...] perdida a sua função militar, esvaziado da côrte, que ali teve a sua residência, tornado sucessivamente em Paço dos alcaides-mores de Lisboa, presídio e aquartelamento de tropas, foi-se obliterando o seu aspecto, alterando as suas fácies monumental e, absorvido por construções sem estilo nem carácter, chegou aos nossos dias totalmente transmudado e quási irreconhecível114.
Em 1910, três meses antes da queda da monarquia, regista-se a classificação do Castelo
de São Jorge como monumento nacional, concretizada por D. Manuel II, último rei de
Portugal – uma distinção simbólica que não resultou em nenhum melhoramento concreto da
situação degradada do monumento, descaracterizado pelos quartéis militares e instalações
presidiárias115. Com efeito, a fortificação permaneceu num estado avançado de ruína e os
escombros do Terramoto persistiram no local, encobrindo as construções de origem islâmica.
No início do século XX, registam-se algumas propostas para a construção de unidades
hoteleiras no Castelo116, que não chegaram, contudo, a ser realizadas. Com efeito, a
degradação da fortificação prolongou-se até 1938, ano em que se iniciou a intervenção de
restauro coordenada pela DGEMN. O estado em que se encontravam as muralhas e as
torres e o domínio dos quartéis justificavam, para além de qualquer intenção ideológica ou
política, uma intervenção de requalificação do Castelo.
43. Capa do Boletim da DGEMN nº 25-26.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!114 Portaria de 29 de Agosto de 1938, Diário do Governo nº 203-11 Série de 1/9/1938 cit. in DGEMN (Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais) – op. cit., p. 5. 115 Ferreira de Andrade – “O Castelo de S. Jorge e a sua Reconstrução” in ANDRADE, Ferreira de – A Freguesia de Santa Cruz da Alcáçova de Lisboa. Lisboa: Publicações Culturais da Câmara Municipal de Lisboa, 1954, p. 109. 116 AA. VV. – Reabilitação Urbana dos Bairros Históricos de Lisboa. 1ª Edição. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, Pelouro da Reabilitação Urbana dos Bairros Históricos, 2001, p. 31.
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4.2. Intervenções dos séculos XX e XXI
4.2.1. Intervenção da DGEMN (1938-40)
O Govêrno da República Portuguesa, ao preparar a comemoração centenária da Fundação da Nacionalidade e da Restauração da Independência reunidas na data conjunta de 1940, intenta levar a cabo a reintegração do Castelo de S. Jorge, a sua dignificação completa, mostrando de novo a Lisboa e ao País o glorioso monumento em tôda a sua expressão militar, numa tentativa de recomposição histórica em que todos os portugueses se vão decerto empenhar, uns com o seu trabalho, outros com o seu conselho e todos com o seu amor pátrio117.
A intervenção da DGEMN no Castelo de São Jorge118 marca uma ideologia de ação sobre o
património que ilustra não só uma instituição mas, sobretudo, uma época. A atenção dada
aos símbolos mais significativos da pátria e a preferência pelos monumentos medievais
justificam a intervenção no Castelo, pautada pelas motivações nacionalistas do Estado
Novo. A reconstrução (assim também assumida no boletim nº 25-26 da DGEMN) das ruínas
do Castelo de São Jorge data da comemoração do duplo Centenário da Fundação e da
Restauração da Nacionalidade, enquadrando-se na estratégia política de glorificação do
regime que ditou que os edifícios das diversas épocas fossem demolidos e o Castelo
refeito. Pretendia-se a restituição histórica do monumento no seu esplendor militar, num
desejo de recomposição histórica motivado por ideais mais políticos do que históricos.
Conforme se pode ler no boletim da DGEMN:
O Castelo de S. Jorge, o mais antigo Monumento de Lisboa, verdadeira acrópole da Nação, talvez a peça de maior e melhor nobreza do nosso Património de glória, merece incontestavelmente que se dignifique, desafrontando-o de malefícios construtivos, isolando-o na sua solene beleza evocadora, reintegrando-o enfim, quanto possível, na sua rude e expressiva estrutura de fortaleza de outros tempos119.
Os trabalhos incluíram a demolição dos edifícios militares e uma extensa campanha de
escavações, desaterros e rebaixamento de terrenos, libertando as construções dos
escombros e das terras deslocadas que ali tinham permanecido desde 1755.
Recuperaram-se as construções destruídas pelo Terramoto, reconstruíram-se as torres que
se encontravam em risco de desmoronamento e foi destapada parte de um muro da
barbacã islâmica. As muralhas foram extensamente reconstruídas e foi desimpedido o
Caminho-de-Ronda, a Norte e Oeste da fortificação. As construções de suporte aos
quartéis, que se situavam na Praça Nova, foram destruídas e a Praça foi desagregada da !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!117 Portaria de 29 de Agosto de 1938, Diário do Governo nº 203-11 Série de 1/9/1938 cit. in DGEMN (Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais) – op. cit., p. 5. 118 A intervenção encontra-se documentada no Boletim nº 25-26 da DGEMN, publicado em 1941, e foi presidida pelo Diretor Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, engenheiro Henrique Gomes da Silva (1929-60). 119 Portaria de 29 de Agosto de 1938, Diário do Governo nº 203-11 Série de 1/9/1938 cit. in DGEMN (Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais) – op. cit., p. 5.
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freguesia através da construção de um muro que demarcava o perímetro do monumento e
o separava da zona habitacional.
Além disto, foram expropriados os terrenos e miradouros que ocultavam a vista para e do
Castelo, ficando o monumento num enquadramento urbano que o tornasse claramente
visível. Com o mesmo intuito, foram demolidas algumas edificações que se encontravam no
seguimento das muralhas, evidenciando também a independência do monumento face à
freguesia120, já que a intervenção da DGEMN se concentrou na zona monumental do
Castelo, ignorando as condições precárias de habitabilidade que se evidenciavam na área
residencial envolvente. Segundo Marília Abel e Carlos Consiglieri, “[...] a obra levada a cabo
então, teve como objectivo a separação [do Castelo] em dois espaços específicos – o
militar e o civilista – num posicionamento ideológico baseado em conceitos elitistas”121.
Compreendidos dentro da área do Castelo ficaram os espaços nobres (o Paço Real, a
Praça de Armas, o Castelejo e a Praça Nova) e de fora as restantes edificações, consideradas
menos dignas (a Casa do Governador, as cozinhas do Paço e a freguesia civil).
A obra incluiu ainda um apontamento simbólico: na Porta de Martim Moniz, no lado norte da
muralha, reaberta e restaurada, gravou-se uma inscrição que regista: “A história dêste
Castelo foi recordada com gratidão pelos Portugueses de 1940.”
Os trabalhos efetuados evitaram o avanço da degradação do Castelo e recuperaram
frações importantes das construções que tinham ficado enterradas devido ao Terramoto.
Redescobriram-se as reminiscências do Paço Real e recuperaram-se construções militares
islâmicas que se encontravam subterradas ou descaracterizadas pelas construções
militares. A intervenção surgiu, independentemente da evidente carga ideológica que a
motivou, em resposta à degradação do monumento e à desfiguração do Castelo devido ao
volume de quartéis militares que ali foram introduzidos, durante o século XIX. Antes da
intervenção da DGEMN, o Castelo não se identificava tão claramente como hoje se pode
identificar – de facto, era essencialmente constituído por grandes massas construídas,
unidades longilíneas que percorriam todo o plano de muralhas. No entanto, e como foi
discutido em capítulos anteriores, a estratégia de intervenção da DGEMN ditou a
reconstituição das construções segundo critérios hoje amplamente discutíveis, procedendo
a recomposições apoiadas em documentação que se crê insuficiente.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!120 AA. VV. – Reabilitação Urbana dos Bairros Históricos de Lisboa, p. 36. 121 Marília Abel e Carlos Consiglieri – O Castelo de S. Jorge. Nos adarves dos sentimentos. Evocação no 1º Centenário da classificação como Monumento Nacional. 1ª Edição. Cadaval: Grafilipe – Soc. Artes Gráficas, Lda., 2010, p. 10.
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Castelo de São Jorge: 44. Planta do Castelo antes da intervenção. 45. Planta idêntica, depois da intervenção.
Castelejo: 46. Planta do Castelejo antes da intervenção da DGEMN. 47. A mesma planta depois da intervenção.
Em 1940, Vieira da Silva escreveu, num artigo da Revista Municipal, que o restauro
realizado se refere ao “[...] aspecto que [o Castelo] devia ter tido em uma época indefinida,
mas anterior à construção dos disformes edifícios dos quartéis [...]”, atribuindo este facto à
existência de “[...] construções sobrepostas, manifestamente de épocas diferentes, o que
fêz não só hesitar sobre qual das disposições antigas devia ser aproveitada para a
reconstituição, mas reconhecer a impossibilidade de referir esta a uma época
determinada”122.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!122 Augusto Vieira da Silva – “Restauro do Castelo de S. Jorge. Breve Notícia”. Revista Municipal, nº 3, Ano II. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 1940, p. 22.
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Na década seguinte, Ferreira de Andrade apontou, no texto “O Castelo de S. Jorge e a sua
Reconstrução”, de 1954, a natureza dicotómica da intervenção, expressa ainda de uma
forma bastante moderada:
A quem, até às obras da reconstrução – ou melhor de salvação – do Castelo de S. Jorge, o visitasse, impossível era formar uma ideia do que teria sido nos primórdios de Lisboa cristã essa velha fortaleza. Hoje, embora a duvidosa (para não dizermos cenográfica) verosimilhança da sua reconstrução, pode ter-se presente o aspecto do histórico monumento quando Afonso Henriques o tomou aos mouros123.
Em 1978, Fernando Castelo-Branco registou também, e de forma bastante mais veemente,
algumas incongruências nos trabalhos da DGEMN, apontando que “A diminuta
preocupação de explicar, fundamentar e justificar os restauros que se constata nos boletins
[...] torna enigmáticos alguns aspectos dos restauros efectuados [...]”124. Em 1999, Jorge
Rodrigues refere-se à irregularidade da intervenção, que demoliu edificações, destacou
torres, ergueu muralhas e dispôs ameias sem qualquer “[...] sensibilidade – ou
conhecimento da arquitectura medieval do período [...]”125.
De facto, é interessante perceber até que ponto a intervenção levada a cabo pela DGEMN
(re)definiu o Castelo que vemos hoje. Na verdade, definiu-se uma nova identidade para o
monumento através de uma imagem historicista, numa linha de redefinição formal. O
carácter medieval do monumento resulta, com efeito, do esforço reconstrutivo do século XX
e não da conservação do exemplar islâmico até à atualidade. Os acrescentos e as
alterações arquitetónicas efetuados ao longo do tempo foram claramente ignorados, tendo
sido preferido o período de ocupação que importava especificamente, do ponto de vista
político. As marcas da intervenção foram propositadamente dissimuladas (a distinção entre
as muralhas e ameias de origem islâmica e aquelas que são produto do século XX será de
difícil perceção), registando-se apenas como evidente marca temporal a inscrição com o
registo da exaltação do regime que mandou restaurar o monumento.
A reconstrução das muralhas, das torres e das restantes construções foi realizada
independentemente dos princípios internacionais que se começavam a definir na Europa,
nesta altura. Embora seja precedente à Carta de Veneza (1964), que consolidou
verdadeiramente a ideia de distinção entre novo e antigo, a intervenção da DGEMN ignorou
as contribuições de Camillo Boito e Gustavo Giovannoni e da Carta de Atenas (1931),
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!123 Ferreira de Andrade – op. cit., p. 106. 124 Fernando Castelo-Branco – Problemas dos Restauros do Castelo de S. Jorge em Lisboa e do Palácio de D. Manuel em Évora. Lisboa: Silvas – Coop. Trab. Gráf., scarl, 1978, pp. 19-25. 125 Jorge Rodrigues – “A Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais e o restauro dos monumentos medievais durante o Estado Novo” in CALDAS, João Vieira (Coord.) – op. cit., p. 80.
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regendo-se, em vez disso, pelo Restauro Estilístico de Viollet-le-Duc, compatível com a
intenção propagandista e nacionalista do regime. Será, ainda, pertinente uma referência ao
Restauro Histórico de Luca Beltrami, que se pode ler, nesta intervenção, sobretudo através
dos estudos publicados por Augusto Vieira da Silva, que orientaram a obra. Importa, de
qualquer forma, referir que, embora a obra se tenha pautado por claras premissas de
engrandecimento do monumento e restituição de uma unidade de estilo medieval (que se
sobrepôs às restantes épocas de ocupação), esse facto “[...] não invalida que a sua área
de implantação se aproximasse muito dos vestígios pré-existentes”126.
[...] a grande operação de restauro e de reconstituição (ou de recriação) a que foi sujeito, pelo Estado Novo, [...] transformaram-no em símbolo da nacionalidade e da identidade portuguesas, reassumindo o lugar que hoje tem no imaginário lisboeta e na estrutura de oferta turística. A operação dos anos 40 reedificou e transformou o Castelo de S. Jorge, numa opção estética que se ligava claramente ao enunciado político: dar a Lisboa um rosto de capital do Império127.
Em 1940 saudava-se, na imprensa, a intervenção da DGEMN, atribuindo o sucesso das
obras ao ressurgimento do nacionalismo português: “Bem haja pois o Govêrno pelo
benefício que prestou à cidade capital do Império [...]”128. No entanto, a imprensa de 1946
descreve um relativo abandono do Castelo, passado o entusiasmo associado às
comemorações dos Centenários129.
Quase duas décadas mais tarde, em 1965, a Câmara Municipal de Lisboa (CML),
responsável pela gestão do monumento desde 1942, criou a Comissão de Estudo e
Coordenação das obras a realizar no Castelo de S. Jorge, com o propósito de cuidar o
carácter arquitetónico do conjunto urbano do bairro do Castelo, pensado em termos da sua
integração com o monumento nacional. Porém, a ação da comissão não foi especialmente
consequente, dada a insuficiência dos poderes efetivos que a condicionava130. Entre 1979 e
1980 foram efetuados trabalhos arqueológicos nos espaços do antigo Paço Real (Casa do
Leão e Sala Ogival131), registando-se alterações significativas (e bastante criticadas132) na
estrutura das construções por ocasião da remodelação do restaurante Casa do Leão, ali
instalado em 1952.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!126 AA. VV. – Reabilitação Urbana dos Bairros Históricos de Lisboa, p. 8. Ver também p. 43 da mesma publicação. 127 Idem, pp. 8-9. 128 Augusto Vieira da Silva – “Restauro do Castelo de S. Jorge. Breve Notícia”, p. 24. 129 Marília Abel e Carlos Consiglieri – O Castelo de São Jorge, p. 66. 130 AA. VV. – Reabilitação Urbana dos Bairros Históricos de Lisboa, p. 36. 131 Na Sala Ogival funcionou, depois da intervenção da DGEMN, um museu arqueológico e uma biblioteca municipal. Ver Costa Garcez – O Castelo de S. Jorge: Roteiro. Lisboa: Oficinas Gráficas da Câmara Municipal de Lisboa, Secção de Propaganda e Turismo. Edição da Câmara Municipal de Lisboa, Arte e Turismo, 1962, p. 14. Também ali, em 1964, foi realizada, pela CML, a exposição Lisboa Antes do Terramoto. 132 Ver Marília Abel e Carlos Consiglieri – O Castelo de São Jorge, p. 69.
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Conjunto geral do Castelo de São Jorge: 48. Antes da intervenção da DGEMN. 49. Depois da intervenção.
Torre de Ulisses e entrada no Castelejo: 50. Antes da intervenção da DGEMN – segundo descrição do Boletim nº 25-26 da DGEMN: quartel militar, Torre de Ulisses cortada, muralha da barbacã escondida por reboco, escada moderna, edifício do posto meteorológico na Torre do Observatório. 51. O mesmo local depois do desaterro e da reconstituição das torres, barbacã, fosso, ponte, muralhas e ameias.
Torre da Cisterna (canto nordeste do Castelejo) e muralha norte: 52. Antes. 53. Depois da reconstituição.
Sala Ogival do Paço Real da Alcáçova: 54. No início dos trabalhos. 55. Durante a reconstituição.
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4.2.2. Projeto Integrado do Castelo (1995-2001)
[...] o projecto visa a reunificação histórico-geográfica entre a zona de visita (a apelidada zona monumental objecto do restauro dos anos 40) e a zona de habitação (a chamada freguesia civil), a requalificação habitacional e a valorização sócio-cultural e turística do bairro do Castelo na sua globalidade [...]. Depois de 1940 esta constitui a primeira grande intervenção urbana em toda a freguesia, mas, ao contrário de 40, o projecto pretende acabar com o fosso existente entre a parte urbana, habitada e a zona monumental / militar [...]133.
Enquadrado no seu percurso histórico, o Castelo de São Jorge é inseparável da sua
envolvente urbana imediata, com a qual estabelece uma cronologia de desenvolvimento de
civilizações e arquiteturas. O monumento e a freguesia envolvente134 foram alvo, a partir de
1995, de um programa de reabilitação e requalificação patrimonial: o Projeto Integrado do
Castelo (PIC), orientado pela Direção Municipal de Reabilitação Urbana dos Bairros Históricos
– DMRU/CML, “[...] incluiu a reabilitação integrada do conjunto intramuros do Castelo
[...]”135. É neste contexto que o Castelo passa para a gestão da Empresa de Gestão de
Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC), desenvolvendo-se, a partir daí, um programa
cultural de rentabilização, instituindo-se uma entrada paga, desde 2004. Possibilitado pelo
apoio do Fundo de Turismo do Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional
do Estado (IGAPHE), pela DGEMN e pelo IPPAR, o PIC, inserido no trabalho de
Reabilitação Urbana dos Bairros Históricos de Lisboa, representa o esforço de conservação
de um dos monumentos mais significativos de Portugal e reforça a importância, não só
política e social, mas também cultural e histórica da preservação do património.
A ação desenvolvida pelo PIC visa a criação das condições necessárias para o
estabelecimento da população nesta zona e para a reabilitação do património do Castelo,
integrando assim a identidade do monumento e do bairro histórico. A intervenção urbana na
freguesia pretende suprimir o desfasamento entre o dinamismo e a influência do Castelo
propriamente dito e da sua envolvente urbana136. Como refere António Abreu, vereador da
Reabilitação Urbana dos Bairros Históricos, “[...] a freguesia do Castelo ficava à margem
[...] [do] movimento”137 proporcionado pelo monumento nacional, caracterizando-se por
uma acentuada deterioração do edificado. Nesse sentido, tornou-se fundamental revitalizar
a envolvente do Castelo, melhorando as condições de habitabilidade através da reabilitação
do conjunto edificado e da garantia dos requisitos atuais de conforto, higiene e segurança;
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!133 AA. VV. – Reabilitação Urbana dos Bairros Históricos de Lisboa, p. 9. 134 O Decreto de 16 de Março de 1915 determinou que a Freguesia de Santa Cruz do Castelo se passasse a chamar Freguesia do Castelo. Em 2012, a Freguesia do Castelo foi integrada na Freguesia de Santa Maria Maior. 135 Maria Clara Vieira in AA. VV. – Reabilitação Urbana dos Bairros Históricos de Lisboa, p. 7. 136 António Abreu in AA. VV. – Reabilitação Urbana dos Bairros Históricos de Lisboa, p. 6. 137 Idem, ibidem.
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gerando atividades comerciais e económicas; valorizando as oportunidades turísticas;
estabelecendo equipamentos de índole social e cultural; reabilitando as infraestruturas
existentes138 e analisando como é que o tecido urbano pode suportar, de forma integrada,
as densificações de uso, nomeadamente ao nível das acessibilidades, do estacionamento e
dos transportes coletivos que servem a zona, equacionando também as implicações da
diversidade dos utilizadores da área, distinguindo as necessidades de residentes e
visitantes. Esta é uma questão essencial para a validação das premissas de intervenção no
Castelo, pois é na relação com o espaço público que podem surgir oportunidades de ação
ou incompatibilidades significativas, sobretudo no contexto de uma malha urbana histórica
e delicada com condicionalismos específicos.
56. Núcleo urbano do Castelo de São Jorge, vista aérea de sul, após o restauro de 1940.
Paralelamente, implementaram-se novos focos de atividade no Castelo, nomeadamente o
Periscópio (câmara escura localizada na Torre de Ulisses, instalada entre 1997 e 1998) e a
Casa do Governador (reabilitada entre 1998 e 1999, onde funciona atualmente a loja do
Castelo e a Junta de Freguesia de Santa Maria Maior), que potenciaram a dinamização
turística do monumento. Em 1998, as Salas Ogival, das Colunas e da Cisterna, localizadas
no antigo Paço Real, foram adaptadas para albergar o museu Olissipónia – Centro de
Interpretação da cidade de Lisboa, que entretanto deu lugar ao Núcleo Museológico.
Funcionando enquanto complemento destes novos centros, e respondendo à crescente
procura turística, o programa cultural promovido pela EGEAC integra vários projetos
temáticos de animação, destacando-se o serviço educativo, consolidado recentemente pela
criação do Museu e do Sítio Arqueológico, como iremos verificar nos próximos capítulos.
Em termos de ações de conservação do monumento destacam-se os trabalhos efetuados
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!138 Idem, ibidem.
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nas muralhas e nas restantes estruturas de cariz militar, que se encontravam num estado de
degradação significativo139.
57. Castelo de São Jorge, perspetiva esquemática (Legenda: zona visitável (a cores) e parte da freguesia que constituía, com o monumento, a antiga Alcáçova islâmica e medieval (a cinza) – 1. Praça Nova (Núcleo Arqueológico). 2. Castelejo. 3. Torre de São Lourenço (garantia o acesso a um braço do Tejo que naquela altura ali existia; e a comunicação com o exterior, em caso de cerco prolongado). 4. Antigo Paço Real da Alcáçova (onde funciona o Núcleo Expositivo). 5. Praça de Armas. 6. Estátua de D. Afonso Henriques (colocada em 1947). 7. Torre de Ulisses (onde hoje se situa a câmara escura – Periscópio). 8. Bilheteira (antigo Hospital dos Soldados e Caminho-de-Ronda, Rua do Recolhimento). 9. Galeria / Jardim Romântico (composição com elementos achados durante a intervenção de 1938-40). 10. Restaurante Casa do Leão. 11. Entrada e saída do monumento visitável (Porta do Sul). 12. Rua das Flores / Grupo Desportivo do Castelo. 13. Igreja de Santa Cruz do Castelo. 14. Hotel Solar do Castelo (antigo local das cozinhas do Paço). 15. Rua Espírito Santo. 16. Casa do Governador (atual loja do Castelo). 17. Rua de Santa Cruz. 18. Rua do Recolhimento. 19. Beco do Recolhimento. 20. Beco do Forno. 21. Passeio. 22. Porta de São Jorge (Largo do Chão da Feira). 23. Porta do Moniz. 24. Torre de Menagem, a mais alta do Castelo, onde se hasteava a bandeira. Também designada de Torre do Observatório, por nela se ter instalado, no século XVIII, o primeiro observatório geodésico de Lisboa. 25. Torre da Cisterna. 26. Torre do Paço).
O PIC evidencia o facto de que os museus em monumentos históricos materializam
frequentemente oportunidades de requalificação dos contextos urbanos circundantes,
constituindo uma dupla possibilidade de reabilitação do património. A estratégia de ação
adotada pela DMRU no âmbito deste projeto pode ser associada à noção de património
introduzida por Gustavo Giovannoni, na passagem para o século XX, que abrange os
conjuntos urbanos e não apenas os monumentos isolados, uma conceção que foi
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!139 AA. VV. – Reabilitação Urbana dos Bairros Históricos de Lisboa, p. 55.
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reafirmada pela Carta de Veneza (1964) e, mais tarde, pela Carta Europeia do Património
Arquitetónico (1975). Com efeito, o PIC revela um entendimento da cidade histórica que
partilha o diálogo entre as características urbanas e sociais do conjunto, valorizando as
oportunidades que as beneficiam mutuamente. Neste sentido, os trabalhos de reabilitação
realizados nas construções degradadas tiveram como linha orientadora a manutenção da
identidade do edifício e da sua autenticidade, recuperando os conjuntos com interesse
patrimonial. Nos casos em que as preexistências arquitetónicas não apresentavam valor
evidente, a intervenção assumiu-se contemporânea. Assim, o projeto foi desenvolvido “[...]
através de processos de assimilação e não de substituição [...]”140.
4.2.3. Reabil i tação do troço sul / nascente do Caminho-de-Ronda (1996-2002)
Entre 1996 e 2002, realizou-se uma extensa campanha arqueológica no Castelo de São
Jorge. Para além dos trabalhos efetuados na Praça Nova, que iremos apresentar no ponto
seguinte, foram realizadas escavações adicionais no Pátio das Cozinhas, na Rua do
Recolhimento, no Hospital dos Soldados e no Caminho-de-Ronda 141 . Esta campanha
arqueológica, concretizada no âmbito do PIC, resultou de um acordo entre a CML, a
EGEAC e o IPPAR (hoje DGPC – Direção Geral do Património Cultural)142.
Neste contexto, foi realizada a reabilitação do Caminho-de-Ronda143 e a construção do novo
edifício da bilheteira do Castelo, ambas da responsabilidade de Victor Mestre (n.1957), no
âmbito do seu trabalho na DGEMN144. Formou-se uma equipa interdisciplinar, dirigida pelas
arqueólogas Alexandra Gaspar e Ana Gomes, encarregue de conduzir a investigação
histórica que informou o projeto de arquitetura. Os vestígios arqueológicos encontrados são
de tal importância que se equacionou a construção de um Centro de Interpretação neste
local. Este edifício foi, de facto, construído, tendo assumido, contudo, as funções de
bilheteira devido à criação do Núcleo Museológico, justificado pela quantidade de objetos
encontrados posteriormente nas escavações da Praça Nova.
O projeto de recuperação do Caminho-de-Ronda resulta de uma estreita relação com a
equipa de arqueologia: “Procurou-se [...] estabelecer uma ética de intervenção, em que a
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!140 Idem, p. 56. 141 Alexandra Gaspar e Ana Gomes – “Resultados Preliminares das Escavações Arqueológicas no Castelo S. Jorge”. Arqueologia Medieval, nº 7. Porto: Edições Afrontamento, 2001, pp. 95-102. 142 AA. VV. – Castelo de São Jorge: Museum, p.13. 143 Ou Caminho-do-Vigia. Estrutura defensiva da muralha que permitia a circulação por todo o perímetro muralhado. 144 Victor Mestre colaborou com a DGEMN entre 1994 e 2003, levando a cabo ações de intervenção no património que se pautaram por critérios bem diferentes daqueles adotados pela Direção durante o período do Estado Novo.
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arquitectura e os dados arqueológicos em presença se inter-relacionassem de forma a
preservar e a reintegrar as memórias mais significativas do local”145. A primeira parte da
intervenção consistiu na identificação física da muralha, procedendo-se depois à conservação
das ruínas. Propôs-se um passadiço elevado, com estrutura em aço apoiada em pontos
reguláveis, revestido com uma faixa central em grelha metálica e duas faixas laterais de
dimensões diferentes, em cantaria de lioz. O trabalho desenvolvido permitiu que o
Caminho-de-Ronda, descaracterizado por construções que se apropriaram da muralha,
voltasse a ser legível e possível de percorrer.
O volume da bilheteira foi projetado de raiz; no entanto, a sua implantação foi determinada
pelas ruínas de um edifício habitacional demolido durante a intervenção de 1938-40.
Assumindo o traço contemporâneo, o volume integra vestígios das ruínas, complementando
a reabilitação do Caminho-de-Ronda. A coerência dos materiais utilizados evidencia a
unidade da intervenção e, como refere o arquiteto, “[...] o espírito [do lugar] emerge sobre a
matéria que é tão-somente composta de madeira, ferro, vidro e cobre [...]”146.
O projeto de recuperação do Caminho-de-Ronda não foi cumprido na extensão inicialmente
programada, por questões pontuais de expropriações das propriedades atravessadas e por
incompatibilidades políticas. Referindo-se ao Caminho-de-Ronda como “[...] um elemento
dinâmico para contar a história do Castelo”, Victor Mestre considera que a suspensão do
projeto foi verdadeiramente prejudicial para uma leitura plena do Castelo e da freguesia
envolvente. Completo, o Caminho-de-Ronda poderia funcionar como um elemento
agregador, constituindo “[...] uma espécie de circuito de visita contextualizada global”147.
Reabilitação do troço sul / nascente do Caminho-de-Ronda do Castelo de São Jorge e edifício da bilheteira: 58. Início dos trabalhos de limpeza. 59. Implantação da estrutura da cobertura do edifício da bilheteira (terminado em 2001).
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!145 Alexandra Gaspar, Ana Gomes e Victor Mestre – “Reabilitação do troço sul / nascente do Caminho-de-Ronda do Castelo de São Jorge, Lisboa”. Monumentos, nº 17. Lisboa: Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Setembro 2002, p. 133. 146 Idem, p. 136. 147 Victor Mestre, em entrevista (consultar transcrição em anexo).
!66
Reabilitação do troço sul / nascente do Caminho-de-Ronda do Castelo de São Jorge e edifício da bilheteira: 60. Fachada sul do edifício integrada nas ruínas (2014). 61. Interior do edifício (2002).
Reabilitação do troço sul / nascente do Caminho-de-Ronda do Castelo de São Jorge e edifício da bilheteira: 62. Visto de cima (2014). 63. Passadiço do Caminho-de-Ronda (2014).
4.2.4. Campanha arqueológica na Praça Nova (1996-2007)
A importância histórica e arqueológica dos vestígios encontrados em 1996 justificou a necessidade de uma intervenção cientificamente relevante, e prolongada no tempo, que hoje, passada mais de uma década, se materializa na possibilidade de visitar um conjunto patrimonial notável que testemunha essa dinâmica tão própria da urbe que atravessa séculos [...]148.
Os trabalhos arqueológicos na Praça Nova do Castelo de São Jorge, inaugurados em 1996
(e continuados até 2007), começaram após a iniciativa de construção de um parque de
estacionamento com quatro pisos subterrâneos sob este promontório natural intramuros na
extremidade nascente da muralha, ladeado a Sul pela Igreja de Santa Cruz, a Este pela
afinidade com a cidade e com o rio e a Norte e Oeste pelas estruturas defensivas. O início
dos trabalhos de escavação do silo automóvel levou à descoberta dos vestígios e à
confirmação da relevância das ruínas existentes e, por isso, o parque não foi realizado. Em
2006, tendo em conta a relevância dos achados realizados até à data, foi apresentada ao
Plano Operacional de Cultura (POC), promovido pelo Ministério da Cultura, a candidatura !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!148 EGEAC (Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural) – Castelo de São Jorge – “Castelo de São Jorge”, 2010, disponível em: <http://www.castelodesaojorge.pt/index.php> [páginas não numeradas].
!67
para a construção dos Núcleos Expositivo e Arqueológico da Praça Nova, tendo o projeto
obtido o financiamento necessário.
A área total de escavação na Praça Nova compreende cerca de 2600 m2 e a profundidade
potencial de existência de vestígios foi inicialmente registada nos 6 metros149. Os trabalhos
realizados recuperaram testemunhos de épocas diversas de ocupação do Castelo e atestaram
a antiguidade da ocupação da fortificação e da colina. Dos trabalhos de arqueologia
resultaram vestígios de três períodos distintos de ocupação do Castelo: um conjunto de
estruturas habitacionais que remontam à Idade do Ferro, reminiscências das estruturas de
duas casas que datam do período de ocupação islâmica e uma superfície pavimentada que
pertenceu ao Paço Episcopal e, mais tarde, ao Palácio dos Condes de Santiago.
64. Sítio Arqueológico da Praça Nova (Legenda: período islâmico (representado a bege); período da Idade do Ferro e Idade Média (representado a cinza claro); área envolvente à escavação, com pavimento em pedra irregular de basalto (representado a cinza escuro). 1. Ruínas de estruturas habitacionais de elites islâmicas (séculos XI e XII). 2. Estruturas de apoio às casas. 3. Mosaicos do século XV e XVI do pavimento do Palácio dos Condes de Santiago (na altura, Paço Episcopal). 4. Vestígios de estruturas habitacionais da Idade do Ferro. 5. Vestígios da ala nascente do Palácio dos Condes de Santiago. 6. Ruínas das estruturas de um segundo corpo do Palácio dos Condes de Santiago, que constituiria a ala principal. 7. Espaço de circulação entre os dois corpos do piso térreo do Palácio, exibindo fragmentos da calçada original (pensa-se que a zona de circulação se prolongava até ao local onde se encontram os vestígios da Idade do Ferro, onde possivelmente se situava a entrada do Palácio). 8. Muralha norte do Castelo. a. Átrio. b. Porta de acesso principal, pela rua islâmica original. c. Cozinha. d. Compartimento de funcionalidade desconhecida. e. Salão. f. Alcova. g. Dispensa. h. Latrina).
As casas islâmicas geminadas que se encontraram pertenciam às elites administrativas da
cidade, com dimensões generosas (160 e 187 m2) que se encontravam num estado de
conservação razoável, pelo que, em locais pontuais dos salões, são visíveis os estuques !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!149 Alexandra Gaspar e Ana Gomes – “Resultados Preliminares das Escavações Arqueológicas no Castelo S. Jorge”, p. 96.
!68
decorados que revestiam as paredes, legíveis ao ponto de se identificar um motivo típico da
cultura islâmica, o cordão da felicidade. A organização das casas corresponde rigorosamente
ao arquétipo islâmico, apresentando “[...] espaços de intimidade com raras aberturas para
o exterior. A planta das casas de maiores dimensões organiza-se invariavelmente em torno
de um pátio central, zona de luz e ventilação, em redor do qual se distribuíam os vários
compartimentos [...]”150. Percebem-se construções adicionais, de porte reduzido, que teriam
funcionado como estruturas de apoio às casas. Embora a origem das habitações seja
islâmica, os trabalhos arqueológicos permitiram distinguir níveis sucessivos de ocupação
das estruturas até ao reinado de D. Dinis151.
A estrutura habitacional da Idade do Ferro seria provavelmente uma cozinha, uma vez que
foi encontrada uma área de fogo e diversos objetos afetos a essa função. Esta estrutura foi
sendo adaptada até ao século III a. C., durante períodos de ocupação descontínua. O perfil
resultante das escavações tem cerca de 4,5 metros de profundidade e permite a distinção
entre os vários estratos de ocupação, desde o século VII a. C. (o mais profundo), passando
pelos séculos XI e XII (com uma camada relativa ao bairro islâmico, a cerca de 2 metros de
profundidade), até aos séculos XV – XVIII (com evidências de ocupação do Palácio dos
Condes de Santiago, a 1,5 metros de profundidade).
Do Palácio dos Condes de Santiago são visíveis estruturas que evidenciam remodelações e
ampliações efetuadas no decorrer dos séculos XIII, XIV e XV, ainda enquanto Paço Episcopal
(o Paço foi ocupado pelo Bispo de Lisboa do século XII ao início do século XVI). Do último
período de ocupação do Palácio pelo Bispo “[...] é visível ainda o negativo do pavimento de
argamassa vermelha com quadrados entrecruzados decorando as pontas [...]”152, datado
do final do século XV, início do século XVI. A ala principal do Palácio, ao centro da área de
escavação, ocuparia todo o espaço do anterior bairro residencial islâmico. Os vestígios da
ala nascente do Palácio evidenciam o período da sua ocupação por parte dos Condes de
Santiago (a partir do início do século XVI, registando-se a realização de várias ações de
remodelação até ao século XVIII) e correspondem “[...] às alas Este e Sul do piso inferior,
normalmente destinado a área de acesso e de serviços (cozinhas, dispensas, armazéns).
Num dos compartimentos são observáveis os pavimentos de sucessivas remodelações, do
empedrado, o mais antigo, ao de tijoleira do século XVIII”153, o mais recente.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!150 EGEAC (Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural) – Castelo de S. Jorge – Monumento Nacional. Panfleto. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 2013 [páginas não numeradas]. 151 Alexandra Gaspar e Ana Gomes – “Resultados Preliminares das Escavações Arqueológicas no Castelo S. Jorge”, pp. 98-99. 152 EGEAC (Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural) – Castelo de São Jorge [páginas não numeradas]. 153 Idem, ibidem.
!69
Algumas das paredes do Palácio continham painéis de azulejos do século XVII. A presença
dos efeitos do Terramoto de 1755 confirma-se pela existência de objetos queimados e
deformados devido às elevadas temperaturas do incêndio que devastou Lisboa após o
Terramoto. Os fragmentos dos painéis de azulejos foram mantidos pelos escombros do
Terramoto e encontram-se expostos no Núcleo Museológico.
Os objetos que documentam as diversas ocupações do Castelo são apresentados no
Núcleo Museológico e as respetivas estruturas arquitetónicas são visitáveis no Núcleo
Arqueológico. Estes Núcleos são o resultado de uma campanha arqueológica que
abrangeu mais de dez anos de trabalho e representam, também por isso, um momento
significativo para o património da cidade de Lisboa constituindo, assim, o objeto principal
da presente investigação. Cada intervenção é analisada desde a sua integração no
conjunto até ao conceito arquitetónico e à conceção do espaço expositivo, permitindo uma
análise complementar que se refere à especificidade da arquitetura de museus e das
estratégias museológicas adotadas.
65. Planta de implantação das intervenções no Castelo de São Jorge (Legenda: 1. Núcleo Museológico. 2. Núcleo Arqueológico).
!70
O Núcleo Museológico e o Sítio Arqueológico criam uma unidade e estão estreitamente
ligados, porque no primeiro se apresentam os achados do segundo. Do ponto de vista
formal, importa salientar que são duas intervenções diferenciadas, tanto pela natureza das
arquiteturas preexistentes sobre as quais trabalham, como pela escala do espólio em
causa, no entanto, ambas apresentam abordagens qualificadas. A partilha temática entre
os dois museus e a proximidade de localização (que evita a dispersão dos achados)
reforçam a sua ação conjunta, na medida em que o Sítio musealizado é servido pelo Museu
e ambos se complementam. O projeto garante, assim, que o património se apresenta como
parte integrante do seu contexto cultural. Os objetos e as estruturas encontradas documentam
a importância da Praça Nova no decorrer das ocupações do Castelo e, sobretudo, durante
o período islâmico. Neste sentido, a sua musealização in situ é claramente justificada,
permitindo o enquadramento das estruturas no lugar e a respetiva legibilidade, facilitando a
interpretação por parte do público. A perspetiva de conjunto e a ação interligada dos
Núcleos assume uma importância acrescida no contexto do Sítio Arqueológico, uma vez
que as estruturas estão inevitavelmente incompletas e, por isso, são difíceis de apreender,
obrigando a um exercício de abstração e procura de entendimento.
4.2.5. Percurso Pedonal Assistido da Baixa ao Castelo de São Jorge (2009-13)
Entre os anos 90 e a primeira década do século XXI, consideraram-se as consequências da
presença do monumento histórico no tecido urbano envolvente, criando condições e
infraestruturas adequadas de acesso, estacionamento e circulação que apoiem a
densificação de uso da malha histórica. Neste contexto, refere-se o projeto inaugurado
recentemente pela CML, que concretiza o Percurso Pedonal Assistido da Baixa ao Castelo
de São Jorge (2009-13), facilitando o acesso ao monumento a partir da Baixa Pombalina.
O projeto incluiu a reabilitação de dois edifícios de acolhimento e a construção de dois
elevadores públicos, que vencem a topografia acidentada da colina e permitem ao visitante
e ao residente chegar mais facilmente a uma cota elevada do percurso que conduz ao
Castelo. O Elevador Público Baixa – Castelo de São Jorge (2009-13) situa-se na Rua dos
Fanqueiros nº 170-178 / Rua da Madalena nº 147-155 e corresponde a um projeto de
reconhecida qualidade de João Pedro Falcão de Campos154. O arquiteto desenvolveu,
também, o projeto de requalificação urbana dos espaços subordinados ao percurso,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!154 O projeto valeu ao arquiteto o reconhecimento do Prémio FAD Arquitetura 2014.
!71
incluindo a Rua da Vitória, na Baixa; o Largo Adelino Amaro da Costa (Largo do Caldas); a
zona envolvente ao Mercado do Chão do Loureiro; e o percurso desde aí até ao Castelo,
pela Costa do Castelo e depois pela Rua Bartolomeu de Gusmão, segundo uma
metodologia de intervenção respeitadora do traçado da cidade. Os elevadores do edifício de
acolhimento da Rua dos Fanqueiros, que alberga, além disso, escritórios e uma galeria,
surgem no seguimento do eixo da Rua da Vitória e proporcionam acesso ao Largo Adelino
Amaro da Costa e ao Elevador Público do Chão do Loureiro. O edifício do antigo Mercado
do Chão do Loureiro, além de integrar o Elevador Público do Chão do Loureiro (projeto de
Eduardo Pereira, 2011), que liga o Largo Adelino Amaro da Costa à Costa do Castelo, inclui
um silo automóvel, satisfazendo a procura de estacionamento no local. Este edifício, e os
serviços que nele funcionam, nomeadamente o supermercado, representam, também, uma
mais-valia para os residentes da área.
Os projetos em causa refletem um esforço abrangente de revitalização da Baixa e da sua
ligação às colinas e evidenciam igualmente as premissas que orientam o PIC,
fundamentando intervenções de requalificação do edificado e do espaço público e
melhorando as condições de acessibilidade e fruição da zona envolvente ao Castelo.
Percurso Pedonal Assistido da Baixa ao Castelo de São Jorge: 66. Diagrama. 67. Planta esquemática (Legenda: 1. Estação de Metro Baixa – Chiado. 2. Requalificação da Rua da Vitória. 3. Elevador Público Baixa – Castelo de São Jorge. 4. Elevador Público do Mercado do Chão do Loureiro. 5. Castelo de São Jorge).
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Edifício de acolhimento Rua dos Fanqueiros / Rua da Madalena: 68. Interior. 69. Entrada Rua dos Fanqueiros. 70. Entrada Rua da Madalena.
Edifício de acolhimento Rua dos Fanqueiros / Rua da Madalena: 71. Alçado Rua dos Fanqueiros. 72. Alçado Rua da Madalena.
Edifício de acolhimento Rua dos Fanqueiros / Rua da Madalena: 73. Corte longitudinal, evidenciando a ligação entre a cota da Baixa (Rua dos Fanqueiros) e a cota do Largo Adelino Amaro da Costa (Rua da Madalena).
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5. NÚCLEO EXPOSITIVO DA ALCÁÇOVA DO CASTELO DE SÃO JORGE
ARQ. VICTOR MESTRE E SOFIA ALEIXO
!74
74. Planta de localização do Núcleo Expositivo, orientada a Norte.
!75
5.1. Conceito e programa
Ao pretender-se evocar os caminhos da história deste lugar, transmite-se o conhecimento acumulado sobre as gerações que foram formando a(s) comunidade(s), diversificada(s) pelo caldeamento de diferentes povos, respectivas convicções religiosas, modos de vida e de organização social, cuja identidade está impressa na riqueza do espólio resgatado às diversas camadas estratificadas das escavações.
Victor Mestre155
A intervenção de Victor Mestre (n.1957) e Sofia Aleixo (n.1967) no Castelo de São Jorge – o
Núcleo Expositivo (ou Museológico) da Alcáçova do Castelo (2007-08) – é um projeto156 que
advém do trabalho arqueológico que tem vindo a ser efetuado desde 1996, e que foi
apresentado no capítulo anterior. De facto, o processo projetual do Núcleo Museológico
acompanhou o desenvolvimento da campanha arqueológica, no sentido de se garantir uma
compreensão mais próxima dos caminhos do Castelo e da cidade de Lisboa, ao longo dos
tempos. Como iremos verificar, é a importância histórica dos vestígios arqueológicos
encontrados que justifica a intervenção e orienta o conceito arquitetónico adotado.
A coleção exposta no Núcleo Museológico é maioritariamente constituída pelo conjunto de
objetos encontrados na área arqueológica da Praça Nova (onde, posteriormente, se ergueu
o Núcleo Arqueológico, sobre o qual nos debruçaremos no capítulo seguinte) e oferece
uma leitura abrangente das culturas e populações que habitaram o Castelo entre os séculos
VII a. C. e XVIII. Localizado na zona edificada do antigo Paço Real da Alcáçova, o Núcleo
Museológico é constituído pela Sala Ogival ou do Trono, onde se inicia a exposição, pela
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!155 Victor Mestre – ‘ao (per)correr (d)a vida’. 1ª Edição. Almada: Casa da Cerca – Centro de Arte Contemporânea. Câmara Municipal de Almada, 2013, p. 88. 156 O projeto resultou de um concurso limitado a cinco gabinetes.
!76
Sala das Colunas, onde se expõe o período islâmico, e pela Sala da Cisterna, onde se
expõe uma cronologia de ocupações.
75. Planta do Núcleo Museológico, diagrama de disposição da exposição (Legenda: Sala Ogival – exposições temporárias No Castelo de Lisboa (representada a bege); Sala das Colunas – exposição permanente Na Alcáçova de Al-Uxbuna (representada a vermelho); Sala da Cisterna – exposição permanente Outras Vivências (representada a azul). 1. Entrada. 2. Espólio da Sala das Colunas: período islâmico, séculos XI e XII. 3. Idade do Ferro. 4. Período de ocupação romana. 5. Séculos XII e XIII. 6. Saída, acesso à loja. 7. Século XIV. 8. Séculos XV e XVI. 9. Séculos XVII e XVIII. 10. Terramoto. 11. Azulejos decorativos, século XV a XVIII).
A intervenção de Victor Mestre e Sofia Aleixo desenvolve-se em torno do legado do lugar,
expresso nos edifícios, mas também no simbolismo do monumento. A intervenção procura
complementar as necessidades funcionais do edifício existente, qualificando-o para a
atividade museológica, tendo a preocupação de integrar e valorizar a preexistência – o
próprio edifício – e de ser simultaneamente uma exposição silenciosa, do ponto de vista do
seu suporte, com o objetivo principal de mostrar as peças. De facto, o espólio foi, para os
autores, o elemento a partir do qual surgiu toda a intervenção157, pautada pela história
subjacente aos objetos e pelo conhecimento acumulado sobre os mesmos: uma coleção
que transmite a diversidade de presenças e civilizações que povoaram o Castelo e a
cidade de Lisboa. Tendo em conta o espaço reduzido de exposição e a profusão de
vestígios encontrados durante as escavações, os objetos que figuram no Núcleo
Museológico foram selecionados de acordo com critérios científicos158, de modo a que se
constituísse um fio condutor lógico e sequencial da história. Como explica Sofia Aleixo:
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!157 Sofia Aleixo e Victor Mestre – “Victor Mestre. Sofia Aleixo. Arquitectos”, 2012, disponível em: <http://www.vmsa-arquitectos.com/home.html> [páginas não numeradas]. 158 Victor Mestre – ‘ao (per)correr (d)a vida’, p. 88.
!77
[...] o entendimento dos significados atribuídos aos sítios, aos edifícios, para além do entendimento das questões materiais e visíveis, contribui de forma determinante para informar decisões de conservação do património que procurem minimizar o impacto da alteração física resultante da acção de intervenção no significado cultural do sítio e do edifício. Este é para nós o ADN dos sítios e dos edifícios, a cadeia que não queremos quebrar com a nossa intervenção mas sim que actue como complemento da estrutura existente de forma a ser também usufruída pelas gerações futuras159.
A organização do espólio pelas três salas que constituem o Núcleo privilegia o período de
ocupação islâmica (séculos XI e XII), dedicando-lhe um espaço significativo (a Sala das
Colunas) devido à profusão de objetos datados deste período e à sua relevância no
contexto da construção e ocupação do Castelo. A Sala Ogival160 é o local de entrada no
Núcleo Museológico e corresponde à área de exposições temporárias. No entanto, nesta
sala realizam-se eventos diversos que incluem apresentações, peças de teatro e
conferências associadas à temática comum do Castelo, garantindo assim o dinamismo do
programa e o incentivo à revisita do Museu.
Sala Ogival: 76. Vista a partir do lado sul da sala. 77. Vista a partir do lado norte da sala.
A Sala das Colunas inicia o percurso pela exposição permanente do Núcleo e organiza-se
através de uma espécie de mesa luminosa que conta a história da ocupação islâmica,
realçada por intermédio da luz e das peças expostas. Esta sala funciona como uma espécie
de iniciação, um percurso inaugural que cativa o visitante e desperta o interesse pela
coleção. É unicamente dedicada ao período de ocupação islâmica, sendo designada Na
Alcáçova de Al-Uxbuna. A maior parte destes objetos provem das escavações efetuadas na
Praça Nova161, onde existem as duas habitações islâmicas com vestígios ilustrativos do
quotidiano das populações que ali habitaram, sendo algumas das peças produto de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!159 Sofia Aleixo – “Da Identidade d(n)esta Exposição. O ADN do património; o tempo e o contexto” in MESTRE, Victor – ‘ao (per)correr (d)a vida’, p. 117. 160 A Sala Ogival, que integrou o Paço Real primitivo, funcionou, no século XIX (e até à intervenção da DGEMN), como depósito de viaturas militares do quartel aqui existente. No Paço Real funcionou também uma prisão, nos séculos XVII e XVIII. Ver Norberto de Araújo – op. cit., p. 21. Ver também os pontos 4.1. e 4.2. desta dissertação. 161 AA. VV. – Castelo de São Jorge: Museum, p.14.
!78
escavações adicionais, como foi referido no capítulo anterior. A Sala das Colunas expõe,
portanto, loiça de mesa e de cozinha, objetos lúdicos, de jogo, iluminação, moedas,
materiais de construção, revestimentos utilizados nas casas e produções cerâmicas, entre
outros objetos que registam a vida dos habitantes da Alcáçova entre os séculos XI e XII.
Sala das Colunas: 78. Mesa luminosa que acompanha o percurso expositivo. 79. Início da mesa.
Sala das Colunas: 80. Leitura do espaço expositivo desde o nível superior da sala. 81. Nível inferior da sala.
Na Sala da Cisterna estão reunidos todos os outros séculos de história, desde a primeira
ocupação, na Idade do Ferro (século VII a. C.), até ao Terramoto de 1755, passando pelo
período romano e os séculos XII-XIII, XIV, XV-XVI e XVII-XVIII. Esta sala apresenta uma
viagem cronológica pelos vários períodos de ocupação do Castelo, sendo a exposição
permanente designada Outras Vivências. Através dos objetos apresentados, o visitante
consegue recriar o quotidiano das populações associadas a esta linha de tempo: são
visíveis peças cerâmicas da Idade do Ferro, ânforas romanas de diversas origens e outros
objetos que sugerem a ocupação descontinuada da colina, após o período romano. Os
objetos do quotidiano e as moedas encontradas permitem registar a presença islâmica e a
sucessão de reis portugueses que habitaram a Alcáçova, desde o século XII até ao século
XVI, bem como a sua presença pontual até ao século XVIII.
Na área central da Sala da Cisterna existem duas vitrinas, uma delas dedicada
exclusivamente ao Terramoto de 1755, com vestígios evidentes dessa catástrofe. Esta
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vitrina encerra o percurso temporal desenhado ao longo da sala: é o captar de um episódio
verdadeiramente dramático da história. Os objetos expostos evidenciam marcas desta
catástrofe, apresentando-se partidos, queimados ou deformados devido às altas
temperaturas produzidas pelo incêndio que devastou Lisboa após o Terramoto162. A vitrina
ondulante reflete a experiência do Terramoto e mostra a tremura já numa fase de incêndio.
Acompanhadas de diferenças cromáticas, a vitrina preta é alusiva ao Terramoto de 1755 e
a vitrina branca é referente aos séculos XVII e XVIII. Existe ainda uma área dedicada
exclusivamente às cerâmicas de revestimento dos séculos XV a XVIII, composta por
fragmentos de painéis de azulejos encontrados sobretudo no Palácio dos Condes de
Santiago. Nesta sala os conteúdos são apresentados de uma forma regular e ritmada,
quebrada apenas pela fisionomia ondulante das vitrinas centrais. A disposição dos objetos
desenvolve um percurso cronológico em torno do perímetro da sala.
Sala da Cisterna: 82. Leitura do espaço da sala. 83. Vitrinas ondulantes.
A organização espacial das salas resulta da compartimentação do edifício original e
determina a planimetria sequencial dos espaços. A entrada no Museu a partir do exterior
faz-se pela Sala Ogival, onde atualmente se encontra uma cronologia elucidativa dos
episódios mais importantes da história do Castelo. A imponência da sala resulta tanto da
amplitude do espaço, quase vazio, como da força visual dos arcos em ogiva. Uma secção
sobrelevada, no lado sul da sala, cria um espaço para a realização de pequenos eventos. A
entrada encontra-se no enfiamento da passagem para a Sala das Colunas, organizada em
dois níveis que resolvem a diferença de cotas do edifício preexistente. O nível superior
permite passagem para a Sala da Cisterna, a partir da qual se desce para o piso inferior do
Museu, onde se encontra o núcleo de instalações sanitárias e a loja. A partir da loja acede-
-se ao exterior e ao passeio oeste do Castelo, a uma cota mais baixa do que a de entrada.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!162 Idem, p. 15.!
!80
84. Planta do Núcleo Museológico, Piso 0 e Piso -1, com indicação dos cortes.
85. Corte nº 5, Sala das Colunas e Sala da Cisterna.
86. Corte nº 2, Sala Ogival.
87. Corte nº 3, Sala das Colunas e Sala Ogival.
88. Corte nº 4, Sala Ogival e Sala das Colunas.
!81
5.2. Metodologia de intervenção no patr imónio e estratégia museológica
O trabalho de Victor Mestre e Sofia Aleixo tem uma identidade própria, associada à
investigação nas áreas da arquitetura vernacular, património arquitetónico, paisagismo,
reabilitação e conservação163. As obras construídas e as publicações realizadas, que
englobam textos de investigação, artigos e crítica de arquitetura, reúnem um conjunto vasto
de pesquisa e uma ampla experiência em projetos na área da conservação e reabilitação
patrimonial. A sua obra de requalificação e restauro, fruto da prática em ateliê conjunto,
fundado em 1997, encontra-se publicada em diversas monografias, referenciadas no
capítulo inicial desta dissertação. Acerca do seu trabalho, realça-se a utilização de “[...]
técnicas e métodos adequados para preservar o passado do edifício bem como construir o
presente com a sensibilidade de não deixar que o novo pudesse ganhar demasiado
protagonismo na sua proximidade com o antigo”164. Referindo-se ao conjunto da obra de
Victor Mestre, João Vieira Caldas identifica a continuidade entre as várias dimensões que o
arquiteto se propõe tratar, constituindo-se uma coerência entre obras desenhadas de raiz e
intervenções em edifícios preexistentes, pelo rigor da prática e pela metodologia de
investigação, que se revela primordial na compreensão das arquiteturas e dos tempos:
[...] não é possível deixar de assinalar três linhas de acção que, embora surjam sistematicamente entrecruzadas, se destacam ao longo da sua actividade profissional, logo da sua vida: o projecto de obra nova, a intervenção no existente e o estudo da arquitectura vernácula com toda a abrangência que a etimologia desta palavra permite – o que é próprio ou característico de cada lugar165.
Sobre a sua metodologia de intervenção no património, o arquiteto refere as noções
introduzidas pela geração responsável pelo Inquérito à Arquitetura Regional Portuguesa,
associadas ao interesse pela antropologia e pela ação do homem sobre o território166. Este
interesse é evidenciado na obra de Victor Mestre pelo contraste com o enquadramento
ideológico da geração entre a qual se formou, no início da década de 80, que geralmente
se distanciava da herança moderna da geração anterior. Pelo contrário, o arquiteto seguiu
os valores da geração do Inquérito, apoiando-se, sobretudo, no legado de Nuno Teotónio
Pereira (n.1922) e Fernando Távora (1923-2005), interessando-lhe a arquitetura vernacular e a
sua tradição construtiva. Deste modo, enumera a importância da tradição, da escala e do
contexto em que se projeta, para que se possa estabelecer uma continuidade:
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!163 José Manuel das Neves – Victor Mestre Sofia Aleixo – Quarteirão Histórico de Santa Cruz / Lar do Vale Formoso. 1ª Edição. Lisboa: Uzina Books, 2012, p. 2. 164 José Manuel das Neves in ALEIXO, Sofia e MESTRE, Victor – Heritage: Between Time and Movement – Lyceu Passos Manuel. 1ª Edição. Lisboa: Uzina Books, 2011, p. 9. 165 João Vieira Caldas – “A Arquitectura é a minha Vida” in MESTRE, Victor – ‘ao (per)correr (d)a vida’, p. 56. 166 Victor Mestre in NEVES, José Manuel das – Reabilitação do Tempo. 1ª Edição. Casal da Cambra, Sintra: Caleidoscópio, Setembro 2004, pp. 5-7.
!82
O nosso interesse pelo património arquitectónico é sempre feito por uma via periférica ao objecto arquitectónico. Existe a preocupação em encontrar o caminho antropológico da cidade – como é que a cidade vivia, como se estruturou, a partir de que ciclos económicos e movimentos culturais. É a partir desses dados que se percebe como é que esses valores de estima colectiva se traduzem em valores de excepção. Não vale a pena pensar que só os edifícios classificados é que são importantes. Não acredito num património que não seja defendido pela estima colectiva, que não tenha uso, podendo obviamente ter um uso contemplativo167.
Victor Mestre e Sofia Aleixo reconhecem que as intervenções no património revelam
questões delicadas, que se prendem com as camadas históricas e as ações realizadas nos
diversos períodos; questões essas que incluem deliberações éticas sobre o equilíbrio entre
intervenção cultural e intervenção técnica, no âmbito da especificidade do programa a
instalar. Tendo em conta as diretrizes definidas pelas cartas e convenções de restauro, é
necessário considerar que cada caso é único e exige decisões projetuais particulares168.
Nesta medida, os autores consideram as contribuições de um conjunto pluridisciplinar de
especialistas em história, arqueologia, conservação e engenharia, de modo a garantir a
preservação da autenticidade do edifício preexistente e a minimizar decisões potencialmente
prejudiciais 169 . A sua prática pretende respeitar a escala e a proporção existente,
relacionando-se cuidadosamente com o preexistente, sem nunca se sobrepor a ele: a
reversibilidade (expressa, por exemplo, no projeto de reabilitação da ponte em ruínas sobre
a ribeira da Venda, Gavião, 1995-97) é uma componente importante na obra destes
arquitetos, garantindo a manutenção da autenticidade do exemplar original e
salvaguardando a possibilidade de anulação ou adaptação da intervenção realizada.
[...] Os autores demonstram uma capacidade invulgar para lidar com as várias escalas da intervenção no património: da infra-estrutura ao grande equipamento, equilibrando transformação contemporânea e restauro atemporal. Se no Museu da Cidade de Almada ou na Quinta do Alamal [...] a intervenção é claramente de reconstrução contemporânea, na casa-estúdio Carlos Relvas [...] um cuidadoso trabalho de reposição e reconstrução atesta a capacidade e vocação construtiva desta dupla de arquitectos170.
Outro projeto da dupla Victor Mestre / Sofia Aleixo que vale a pena realçar, em relação com
o Núcleo Museológico, é o Centro Interpretativo e de Acolhimento da Estação Arqueológica
de Torre da Palma (Portalegre, 1998-2002). O corpo de apoio ao sítio arqueológico
desenha-se silencioso na paisagem, seguindo o mesmo princípio de reversibilidade. A
estratégia aqui assumida pelos arquitetos pode ser lida em paralelo com o caso de estudo
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!167 Idem, p. 11. 168 Ver, por exemplo, a Carta ICOMOS – Princípios Para a Análise, Conservação e Restauro Estrutural do Património Arquitetónico (2003). 169 Sofia Aleixo e Victor Mestre – “Victor Mestre. Sofia Aleixo. Arquitectos” [páginas não numeradas]. 170 Ana Tostões – Arquitectura Portuguesa Contemporânea. Lisboa: CTT, Correios de Portugal, 2008, pp. 201-202.
!83
em análise: “O que se pretende é não criar sobre o território uma intenção proeminente na
expressão arquitectónica e na monumentalização do sítio, para se evitar que esta venha a
competir com a zona das ruínas”171.
De facto, a simplicidade dos sistemas construtivos aplicados e a procura da abstração na
expressão arquitetónica orientam a obra de Victor Mestre e Sofia Aleixo, no sentido de se
compreenderem os valores que caracterizam o edifício original e o seu contexto técnico e
cultural. O objetivo é a determinação da alma do edifício, presente desde a sua construção
ou adquirida ao longo do tempo, através de acrescentos, adições, alterações e diferentes
usos172. A experiência em obras de conservação e reabilitação permite aos autores uma
leitura criteriosa dos espaços existentes e das relações entre materiais novos e originais,
desenvolvendo uma prática meticulosa de intervenção em edifícios históricos.
A fase de investigação é primordial nessa prática, permitindo uma intervenção estruturada,
em equilíbrio com o exemplar preexistente. Tal análise inclui a avaliação de programas,
patologias e causas de degradação existentes e condicionantes técnicas, construtivas e
financeiras173. Neste processo, realça-se a importância de uma ética de intervenção que
determina que “O arquitecto deve [...] considerar substantivamente o contexto em que
intervém para que o seu contributo se alicerce na identidade cultural a que o seu trabalho
se dirige”174. Desta forma, a arquitetura surge contextualizada pela dimensão social que
aborda, constituindo-se como um ponto fulcral na análise projetual: “Para mim não há
arquitetura sem pessoas e [...] sem consciência social. [...] O Museu [do Castelo] é uma
situação que alerta muito para isso. É a história do desenvolvimento da cidade de Lisboa
[...]. Portanto, para nós, tem um grande sentido, no plano social [...]”175.
A sensibilidade com que os autores desenham as estruturas e as formas e aplicam os
materiais e os sistemas construtivos expressa a ética de intervenção e a continuidade que
norteia as suas obras, concretizadas a partir de extensas investigações que deixam
perceber a identidade a preservar (continuar), através de uma intervenção contemporânea,
motivada pela exigência programática hoje quase sempre imposta, em última instância,
pelas características do século em que vivemos. É esta ética de intervenção que se lê em
várias obras dos arquitetos, entre as quais se destaca o caso da reabilitação e ampliação
da antiga Quinta dos Frades a Museu da Cidade de Almada (1998-2003), onde o corpo
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!171 Sofia Aleixo e Victor Mestre in NEVES, José Manuel das – Reabilitação do Tempo, p. 107. 172 Sofia Aleixo e Victor Mestre – “Victor Mestre. Sofia Aleixo. Arquitectos” [páginas não numeradas]. 173 Victor Mestre – “O Homem, o Lugar, a Tenda, a Viagem. Nomadismo e Reconfigurações” in MESTRE, Victor – ‘ao (per)correr (d)a vida’, p. 21. 174 Idem, p. 27. 175 Victor Mestre, em entrevista (consultar transcrição em anexo).
!84
original é valorizado pelo diálogo com um novo volume, projeto que se constitui, tal como o
Núcleo Museológico do Castelo, como mapa da história do lugar.
A intervenção realizada no Núcleo Expositivo da Alcáçova do Castelo de São Jorge é
fundamentada por critérios estabilizados pelas cartas internacionais e demostra estes
mesmos propósitos, assentes no respeito pelo conjunto preexistente, reabilitando-o através
de ações cirúrgicas que permitem a manutenção da sua identidade. A metodologia de
intervenção no património adotada foi informada por visitas prévias a vários museus de
arqueologia176 e percebe-se, também, noutras obras da autoria dos arquitetos, como a
conservação do Estúdio Fotográfico Carlos Relvas (Golegã, 2000-04) e a reabilitação do
Liceu Passos Manuel (Lisboa, 2007-10), em que se pretende reavivar os valores existentes,
através de um gesto que se fundamenta na fisionomia do território:
[...] decifrar o código ADN de cada lugar, entender os códigos da estrutura composta por paisagem, edificado, utentes e uso, que une tempo e contexto ao longo da vida do valor patrimonial, é para nós base essencial para conhecer as causas dos problemas e evitar a quebra do código existente, permitindo apenas alterações nas relações inicialmente estabelecidas e que se terão verificado na contemporaneidade obsoletas ou impossíveis177.
As salas que compõem o Núcleo Museológico são consideradas enquanto parte integrante
da história do Castelo, pressupondo uma intervenção informada que mantem a autenticidade
do lugar e considera as alterações efetuadas ao longo do tempo – princípios claros na
Carta de Veneza (1964), na Carta de Cracóvia (2000), e na Carta ICOMOS – Princípios Para
a Análise, Conservação e Restauro Estrutural do Património Arquitetónico (2003).
Naturalmente, a intervenção da DGEMN, que teve sobre este lugar uma ação determinante,
pressupõe uma consideração inevitável, a que os autores não deixam de aludir178.
O projeto do Museu revela uma manifesta sobriedade, uma apreciável contenção formal e a
decisão de preservar a volumetria espacial: investe-se nas qualidades espaciais inerentes
ao espaço e mantem-se reduzida a presença da linguagem contemporânea. Esta ação de
clarificação do espaço pode ser associada à estratégia da dupla Nieto & Sobejano para os
projetos do Museu Madinat Al Zahra e do Museu Marítimo do Castillo de la Luz (que foram
apresentados no capítulo 3.3.), onde a interpretação do espaço original guia a proposta
atual e medeia a relação entre novo e antigo. No Museu do Castelo, o restauro de elementos
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!176 Idem. 177 Sofia Aleixo – “Da Identidade d(n)esta Exposição. O ADN do património; o tempo e o contexto” in MESTRE, Victor – ‘ao (per)correr (d)a vida’, p. 117. 178 Sofia Aleixo e Victor Mestre – “Victor Mestre. Sofia Aleixo. Arquitectos” [páginas não numeradas]: “A unidade arquitectónica e paisagística deste lugar resulta das intervenções de reconstituição histórica dos anos 40 do século XX, enquadradas por uma corrente de pensamento no âmbito do resgate das memórias fundacionais enquanto identidade nacional.”
!85
construtivos é harmonizado com a introdução pontual de constituintes contemporâneos com
uma distinta coerência construtiva. As transições entre novo e preexistente permitem aos
espaços e aos visitantes a interação com as escalas diversas da arquitetura e do espólio.
O diálogo entre as várias dimensões dos espaços é conseguido de forma natural, sentindo-
-se continuidade entre o espaço que alberga a exposição, o desenho do suporte expositivo
e o espólio apresentado. Existe uma aproximação inevitável entre o edifício (o contentor) e
os objetos em exposição (o conteúdo): estabelecem-se relações entre a coleção e o
espaço envolvente, num sentido de percurso e de discurso estruturado. A disposição
temática e cronológica da exposição permite que os objetos contem uma história guiada
por um percurso, evidenciando a dimensão narrativa da sequência, expressa através de
uma linha de tempo em construção, paralelamente ao trajeto seguido pelo visitante.
Prima a neutralidade do espaço, colocado ao serviço da coleção, e valorizam-se as peças,
em detrimento da idealização de espaços de forte presença arquitetónica, trabalhando-se
sobre a exposição e comunicação dos achados. Estudaram-se as possibilidades do
espaço e as suas características compatíveis com a exposição das obras, segundo um
percurso lógico e continuado: ensaiaram-se as qualidades da luz, as influências cromáticas,
as texturas, as vitrinas, o seu desenho, organização e conceção. O intento principal foi
encontrar a melhor solução para apresentar, valorizar e avivar os objetos expostos.
Segue-se o princípio de conservar o que não precisa de (nem deve) ser substituído e de
usar materiais técnica e esteticamente compatíveis, quando as condições de conservação do
edifício o requerem, permitindo a consolidação da estrutura preexistente. A ligeireza dos
elementos atuais atesta o seu carácter depurado e clarifica o rigor e o sentido de detalhe do
projeto: os materiais e os suportes expositivos servem para implementar o diálogo entre
novo e preexistente, numa articulação que enriquece a relação do visitante com a temática
do museu. Sentem-se as marcas contemporâneas, sobretudo na conceção dos suportes
museográficos, mas a sua presença não descaracteriza nem silencia o exemplar original.
Zonas de transição novo / antigo: 89. Rampa de acesso à entrada do Museu. 90. Área sobrelevada, Sala Ogival.
!86
A informação disponível acerca da coleção, sobre suportes realizados com a colaboração
do designer Pedro Mendes Leal, considera-se adequada: suficientemente informativa sem
sobrecarregar o visitante, constituindo componentes importantes de apoio à compreensão
dos objetos apresentados. O design de comunicação assume uma importância indiscutível:
como explica Sofia Aleixo, “[...] comunicar é mais do que o suporte onde se pousa a peça.
Comunicar é encontrar o local certo para a peça certa; é encontrar a legenda certa, da
dimensão certa, a iluminação. [...] É perceber como comunicar o interesse e os valores que
aquela peça, por mais pequena que seja, pode ter”179.
Regista-se, também, a inclusão de dispositivos eletrónicos de interação que permitem, por
exemplo, uma visita virtual ao ambiente original das duas habitações islâmicas, com a
reconstituição dos seus elementos arquitetónicos e dos objetos do quotidiano naqueles que
seriam os locais originais. Os suportes multimédia permitem uma consulta de especificidade
acrescida e cativam o visitante através da empatia criada com a cronologia movimentada.
A colaboração com as arqueológas e com o designer foi essencial, também, na
compreensão da afinidade entre as peças e a sua importância, a sua dimensão e relação
com os suportes expositivos (as vitrinas) desenhados pelos arquitetos: “A dificuldade aqui
era [...] resolver a diferença entre peças pequenas (ou muito pequenas) e muito perecíveis
(como os metais); e peças que se defendem melhor (como os cerâmicos). Por outro lado,
era ir ao encontro da ideia das arqueólogas na contextualização dessas peças”180. Assim, a
disposição das peças considerou a organização temática e cronológica da exposição. A
conceção do percurso expositivo foi naturalmente orientada pelas condicionantes do
espaço, por vezes bastante impositivas, como acontece com os nichos da Sala da Cisterna.
A dimensão e a fragilidade das peças também dificultou o processo de comunicação e
cativação da atenção do público – foi necessário fazer uma gestão adequada dos objetos,
distribuindo as ocasiões de interação e empatia com os visitantes.
Na adequação dos espaços às necessidades funcionais de um museu atual, os arquitetos
utilizaram a reversibilidade como premissa orientadora. Esta opção pode-se relacionar com
o conceito de intervenção mínima, não intrusiva, uma estratégia adotada, também, por José
Manuel Pedreirinho no projeto de musealização do Castelo de Mértola, como tivemos
oportunidade de observar no capítulo 3.3. Tal como neste projeto, há a preocupação de
minimizar o impacto na preexistência e, por isso, a adequação do espaço aos requisitos
atuais passa, em ambos os projetos, pela integração das infraestruturas e dos sistemas
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!179 Victor Mestre e Sofia Aleixo, em entrevista (consultar transcrição em anexo). 180 Idem.
!87
técnicos de iluminação e climatização dentro dos próprios suportes expositivos. No projeto
do Núcleo Museológico, o próprio desenho dos suportes museográficos considera este
fator, sendo concebido de forma a integrar as infraestruturas e redes necessárias.
Regista-se, ao nível das características formais dos espaços, uma escassez de vãos,
premissa imposta pelo edifício original: a luz natural nos espaços é muito reduzida, sendo a
iluminação da coleção e do percurso conseguida através das caixas de luz que expõem os
objetos. O facto de existir pouca luz, e de esta se concentrar em torno dos objetos, facilita a
sua visualização e orienta o percurso expositivo. Ainda assim, o ambiente de luz que se
sente hoje não corresponde ao previsto, que incluía uma intensidade de luz mais forte,
sobre suportes museográficos pretos. Questões técnicas de montagem das luzes ditaram a
necessidade de baixar a sua intensidade e, por isso, os suportes acabaram por ficar
brancos. A ideia original era que as vitrinas iluminassem o espaço, algo que se sente
atualmente mas que se queria mais enfatizado181. Os arquitetos explicam que a mesa de luz
foi pensada para que houvesse um equilíbrio de iluminação, tornando a leitura das peças
agradável, tendo sido estudada “[...] para que as pessoas não ficassem nem num excesso
de penumbra nem num banho de luz sobre as peças, que depois perdem o encanto, ficam
saturadas de luz e passam a não ter o interesse que nós gostaríamos que tivessem”182.
91. Vitrina na Sala das Colunas. 92. Suporte expositivo temático na Sala da Cisterna.
Suporte expositivo na Sala da Cisterna: 93. Dedicado ao século XIV. 94. Dedicado aos séculos XV e XVI.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!181 Susana Serra, em entrevista (consultar transcrição em anexo). 182 Victor Mestre, em entrevista (consultar transcrição em anexo).
!88
5.3. Reflexão f inal
O espaço do Núcleo Museológico do Castelo de São Jorge, a exposição permanente, os
objetos expostos e a história conduzida pelas opções arquitetónicas e museológicas
esclarecem o modo como estes espaços se enquadram no invólucro que é o edifício
preexistente, resultante da ação do Estado Novo e da sequência de ocupações do Castelo.
Há uma sensibilidade arquitetónica e patrimonial que se lê na natureza do gesto: valoriza-se
a disposição das peças e a sua organização cronológica, tendo em conta as limitações de
espaço face à dimensão do espólio a apresentar, nomeadamente no que se refere ao limite
de área e à compartimentação dos espaços. O Núcleo Museológico apresenta-se, assim,
como um espaço museal de dimensões reduzidas, propondo uma arquitetura de
qualidades silenciosas, privilegiando o percurso expositivo e a contemplação dos objetos
expostos, sendo evidente a qualidade do trabalho museológico e museográfico realizado.
Do ponto de vista funcional, reconhecem-se dificuldades associadas à disposição das
salas e, sobretudo, à escassez de área útil para a exposição, uma condição com a qual o
projeto museológico se compatibilizou de forma exemplar, através da organização
cronológica da exposição e da reserva de uma única sala para o espólio islâmico, com o
maior e mais relevante número de objetos de interesse. A subdivisão da área expositiva
resulta numa leitura lógica dos períodos de ocupação do Castelo, desde aquele que se
identifica com a origem da fortificação, ao percurso que se seguiu até aos nossos dias. A
sala de exposições temporárias viabiliza a inclusão de uma diversidade renovável de
temáticas e eventos culturais. Poder-se-ia argumentar que a profusão de obras expostas
num espaço reduzido dificulta a perceção individual de cada peça. É certo que a coleção
beneficiaria de um acréscimo de área expositiva, porém, dada a relevância dos achados e
as condicionantes de espaço, entende-se que a proposta museográfica é bem sucedida na
gestão do espaço, dos momentos de respiração, seleção e distribuição do espólio.
Lidando com as condicionantes físicas e formais dos espaços, o projeto museológico
concretiza uma intervenção sóbria e precisa, de rigor construtivo e conceptual, que resulta
na conceção de espaços e suportes museográficos de leitura imediata e diversificada. A
utilização estratégica da iluminação artificial, a expressividade dos materiais novos e
antigos e o desenho das vitrinas cativam permanentemente o visitante. O equilíbrio na
exposição das peças, considerando a sua capacidade de interação com o público, valoriza
o diálogo com o espólio e permite uma distribuição adequada das suas valências.
!89
Neste sentido, pode concluir-se que a estratégia projetual satisfaz as necessidades
programáticas e conceptuais. O projeto pode ser sintetizado em gestos pontuais, calibrados,
consequentes de uma intenção projetual unitária e reversível. O antigo e o novo dialogam
na sua proximidade mas não se perturbam nem se confundem – a estrutura espacial e
construtiva existente é respeitada e o traço contemporâneo é introduzido para reparar
processos de degradação, consolidar preexistências e proporcionar os aspetos que
qualificam o espaço para a função museológica. Alheia a qualquer desejo de afirmação
autoral, a arquitetura do Núcleo Museológico apresenta uma presença discreta, garantindo
que a atenção do visitante se centra nos objetos expostos.
Nas suas variadas componentes, o projeto de Victor Mestre e Sofia Aleixo reflete os
princípios expressos nas cartas e convenções internacionais de conservação e restauro,
nomeadamente as premissas publicadas pela Carta de Veneza (1964) no que respeita a
distinção entre obra nova e obra preexistente – “Os elementos de integração serão sempre
reconhecíveis e representarão o mínimo necessário para assegurar as condições de
conservação do monumento e restabelecer a continuidade das suas formas”183 – e o apreço
pela autenticidade do edifício original, sendo os contributos de diferentes épocas
respeitados na sua condição, sem qualquer sentido de hierarquização. A adaptação do
edifício a museu demonstra um projeto sóbrio e contido de valorização do preexistente,
encontrando-se em consonância com a contenção de dimensão dos espaços. A opção
pela reversibilidade total da intervenção recusa uma marca física permanente nos espaços,
ficando a sua existência como parte da história do património registada na imaterialidade
da sua realização e na memória daqueles que visitaram o Museu: uma opção que os
arquitetos assumem e salvaguardam como parte da sua ética de intervenção em património.
95. Entrada principal do Núcleo Museológico. 96. Acesso ao nível inferior do Museu.
! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!183 Ver Carta de Atenas (1964), artigo 15º.
!90
! !
!91
6. NÚCLEO ARQUEOLÓGICO: MUSEALIZAÇÃO DA ÁREA ARQUEOLÓGICA DA
PRAÇA NOVA DO CASTELO DE SÃO JORGE, ARQ. CARRILHO DA GRAÇA
! !
!92
97. Planta de localização do Núcleo Arqueológico, orientada a Norte.
!93
6.1. Conceito e programa
Nesse sentido ideológico, procuro que a arquitectura revele o facto de se tratar de um espaço humanizado e de o homem ser o centro das suas realizações. É mais interessante conseguir essa intensidade em espaços pequenos, com materiais relativamente comuns e com recurso a elementos simples como um ponto de vista, uma árvore, uma pedra que já existe no local onde se constrói [...]. A arquitectura é o estabelecimento de um mínimo denominador comum, que tem de ser acertado e flexível, para que a vida se possa desenrolar sobre ele.
João Luís Carrilho da Graça184
A segunda fase do projeto de musealização da Praça Nova corresponde à criação do
Núcleo Arqueológico, que resulta igualmente da campanha arqueológica iniciada em 1996.
Este projeto (2008-10), entregue ao arquiteto João Luís Carrilho da Graça (n.1952), em
colaboração com o arquiteto paisagista João Gomes da Silva (n.1962), foi inaugurado em
Março de 2010 e engloba a conservação dos três núcleos encontrados.
98. Vista aérea do Sítio Arqueológico. 99. Vista de conjunto a partir de este.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!184 João Luís Carrilho da Graça – Serralves. 1ª Edição. Lisboa: Appleton Square, 2009, pp. 46-49.
!94
100. Planta de implantação do Sítio Arqueológico (Legenda: 1. Período islâmico (séculos XI e XII). 2. Estruturas do Paço do Bispo / Palácio dos Condes de Santiago (séculos XII a XVI / XVI a XVIII). 3. Idade do Ferro (século VII a. C.)).
101. Corte oeste / este (virado a norte).
102. Corte norte / sul (virado a este).
!95
A primeira ação estabelece um perímetro, ou seja, circunscreve o campo arqueológico e o
espaço a intervir através de um conjunto de muros de contenção revestidos a aço corten,
“[...] à semelhança do campo operatório das cirurgias [...]”185. Estes muros retificam a
topografia e permitem uma identificação visual intuitiva da área intervencionada, criando um
espaço circundante de cota mais elevada que permite uma leitura unitária de toda a área
de escavação, distinguindo os três períodos principais.
Esta plataforma sobrelevada funciona como uma área intermédia, que estabelece a relação
entre o conjunto arqueológico e o Castelo, sugerindo um espaço de respiração para a
Igreja de Santa Cruz (a Sul), um espaço de chegada para o percurso das muralhas (a Norte)
e um espaço que privilegia a relação com a cidade e o rio (a Nascente), criando a
sensação de miradouro, presente, por exemplo, nas Piscinas de Campo Maior (1982-90). É
ao percorrer esta plataforma na cota alta, pavimentada com pedra irregular de basalto, que
se interioriza a unidade da intervenção, possibilitando a compreensão do conjunto. A
membrana de aço corten configura o ambiente, posicionando o Sítio Arqueológico no
contexto e estabilizando a área musealizada. É um gesto que se pode interpretar como a
definição do campo de intervenção, uma medida presente noutras obras do arquiteto, como
por exemplo no Centro de Documentação da Presidência da República (Lisboa, 2000-04):
Em arte existe a noção de campo que é a prévia definição do espaço de intervenção. A necessidade que sinto de redefinir um plano horizontal de referência corresponde à definição do campo. Materializado, este funciona como uma folha branca ou a tela ou o palco iluminado no teatro ou na dança. O plano horizontal [...] abstracto e matérico é a convenção necessária num universo fragmentário e ligeiramente caótico186.
Os acessos à cota inferior das ruínas são assegurados por elementos singulares, revestidos
a lioz, fazendo a transição entre a membrana de aço corten e o pavimento revestido a
saibro que desenha os percursos originais entre as ruínas. O lioz aparece em soleiras e
lancis – desenhados para reorganizar pavimentos, estabelecer ligações e resolver relevos
irregulares – e também em elementos que facilitam o percurso do visitante, tais como
bancos e degraus. Estes elementos, com textura distinta dos materiais rugosos do
pavimento e das estruturas originais, afirmam-se como parte da intervenção museológica,
apresentando um desenho preciso e rigoroso. A transição entre a plataforma de basalto, à
cota superior, e o percurso de saibro, desenhando o espaço de circulação dos visitantes,
permite a perceção das escalas a distâncias relativas, oferecendo, primeiro, uma visão
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!185 João Luís Carrilho da Graça – “Musealização da Área Arqueológica da Praça Nova do Castelo de São Jorge”. Arq/a, nº 82/83. Lisboa: Futur Magazine Editora, Julho-Agosto 2010, p. 54. 186 João Luís Carrilho da Graça – “Centro de Documentação Palácio de Belém” in NEVES, José Manuel das – DSDA: Documentação e Arquivo Palácio de Belém – João Luís Carrilho da Graça. 1ª Edição. Casal da Cambra, Sintra: Caleidoscópio, 2005, p. 26.
!96
orientadora do conjunto e, depois, uma perspetiva mais próxima da escala humana, que se
sente ao percorrer os espaços entre as ruínas. O percurso da cota baixa é orientado pelas
ruínas e pelos elementos pontuais introduzidos no âmbito da sua musealização – a
reposição de uma circulação próxima da primitiva fortalece a presença e a composição
espacial dos elementos arqueológicos dispostos no campo de intervenção.
103. Elementos de transição de cotas, membrana de aço corten e escadas em lioz. 104. Degraus e banco em lioz.
Casas islâmicas: 105. Pormenor da fachada sul. 106. Fachada sul.
Dos três períodos de ocupação presentes, o que se sente primeiro, de uma forma quase
inevitável, é o que materializa os vestígios das duas casas islâmicas. Os volumes brancos
que nascem das fundações originais direcionam o olhar do observador para aquele espaço
e a sua definição denuncia, à partida, a condição destas casas organizadas em redor de
um pátio que proporciona ventilação e iluminação e que estrutura a distribuição para os
compartimentos da casa. Os tetos dos compartimentos são em telas de policarbonato
protegidas por uma estrutura de sombreamento em madeira – a utilização das ripas origina
a cobertura translúcida que filtra a luz solar e ameniza o ambiente interior, revelado por uma
luminosidade mediada. Além disso, o desenho da cobertura reflete a organização interior
dos compartimentos das casas, permitindo uma leitura elucidativa das estruturas, em planta.
A precisão geométrica dos volumes e a sua abstração marca um acontecimento forte no
território. De facto, a necessidade de musealizar e proteger as estruturas habitacionais e os
!97
vestígios dos frescos muçulmanos “[...] aceitou-se como uma oportunidade para conjeturar
uma interpretação dos seus espaços e reproduzir uma sequência espacial […].
Intencionalmente abstratas e cenográficas, as paredes brancas que recriam a
espacialidade doméstica das duas casas escavadas flutuam sobre a implantação dos
muros expostos”187.
107. Estrutura de proteção dos pavimentos do século XV - XVI do Palácio dos Condes de Santiago, enquadramento no conjunto. 108. Estrutura de proteção do perfil de escavação do núcleo da Idade do Ferro, século VII a. C.
As estruturas habitacionais da Idade do Ferro, localizadas a uma cota mais baixa do que a
de circulação, são salvaguardadas por um volume que se pretende fechado sobre si
mesmo e que nasce dos muros de aço corten, com uma continuidade fluída e massiva,
guiando o percurso do observador num movimento de espiral. O olhar é direcionado para o
rasgo horizontal que interrompe a membrana e revela as ruínas, a um ritmo que advém da
mobilidade do espectador. Deixou-se a descoberto a estrutura metálica que contém o
terreno periférico à área escavada (com cerca de 4,5 metros de profundidade), uma opção
que permite a análise dos estratos escavados e a continuidade dos trabalhos
arqueológicos, realizados num plano paralelo e compatível com as visitas do público.
Os pavimentos do Palácio dos Condes de Santiago (anterior Paço Episcopal), que
representam o último período de ocupação em foco, a uma cota mais elevada do que a do
percurso, são descobertos a partir de uma perspetiva invertida numa superfície espelhada,
coberta por um plano inclinado em consola, em tela tencionada preta. Esta estrutura
protege os vestígios e proporciona a sua observação através de uma perspetiva inédita.
Além disto, são visíveis estruturas das alas este e sul do Palácio.
O conjunto revela a relação proporcional que Carrilho da Graça desenhou entre a arquitetura
e os vestígios arqueológicos, aplicando apenas os meios verdadeiramente necessários
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!187 João Luís Carrilho da Graça in EL CROQUIS – João Luís Carrilho da Graça 2002-2013. Trazar conexiones, construir pautas. Drawing connections, building guidelines. Nº 170. Madrid: El Croquis Editorial, Fernando Márquez Cecilia e Richard Levene, Arquitectos, Janeiro 2014, p. 205 [tradução livre].
!98
para a musealização do espaço e para a sua compreensão por parte do visitante. Com
efeito, a relação da arquitetura com as ruínas é muito próxima e permite que o espaço seja
realmente experienciado, acrescentando à musealização deste Sítio Arqueológico uma
dimensão que se pode considerar inovadora, quando as intervenções deste tipo tendem a
permitir apenas a observação estática das ruínas, sem que o público as possa percorrer,
permanecendo a uma distância controlada. De facto, a solução mais recorrente em projetos
semelhantes consiste na utilização de passadiços sobrelevados que mantêm o visitante
num plano diferente daquele em que se encontram as ruínas, permitindo a sua observação
(e garantindo a sua proteção) mas não a sua fruição direta.
109. Reconstituição das casas islâmicas a partir de estudo desenvolvido pela equipa de arqueologia (Legenda: 1. Porta principal. 2. Átrio. 3. Cozinha. 4. Compartimento de funcionalidade indefinida. 5. Pátio. 6. Salão. 7. Alcova. 8. Dispensa. 9. Latrina. 10. Compartimentos de apoio. 11. Rua). 110. Axonometria ilustrativa dos diversos momentos da intervenção (Legenda: período islâmico (a bege); período da Idade do Ferro e Idade Média (a cinza claro); área envolvente à escavação, com pavimento em pedra irregular de basalto (a cinza escuro). 1. Estrutura de proteção das ruínas das casas islâmicas. 2. Estrutura de proteção dos pavimentos do Paço Episcopal. 3. Perímetro da área arqueológica com muros de contenção revestidos a aço corten. 4. Estrutura de proteção do núcleo da Idade do Ferro. 5. Pavimento do Paço Episcopal, mosaicos do século XV / XVI. 6. Estruturas habitacionais da Idade do Ferro, século VII a. C. 7. Estruturas habitacionais islâmicas, séculos XI e XII).
Relativamente ao programa, prevê-se uma segunda fase de intervenção que corresponde à
construção de uma bancada de madeira semicircular em anfiteatro, amovível (apenas
assente sobre o terreno, para evitar escavações), no espaço entre o Castelejo e o Sítio
Arqueológico, onde atualmente se localiza um parque de estacionamento, que poderá
passar, conforme sugere Carrilho da Graça, para fora do perímetro muralhado, numa rua
!99
onde existe espaço para esse fim188. Atualmente, a ocupação deste terreno adjacente ao
Núcleo Arqueológico representa “[...] uma forte obstrução aos enormes fluxos de turistas
que visitam [...]”189 o Castelo, sendo por isso benéfica a sua reconversão.
Ainda em fase de projeto, esta iniciativa surge como complemento ao Núcleo Arqueológico,
dando origem a um espaço de contemplação que abrange o Castelo e as ruínas.
Abraçando os pinheiros, a bancada, com capacidade para cerca de 400 pessoas,
possibilitará o enquadramento e a infraestrutura para a organização de diversas iniciativas
de carácter lúdico e cultural.
Maquete de implantação da bancada no Sítio Arqueológico: 111. Vista de nordeste. 112. Vista de sudeste.
Maquete ilustrativa da relação entre a bancada e o Sítio Arqueológico: 113. Vista aérea de norte. 114. Vista de cima.
O projeto do Sítio Arqueológico valeu a Carrilho da Graça o Prémio Piranesi Prix de Roma,
em 2010, que distingue obras de valorização do património arqueológico. Neste contexto, a
intervenção do arquiteto apresenta-se singular, estabelecendo uma relação forte e equilibrada
entre a arquitetura contemporânea e os achados arqueológicos. O projeto foi reconhecido
pela “[...] clareza, sensibilidade e subtileza das novas adições, pela forma como se
relaciona com os vestígios arqueológicos existentes e se dirige à paisagem do Castelo”190.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!188 João Luís Carrilho da Graça in CRUZ, Valdemar – “Uma bancada com vistas para o Tejo”. Revista, Jornal Expresso, nº 2149. Lisboa: Lisgráfica, 4 de Janeiro de 2014, p. 20. 189 Idem, ibidem. 190 Catherine Slessor – “São Jorge Castle Archaeological Site”. The Architectural Review, nº 1365. Londres: Emap Construct Publishers, Novembro 2010, p. 75 [tradução livre].
!100
6.2. Metodologia de intervenção no patr imónio e estratégia museológica
Carrilho da Graça é claro no seu entendimento da arquitetura: “[...] nada se faz sem a
reflexão sobre o que existia antes, e depois cria-se alguma coisa a partir daí, juntando
elementos que são nitidamente autónomos, mas que fazem viver o que já lá existia”191. De
facto, o trabalho deste arquiteto sempre referiu aquilo que existe: o território. É da matéria
existente que parte a sua intervenção e é nela que se constroem as premissas orientadoras
do conceito projetual. As suas reflexões sobre o território são amplas e revelam-se nos
projetos que tem assinado desde o início do seu percurso. A este respeito, assinala-se a
sua preferência pelo termo território, em detrimento do termo paisagem, relacionando este
vocábulo com uma ideia de rigor e precisão indissociável do projeto de arquitetura.
Tenho como [...] linha principal de reflexão a compreensão mais avançada e perfeita possível do que existe, para assim cumprir o indispensável respeito e protecção matérica da pré-existência. [...] Desta forma, procuro com o conjunto unitário de frentes de intervenção, e num certo sentido terapêutico, complementar o edifício existente na sua relação com a envolvente criando relações mais naturais, mais intensas e mais fortes, mas com uma certa simplicidade192.
A análise das particularidades do território, a compreensão da sua relação com o programa
e a precisão do desenho dos detalhes orientam a prática do arquiteto, determinando uma
metodologia de intervenção que assenta na leitura do lugar, das suas características
naturais e construídas, e da estrutura sobre a qual se trabalha e se constrói – desde a
identificação das suas linhas e pontos mais significativos até ao reconhecimento do seu
papel arquitetónico, definindo os limites físicos e formais do espaço territorial onde se
desenha o trabalho da arquitetura. A este primado do lugar o arquiteto já se referiu
inúmeras vezes, realçando a sua articulação com o programa e com as singularidades
funcionais e construtivas que se organizam segundo uma ideia global capaz de intensificar
a experiência do sítio. Percebe-se a procura de respostas sensíveis à especificidade do
território e a amplitude dos gestos que com ele se relacionam.
Apesar das considerações pós-modernas, em cena no pós 25 de Abril, Carrilho da Graça
manteve sempre um posicionamento crítico e autónomo desde o início da sua carreira,
interpretando o rigor da herança moderna na sua vertente contemporânea de expressões e
possibilidades diversas193. Os seus projetos primam, desde o instante em que começa a
desenhar na paisagem alentejana (a sua terra de origem), pela depuração, pelo rigor
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!191 João Luís Carrilho da Graça in LOBO, Inês (Coord.) – Lisbon Ground, La Biennale di Venezia – Lisbon Ground Architettura. 1ª Edição. Lisboa: Direção Geral das Artes, 2012, pp. 190-193. 192 João Luís Carrilho da Graça – “Musealização da Área Arqueológica da Praça Nova do Castelo de São Jorge”, p. 26. 193 Gonçalo Byrne – “Estranha Leveza” in GRAÇA, João Luís Carrilho da – Carrilho da Graça – Introdução por Gonçalo Byrne. 1ª Edição. Lisboa: Editorial Blau, 1995, p. 8.
!101
irrepreensível, pela abstração e pelas reflexões fundadas numa síntese informada pelo
território e pelo programa, estabelecendo um percurso diferenciado, atento à coerência da
Escola do Porto194 e, sobretudo, à obra de arquitetos como Álvaro Siza e Gonçalo Byrne.
Para Carrilho da Graça, a arquitetura desenvolve-se a partir de um conjunto de medidas
que resolvem o problema proposto através de uma ideia global capaz de transmitir um
conceito marcante, revelador de sensações que expressam a essencialidade do lugar,
utilizando apenas os elementos realmente necessários195. Revelando a essência dos sítios e
as premissas que estruturam os gestos arquitetónicos196, a extensa obra do arquiteto
confirma a sua contribuição para um momento importante de reconhecimento da arquitetura
portuguesa, evidenciando uma prática “[...] assente na leitura topográfica e na sua
capacidade invulgar de entender a importância do espaço livre, a sua organização e
relação com o construído” 197 . Além disso, o arquiteto apresenta também uma vasta
investigação e realização de intervenções em património, com inúmeros projetos de
qualidade, entre os quais se destacam a reconversão do Convento da Flor da Rosa a
pousada (Crato, 1990-95) e a proposta para a recuperação e reconversão do Convento de
Jesus a museu (Setúbal, 1998).
Esta reflexão sobre o percurso do autor pode ser lida em relação com o projeto de
musealização do Sítio Arqueológico da Praça Nova. Com efeito, a intervenção de Carrilho
da Graça é um discurso de respeito pela preexistência e simultaneamente um diálogo com
a vontade do tempo, que permite explorar a necessidade de um traço contemporâneo na
intervenção arquitetónica e no propósito do património, adaptando-o a novos e desafiadores
programas. O projeto reconhece o percurso arquitetónico do Castelo, preservando a noção
de autenticidade, a distinção entre novo e preexistente e a utilização dos novos materiais –
conceitos introduzidos pela Carta de Veneza (1964) e retomados, mais tarde, pela Carta
ICOMOS – Princípios Para a Análise, Conservação e Restauro Estrutural do Património
Arquitetónico (2003) – que lançou outras duas noções presentes neste projeto: reversibilidade
e intervenção mínima.
Sobre a compatibilização entre preexistências e intervenção nova, Carrilho da Graça realça
a importância de uma abordagem cuidadosa: “Temos de ser [...] respeitadores, o mais
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!194 José Bártolo – João Luís Carrilho da Graça. 1ª Edição. Col. Arquitectos Portugueses. Série 2. Avelada, Vila do Conde: Verso da História, 2013, p. 12. 195 João Luís Carrilho da Graça in AA. VV. – “Contaminações / Comunicações – Debate com David Santos, João Luís Carrilho da Graça, Paulo Mendes, Pedro Gadanho, Victor Neves”. Arq/a, nº 4. Lisboa: Futur Magazine Editora, Novembro-Dezembro 2000, p. 22. 196 João Luís Carrilho da Graça – “Atingir a Estrutura dos Acontecimentos Arquitectónicos”. Arquitectura Portuguesa, A. 1, Série 5, nº 6. Lisboa, Março-Abril 1986, p. 20. 197 Ana Tostões – Arquitectura Portuguesa Contemporânea, p. 202.
!102
conhecedores possível do que lá está, e depois temos que arriscar, ser do nosso tempo,
fazer coisas contemporâneas, com os sistemas construtivos que dominamos e conhecemos,
com os programas a que temos que dar resposta, da maneira mais cuidadosa”198.
Como refere Giorgio Grassi, só se conserva a autenticidade onde “[...] o velho se mantem
intacto para tentar mostrar as suas vicissitudes [...] e onde o novo não renuncia a ser antes
de tudo ele mesmo, isto é, arquitectura e portanto testemunho da história no seu sentido
mais amplo”199. É tendo por base o conceito de autenticidade que interessa considerar a
compatibilização entre as preexistências e o modo contemporâneo de as reabilitar e
musealizar, tendo em conta que este conceito tem vindo a ser alterado de acordo com a
evolução da noção de património, aplicando-se, em 1964, no âmbito da Carta de Veneza,
ao genuíno e autêntico; e em 1980, por ocasião da Carta de Burra, aos “[...] valores
interiorizados do património e já não tanto [...] [aos] seus valores materiais” 200 . O
Documento de Nara Sobre a Autenticidade (1994), afirma que a contribuição “[...] dada
pela consideração da autenticidade na prática da conservação consiste na clarificação e
na iluminação da memória colectiva da humanidade” 201 e a Carta de Cracóvia (2000) define
este conceito como “O somatório das características substanciais, historicamente provadas,
desde o estado original até à situação atual, como resultado das várias transformações que
ocorreram no tempo”202.
O equilíbrio entre a preexistência e a intervenção nova é muito sensível neste projeto, pela
delicadeza com que se ensaia uma configuração espacial possível a partir dos achados
arqueológicos, com um traço contemporâneo respeitador das estruturas existentes e até
relutante em lhes tocar, pairando apenas na sua possibilidade. O projeto fundamenta uma
reconstrução de espacialidade abstrata e simplificada, materializada pelo branco das
paredes que parecem flutuar sobre os muros primitivos, erguidas por treliças em aço e
revestidas a placas de aglomerado de cimento e madeira, barradas e pintadas a branco. A
sua leveza aparente torna-se real pelos meros seis pontos de apoio que perfazem o espaço
separador dos muros antigos e das paredes novas – estes seis pontos sustentam todo o
conjunto e localizam-se nos únicos locais em que o muro original das casas desaparece,
garantindo, assim, que o volume novo não toca nas ruínas203.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!198 João Luís Carrilho da Graça – “Manifesto de Relação com o Território: entrevista a João Luís Carrilho da Graça”. Arquitectura e Vida, nº 35. Lisboa: Bertrand Editora, Fevereiro 2003, p. 38. 199 Giorgio Grassi – Proyecto de intervención en el Castillo de Abbiategrasso, 1970, p. 24 cit. in PEDREIRINHO, José Manuel – ”O Novo e o Antigo Contemporâneo”. Arquitectura Ibérica, nº 36. Casal de Cambra, Sintra: Caleidoscópio, Março 2011, p. 10. 200 José Manuel Pedreirinho – ”O Novo e o Antigo Contemporâneo”, p. 10. 201 Ver: <http://www.patrimoniocultural.pt/pt/patrimonio/cartas-e-convencoes-internacionais-sobre-patrimonio/>. 202 Idem. 203 Ver detalhe construtivo em anexo, evidenciando a zona de transição entre as ruínas e as paredes brancas.
!103
O encontro entre as paredes brancas e as ruínas: 115. Compartimento da casa. 116. Pátio e sucessão de espaços. 117. Linha de separação; linha de luz / sombra.
O encontro entre as paredes brancas, as ruínas e os elementos de lioz: 118. Pormenor 1. 119. Pormenor 2.
A linha de separação entre a preexistência e a intervenção nova encerra em si a essência
deste gesto. As paredes brancas soltam-se da construção original, concretizando o
confronto entre as ruínas de alvenaria de pedra e as paredes aparentemente frágeis, que se
podem destacar das fundações. O conjunto demonstra uma simbiose física e conceptual
entre novo e antigo, marcada pelo contraste entre a austeridade das ruínas e a leveza do
branco; um confronto que se sente também noutras obras do arquiteto, nomeadamente na
referida adaptação do Mosteiro de Santa Maria da Flor da Rosa a pousada (Crato, 1990-
95), onde a assimilação das várias contribuições arquitetónicas, completada pelo novo
corpo desenhado para os quartos, opõe a robustez do granito à luminosidade do branco.
No caso do Sítio Arqueológico do Castelo, as fortes linhas de sombra que se produzem no
intervalo entre novo e antigo marcam um limite horizontal que clarifica a separação entre as
ruínas e os volumes brancos. À noite, esta linha surge iluminada, reforçando a noção de
leveza das paredes e evidenciando a sua separação física das ruínas.
!104
Linha de luz entre as ruínas e as paredes brancas: 120. No conjunto. 121. Ao longo das paredes brancas.
O sentido de suspensão é um tema que se reconhece persistente na obra de Carrilho da
Graça, sendo evidente, por exemplo, no Pavilhão do Conhecimento dos Mares (Lisboa,
1998), onde um dos volumes se eleva do solo e é vazado no centro, formando uma praça
de acessos; no Centro de Documentação da Presidência da República (Lisboa, 2000-04),
onde um volume austero, liso, parece pairar sobre um espelho de água; e na Igreja de
Santo António (Portalegre, 1993-2008), onde quatro planos brancos flutuantes definem um
pátio interior. É um tema de tal forma presente que Gonçalo Byrne se referiu a ele, no texto
“Estranha Leveza”204, como um dos denominadores comuns da obra de Carrilho da Graça.
A esta sensação pode-se associar a clareza das formas e o rigor conceptual que se lê nos
volumes brancos, igualmente presentes nestas obras. Delfim Sardo teceu considerações
semelhantes a propósito da obra do arquiteto, referindo-se a um desenho que gravita
escultoricamente e que, na sugestão das suas possibilidades, inspira as relações sociais e
o uso dos espaços205. A sensação de leveza concretiza-se aqui (e em diversas obras do
autor) no plano horizontal que funciona como referência. Na musealização da Praça Nova,
os planos horizontais sobrepõem-se e relacionam-se a diferentes níveis, criando relações
entre o plano das ruínas, o plano da sua musealização e a plataforma que o liga ao Castelo.
O desenho dos volumes brancos é um desenho de encontro com as ruínas, que surge da
sua planimetria e lhe atribui uma escala inesperada. A este propósito, é relevante remeter o
leitor para o projeto do Museu Kolumba, da autoria de Peter Zumthor, apresentado no
capítulo 3.3. De facto, ambos os projetos resultam de um trabalho cuidado sobre a zona de
transição entre novo e antigo, pousando delicadamente a intervenção contemporânea
sobre a preexistência de modo a unificar a leitura dos fragmentos arqueológicos numa
continuidade que se justifica pela coerência com o desenho da ruína e pelo contraste entre
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!204 Gonçalo Byrne – “Estranha Leveza” in GRAÇA, João Luís Carrilho da – Carrilho da Graça – Introdução por Gonçalo Byrne, pp. 6-13. 205 Delfim Sardo – “3 ideias sobre o trabalho de João Luís Carrilho da Graça” in GRAÇA, João Luís Carrilho da – Serralves, pp. 23-24.
!105
os materiais. De igual modo, o projeto da Parques de Sintra para o Castelo dos Mouros,
também apresentado no capítulo 3.3., expõe uma solução semelhante, que se evidencia,
sobretudo, na adaptação da antiga Igreja a Centro de Interpretação do Castelo, realizada
através de uma cobertura destacável, em madeira, que pousa sobre as fundações de
pedra do exemplar original. Nestes projetos, as zonas de transição entre novo e antigo
assumem uma relevância acrescida. Na verdade, é neste encontro que quase sempre se
discute (e se revela) a qualidade dos projetos de intervenção no património.
A estratégia museológica implementada no projeto em análise fundamenta-se na intenção
de permitir aos visitantes experienciar a espacialidade dos compartimentos originais das
casas islâmicas, recriada sem recorrer ao mimetismo. De facto, não há um esforço de
dissimulação da nova intervenção, nem uma tentativa de reconstituição, no sentido técnico
do termo. O projeto reveste-se, “[...] de grandes precauções para não destruir ou ocultar
nenhum dos vestígios arqueológicos subsistentes [...]”206 e, como vimos, não há uma relação
direta de continuidade física entre as ruínas e os volumes brancos, claramente identificados
na sua contemporaneidade. Respeitam-se, assim, as orientações da Carta ICOMOS – Carta
Internacional Sobre a Proteção e a Gestão do Património Arqueológico (1990).
O espaço das habitações islâmicas é organizado para ser visitado e interpretado: torna-se
claro que os volumes brancos não são apenas uma forma de comunicação, mas a própria
mensagem. A arquitetura sugere um exercício de diálogo com o público, concretizando
uma estratégia museológica que tem o seu fundamento no observador e na forma como
este apreende o espaço e as estruturas. De facto, o autor privilegia a investigação espacial,
em detrimento de um elemento unicamente representativo ou expositivo. A exploração da
verticalidade dos espaços desvenda o potencial museológico da ruína: há uma interpretação
do programa como possibilidade de recriar o museu como uma experiência espacial
integrada, que complementa a condição contemplativa inerente a programas deste carácter.
A arquitetura cria um espaço sobre as ruínas e, ao mesmo tempo, sente-se transitória, leve,
totalmente reversível, funcionando quase como uma maquete dos espaços. Volta-se a
sublinhar a analogia com o projeto do Castelo dos Mouros, em Sintra, onde a cobertura de
madeira, que recupera o volume original da Igreja, se apresenta igualmente reversível,
garantindo a integridade da estrutura primitiva. Também neste projeto, a proximidade com as
ruínas é possibilitada pelas estruturas sobrelevadas de madeira, que permitem ao visitante
deambular entre os vestígios arqueológicos, experimentando diferentes perspetivas.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!206 Carta ICOMOS – Carta Internacional Sobre a Proteção e a Gestão do Património Arqueológico (1990). Ver: <http://www.patrimoniocultural.pt/pt/patrimonio/cartas-e-convencoes-internacionais-sobre-patrimonio/>.
!106
A abstração do projeto do Sítio Arqueológico do Castelo é claramente entendida perante a
leitura do monumento envolvente e revela-se singular nesse diálogo. As memórias continuam
vivas e, mais ainda, reforçadas, porque o novo existe para valorizar o preexistente e
maximizar a sua fruição – não para lhe tirar protagonismo. Como explica o autor, “Embora
seja verdade que existe, por um lado, esse vínculo que nos leva a relacionar-nos com a
história, para que o projeto seja coerente, não é menos verdade que, por outro lado, temos
que considerar a necessidade de construir de acordo com o nosso tempo”207.
Este projeto é sobre o espaço, sobre a configuração do vazio. A solenidade do programa
(normalmente resolvido através da construção de passadiços que permitem ver as ruínas
sem lhes tocar) é atenuada para favorecer uma experiência museológica espacial. É
também através desta ideia que se pode falar da relação entre o observador e o espaço,
que adquire uma importância acrescida no contexto museal:
Estar numa obra de Carrilho da Graça e olhar em volta, percorrer e regressar, sair e parar são as determinantes para poder perceber como a arquitectura pode ser sobre a sociabilidade para que é desenhada, a partir de uma forma que representa uma versão da coabitação entre a racionalidade e o sensível, experienciável só na sua, radical, imanência208.
A interpretação da tridimensionalidade dos espaços habitacionais afirma-se, também, por
reunir uma síntese conceptual que recupera a essência da casa mediterrânica e as suas
matrizes grega e romana209, sentidas a par da incontornável conceção islâmica. Este é um
exercício de síntese que o próprio autor desenvolveu a propósito da Casa Candeias (São
Sebastião da Giesteira, Évora, 1999-2008), onde o pátio central da casa se abre num dos
lados para contemplar a paisagem e abraçar uma dimensão contemporânea da tipologia
da casa mediterrânica: “[...] uma casa com um pátio aberto, vistas orientadas a sudeste,
água e uma árvore”210, onde exterior e interior se (con)fundem.
Na reconstrução da espacialidade das casas islâmicas, o arquiteto desenha um espaço
compreensível pela cultura mediterrânica, onde a empatia do observador se evidencia pela
descoberta das sensações mais básicas da habitação. Nesta (re)interpretação, Carrilho da
Graça desenvolve uma prática de síntese e depuração formal, conceptual e volumétrica,
explorando a força do elementar na arquitetura. Embora a casa islâmica seja o programa
com o qual o arquiteto se confronta na musealização deste Sítio Arqueológico, a leitura das
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!207 João Luís Carrilho da Graça in EL CROQUIS – op. cit., p. 30 [tradução livre]. 208 Delfim Sardo – “3 ideias sobre o trabalho de João Luís Carrilho da Graça” in GRAÇA, João Luís Carrilho da – Serralves, p. 25. 209 Ambas com um pátio central (atrium) e impluvium (para recolher águas pluviais), sobretudo na casa romana. 210 João Luís Carrilho da Graça in EL CROQUIS – op. cit., p. 96 [tradução livre].
!107
estruturas encerra em si o desenho de uma casa mediterrânica, que procura uma
expressão universal, uma imagem atualizada, sintética, contemporânea, expressa através
do denominador comum que caracteriza a habitação nas geografias mediterrânicas.
Casa Candeias: 122. Fachada. 123. Pátio.
124. Casa Candeias, alçado.
No projeto do Sítio Arqueológico, há uma essencialidade na escolha dos materiais e das
soluções construtivas que constituem composições elementares com uma presença
surpreendente: “Interessa-me encontrar as formas mais intensas e mais simples. [...] Para
mim, esse é o objectivo: conseguir com o mínimo possível de meios a máxima intensidade”211.
O desenho de formas simples e a sua implementação construtiva cria o espaço necessário
para que o observador identifique as complexidades históricas registadas pela arqueologia.
O desenho dos pormenores evidencia o rigor construtivo que advém da economia de meios
como forma de sublinhar o gesto unitário da intervenção, utilizando vias quase silenciosas
para criar soluções significativas: “Trabalho na direção de revelar e enfatizar a harmonia que
já pertence a um determinado lugar [...]. Revelar a potencialidade inata do lugar é o que
verdadeiramente me preocupa em todos os meus projetos”212. Travando os processos de
degradação, o projeto em análise evidencia uma unidade que se revela nos materiais e nas
suas relações: na pedra, no saibro, no aço corten e no branco.
Reconhecendo a qualidade do projeto, claramente demonstrada ao longo deste texto,
referem-se também alguns aspetos menos positivos da intervenção. A qualidade e
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!211 João Luís Carrilho da Graça – Serralves, pp. 37-40. 212 João Luís Carrilho da Graça in EL CROQUIS – op. cit., p. 32 [tradução livre].
!108
sobriedade do design gráfico da sinalética disponível no local, projeto de Henrique Cayatte,
Mónica Lameiro e Pedro Gonçalves, é evidente. No entanto, os suportes informativos em
aço corten, com desenhos arquitetónicos e pequenos textos gravados, tornaram-se difíceis
de ler devido à ação do tempo sobre o material. A informação relativa aos períodos de
ocupação é demasiado resumida, sendo os textos apresentados apenas referentes a
aspetos sumários. Neste sentido, considera-se que seria benéfica a existência de um
segundo nível de informação, de carácter mais específico. A apresentação de plantas
simples, orientadas no sentido de observação do visitante, permite uma interpretação clara
da organização espacial do Sítio Arqueológico, embora se constate que muitos dos
visitantes têm dificuldade em orientar-se através dos desenhos bidimensionais.
Suportes de informação em aço corten: 125. No percurso de chegada. 126. No Sítio Arqueológico.
De referir, ainda, o percurso expositivo, que embora funcione muito bem do ponto de vista
conceptual de fruição do espaço, dificulta a orientação do público no campo arqueológico.
De facto, os visitantes têm dificuldade em distinguir as zonas de circulação das zonas de
exposição e, por isso, acabam por sujeitar as estruturas a sobrecargas que não deveriam
existir. Esta questão será, brevemente, resolvida pela equipa projetista através da
diferenciação cromática do pavimento, facilitando assim um percurso mais intuitivo213.
Do ponto de vista técnico, as visitas ao local e conversas informais com profissionais do
Castelo apontam fragilidades na garantia das condições necessárias para a conservação
das ruínas, a longo prazo. Na verdade, com exceção dos três núcleos protegidos pelas
estruturas contemporâneas, as restantes ruínas encontram-se desprovidas de dispositivos
de proteção face às condições atmosféricas e aos restantes agentes de degradação,
nomeadamente a ação humana. Verifica-se que, apesar da sinalética, vários visitantes se
aproximam das ruínas, sentando-se ou apoiando os pés nos muros: um risco assumido pela
decisão projetual de proporcionar proximidade entre o visitante e as estruturas arqueológicas.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!213 Susana Serra, em entrevista (ver transcrição em anexo).
!109
A ação humana determinou também a necessidade de rever as estruturas que permitem a
visita às casas islâmicas, inicialmente desenhadas apenas com um corrimão que delimitava
a zona de visita. A transposição deste limite, por parte do público, levou à colocação de
proteções provisórias em acrílico, que serão, num futuro próximo, substituídas por uma
nova peça desenhada por Carrilho da Graça, igualmente transparente mas capaz de
impedir a passagem para o pavimento do século XI que se conserva no interior destas
divisões214. Por outro lado, e segundo informação obtida no local, os sistemas de escoamento
são insuficientes, fazendo com que, em dias de chuva forte, se verifique um excesso de
acumulação de águas pluviais nas irregularidades do pavimento, embora o saibro permita a
infiltração das águas no solo e existam calhas de recolha para minimizar esse efeito.
6.3. Reflexão f inal
A intervenção de Carrilho da Graça concretiza uma musealização sensível da ruína e a
construção dos elementos necessários para que seja compreendida pelo observador
comum. Esta intervenção demostra que a musealização do património pode ser realmente
fundamental para a preservação dos monumentos históricos, permitindo, como refere
Carrilho da Graça, “[...] não só manter o essencial dos valores que podemos reconhecer,
[mas também] dar-lhes continuidade e, eventualmente, intensificá-los”215.
Trata-se de um projeto que integra a vivência do ambiente natural e construído – a paisagem
de Lisboa e o contexto arquitetónico do Castelo – assumindo as suas facetas históricas e
culturais. O resultado é uma área arqueológica musealizada, onde a sedimentação do tempo
se sente e testemunha. É uma intervenção forte, que se afirma no conjunto, mas ao mesmo
tempo subtil, na medida em que possibilita a intensificação do existente, enriquecendo os
vestígios arqueológicos com uma nova dimensão espacial, possibilitada pela intervenção
contemporânea. Face à presença marcante do território – o horizonte, o rio, a cidade e,
sobretudo, o Castelo – a intervenção adequa-se ao lugar através de um desenho rigoroso e
pontual, que se anuncia apenas na recriação da espacialidade das casas islâmicas.
A opção de interpretação das estruturas habitacionais, numa linguagem claramente atual e
reversível, e a síntese de desenho que se reúne na leitura conceptual da casa mediterrânica,
possibilitam uma compreensão imediata dos espaços e proporcionam, simultaneamente, a
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!214 Idem. 215 João Luís Carrilho da Graça – “Musealização da Área Arqueológica da Praça Nova do Castelo de São Jorge”, p. 26.
!110
proteção das ruínas à exposição atmosférica. A ruína, que geralmente se constitui enquanto
elemento de difícil interpretação, torna-se visitável e legível na sua distribuição espacial,
compondo uma estratégia museológica que se predispõe a intensificar o território existente.
É a partir desta análise e da relação com o processo de escavação arqueológica que se
podem associar a este projecto as noções de palimpsesto 216 e palíndromo 217 : “O
palimpsesto da história do sítio é assim descodificado e a possibilidade da sua leitura
palindrómica temporal e espacial clarificada: [...] sobretudo, e significativamente, através
da experiência construída pela materialização da sua protecção e musealização”218.
Importa, ainda, sublinhar a reversibilidade da intervenção – um princípio defendido pelas
cartas internacionais de restauro que garante que os acrescentos de obras de reabilitação
ou adaptação patrimonial possam ser removidos sem danos para o preexistente – e a sua
clara diferenciação dos vestígios originais, em linguagem arquitetónica e materialidade,
garantindo a autenticidade das estruturas primitivas. É uma intervenção de musealização e,
simultaneamente, de salvaguarda das ruínas; uma operação reversível mas plasticamente
determinante no conjunto em que se insere.
Em suma, Carrilho da Graça propõe uma síntese: partindo de considerações históricas, o
projeto revela uma enorme predisposição para, de forma consciente, viver também o seu
tempo. Revela-se um lugar que, em última instância, tem que ser sentido: há uma sensação
de serenidade que incita ao exercício contemplativo, harmonizado pela vista panorâmica
que o promontório proporciona.
127. Núcleo da Idade do Ferro em primeiro plano e casas islâmicas em segundo plano; pavimento do campo arqueológico em saibro; elementos de transição de cotas em lioz e membrana de aço corten. 128. Vista de conjunto a partir de sudeste.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!216 Manuscrito em pergaminho, que os copistas medievais raspavam para sobre ele escreverem de novo, mas do qual se tem conseguido, em parte, fazer reaparecer os primitivos caracteres. 217 Palavra que se pode ler indiferentemente da direita para a esquerda ou em sentido inverso, sem que o seu significado se altere. Exemplos: raiar e anilina. 218 Victor Beiramar Diniz – “Musealização da Área Arqueológica no Castelo de São Jorge”. Arquitectura Ibérica, nº 36. Casal de Cambra, Sintra: Caleidoscópio, Março 2011, p. 24.
!111
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
!112
!113
Toda a operação de renovação de espaços e edifícios implica uma reinterpretação que, integrando os elementos essenciais e estruturantes do material a intervencionar, proponha, no respeito daqueles, a construção de um novo ordenamento, capaz de responder e enunciar os novos sentidos de uso que se pretendem instalar. [...] É na relação estreita entre reinterpretação e obra nova que se joga a possibilidade e verifica a legitimidade da intervenção a desenvolver, e é nela que se deve fundamentar o desenvolvimento das acções programáticas e projectuais.
Carlos Guimarães219
A presente dissertação teve, desde o início, o objetivo de propor um entendimento do papel
da arquitetura na salvaguarda do património, através de intervenções de reabilitação e
adaptação de edifícios históricos a fins museológicos. A investigação definiu, numa primeira
fase, o enquadramento de evolução do conceito de património e das práticas de
conservação e restauro internacionalmente aceites. Envolvendo-se com a especificidade do
programa museológico como via de reabilitação do património, incluiu uma breve referência
à arquitetura de museus e ao seu contributo na área da revitalização patrimonial.
O caso português foi descrito em relação com o panorama internacional e segundo as
alterações que se deram no discurso arquitetónico ao longo do tempo. Os casos de estudo
apresentados ilustram esta tendência, que tem vindo a ganhar relevância no contexto
português, sobretudo desde a Primeira República. A escassez de antecedentes que
suportem a realização de museus de raiz e a tradição de adaptação de imóveis
preexistentes a outros usos permitiram a afirmação da tendência da musealização
patrimonial em Portugal, instalando-se coleções em edifícios com usos originais distintos ou
musealizando monumentos que, de outra forma, se tornariam obsoletos.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!219 Carlos Guimarães – op. cit., pp. 593-594.
!114
Como se pode compreender através da diacronia apresentada, os conceitos de património
e museu têm-se tornado progressivamente mais amplos, inclusivos e flexíveis, adaptando-
-se às exigências sociais, económicas e culturais que lhes foram sendo gradualmente
atribuídas, designadamente ao longo da segunda metade do século XX. A pluralidade de
tendências e as múltiplas valências associadas hoje aos museus e ao património reforçam a
necessidade de uma reflexão rigorosa acerca das metodologias de intervenção, tanto em
projetos de conversão de edifícios preexistentes a museu, como em intervenções de
reabilitação e ampliação de imóveis previamente adaptados a este uso.
Nas últimas décadas, a maior parte das intervenções de musealização do património,
realizadas em Portugal, têm-se caracterizado por projetos equilibrados, onde não se sente
como primordial a necessidade de marca autoral dos arquitetos. De facto, verifica-se que
vários projetos de museus primam pela visão integrada do conjunto patrimonial onde se
incluem, apresentando soluções projetuais de apreciável contenção formal e sobriedade.
Nos mesmos casos, a arquitetura é livre de complementar a notoriedade da exposição,
contribuindo para que seja divulgada sem no entanto lhe retirar protagonismo. Os projetos
de reabilitação do património para fins museológicos têm constituído um distinto contributo
para a valorização do património português, revitalizando a funcionalidade dos edifícios,
requalificando a sua identidade e motivando ações de requalificação urbana, como se pode
verificar pelo caso do Castelo de São Jorge.
De facto, o Núcleo Museológico e o Núcleo Arqueológico são intervenções que procuram a
partilha com o Castelo, intensificando o sentido da sua existência. Nos casos de estudo
apresentados, a valorização das construções preexistentes ganha relevância através do
diálogo com linguagens arquitetónicas e materiais contemporâneos, que resolvem, de
forma singular, a introdução do programa museológico num espaço de cariz histórico e
patrimonial. A análise destes casos de estudo desenvolveu-se a partir do entendimento da
motivação dos gestos arquitetónicos, das escolhas e das intenções que determinam a
estratégia de intervenção no património, com vista à sua musealização. Os critérios
introduzidos por Camillo Boito, no século XIX, e mais tarde consolidados pela Carta de
Veneza (1964) e pelos documentos sucessores, estão claramente presentes nestas
intervenções – os projetos pautam-se por valores de reversibilidade, intervenção mínima,
diferenciação entre obra nova e preexistente e respeito pela autenticidade do exemplar
original, integrando os diversos períodos arquitetónicos de constituição da história do
Castelo – premissas que se distinguem claramente da ideologia aplicada durante a
intervenção do Estado Novo, orientada por ideais bem diferentes.
!115
Embora atuem sobre lugares de características distintas, os Núcleos Museológico e
Arqueológico evidenciam uma continuidade que permite preservar, num intervalo
fisicamente próximo, uma leitura da história do Castelo: cria-se uma ligação clara entre o
conceito de recuperação do património e o conceito de museu, na medida em que se
proporciona a contextualização da coleção através do entendimento in situ dos achados
arqueológicos. A instalação da coleção museológica no antigo edifício do Paço Real, da
responsabilidade dos arquitetos Victor Mestre e Sofia Aleixo, comprova a sensibilidade do
trabalho que têm desenvolvido sobre o património, constituindo um exemplo de uma ação
cuidada que se funda na antropologia do lugar e na sua contextualização social. Da mesma
forma, Carrilho da Graça assume a musealização do Sítio Arqueológico, assinalando os
diferentes momentos de ocupação que o compõem através de intervenções pontuais que
atestam a pertinência da linguagem contemporânea na atualização do património. A
interpretação das casas islâmicas introduz uma dimensão adicional ao conjunto, evidenciando
uma valência museológica que nem sempre se encontra em ações deste carácter: é na
espacialização da ruína que se sente a intensificação da essencialidade do lugar.
Ambos os Núcleos se apresentam como intermediários entre os objetos que expõem e o
público que os visita: no caso do Museu, através da organização temática dos achados e
da clarificação de um percurso cronológico que reconstitui vários séculos de história; e no
caso do Sítio Arqueológico, através da interpretação atual das estruturas encontradas,
estabelecendo-se uma comunicação direta entre a ruína e o observador. São dois projetos
que expressam o papel ativo do museu na recuperação do património, evidenciando a sua
capacidade de o atualizar na vertente comunicativa que hoje se exige, a par das funções
primordiais de conservação, investigação e salvaguarda. O museu introduz uma dimensão
educativa no património, servindo o seu objetivo último de acessibilidade social.
Afirmar que el museo es centro de recuperación del patrimonio, no es más que reconocer una realidad y uno de los motivos que ocasionaron su creación, al ser el museo una institución surgida de la necesidad de custodiar las colecciones integrantes del Patrimonio Histórico en un marco adecuado y con las máximas garantías para su salvaguarda220.
Embora não seja possível determinar a afluência particular a cada um dos Núcleos, o
registo do número de visitantes do monumento nacional Castelo de São Jorge evidencia um
aumento considerável desde as inaugurações destes museus complementares, verificando-
-se sobretudo um alargamento das visitas de públicos especializados e cidadãos
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!220 Maria Chinchilla Gómez – “El Museo como Centro de Recuperación del Patrimonio. El Ejemplo del Museo Arqueológico Nacional” in GÓMEZ, Javier Tusell (Coord.) – op. cit., p. 61.
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portugueses. Do milhão de pessoas que visita o Castelo, cerca de 300 mil (30%) visita os
Núcleos, um número significativamente superior ao registado em relação à Olissipónia (a
atração que precedeu os casos de estudo), que ficava abaixo dos 20%221.
Os projetos estudados têm uma importância clara para a preservação do legado do Castelo
de São Jorge, contribuindo para a conservação do espólio que permitiu corrigir, documentar
e ampliar os conhecimentos relativos à ocupação islâmica da Península Ibérica. As opções
projetuais tomadas por Victor Mestre / Sofia Aleixo e por João Luís Carrilho da Graça
evidenciam o reconhecimento da requalificação do património como uma dimensão
fundamental da prática arquitetónica portuguesa.
Tendo em conta o contexto internacional, realça-se a necessidade de uma sensibilidade
arquitetónica que garanta o protagonismo das exposições e a sua relação harmoniosa com
o desenho dos espaços, evitando situações em que a arquitetura se constitua como um
elemento perturbador do entendimento dos objetos expostos e monopolizador da atenção
do visitante. A arquitetura e a museologia devem colocar-se enquanto disciplinas
complementares, como, aliás, demonstram os casos de estudo analisados, onde a
visibilidade das intervenções contemporâneas constitui parte integrante da fruição das
áreas museológicas e da sua interpretação histórica.
A investigação realizada permitiu concluir que a musealização do património integra temas
diversos e sensíveis, que incluem uma clara definição do programa, das especificidades da
coleção a expor, dos espaços necessários, dos serviços, apoios e infraestruturas
indispensáveis e das necessidades do público. Além disso, reforça-se a importância de um
estudo preciso da história do monumento, que permita a compreensão da sua evolução e a
salvaguarda dos elementos que garantem a sua autenticidade, um conceito que foi
sofrendo atualizações de significado ao longo do tempo. Aponta-se, também, a relevância
de uma estratégia integrada de musealização e intervenção arquitetónica, quer esta se
componha de ações de restauro, conservação, reabilitação e / ou ampliação.
Deste modo, as operações de adaptação de monumentos a fins museológicos pressupõem
uma interpretação do programa, criando o contexto adequado à reutilização do edifício
para uma finalidade diferente da original. Requer-se igualmente a reabilitação do edifício
preexistente, desde a correção de patologias, à recuperação de elementos estruturais e à
inserção de materiais contemporâneos; a criação do conjunto necessário de infraestruturas
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!221 Dados cedidos por Susana Serra, Coordenadora da Área de Património Cultural do Castelo de São Jorge. Consultar Anexo E – Estatísticas: visitantes do Castelo de São Jorge entre 2005 e 2013.
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compatíveis com as atividades do museu e o conforto dos visitantes; e a eventual criação
de volumes adicionais, nos casos em que a extensão do programa assim o justifica222.
Estas ações devem ser realizadas tendo como fim a valorização da identidade do
monumento e do conjunto em que se inserem, através de uma aproximação cuidada às
arquiteturas existentes e à sua relação com a eventual intervenção nova, tendo como base
os padrões reconhecidos de práticas de conservação e restauro. Quanto às metodologias
de intervenção, torna-se claro que a conjuntura atual determina uma avaliação caso a caso
e, consequentemente, as particularidades de cada situação determinarão as medidas
corretas a implementar. As normas internacionais indicam princípios orientadores de
intervenção, no entanto será difícil apontar uma metodologia repetível e generalizável.
Reforça-se a complexidade associada a estas intervenções, originada não apenas pelos
constrangimentos físicos, funcionais e construtivos dos edifícios preexistentes (muitas vezes
pouco compatíveis com o fim museológico), mas também pela sofisticação dos programas
atualmente exigidos, que implicam a integração de espaços de características específicas
e diversificadas. Além disso, importa lembrar que a intervenção de adaptação do edifício a
museu não termina com a conclusão da obra, incluindo o processo de manutenção que
garante a salvaguarda e o funcionamento adequado do museu, a longo prazo. Alerta-se
para a pertinência de uma equipa de ação interdisciplinar, capaz de se complementar e
garantir a correção das diversas faces da obra, envolvendo profissionais de conservação e
restauro, historiadores, arqueólogos, museólogos, arquitetos, engenheiros, construtores e
técnicos das diferentes especialidades envolvidas.
Estas intervenções integram distintas escalas do património edificado, operando como
ações de requalificação não só do monumento, mas também do seu contexto urbano ou da
sua envolvente natural, conjugando múltiplas oportunidades de fruição do património. Neste
contexto, conservar o património passa pela preservação da identidade dos bens em causa
e pela sua revitalização, através da adaptação dos edifícios obsoletos a novos usos.
A arquitetura de museus tem vindo a concretizar, em Portugal, uma área importante de
investigação e de salvaguarda patrimonial, com uma crescente coordenação entre as
vertentes arquitetónicas e museográficas e a asserção dos museus enquanto entidades
culturais interdisciplinares. O conjunto de museus portugueses instalado em edifícios
patrimoniais atesta a condição de complexidade das intervenções de reabilitação,
demonstrando que as preexistências constituem o ponto de partida essencial para o !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!222 Ver João Herdade – “Adaptação de Edifícios Históricos a Museus”, Actas do Colóquio Adaptação de edifícios históricos a museus 2003. Faro: Museu Municipal de Faro, Câmara Municipal de Faro, 2005, pp. 25-64.
!118
desenvolvimento do conceito projetual, a organização do programa e a definição da
extensão dos trabalhos a desenvolver.
A investigação realizada demonstra que a história recente dos museus tem acompanhado,
de forma próxima e imediata, o desenvolvimento das práticas de conservação e restauro e
os princípios de intervenção sobre o património arquitetónico. É neste contexto que se pode
enquadrar o museu enquanto entidade de preservação da memória, capaz de salvaguardar
a autenticidade do lugar. Neste sentido, a museologia e a arquitetura são entendidas, no
contexto da presente dissertação, como disciplinas decisivas de salvaguarda patrimonial,
apoiando-se na conjugação dos valores históricos e culturais que se reúnem na identidade
dos monumentos históricos (re)qualificados.
O Castelo de São Jorge tem beneficiado da merecida atenção prestada por diversos
projetos que visam a sua valorização, destacando-se o PIC, os novos centros de interesse,
a reabilitação do troço sul do Caminho-de-Ronda, o projeto de acessibilidades
desenvolvido por João Pedro Falcão de Campos e, naturalmente, os Núcleos Museológico
e Arqueológico. Considera-se, no entanto – e talvez esta seja uma premissa de
desenvolvimento futuro – que embora exista uma proximidade física entre os dois Núcleos,
o Castelo beneficiaria de uma leitura mais ampla e integrada, que permitisse ao visitante
comum compreender o elo que contextualiza ambos os Museus. O património seria
enriquecido e o espólio do Castelo valorizado através dessa leitura unitária – talvez possível
através da conclusão do projeto do Caminho-de-Ronda e / ou da abertura do percurso mais
direto e legível entre o Museu e o Sítio Arqueológico – leitura essa hoje fragmentada, ao
nível das acessibilidades, físicas e de conteúdo.
Carrilho da Graça referiu-se a esta situação no âmbito do projeto complementar ao Sítio
Arqueológico. A colocação da bancada amovível no terreno que se localiza entre a Praça
Nova e o Castelejo facilitaria a comunicação direta entre os dois Núcleos, eliminando a
obstrução que, neste momento, o local representa para o acesso ao Sítio Arqueológico e
para a sua ligação ao Museu. O percurso pela muralha norte proporciona uma perspetiva
interessante do conjunto do promontório, no entanto, este deveria ser um trajeto alternativo,
complementar ao percurso mais direto. De igual modo, Victor Mestre aponta a suspensão
do projeto do Caminho-de-Ronda como sendo verdadeiramente desfavorável a uma leitura
de conjunto do Castelo e da freguesia envolvente. De facto, entende-se que o Caminho-de-
-Ronda, completo, poderia oferecer uma perspetiva global do monumento e do conjunto
urbano próximo, relacionando ambas as vertentes do Castelo e incluindo uma visão
integrada da colina. A multiplicidade de leituras e possibilidades de aproximação e a
!119
perceção do conjunto reforçaria a coerência entre as diversas dimensões do conceito de
museu aplicado ao património, que não se esgotam na circunscrição de um espaço físico,
desenvolvendo-se, em vez disso, pela sua contextualização histórica e social e pela
interação entre as diferentes vertentes.
Conclui-se a investigação realizada com a convicção de que as intervenções de adaptação
do património a programas museológicos constituem uma via de reconhecida qualidade
para a sua salvaguarda e revitalização. Para além de conservarem as construções originais,
os projetos possibilitam hipóteses de usufruto renovadas, qualificando os monumentos para
um papel efetivo no contexto social, cultural e arquitetónico contemporâneo, que considera
as contribuições dos vários períodos da história na sua perceção atual. Os casos de estudo
analisados ilustram esta afirmação de uma forma exemplar, demonstrando que os museus
são lugares de estreita relação entre a descoberta do passado e o entendimento do presente.
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ANEXOS
Anexo A. Ficha síntese de caracterização dos projetos
Núcleo Expositivo
Núcleo Arqueológico
Anexo B. Desenhos técnicos dos projetos
Plantas de localização
Núcleo Expositivo
Núcleo Arqueológico
Anexo C. Nota biográfica dos arquitetos
Victor Mestre / Sofia Aleixo
João Luís Carrilho da Graça
Anexo D. Entrevistas
Entrevista à Dra. Susana Serra (Coordenadora da Área de Património Cultural do Castelo de São Jorge)
Entrevista ao Arq. João Pedro Falcão de Campos (Arq. Percurso Pedonal Assistido da Baixa ao Castelo de São Jorge)
Entrevista aos Arq. Victor Mestre / Sofia Aleixo (Arq. Núcleo Museológico do Castelo de São Jorge)
Entrevista ao Arq. Victor Beiramar Diniz (Arq. Paisagista, colaborador do ateliê Carrilho da Graça Arquitetos)
Anexo E. Estatísticas: visitantes do Castelo de São Jorge
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ANEXO A. FICHA SÍNTESE DE CARACTERIZAÇÃO DOS PROJETOS
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NÚCLEO EXPOSITIVO 223 Núcleo Museológico da Alcáçova do Castelo de São Jorge Victor Mestre / Sofia Aleixo, Arquitetos
PLANTA DE LOCALIZAÇÃO
Planta de localização do Núcleo Expositivo, orientada a Norte. IDENTIFICAÇÃO DO MUSEU
Localização
Edifício do antigo Paço Real da Alcáçova do Castelo de São Jorge, Lisboa.
Datas de projeto – obra 2007 – 2008
Ano de abertura ao público 2008
Nº de visitantes / ano 1 milhão de pessoas visita o Castelo de São Jorge. Cerca de 300 mil (30%) visita os Núcleos Museológico e Arqueológico.
Tutela O Castelo encontra-se sob gestão da CML, delegada à EGEAC.
Integração na RPM Não.
Contacto e sít io na Internet
O Núcleo Expositivo integra o monumento nacional Castelo de São Jorge, sendo mencionado no sítio online do monumento: http://castelodesaojorge.pt Telefone: +351 218 800 620 / E-mail: info@castelodesaojorge.pt
Condições de ingresso Ingresso à zona muralhada do monumento nacional, bilhete normal: 7,50 €. Existem descontos para estudantes, famílias, séniores, pessoas com deficiência, grupos escolares e possuidores
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!223 A estrutura da Ficha Síntese de Caracterização dos Projetos baseia-se no modelo desenvolvido por Helena Barranha no âmbito da sua dissertação de Doutoramento: Arquitectura de Museus de Arte Contemporânea em Portugal – Da intervenção Urbana ao Desenho do Espaço Expositivo. Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, 2007. Foi simplificada e adaptada à especificidade de cada um dos casos de estudo.
!
de cartões de várias instituições associadas. Para residentes do concelho de Lisboa, crianças com menos de 10 anos, jornalistas com marcação prévia, grupos escolares de Lisboa e guias- -intérpretes no exercício de funções a entrada é gratuita.
Horários De 1 de Novembro a 28 de Fevereiro das 9h00 às 18h00. De 1 de Março a 31 de Outubro das 9h00 às 21h00.
Acessos O PIC e o Percurso Assistido da Baixa ao Castelo de São Jorge (nomeadamente a construção dos elevadores públicos e a reabilitação dos espaços exteriores afetos ao percurso, aumentando a oferta de estacionamento e as condições de acesso pedonal) contribuíram de forma significativa para facilitar o acesso ao Castelo de São Jorge, tornando o percurso até ao monumento (invariavelmente desafiante devido à sua topografia) significativamente mais cómodo. Dentro do monumento nacional, o acesso ao Núcleo Museológico é de fácil identificação.
FICHA TÉCNICA
Colaboradores
Nuno Gaspar e Cláudia Barata, Arquitetos. Maquete: Francisco Tristão, Arquiteto. Vídeo: João Silva, Arquiteto.
Design de comunicação Pedro Mendes Leal, Designer.
I luminação Luís Ribeiro, Engenheiro.
Climatização MSE: Madeira da Silva, Engenheiro.
Segurança Nuno Duarte, Arquiteto.
Fiscalização Gabinete do Castelo.
Construtor Cenycet, Lda.
Promotor EGEAC
PROGRAMA
Temática museológica
Arqueologia.
Acervo permanente Objetos e vestígios arqueológicos encontrados nas escavações efetuadas na Praça Nova do Castelo de São Jorge desde 1996, com exemplares de várias épocas de ocupação do Castelo (desde a Idade do Ferro – século VII a. C. – ao século XVIII), tendo especial destaque, pela quantidade de objetos, relevo dos achados e importância da ocupação civilizacional, o momento de ocupação islâmica – séculos XI e XII.
Exposições temporárias Realizadas na primeira sala do Museu (Sala Ogival), associadas à temática comum do Castelo. Nº aproximado de exposições por ano: embora o projeto de
!
arquitetura aponte a Sala Ogival como local de exposições temporárias, a verdade é que as condicionantes do espaço (nomeadamente o posicionamento dos elementos estruturais que seccionam a amplitude da sala) não potenciam a realização de exposições e, por isso, estas acontecem apenas pontualmente. A sala é usada sobretudo enquanto espaço multifuncional para apresentações e conferências. Destaque de exposições realizadas: Arquiteturas. Testemunhos Islâmicos em Portugal. Architecture. Islamic Heritage in Portugal. Exposição temporária patente entre 6 de Setembro de 2013 e 6 de Janeiro de 2014.
Outras atividades realizadas Visita guiada À Descoberta do Castelo (inclui visita orientada ao Castelejo, Sítio Arqueológico, e Núcleo Museológico). Realiza-se todos os dias, duas vezes por dia, em português, espanhol e inglês, de acordo com o público participante. É gratuita e dura cerca de 1h30min. Na sala de exposições temporárias do Núcleo Museológico realizam-se eventos diversos de dinamização do Museu, nomeadamente peças de teatro, conferências e apresentações.
Nº de pisos do museu 2
Área bruta total do museu 880 m2
Nº de salas de exposição 3 (2 para a coleção permanente – Sala das Colunas e Sala da Cisterna – e 1 para exposições temporárias – Sala Ogival).
Organização espacial das salas
Sequencial.
Serviços complementares Loja e instalações sanitárias. Acesso para deficientes através de rampa na entrada principal do Museu e elevador na Sala das Colunas. As restantes infraestruturas de apoio aos visitantes encontram-se nas imediações do Núcleo Museológico, integrando os serviços do monumento nacional Castelo de São Jorge.
PROJETO
Materiais (que predominam nas 3 salas do museu)
Pavimentos: pedra regular; Paredes: alvenaria de pedra irregular; Tetos: Sala das Colunas: abóbadas de arestas revestidas a tijolo; Sala da Cisterna: abóbada de berço revestida a tijolo; Elementos estruturais: pedra; Suportes expositivos e vitrinas: de cor branca (exceto a vitrina ondulante dedicada ao Terramoto, que é preta).
Sistemas e equipamentos Iluminação das áreas de exposição: sobretudo através de iluminação artificial proveniente dos suportes expositivos (as aberturas para o exterior são escassas no edifício preexistente). Uma das vitrinas na Sala das Colunas (vitrina de chão, peças de cozinha) é iluminada por um foco de cor vermelha, aumentando o
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sentido cénico do espaço. Controlo de temperatura / humidade: sistema de ar-condicionado. Segurança contra roubo / intrusão: vigilância humana; câmaras de vigilância. Segurança contra incêndios: extintores, detetores de fumo.
Sinalética e informação de apoio à visita
Referente à sequência do percurso expositivo, às saídas de emergência, à utilização dos extintores, aos equipamentos de acesso para pessoas com mobilidade reduzida e aos serviços do Museu (nomeadamente a loja); informação de apoio aos suportes expositivos; textos disponíveis em 2 idiomas: português e inglês.
Percurso expositivo Temático na Sala das Colunas e cronológico na Sala da Cisterna.
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NÚCLEO ARQUEOLÓGICO Musealização da Área Arqueológica da Praça Nova do Castelo de São Jorge João Luís Carrilho da Graça, Arquiteto João Gomes da Silva, Arquiteto Paisagista
PLANTA DE LOCALIZAÇÃO
Planta de localização do Núcleo Arqueológico, orientada a Norte. IDENTIFICAÇÃO DO MUSEU
Localização
Praça Nova do Castelo de São Jorge, Lisboa.
Datas de projeto – obra 2008 – 2010
Ano de abertura ao público 2010
Nº de visitantes / ano 1 milhão de pessoas visita o Castelo de São Jorge. Cerca de 300 mil (30%) visita os Núcleos Museológico e Arqueológico.
Tutela O Castelo encontra-se sob gestão da CML, delegada à EGEAC.
Integração na RPM Não.
Contacto e sít io na Internet
O Núcleo Arqueológico integra o monumento nacional Castelo de São Jorge, sendo mencionado no sítio online do monumento: http://castelodesaojorge.pt Telefone: +351 218 800 620 / E-mail: info@castelodesaojorge.pt
Condições de ingresso Ingresso à zona muralhada do monumento nacional, bilhete normal: 7,50 €. Existem descontos para estudantes, famílias, séniores, pessoas com deficiência, grupos escolares e possuidores de cartões de várias instituições associadas. Para residentes do concelho de Lisboa, crianças com menos de 10 anos, jornalistas com marcação prévia, grupos escolares de Lisboa e guias-
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-intérpretes no exercício de funções a entrada é gratuita.
Horários De 1 de Novembro a 28 de Fevereiro das 9h00 às 18h00. De 1 de Março a 31 de Outubro das 9h00 às 21h00.
Acessos O PIC e o Percurso Assistido da Baixa ao Castelo de São Jorge (nomeadamente a construção dos elevadores públicos e a reabilitação dos espaços exteriores afetos ao percurso, aumentando a oferta de estacionamento e as condições de acesso pedonal) contribuíram de forma significativa para facilitar o acesso ao Castelo de São Jorge, tornando o percurso até ao monumento (invariavelmente desafiante devido à sua topografia) significativamente mais cómodo. Dentro do monumento nacional, o acesso ao Sítio Arqueológico faz-se atualmente pelo Caminho- -de-Ronda da muralha norte da fortificação, um acesso difícil de identificar caso não existisse a sinalética adequada. Há um percurso mais cómodo e direto para o local mas que ainda não se encontra aberto ao público.
FICHA TÉCNICA
Colaboradores
Francisco Freire, Vasco Melo, Pedro Abreu, Mónica Ravazzolo, Arquitetos. Maquete: Paulo Barreto e Vanda Neto, Maquetistas.
Fundações e estruturas Estudos BETAR: José Venâncio, Paulo Mendonça, Engenheiros.
Instalações hidráulicas Estudos BETAR: Marta Azevedo e Jorge Pinheiro, Engenheiros.
Instalações elétricas Ruben Sobral, Engenheiro.
Instalações de segurança GIPIC: Alexandre Martins, Engenheiro.
Design de sinalética Henrique Cayatte, Mónica Lameiro e Pedro Gonçalves, Designers.
Promotor EGEAC
PROGRAMA
Temática museológica
Musealização de Sítio Arqueológico.
Acervo permanente Vestígios de três períodos de ocupação do Castelo: um conjunto de estruturas habitacionais da Idade do Ferro (século VII a. C.); vestígios de duas casas que datam do período de ocupação islâmica (séculos XI e XII); uma superfície pavimentada que pertenceu ao Palácio dos Condes de Santiago (anterior Palácio do Bispo) e vestígios das suas estruturas (séculos XII - XVIII).
Exposições temporárias A segunda fase da intervenção corresponde à construção de uma bancada amovível na zona entre o Sítio Arqueológico e as muralhas este do Castelejo. A bancada (com capacidade para cerca de 400 pessoas) irá possibilitar o enquadramento e a infraestrutura adequada para a organização de diversas iniciativas de cariz lúdico e cultural que, embora não constituam
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exatamente exposições temporárias, podem funcionar como um programa dinamizador do espaço, potenciando revisitas.
Outras visitas realizadas Visita guiada À Descoberta do Castelo (inclui visita orientada ao Castelejo, Sítio Arqueológico, e Núcleo Museológico). Realiza-se todos os dias, duas vezes por dia, em português, espanhol e inglês, de acordo com o público participante. É gratuita e dura cerca de 1h30min.
Nº de pisos do museu O Sítio Arqueológico está organizado em dois níveis. O primeiro nível constitui a plataforma de chegada ao Núcleo e possibilita uma vista global do conjunto. O segundo nível consiste na área arqueológica propriamente dita, ficando à cota do percurso expositivo entre as ruínas. É a esta cota também que se situam os vestígios das casas islâmicas. Os restantes períodos de ocupação situam-se abaixo deste nível (Idade do Ferro), constituindo um perfil de escavação aberto; ou acima dele (vestígios de um pavimento do Paço Episcopal).
Área bruta total do Sít io Arqueológico
3 500 m2 (Área correspondente às casas islâmicas: 350 m2).
Organização espacial do Sít io Arqueológico
O percurso expositivo recupera os caminhos primitivos do local, levando o visitante a percorrer as ruas e os espaços de circulação originais. A área arqueológica percorre-se de este para oeste: o primeiro setor a ser visitado corresponde ao último período de ocupação – Palácio dos Condes de Santiago, século XVI a XVIII – segue-se o núcleo da Idade do Ferro – o mais antigo, século VII a. C. – terminando a visita no núcleo das casas islâmicas – séculos XI e XII. Porém, esta ordem pode ser alterada, caso o visitante assim o deseje.
Serviços complementares As infraestruturas de apoio aos visitantes encontram-se nas imediações do Sítio Arqueológico, integrando os serviços do monumento nacional Castelo de São Jorge. Não existem acessos para pessoas com mobilidade reduzida devido às características do percurso atual até ao Sítio Arqueológico. Caso o percurso direto, alternativo, seja aberto ao público esta situação será facilmente corrigida.
PROJETO
Materiais
Pavimento da cota superior: pedra irregular de basalto; Pavimento do campo arqueológico: saibro; Membrana que delimita o perímetro: aço corten; Elementos de transição de cotas e correção de desníveis: lioz; Tetos das casas islâmicas: telas de policarbonato protegidas por uma estrutura de sombreamento em madeira; Paredes das casas islâmicas: erguidas por treliças em aço e revestidas a placas de aglomerado de cimento e madeira, barradas e pintadas a branco; Pontos de apoio das paredes: tubulares, em aço 100x100mm.
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Sistemas e equipamentos Iluminação das áreas de exposição: durante o dia iluminação natural (o Sítio Arqueológico encontra-se ao ar livre); durante a noite, iluminação no intervalo entre as ruínas e as paredes brancas de recriação das casas islâmicas. Focos de iluminação no núcleo da Idade do Ferro. Segurança contra roubo / intrusão: vigilância humana.
Sinalética e informação de apoio à visita
Referente à sequência do percurso expositivo e a advertências no sentido de preservação das ruínas; informação de apoio aos diferentes núcleos do Sítio Arqueológico; textos disponíveis em 3 idiomas: português, inglês e espanhol.
Percurso expositivo Seguindo os caminhos e espaços de circulação originais do Sítio Arqueológico; sem diferenciação de zonas de circulação e zonas de exposição; de difícil compreensão por parte do visitante (situação que se encontra em retificação, com um projeto de diferenciação cromática do pavimento).
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ANEXO B. DESENHOS TÉCNICOS DOS PROJETOS
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ANEXO C. NOTA BIOGRÁFICA DOS ARQUITETOS
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Arquitetos Sofia Aleixo e Victor Mestre.
Victor Mestre (Lisboa, 1957)224
Arquiteto desde 1981, pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (ESBAL), Victor
Mestre fundou, em 1982, escritório próprio em Lisboa, realizando, também desde essa
altura, investigação na área de conservação e restauro do património arquitetónico e da
arquitetura popular. É Mestre em Recuperação do Património Arquitetónico e Paisagístico
pela Universidade de Évora (1996-98), com a tese Levantamento da Arquitectura Popular
da Madeira. Possui um Diploma de Estudos Aprofundados (DEA) em Teoria e Prática de
Reabilitação Arquitetónica e Urbana, pela Universidade de Sevilha (2001-05), e é
atualmente doutorando, pela Universidade de Coimbra, com o tema Levantamento da
Arquitetura Popular de Goa, Damão e Diu. Foi arquiteto e diretor do Gabinete de
Salvaguarda e Revitalização do Património Arquitetónico da DGEMN, entre 2000 e 2003. É
autor do livro Arquitectura Popular da Madeira (2002), e coautor do livro Arquitectura
Popular dos Açores (2000). Em 2013, a sua obra foi reconhecida com o Prémio Municipal
de Arquitetura Cidade de Almada e documentada na exposição ao (per)correr (d)a vida.
Sofia Aleixo (Lisboa, 1967)225
Arquiteta desde 1991, pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa,
Sofia Aleixo colabora com escritórios de arquitetura desde 1987. Frequentou o Período de
Docencia de los Estudios Universitarios del Tercer Ciclo, do Programa de Doctorado da
Universidade de Sevilha, em Teoria e Prática de Reabilitação Arquitetónica e Urbana, entre
2003 e 2004; e concluiu as Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica da
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!224 Nota biográfica baseada em José Manuel das Neves – Reabilitação do Tempo. 1ª Edição. Casal da Cambra, Sintra: Caleidoscópio, Setembro 2004; José Manuel das Neves – Victor Mestre Sofia Aleixo – Quarteirão Histórico de Santa Cruz / Lar do Vale Formoso. 1ª Edição. Lisboa: Uzina Books, 2012; e Sofia Aleixo e Victor Mestre – “Victor Mestre. Sofia Aleixo. Arquitectos”, 2012, disponível em: <http://www.vmsa-arquitectos.com/home.html>. 225 Idem.
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Universidade de Évora, em 2007. É doutoranda na Oxford Brookes University, desde 2009,
investigando o tema da Reabilitação de Liceus Históricos: impacto patrimonial da
adaptação aos novos requisitos educativos. Além disso, é docente no Ensino Superior
desde 1996, tendo lecionado no IADE entre 1996 e 2000 e na Universidade de Évora desde
2001, onde dirige a cadeira de Projeto. Foi diretora e arquiteta coordenadora do Gabinete
Técnico Local de Belver, Gavião, entre 1999 e 2001, tendo elaborado o Plano de Ação
Local para Belver e o Plano de Pormenor da Vila Histórica de Belver.
VMSA Arquitetos (Lisboa, 1997)226
Victor Mestre e Sofia Aleixo trabalham em conjunto desde 1991 e formaram, em 1997, o
ateliê VMSA Arquitetos, em Lisboa. Os seus percursos profissionais proporcionaram o
envolvimento do escritório em várias investigações e projetos, de âmbito nacional e
internacional. Têm diversas obras publicadas em monografias e são autores de múltiplos
textos de investigação, crítica de arquitetura, conferências e artigos difundidos em várias
publicações especializadas, em Portugal e no estrangeiro. Destacam-se as monografias
Reabilitação do Tempo (2004) e Heritage: Between Time and Movement (2011).
Foram responsáveis pelo projeto de arquitetura para a exposição comissariada pela
Presidência da República – 1994-2004 Architecture and Design in Portugal – Triennale di
Milano, integraram a exposição Habitar Portugal 2000-2002, organizada pela Ordem dos
Arquitetos, com o projeto da Pousada do Alamal, e a exposição Habitar Portugal 2003-2005,
com o Estúdio Fotográfico Carlos Relvas. São coautores do Pavilhão de Portugal para a
Exposição Universal de Aichi 2005, Japão. Foram honrados com o Prémio de Arquitetura do
Município do Funchal, em 2010, e com o Prémio da União Europeia para a Conservação do
Património Cultural, Europa Nostra Award, em 2013.
A VMSA Arquitetos realiza intervenções de reabilitação e adaptação de edifícios existentes,
projetos de raiz e consultoria nas especialidades do património arquitetónico, vernacular e
histórico, organizando relatórios de diagnóstico sobre o estado de conservação dos
edifícios. Entre as obras realizadas destacam-se a reabilitação da Ponte sobre a Ribeira da
Venda (Gavião, 1995-97), a Pousada do Alamal (Gavião, 1997-2001), o Museu da Cidade
(Almada, 1998-2002), o Centro Interpretativo e de Acolhimento da Estação Arqueológica de
Torre de Palma (Monforte, 1998-2005), a reabilitação do Estúdio Fotográfico Carlos Relvas
(Golegã, 2000-04), a reabilitação do Solar do Ribeirinho para instalação do Arquivo !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!226 Idem.
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Histórico (Machico, 2003-06), a remodelação e ampliação do Centro de Dia e Lar Vale
Formoso (Funchal, 2006-10), o Núcleo Museológico do Castelo de São Jorge (Lisboa, 2007-
08) e a reabilitação do Liceu Passos Manuel (Lisboa, 2007-10 – projeto premiado pela
OECD-CELE, Paris, 2011, como uma das seis Exemplary International Education Facilities).
Na obra dos arquitetos Victor Mestre e Sofia Aleixo, existem vários projetos de reabilitação
de edifícios patrimoniais e adaptação a outros usos. Nesta medida, mencionam-se ainda os
projetos de reabilitação e ampliação do Forte de São João da Barra para instalação de
Turismo da Natureza (Tavira, 2003-06) e do Forte de São João Baptista para instalação de
um equipamento cultural (Machico, 2006), ambos com uma vertente militar, que também se
associa ao Castelo de São Jorge, e a mesma característica de reabilitação patrimonial.
Arquiteto João Luís Carrilho da Graça.
João Luís Carri lho da Graça (Portalegre, 1952)227
Arquiteto pela ESBAL, em 1977, João Luís Carrilho da Graça iniciou a atividade profissional
logo após terminar o curso, começando então a dirigir o seu próprio ateliê, em Lisboa. Os
seus primeiros projetos – nomeadamente o projeto de Habitação Social em Alter-do-Chão
(1978), a Casa em Fonte Fria (1985-88), o Centro Regional de Segurança Social, em
Portalegre (1982-89), e a Piscina Municipal de Campo Maior (1982-90) – localizam-se no
Alentejo, região onde nasceu.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!227 Nota biográfica baseada em João Luís Carrilho da Graça – João Luís Carrilho da Graça – Obras Recentes. 1ª Edição. Lisboa: Ordem dos Arquitetos, Secção Regional Sul, Núcleo do Médio Tejo, Outubro 2011, p. 3; El Croquis – João Luís Carrilho da Graça 2002-2013. Trazar conexiones, construir pautas. Drawing connections, building guidelines. Nº 170. Madrid: El Croquis Editorial, Fernando Márquez Cecilia e Richard Levene, Arquitetos, Janeiro 2014, pp. 4-5; e João Luís Carrilho da Graça – Carrilho da Graça – Introdução por Gonçalo Byrne. 1ª Edição. Lisboa: Editorial Blau, 1995, p. 7.
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Foi Professor Assistente da cadeira de Projeto na Faculdade de Arquitetura da Universidade
Técnica de Lisboa, entre 1977 e 1992, Professor Convidado na Universidade Autónoma de
Lisboa, entre 2001 e 2010, e leciona na Universidade de Évora, desde 2005, sendo
coordenador do Departamento de Arquitetura nas duas últimas escolas, até 2010. Foi,
também, Professor Visitante da Escola Técnica Superior de Arquitetura da Universidade de
Navarra, em 2005, 2007 e 2010, e orador convidado em seminários e conferências, em
várias instituições em Portugal e no estrangeiro. Foi o responsável pela criação do Programa
de Doutoramento em Arquitetura da Universidade de Évora, do qual é o atual diretor. Em
2013, recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Faculdade de Arquitetura da
Universidade de Lisboa.
O conjunto da sua obra foi distinguido com diversos prémios, entre os quais se destacam: a
medalha de L’Académie d’Architecture Française, em 2012; o Prémio Pessoa, em 2008; e a
Ordem de Mérito da República Portuguesa, em 1999. Foi, ainda, distinguido com: o Prémio
AIT 2012, pela Ponte Pedonal da Carpinteira; o Prémio Internacional de Arquitetura Sacra
Frate Sole, em 2012, pela Igreja de Santo António; o Prémio Piranesi Prix de Roma, em
2010, pela Musealização da Área Arqueológica da Praça Nova do Castelo de São Jorge; o
Prémio Valmor, em 2008, pela Escola de Música de Lisboa; o Prémio FAD, em 1999, pelo
Pavilhão do Conhecimento dos Mares; e o Prémio Secil, em 1994, pela Escola Superior de
Comunicação Social de Lisboa. Em 2011, foi nomeado para o Prémio Europeu de
Arquitetura Mies van der Rohe pela Ponte Pedonal da Carpinteira e pela Musealização da
Área Arqueológica da Praça Nova do Castelo de São Jorge.
Entre as obras realizadas, além das mencionadas a propósito das distinções atribuídas,
destacam-se: o Teatro e Auditório de Poitiers (Poitiers, França, 2008), o Centro de Dados da
Portugal Telecom (Covilhã, 2011-13) e o Centro de Documentação da Presidência da
República (Lisboa, 2000-04). Assinalam-se, ainda, as obras que, no percurso do autor,
apresentam semelhanças conceptuais ou formais com a intervenção realizada no Castelo
de São Jorge. Neste contexto refere-se: o projeto de adaptação do Mosteiro da Flor da
Rosa a pousada (Crato, 1990-95); a adaptação dos antigos armazéns do bacalhau a Museu
do Oriente (Lisboa, 2006-08) – duas intervenções em edifícios com valor patrimonial, com
vista à atribuição de um novo uso, no segundo caso um museu; a recuperação e
valorização do Castelo de Campo Maior (2003-08), que foi brevemente apresentada no
capítulo 3.3. desta dissertação e que constitui um projeto de musealização de um castelo; e
a recuperação das ruínas de São Paulo (Macau, 1993-95), com adaptação a museu.
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ANEXO D. ENTREVISTAS
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Entrevista à Dra. Susana Serra
Coordenadora da Área de Patr imónio Cultural do Castelo de São Jorge
07.05.2014, Escritórios do Castelo de São Jorge, Lisboa.
1. De que forma se enquadram o Núcleo Museológico e o Núcleo Arqueológico na
estratégia global de valorização do Castelo de São Jorge?
SS – Esta valorização criou dinâmicas interessantes no Castelo: primeiro, porque as pessoas
passaram a olhar para o Castelo de uma outra maneira, a partir de um património que se está
a conhecer. Neste caso, sobretudo o núcleo islâmico [do Sítio Arqueológico], do ponto de
vista do património arqueológico peninsular em contexto urbano, é algo especial porque
permitiu estabelecer um conjunto de cronologias muito rigorosas para o resto da Península. O
espólio retirado daqui, em termos de arquitetura e urbanismo, permitiu datar e lançar as
bases de uma cronologia muito mais rigorosa para o resto da Península e, em alguns casos,
retificar entendimentos. Este programa, do ponto de vista do património que aqui estava (e
por isso é que é tão interessante do ponto de vista científico), permitiu que se percebesse
que toda a zona a Nascente da fortificação foi objeto de uma terraplanagem [...] para
construir o bairro islâmico [...]. Os Núcleos [Museológico e Arqueológico] funcionam como
um complemento pela proximidade: é possível contextualizar as peças que estão expostas
no Museu através da visita ao Sítio Arqueológico. [...] Em termos da estratégia global, temos
ainda um outro projeto [a bancada], do arquiteto Carrilho da Graça, que está em espera
porque ainda não se conseguiu resolver politicamente a questão do parque de estacionamento
e as dificuldades relativas ao programa, já que a visita [ao Sítio Arqueológico] é feita por cima
das muralhas – um percurso interessante mas que deveria ser sempre alternativo e não o
único. O ideal seria fazer o percurso direto e depois, se quisesse, o visitante ia por cima ou
por baixo. Este aspeto cria muitas complicações de percursos e de orientação das pessoas.
2. Entende que estes dois espaços museológicos complementares representam
uma mais-valia para a divulgação do Castelo? A sua inauguração representou
um aumento do número de visitantes, proporcionando também revisitas?
SS – Sim. Se bem que há um fenómeno com os monumentos (e é um fenómeno
internacional) que é o seguinte: enquanto aos museus as pessoas vão com regularidade, até
porque existem exposições temporárias, aos monumentos vão uma vez na vida e depois não
voltam porque já lá foram! É o que se passa também aqui no Castelo de São Jorge e em
todos os monumentos que têm associada uma grande pressão turística. Normalmente, o
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residente local não se desloca ao monumento. Nós fizemos uma ampla divulgação e,
portanto, acabámos por ter muitas visitas nacionais que não aconteciam anteriormente [...].
Tivemos também, em continuidade e de uma forma mais sustentada, segmentos de público
mais especializado [...], nomeadamente estudantes e profissionais de áreas associadas aos
projetos. Os portugueses vêm a estes locais se se apresentar uma programação [...]. De
2006 a 2010 houve um foco no património e na valorização dos recursos patrimoniais e, no
quadriénio seguinte, de 2010 a 2014, o foco foi ao nível da divulgação e programação:
procurámos divulgar esses recursos. As pessoas aderem se houver sempre alguma coisa
que crie dinâmica: temos visitas aos sítios, vamos fazendo uma série de campanhas de
divulgação, temos alguns projetos e vamos semeando assim algumas curiosidades. [...]
Em termos de número de visitantes, do 1 milhão de visitantes que temos por ano, cerca de
30% visita os Núcleos Museológico e Arqueológico. Quando tínhamos a Olissipónia este
número estava apenas nos 15-20%, não chegava aos 20%. Há claramente um aumento. A
Olissipónia era um centro de interpretação mas não acrescentava muito. As pessoas querem
ver coisas; coisas que não podem ver noutro sítio. Aqui, de facto, houve um ganho –
sobretudo no Núcleo Arqueológico: o que se vê aqui só pode ser visto aqui [...].
3. É sua opinião que estes espaços museológicos constituem uma via posit iva e
eficaz de preservação do legado patr imonial do Castelo? Será a musealização
do patr imónio uma via privi legiada para a sua salvaguarda?
SS – Sim, claro! Mas é preciso pensar sempre o território e o contexto dos sítios de que
estamos a falar, sobretudo durante a primeira década deste século, em que houve sempre
muitos fundos. [...] É preciso pensar o que é que se musealiza, para quem é que se
musealiza e, sobretudo, se é sustentável musealizar. [...] É também importante perceber que
as coisas podem ser muito importantes do ponto de vista científico, neste caso a nível da
arqueologia e da história, mas não terem potencial cultural [...]. Por vezes a melhor forma de
preservar é fazer a escavação, a investigação arqueológica, registar tudo e voltar a tapar.
Esta também é uma forma de salvaguardar. Não tem necessariamente que ser tudo
musealizado: é preciso perceber se isso faz sentido e se é sustentável a longo prazo; caso
contrário, [...] as coisas acabam por se degradar mais rapidamente porque não têm
manutenção [...] e porque não existem os recursos financeiros necessários.
No nosso caso, como temos 1 milhão de visitantes por ano (o que é ótimo!) criam-se também
muitos condicionalismos do ponto de vista de segurança do património [...]. Deste 1 milhão
de visitantes, cerca de 300 000 visita o Sítio Arqueológico – é muita gente! Não é fácil, do
ponto de vista de conservação, conseguir preservar as coisas.
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4. Considera que a estratégia uti l izada pelos arquitetos contr ibui para a
valorização dos vestígios arqueológicos? De que forma é que a arquitetura
contemporânea se relaciona com as preexistências?
SS – O objetivo do Sítio Arqueológico era proteger as ruínas e, portanto, para além de
musealizar, era necessário atender a diversas condicionantes. [...] O que nós demos, na
altura, ao arquiteto foi um programa de musealização com aquilo que nós, do ponto de vista
museológico, queríamos como pontos essenciais; e estabelecemos (embora exista uma
diacronia enorme) três períodos de base: as primeiras ocupações da Idade do Ferro, a zona
do bairro islâmico (que é a mais importante até a nível peninsular) e as últimas ocupações da
época do Terramoto. Também pedimos que na zona das casas islâmicas não se desenhasse
uma reconstituição (nem pouco mais ou menos!), mas queríamos que as pessoas tivessem a
ideia do espaço. É daí que parte esta ideia do arquiteto, que foi, de facto, brilhante: quase
colocar uma maquete por cima das casas, o que funciona muito bem para aquilo que se
pretendia e é uma intervenção que se vê que é claramente reversível. [...]
Queríamos que se percebessem os três momentos de ocupação que selecionámos [...]:
tendo uma diacronia tão grande não era possível deixar tudo à vista, até porque não teria
leitura nenhuma. A ideia era que as pessoas pudessem olhar, espreitar; e o arquiteto
trabalhou essa ideia muito bem. [...] Nas casas islâmicas, as pessoas entram e sentem o
espaço, conseguem compreendê-lo. Sobretudo em sítios arqueológicos, onde temos muros à
altura do joelho do observador, o visitante comum não consegue fazer uma leitura do espaço.
Este foi um dos aspetos que nós reforçámos: queríamos que as pessoas tivessem hipótese
de visitar os sítios; não queríamos criar um obstáculo nem uma relação de distância entre
aquilo que há para ver e o público, que é o que acontece normalmente. [...]
Todas estas noções foram [...] absolutamente estruturantes da musealização e do projeto de
arquitetura – não queríamos reconstituições nem distância entre o público e a ruína. De facto,
o projeto poderia ter sido feito com um circuito à volta e um passadiço por cima, criando a
relação que existe normalmente quando visitamos sítios arqueológicos em que estamos
distantes das ruínas. Não era essa a nossa ideia: já que tínhamos este recurso patrimonial,
queríamos retirar o máximo de aproveitamento cultural [...]. Conseguimos encontrar um
arquiteto de topo para responder a este programa de uma forma marcante, sem pôr em causa
o património. Claro que em obra é sempre um processo difícil, porque entre historiadores,
arqueólogos, arquitetos e engenheiros, é muito difícil agregar um conjunto de princípios e
perspetivas diferentes sobre as coisas. [...] São sempre projetos interessantes quando há
abertura para se poder discutir e assimilar as diferentes perspetivas. [...]
5. Gostaria de referir algumas part icularidades menos exemplares dos projetos?
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SS – [...] A nível de sinalética já temos um upgrade, porque a estética de Carrilho da Graça é
minimalista e, por vezes, é preciso dar algo mais às pessoas: a maior parte das pessoas não
sabe ler uma planta, não consegue orientar-se no mapa [...]. Após a inauguração do Núcleo,
houve uma série de questões que tenho vindo a tratar com o arquiteto a nível das
acessibilidades físicas e das acessibilidades de conteúdo, de se perceber o espaço. Uma
das alterações que vai ser feita é a nível da cor dos pavimentos. Inicialmente, o arquiteto
pensou que cada núcleo deveria ter a sua cor e, de facto, do ponto de vista conceptual, isso
é muito interessante. No entanto, não facilita a compreensão das pessoas porque as
pessoas, quando estão num sítio, o que querem perceber é para onde é que vão. Como não
há diferenciação de cor entre a zona de circulação e de exposição, as pessoas têm
dificuldade em se orientar. Isto faz toda a diferença do ponto de vista da conservação a
médio ou a longo prazo: as pessoas saberem, quase intuitivamente, por onde é que podem
circular, para não estarem a colocar os pés nos muros. [...]
Temos ainda outra questão: nos salões [das casas islâmicas] há umas entradas para se
poder espreitar para dentro das divisões. Tivemos que colocar uns acrílicos provisórios
porque, embora tivesse um corrimão, as crianças (e mesmo os adultos!) passavam por cima
ou por baixo e pisavam o revestimento do pavimento do século XI – e isso não pode acontecer!
O arquiteto vai desenhar uma peça, uma proteção, que mantenha o carácter transparente,
que não seja impositiva e que se enquadre igualmente bem naquele registo. Isto são aspetos
que, com o Carrilho da Graça, tem sido possível irmos melhorando. [...]
Bem, eu quase ainda não falei do Núcleo Museológico! No caso do Museu temos uma
primeira sala dedicada ao período islâmico (o mais importante) e uma segunda sala para
todas as outras épocas. Aqui, entre aquilo que foi o estudo prévio e o projeto final, houve um
conjunto de situações que acabou por não correr tão bem.
O trabalho de vitrina, de fazer todos os pontos de apoio para as várias peças, consumiu
imensos recursos. [...] A parte mais cara do projeto foi o projeto de iluminação, que incluía
luzes frias [de baixa intensidade] e vitrinas estanques. O problema é que, aquando da
montagem, os transformadores foram colocados dentro das vitrinas o que quer dizer que o
facto de a luz ser fria não tem qualquer eficácia porque o transformador está lá dentro e
aquece na mesma. Ou seja, o Museu tem que estar com aquela iluminação baixíssima e não
era propriamente essa a ideia. A ideia era que as vitrinas pudessem iluminar o espaço. Na
primeira sala os suportes expositivos deveriam ser todos pretos, criando uma linha de luz em
torno das peças, que as fizesse sobressair, criando um efeito estético. O projeto inicial
acabou por sofrer alterações: hoje os suportes são todos brancos e as luzes não criam o
efeito cénico pretendido. E a luz nestas questões de exposição é muitíssimo importante: é a
diferença entre fazer sobressair uma peça pouco apelativa e ela de repente ganhar um
aspeto extraordinário – ou deixá-la passar despercebida [...].
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Entrevista ao Arq. João Pedro Falcão de Campos
Arq. Percurso Pedonal Assist ido da Baixa ao Castelo de São Jorge
16.07.2014, Ateliê Falcão de Campos Arquiteto, Travessa Marquês de Sampaio 10, Lisboa.
1. O Percurso Pedonal Assist ido da Baixa ao Castelo de São Jorge facil i tou o
acesso ao monumento nacional. De que forma a malha urbana histórica aqui
presente orienta as premissas do projeto e suporta a densif icação de uso
imposta pelo Castelo?
JPFC – Antes de mais, há que esclarecer um equívoco que as pessoas têm normalmente:
não há simplesmente um acesso ao Castelo. O Castelo está no alto, numa linha de cumeada,
à qual podemos aceder de muitas maneiras: a partir da Graça, da Mouraria, de Alfama. A
ideia de que este é o único percurso [...] é redutora. O monumento tem um milhão de
visitantes por ano e até convém que seja visitado pelas diversas portas existentes. [...] É uma
questão de gestão do próprio património: quanto mais portas houver, quanto mais se
promover a porosidade, do ponto de vista da cidade, mais benéfico será.
2. E isso permite também equacionar a relação entre a zona visitável e a cidade
envolvente.
JPFC – Exatamente. Muitas vezes é uma questão de gestão. As portas de acesso ao
monumento e a relação com a cidade próxima, só isso, é um tema excecional de vivência da
própria cidade e será muito mais importante do que este Percurso Assistido, que é
importante mas não é o único: [...] há o elétrico (que também tem um papel a desempenhar);
há a subida de Alfama. Uma pessoa que venha do terminal de cruzeiros eventualmente sobe
através da Sé. O Percurso Assistido dá uma ajuda e, principalmente, para mim, o que é
bonito neste projeto – com uma reflexão lançada pelo Arq. Manuel Salgado – é a ligação das
duas encostas. Há a Baixa Pombalina, há um atravessamento longitudinal (que vai do Rossio
para o Rio), mas os atravessamentos transversais não são muito favoráveis, por causa da
diferença de cotas.
Já de uma forma muito correta, o Siza tinha descido a encosta numa intervenção no metro
que é excecional. Também o Siza e o Eduardo Souto de Moura, na gestão dos elevadores no
projeto da Fnac, resolveram a diferença de cotas, através da própria Sportzone (que agora
está fechada), onde as escadas rolantes ajudavam muitíssimo à subida. Deste lado da Baixa
faltava um pouco daquilo que temos do outro lado e foi nisso que o projeto ajudou, mas não
deixa de haver uma multiplicidade de soluções. Estas intervenções são o mais inócuas
!
possível, o mais anónimas possível, ou por não ser preciso pagar bilhete, ou por estarem
inseridas dentro de uma loja – obviamente que para um turista será mais difícil saber que é
através da Sportzone que sobe, mas as pessoas habituam-se. É esta multiplicidade de
soluções e de atravessamentos que eu penso que é extremamente interessante.
Vale a pena referir a este propósito uma obra que eu acho magistral [...] que é a intervenção
na Baixa, ao nível dos pavimentos, da gestão do lioz e do lancil, que tem 30 ou 35 (é bastante
largo), muito pouco saliente em relação à faixa de rodagem. Acho extremamente anónima a
intervenção que foi feita ao nível do espaço público pelo Siza Vieira; inclusivamente até pelo
próprio desenho muito simples da calçada à portuguesa. [...] É uma obra magistral, nesse
sentido do anónimo, preservando a memória da calçada à portuguesa, recuperando ou
utilizando o granito como o elemento mais resistente para os automóveis. Mesmo não
havendo pinos de sinalização (e embora o trânsito esteja condicionado), respeita-se; não há
pessoas a estacionar. É uma grande lição, mais uma vez, que ele nos dá: [...] sem mudar
radicalmente o pavimento preexistente, conseguiu introduzir uma disciplina e um rigor que as
pessoas respeitam [...]. Na nossa intervenção para o Castelo a existência de pinos de
sinalização dececiona-me, mas basta não ter um pino que as pessoas estacionam [...].
Importa aprender e observar a intervenção do Siza no Chiado, sobretudo na Rua Garrett e na
Rua Nova do Almada (talvez mais intensa e mais difícil de gerir) [...], onde há respeito pelos
passeios, sem a necessidade de pinos. É de uma sabedoria, de uma razoabilidade, que nos
está sempre a surpreender.
3. Tendo em conta a intervenção no traçado e nos edif ícios pombalinos, qual a
justa medida do projeto contemporâneo no seu equil íbrio com a arquitetura
preexistente?
JPFC – Há sempre um respeito pelo passado e daí terem-se aproveitado, praticamente na
íntegra, os dois edifícios existentes. No entanto, onde foram colocados os três elevadores e a
escada de emergência, no edifício da Rua dos Fanqueiros, praticamente não restava nada
da estrutura pombalina, que já tinha sido muito adulterada. Neste caso, quanto a mim, manter
a estrutura – a gaiola – seria um absurdo porque basicamente já restava pouco do edifício.
[...] Justificava-se plenamente uma solução mais intrusiva. Do ponto de vista da volumetria,
do próprio respeito pelo logradouro, pelos pátios interiores, tentámos retomar uma espécie
de pórtico portante, em baixo, que estava completamente adulterado e completamente
perdido devido a intervenções sucessivas. O logradouro estava completamente ocupado
com pisos, portanto a luz não chegava lá a baixo – retirar a ocupação abusiva do logradouro,
para mim, foi decisivo. O mesmo se passou no Banco de Portugal.
!
De acordo com o programa e com os intentos, de acordo com as questões de custo e de
oportunidade, cada caso é um caso e portanto tem que se justificar de per si. Não se pode
generalizar a forma de intervenção. Há um profundo respeito pelo passado e depois há uma
procura de encontrar soluções que sejam racionais e belas (mas com custos comedidos), e
feitas de uma forma simples e anónima. No caso deste projeto, há uma tentativa de respeito
pelo passado, e também de que haja muito pouca intrusão; mas não faria sentido desenhar
uns elevadores que não fossem contemporâneos.
4. Entende que o Percurso Pedonal Assist ido da Baixa ao Castelo de São Jorge
se pode ler em continuidade com as intervenções de Victor Mestre / Sofia
Aleixo e João Luís Carri lho da Graça no Castelo?
JPFC – São um conjunto de intervenções que ajudam a essa leitura, mas não acho que haja
propriamente uma continuidade. São intervenções que qualificam o espaço mas, de alguma
maneira, eu acho que é de refletir e de evidenciar a arquitetura anónima. Por exemplo, nos
pavimentos – poderá querer-se que o percurso seja anónimo: a utilização do granito ou do
basalto, soluções que se repitam e que não sejam constantemente inéditas; que haja uma
certa continuidade na leitura. Muitas vezes é mais esta continuidade de materiais, que é
também a solução pombalina: os vãos que se repetem, os cunhais bem marcados. É mais
através dos materiais e das próprias soluções de espaço público que se pode dar essa
continuidade [...].
5. Como perceciona o papel da musealização do patr imónio na sua salvaguarda?
JPFC – O património deve ser vivido, os museus devem-se abrir à comunidade, à cidade, e
vice-versa. Cada vez mais os programas têm que ser abertos; os limites dos próprios museus
têm que extravasar os muros dos museus e a cidade tem que entrar dentro dos museus [...].
Eu gosto muito do projeto do Percurso Assistido porque percebo que não é só um contributo
a nível dos visitantes, mas principalmente porque é utilizado pelos próprios utentes da
cidade, e isso é muito interessante. O deve-haver ali é fabuloso. Mesmo que não se pague, a
localização à posteriori da sede da Junta de Freguesia é magistral desse ponto de vista: é
um espaço-charneira, que reagrupou as antigas Juntas de Freguesia. É um espaço
representativo e, ao mesmo tempo, servidor da comunidade local [...]. Faz todo o sentido que
os custos de segurança e de manutenção dos elevadores e dos sanitários públicos sejam
diluídos na atuação da Junta. Acho extremamente feliz este caso, neste sítio; foi um programa
que se foi construindo.
!
Respondendo à pergunta, acho que o que é positivo é exatamente este tipo de mescla, de
multifuncionalidade. Um museu não é só um museu. Também pode ser um espaço didático,
pode ter parcerias com as universidades (como foi agora o caso do Museu Nacional de Arte
Antiga com o Instituto Superior Técnico) [...]. Há todo um conjunto de atividades que fazem
sentido: por exemplo, o Museu do Azulejo tem uma quantidade enorme de pessoas que são
voluntárias e que fazem um trabalho gracioso, gratuito, para o museu. O museu vive também
destas componentes, que são sociais, são integradoras da sociedade. Há todo este conjunto
de valências que, para mim, hoje em dia, são extremamente atuais. Haja capacidade de
quebrar muros. [...] Em Portugal há pouca capacidade de gerir o coletivo, de estabelecer
parcerias, de nos potenciarmos uns aos outros. Penso que o caso do elevador é um
processo exemplar neste aspeto.
!
Entrevista aos Arq. Victor Mestre / Sofia Aleixo
Arq. Núcleo Museológico do Castelo de São Jorge
04.08.2014, Ateliê Victor Mestre e Sofia Aleixo Arquitetos, Rua Gonçalo Nunes 15, Lisboa.
1. Quais foram as premissas orientadoras deste projeto? Qual a metodologia de
intervenção no patr imónio adotada?
VM – Este projeto é fruto de um concurso público limitado a cinco gabinetes. É importante
registar isso. As coisas têm um princípio e é preciso compreendê-lo. Nós concorremos a este
projeto porque tínhamos um conhecimento bastante interessante sobre o Castelo de São
Jorge, já que nos envolvemos muito na questão da reabilitação e acompanhámos muito de
perto as reabilitações que se fizeram nos anos 90 dentro do Castelo de São Jorge, na área
da habitação. Não tivemos lá projeto nenhum mas acompanhámos por uma questão de
interesse profissional e pessoal. Em relação à metodologia [...] procurámos, em primeiro
lugar, entender o objetivo do concurso, que pretendia dar a conhecer uma história que fosse
percetível para o público genericamente não informado (digamos assim) sobre o historial que
foram os últimos quinze anos de escavação contínua dentro do Castelo.
Isso, de certa maneira, configurou a nossa forma de atuar, devido ao conhecimento que
tínhamos da questão das escavações, nomeadamente até através do edifício da bilheteira –
um projeto que esteve parado cerca de quatro ou cinco anos, enquanto a escavação para o
Caminho-de-Ronda decorria. Este era um projeto muito ambicioso que circulava à volta do
Castelo e que foi interrompido inadequadamente – ele era possível, não houve foi vontade
política de o continuar, como não há atualmente. As propriedades privadas estavam quase
todas a ser resolvidas, inclusivamente através da expropriação, e mesmo as mais
problemáticas [...], estavam a colaborar com o processo. [...] Havendo força política e direito
civil teria sido possível e nós estávamos a caminhar nesse sentido.
SA – Gostava só de esclarecer uma coisa: quando dizes nós, estás a referir-te à DGEMN.
VM – Exato. Acho também que é importante ressalvar as questões de interesse público sobre
as questões de interesse privado; e mesmo as questões de interesse privado dos arquitetos.
Neste projeto sobrepunha-se a questão pública sobre o interesse dos projetos e da
propriedade privada porque o interesse de fazer o caminho de circulação à volta do Castelo
de São Jorge não era simplesmente uma questão meramente turística; era uma coisa que
tinha a ambição de poder facilitar a saída e entrada da população que está ali circunscrita
dentro de um perímetro muralhado, como se estivesse numa época medieval, o que é uma
coisa perfeitamente bizarra nos dias de hoje [...]. O Caminho-de-Ronda combatia isso, mesmo
!
no plano ético e de comprometimento social, abrindo as portas possíveis de abrir (que estão
lá, entaipadas), criando condições para elas serem extremamente funcionais, nomeadamente
a que está ao lado do Pátio de Dom Fradique [...] – as cotas são muito desfavoráveis mas
mostrou-se que é possível fazê-lo – e a celebre porta do Martim Moniz, na parte de trás,
igualmente emparedada (o que não deveria acontecer), entre outras.
[...] Nós interessámo-nos tanto por fazer este projeto porque ele era extremamente aliciante
no plano dos conteúdos; porque era uma oportunidade de valorizar o Castelo de São Jorge
e, numa perspetiva mais global, dá-lo a conhecer. Nessa altura o Castelo nem sequer estava
privatizado como está atualmente. [...] Havia uma perspetiva de uma cidadela completamente
aberta ao usufruto público e isso interessa-me profundamente ressalvar aqui.
SA – Atenção que a EGEAC já lá estava. Foi a EGEAC que fez o concurso.
VM – Certo. Não estou a pôr em causa ninguém, nem nada. Estou a dizer que sou contra a
privatização do espaço público, seja ele monumento ou não – porque, na minha opinião,
aquilo não é um monumento; é um espaço. [...] Eu detesto falar sobre a parte icónica da
arquitetura desligando-a da parte social porque acho que não faz sentido e não se desliga; e
agradeço que reforce isso da minha parte. Para mim não há arquitetura sem pessoas e não
há arquitetura sem consciência social. De forma alguma. O Museu [do Castelo] é uma
situação que alerta muito para isso. É a história do desenvolvimento da cidade de Lisboa, da
nossa cidade, ao longo de séculos. Portanto, para nós, tem um grande sentido, no plano
social, abordar os vários momentos civilizacionais que existiram aqui em Lisboa.
SA – E é uma responsabilidade.
VM – A escavação que decorreu durante esses quinze anos, com as duas arqueólogas,
Alexandra Gaspar e Ana Gomes, entre outros, naturalmente, foi muito importante para nós
porque nos deu uma perspetiva do desenvolvimento da cidade de Lisboa para além da
história da arquitetura que nós aprendemos na escola, e que lemos. Há também a história
contada pela arqueologia e isso foi muito importante. [...] Apesar disso, também quero aqui
ressalvar que eu acredito no mundo dos vivos e não acredito no mundo dos mortos [...]. Isto
só para ajudar a contextualizar o que é para nós o entendimento de uma exposição de
arqueologia, que conta a história para trás – não conta a história do futuro, obviamente,
embora possa criar expectativas relativamente ao futuro. Nessa justa medida foi, para nós,
muito aliciante perceber como é que se iria pegar em todos os elementos que foram postos a
descoberto ao longo daqueles quinze anos, e outros que já existiam antes, de forma a contar,
de uma maneira cronológica e extremamente percetível, todo esse historial até à atualidade.
E para nós a atualidade era a atualidade – a atualidade hoje – porque não faz sentido falar do
passado sem falar da atitude de hoje. A sua pergunta até é muito importante por isso mesmo,
!
ao querer saber qual foi o nosso tipo de abordagem – ela só tem sentido se a
contextualizarmos no nosso momento contemporâneo. E portanto abordámos este espaço,
que era extremamente complexo, face não só aos problemas físicos, com desníveis muito
difíceis de resolver e compatibilizar, em espaços tão acanhados, mas também porque há a
dificuldade de trazer o interesse para a contemporaneidade. Nós sabemos o que é visitar
museus de arqueologia, que conhecemos, e tivemos o cuidado de ir ver vários antes de fazer
este. [...] A abordagem que fizemos do valor arqueológico das peças tem também um
sentido não só estético (para ser atraente ao público) e cronológico (na perceção do
espaço), mas também de trazer ao interesse da contemporaneidade um fio condutor. [...]
2. Nesse sentido a relação entre o Núcleo Museológico e o Núcleo Arqueológico
também me parece muito importante, numa perspetiva de proximidade f ísica e
contextualização dos achados que se apresentam no Museu.
VM – Era um pouco essa a nossa ideia. A nossa ideia, a dada altura, pretendia até estender-
-se para fora do próprio contexto do espaço físico que nos foi cedido. A ideia não era ficar ali
encerrado; era muito mais dizer assim: isto é um núcleo duro, as peças são especiais,
precisam de condicionamento especial [...]; mas há outras que poderiam informar, num
conjunto determinado de percursos dentro do Castelo, e principalmente na zona onde
algumas das peças foram encontradas, o tal Caminho-de-Ronda, ele próprio um elemento
dinâmico para contar a história do Castelo. A falta do Caminho-de-Ronda, para mim, é mortal.
3. O atual acesso único ao Sít io Arqueológico, pela muralha norte, condiciona
também um pouco essa leitura.
SA – E limita a leitura. Dá uma só leitura de aproximação.
VM – Neste momento as leituras são fragmentadas. E a nossa ideia nunca foi fazer uma
leitura fragmentada: aqui é o Museu das peças; ali é o Sítio Arqueológico; ali é a vista. O
conceito de museu é uma coisa muito alargada, hoje em dia, e muito abrangente; não é um
espaço físico, é uma interação. Esse é que é o museu atual. [...] Se queremos oferecer alguma
coisa de mais cuidadoso, naturalmente, há que interagir com toda a dinâmica que se pode ali
introduzir e não apenas e meramente no sentido de parque temático, que é a coisa que nós
mais abominamos e contrariamos. [...] O que achamos é que o usufruto de tudo o que está ali
deveria estar ligado e não está; está desconexo. Falta um elemento agregador, falta um
conjunto de elementos agregadores, e o principal seria o Caminho-de-Ronda, que teria todas
as condições para isso. É uma espécie de circuito de visita contextualizada global.
!
SA – Até porque o Caminho-de-Ronda não é um circuito imposto; é um circuito histórico, que
existiu, que foi usado e apropriado durante muito tempo.
VM – [...] A falta dessa forma de ligar todas as pontas é que, para nós, é um empobrecimento
de tudo aquilo que ali está. Oferecem-se fragmentos. E não se oferece uma ideia global do
Castelo. Mas antes disto tudo (ou com isto tudo) tem que haver (ou deveria haver), em
primeiro lugar (ou em paralelo, pelo menos), uma ideia, um desígnio social daquelas pessoas
que ali vivem. [...] Eu penso que o Castelo de São Jorge teve oportunidade [de atingir a
noção de interesse global] através destas intervenções, quer da nossa (que é uma gota de
água), quer através de uma forma de pensar (que é o Projeto Integrado do Castelo [PIC] –
renovação urbana com os habitantes), quer através do Caminho-de-Ronda que, insisto, era
um projeto articulado com a DGEMN, portanto a CML a trabalhar com o Estado Português
num esforço conjunto de interesse público para salvaguardar o Castelo de São Jorge. Mas
tudo morreu porque mudou o ciclo político e há sempre uma mudança, há a ideia de que se
tem que apagar tudo o que está para trás para dar lugar às novas ideias bestiais! [...]
SA – É a questão das intervenções avulsas. Não há uma ideia de conjunto.
VM – Continuamos a não querer saber o que está para trás, a não dar continuidade às coisas
e a não perceber que o interesse da visita ao Castelo é integrando a população [...].
4. Talvez essa seja uma ideia que permaneceu desde a intervenção dos anos 40,
que registou a separação do monumento visitável da freguesia civi l .
VM – De facto, o modelo que paira dentro da cabeça das pessoas da sua geração e da
minha ainda continua a ser a dos anos 40, que é a da purificação dos sítios. E a purificação
dos sítios sempre deu mau resultado. [...] Eu penso que era preciso fazer um debate público
sério, muito sério, sobre o que é um monumento; e o principal monumento da cidade de
Lisboa, da fundação da cidade de Lisboa.
SA – Que é o conceito de monumento hoje em dia, não é?
VM – E para quê chamar-lhe monumento? Qual é a necessidade? [...] Aquilo é um interesse
público. É um espaço de interesse público que nem sequer é monumental; nem tem nada de
monumental – não está ali a Torre de Belém, não está ali o Mosteiro da Batalha; com todo o
respeito pelo Castelo de São Jorge! O que mais me interessa ali é um conjunto de interações
sociais, como freguesia que tem vida, ainda, que tem pessoas de lá – isso seria o principal
monumento. Se há que valorizar alguma coisa são as pessoas e a forma como elas vivem;
melhorar-lhes as condições de vida. [...] Agora, Lisboa está na moda – ótimo! Tem que se
tirar partido disso, acho que sim. Mas não esqueçam as pessoas. [...]
!
5. Em termos de estratégia museográfica, como pensaram o Núcleo Museológico?
VM – Em primeiro lugar, gostaria de salvaguardar que isto é um trabalho de equipa, e é muito
importante que se tenha isso em consideração, até porque foi feito um trabalho extraordinário
com o designer Pedro Leal, uma pedra fundamental no projeto, porque fez uma relação das
peças e da sua importância, do seu contexto, da sua dimensão (com as arqueólogas e
connosco); um trabalho primoroso. Foi uma questão mesmo muito importante e portanto
gostaria muito que salvaguardasse isso. O projeto de comunicação é fundamental.
SA – E o comunicar é mais do que o suporte onde se pousa a peça. Comunicar é encontrar o
local certo para a peça certa; é encontrar a legenda certa, da dimensão certa, a iluminação;
tudo! Não é só a localização nem o suporte físico, que é desenhado por arquitetos, como foi
aqui: desenhámos tudo, as vitrinas todas. É perceber como comunicar o interesse e os valores
que aquela peça, por mais pequena que seja (e há lá peças mesmo pequenas), pode ter.
VM – A divisão por salas surgiu de uma forma natural face à impossibilidade de termos mais
espaço: há uma quantidade imensa de peças que foram sendo selecionadas e contidas
àquilo que era possível, porque o excesso de peças mata a exposição; e mesmo assim é
capaz de estar perto da saturação. Se começarmos pela grande sala, a Sala Ogival, ela tinha
necessariamente, e até por imposição do programa, que continuar disponível para outro tipo
de eventos. Lá dentro pode-se realizar tudo aquilo que se quiser ligado à questão do Museu.
SA – [...] É um espaço que tinha que se manter polivalente, utilizável. Tudo o que
colocássemos lá tinha que poder ser removido. Aliás, a primeira condicionante da intervenção
neste espaço é o próprio espaço em si, porque não podíamos tocar nem numa parede.
VM – O que é opção nossa. [...] Nós fizemos exatamente isso que a Sofia está a dizer: tudo
aquilo que cá está pode ser removido e 24 horas depois está tal e qual como estava quando
chegámos. Para nós isso é um dado fundamental e é uma das pedras basilares do projeto.
SA – E é interessante porque traz a componente dos sistemas técnicos, da climatização, da
iluminação, para aquilo que se vai acrescentar ao edifício mas não dentro das próprias paredes
do edifício. Quando se faz uma intervenção num edifício que possa ser intervencionado, as
infraestruturas correm nas paredes, nos rodapés. Aqui, tudo tem que correr dentro da nossa
intervenção. Tudo tem que ser definido, desde o expositor de pavimento ao expositor de
parede; tudo tem que ser conseguido de maneira a que as infraestruturas circulem e tenham
os seus circuitos dentro dos elementos expositivos – o que nem sempre é fácil.
VM – Basicamente, o projeto que desenvolvemos na fase de concurso era uma ideia global
dos objetos que nos foram fornecidos e que tinha todas essas valências que a Sofia estava a
dizer. Em primeiro lugar, havia aqui uma dificuldade muito grande (e que agora parece fácil
!
porque está resolvida!) que era como trazer as pessoas com mobilidade condicionada até ao
Museu. Temos aquela pequena plataforma e pelo resto do espaço podem circular à vontade.
SA – O “Ovo de Colombo” foi encontrar a ligação de cotas; que era, no fundo, o nosso grande
problema: como é que ligamos as salas? A Sala das Colunas estava mais abaixo, três ou
quatro degraus. E as das extremidades [Sala Ogival e Sala da Cisterna] estavam praticamente
à mesma cota, portanto a questão foi como ligá-las com a Sala das Colunas de modo a não
perder esta continuidade – a cota original do espaço, o volume e toda a espacialidade das
abóbadas – e a conseguir fazer a circulação de nível, desde o exterior até ao interior.
VM – Basicamente foi isso. E depois as duas salas estavam naturalmente seccionadas, em
termos temáticos e cronológicos. A dificuldade aqui era como resolver a diferença entre
peças pequenas (ou muito pequenas) e muito perecíveis (como os metais); e peças que se
defendem melhor (como os cerâmicos). Por outro lado, era ir ao encontro da ideia das
arqueólogas na contextualização dessas peças. Quando se faz aqui a cozinha árabe, no
chão, por exemplo, tudo isso foi muito discutido pelas arqueólogas, certamente quando
chegou o programa e depois na forma como isso foi desenvolvido mesmo em obra. Há
coisas que nunca chegaram a ser executadas, nomeadamente esta ideia de um relógio que
fazia aparecer um dragão e o São Jorge, que saiam da janela [...], o que seria um interesse
para poder cativar as pessoas para dentro do Museu.
A nossa preocupação foi, essencialmente, o que é visível aqui; portanto, perceber como é
que se poderiam fazer circuitos em segurança, com uma leitura global das peças, e como é
que as pessoas poderiam realmente interagir com esses nichos, com essa dificuldade que o
espaço, ele próprio, tem. É uma história que é contada com peças muito delicadas, muito
pequenas. É muito difícil interagir com as pessoas. Nós privilegiámos a fachada dos azulejos
porque sabemos que ela tem um impacto muito grande com o cidadão: o azulejo como tema.
Uma moeda, por exemplo, tem uma grande dificuldade em chamar a atenção [...], tal como
os cachimbos e todas as pequenas peças. Foi um trabalho global, que não era possível fazer
sem a colaboração do designer; não é um trabalho solitário do arquiteto. Mesmo antes de
passarmos à fase de projeto de execução está tudo estudado em termos de comunicação: o
processo comunicativo, as cartelas, tudo isso foi trabalhado exaustivamente ainda em fase
de concurso, inclusivamente os conteúdos dos multimédia. O corredor de luz foi também
estudado para que as pessoas não ficassem nem num excesso de penumbra nem num
banho de luz sobre as peças, porque depois perdem o encanto, ficam saturadas de luz e
passam a não ter o interesse que nós gostaríamos que tivessem. [...]
O próprio designer procurou, a partir das peças, os elementos identitários, formular uma ideia
de apresentação, de comunicação. E a partir daí começou a surgir a ideia de como é que
poderiam ser algumas das vitrinas, alguns dos suportes, e como é que esses suportes
!
poderiam neutralizar-se perante a peça, porque a ideia era que a nossa exposição
continuasse a ser invisível e que as peças se sobrepusessem ao trabalho dos arquitetos e do
próprio designer. [...] Porque não havia necessidade de valorizar os arquitetos: o espaço em
si é fantástico, tem já uma componente muito forte. A imposição de um desenho de arquitetura
era comprometer o valor do objetivo, que não era a arquitetura, era a exposição.
Queríamos também que em algumas situações, como por exemplo na Sala do Terramoto
[Sala da Cisterna], se percebesse o antes e o depois, tendo este uma vitrina das peças
queimadas, a negro, e o antes as peças inteiras, a branco. Depois há o movimento ondulado.
E depois finalmente a possibilidade de reaproveitar um espaço inferior que já tinha sido feito
nos anos 70, já pós 25 de Abril. O que fizemos foi higienizar as casas de banho, que estavam
muito precisadas; continuar o circuito, manter a ideia de circuito unitário, de cima e de baixo;
e terminar com uma pequeníssima loja, que é um apontamento que depois permite a saída
das pessoas. Depois à posteriori pediram-nos para fazer mais uns suportes, para postais e
várias coisas. Nós fizemos tudo e correu muito mal, não foi possível estabelecer uma relação
adequada e simpática com as pessoas, que eram as mesmas. [...]
6. Pedia-lhes que desenvolvessem mais a ideia de relação entre os elementos
contemporâneos e as preexistências.
VM – Não é novidade a forma como nós trabalhamos, a nossa abordagem à questão do
património. Nós temos sempre essa convicção, de que quanto menos estivermos
presencialmente, melhor; mais êxito terá a intervenção, ou, pelo menos, menos erros terá. E,
nesse sentido, procurámos que se salvaguardasse inclusivamente o pavimento preexistente,
que é um pavimento provavelmente dos anos 60: ficou lá, é mais um acumular de um tempo
histórico, que já lá estava – não é muito simpático e é até bastante bizarro, no nosso
entender; mas ele estava lá e resolvemos que não lhe mexíamos. Podíamos ter proposto
alteração, podíamos tê-lo coberto, pelo menos – não o quisemos fazer.
SA – É o assumir do desenvolvimento, de acordo também com as Cartas que dizem isso: um
local é feito pela sua história e pelas marcas que vai deixando ao longo do tempo – estar a
apagar propositadamente uma época porque não nos agrada neste momento é estar a
restringir a possibilidade de uma leitura, daqui a uns tempos, de que afinal essa época era
bem mais importante do que aquela que nós estamos a incluir. Aqui, neste caso, a
intervenção é muito pequena, nós não tínhamos muito espaço físico, a nível de dimensão, de
trabalho, de manobra. Tudo o que lá estava tentámos valorizar, tentámos que a nossa
intervenção valorizasse as peças, era esse o objetivo. Fizemos aquilo que costumamos fazer,
no nosso modo de intervir. [...]
!
VM – Acima de tudo, há uma coisa que é importante: amanhã podem desaparafusar tudo e
desandar com isto tudo daqui para fora! E não fica sequer uma vírgula da nossa intervenção.
Talvez isso seja o ponto mais interessante da nossa intervenção: podermos sair de lá sem
deixar nada. E não queremos deixar nada – do género: também deixámos lá a nossa marca!
SA – Isto também pode ter uma leitura anti-cartas do património. Se estamos a intervir agora,
por que é que não deixamos a nossa marca de agora? É uma opção. [...] O objetivo é expor
uma leitura atual, momentânea, do que é expor património arqueológico. Isto é uma
interpretação – em 2007, 2008 – de um modo de dizer o que é o património arqueológico do
Castelo de São Jorge. [...] Não sei se faz sentido ou não – é uma marca de como se faz essa
leitura hoje. Dentro da história do edifício, se for tudo removido não vai lá ficar nada. Isto
levanta muitas questões, sendo que a nossa opção é sair e não se ver. Que isso fique claro.
Mas nessa leitura de dar um direito, se quisermos, ao património de poder registar os vários
momentos da sua vivência, o anterior não ficou (também era reversível), este também não
ficou (é reversível); portanto está-se sempre a manter uma época daquele espaço.
VM – Que já não é uma época original...
SA – Mas não lhe estamos a acrescentar...
VM – Acrescentamos de uma outra maneira. Eu complemento o que a Sofia está a dizer.
Estamos a intuir uma coisa que faz parte da nossa forma de pensar e discutir as questões do
património. O não-intervir é um conceito de intervenção. O não deixar marca é deixar marca.
Porque a materialidade é também imaterial; e é inevitável que na contemporaneidade o registo
da nossa intervenção tenha ficado – fica na sua entrevista, não é? Ficou nas comunicações
pequeníssimas onde isto veio, ficou no folheto que lá está, ficou nas fotografias, ficou na
memória das pessoas. E portanto, intervir em património é uma coisa cada vez mais menos.
Cada vez é menos. Menos no sentido da obsessão de que temos que contrastar tudo o que
fazemos porque temos que ter uma opção afirmativa, ou pela positiva ou pela negativa.
SA – E que temos que deixar a marca física. A marca pode ser intangível; pode ficar na
memória; não tem que ficar fisicamente no local.
7. Para terminar, faço uma pergunta relat iva à musealização do patr imónio como
medida de salvaguarda. Entendem que a prática da arquitetura de museus em
Portugal tem favorecido este t ipo de intervenções em detr imento de museus
construídos de raiz?
VM – [...] Não nego a necessidade de construir porque construir faz parte do tempo histórico
de todos os povos e de todos os tempos, mas questiono a necessidade. A necessidade é
!
que justifica ou não justifica. Usar edifícios preexistentes tem sido uma prática recorrente nos
últimos anos, a par da construção de novos museus [...].
SA – E noutras dimensões talvez também os centros interpretativos nos sítios arqueológicos,
que acabam por ser pequenos núcleos museológicos. Embora não na dimensão do grande
museu, a arqueologia tem promovido a execução de espaços específicos. Nós fizemos, por
exemplo, as ruínas de Torre de Palma, em 98, parte de uma leva de intervenções na altura
promovidas pelo IPPAR [atual DGPC].
VM – Nunca abriu... [...] Eu penso que os museus têm todos que ser repensados. Quando
digo todos é uma força de expressão, obviamente. [...] No meu entender, há uma série de
museus que são estáticos. [...] Eu acho que o que se coloca hoje não é a necessidade de
adaptar ou não adaptar edifícios históricos a museus; mas antes rever os museus atuais. Os
museus, tal e qual como estão, na maior parte dos casos (para não ser pretensioso e dizer
que são todos maus, porque também não é essa a ideia, a ideia é melhorar, é revitalizar), têm
que se reinventar. Neste momento, os museus são algo de saturante [...], não oferecem
diversidade. Nos museus (estou a falar da maioria dos nossos museus) a diversidade passa
por terem acontecimentos paralelos, que dão uma nova vida.
SA – Podemos até falar do caso do Museu de Almada. [...] Uma das coisas que nós
propusemos à Câmara foi não fazer o museu dentro do edifício existente apenas, não só pela
dimensão como pela questão de o museu precisar de ter um espaço que respire, que receba
exposições, que tenha um dinamismo que atraia as pessoas, que vá modificando os seus
públicos e que vá trazendo outro tipo de interesses e outro tipo de interessados ao espaço
museológico. Em Almada, temos uma exposição tradicional, uma exposição que agora se
chama de longa duração, portanto, uma exposição mais permanente; mas há um edifício
contemporâneo com todas as infraestruturas necessárias para permitir uma polivalência de
exposições que trazem, de facto, pessoas ciclicamente ao museu. [...]
VM – [...] Eu e a Sofia não fazemos um objeto de arquitetura, um museu ou recuperação para
agradar aos comentadores; nós temos um público que vai a esses edifícios. A essas pessoas
é que se tem que perguntar o que é que pensam e o que é que não cumprimos, para podermos
melhorar para a próxima vez. Voltando ao Castelo, tendo havido hipótese de o melhorar,
atempadamente, poderia ter-se tirado partido desse pressuposto com ponderação. [...]
SA – Tirar partido da possibilidade de captar as opiniões de um público tão vasto.
VM – As pessoas que lá estão todos os dias e que nos deviam consultar novamente (não
está em questão o dinheiro) sobre o que é que poderíamos melhorar lá dentro, foram as
primeiras pessoas a não querem saber de nós para nada. [...] Inaugurou-se a obra do
arquiteto Carrilho da Graça. Por que é que não há uma interligação entre as duas obras? [...]
!
A EGEAC apaga o nosso trabalho permanentemente. E não me estou a queixar por não ser
estrela, porque não é isso que está aqui em causa, que fique bem claro. [...] Em tudo o que é
comunicação social só existe a obra do arquiteto Carrilho da Graça. Só. É uma obra
magnífica, inquestionavelmente. Para mim, é das melhores obras, para não dizer a melhor
obra, porque é sempre prematuro dizer isso quando falamos do Carrilho da Graça. Como é
que, a cem metros de distância, elas não comunicam? Não nos permitem pô-las a comunicar.
SA – O Castelo de São Jorge teve o Prémio de Informação Turística aos Visitantes, dado pela
Associação Portuguesa de Museologia, em 2011. Este Prémio engloba este Centro, engloba
a obra do arquiteto Carrilho da Graça, engloba tudo o que está entre muralhas. A Associação
Portuguesa de Museologia dá um prémio a uma coisa desconexa. [...]
VM – Há aqui qualquer coisa que nos entristece e que acho que é empobrecedor do sítio.
Em primeiro lugar, não deveriam estar a fazer um plano de acessibilidades ao Castelo,
ignorando o Caminho-de-Ronda. [...] A equipa que está a fazer as acessibilidades ao Castelo
de São Jorge pura e simplesmente ignora que existe um projeto que se chama Caminho-de-
-Ronda [...]. Por outro lado, a EGEAC faz questão de não ligar o Museu ao Sítio Arqueológico,
quando o próprio circuito deveria ser parte integrante, já que há peças, que estão guardadas
em armazém, que deveriam estar agora em interação direta naquele espaço. O próprio
arquiteto Carrilho da Graça tem o projeto dele incompleto: falta tirar de lá uma série de
coisas, começando pelo parque de estacionamento. Porque a forma como o arquiteto
Carrilho da Graça abordou aquele espaço é extraordinária. Tem um sentido de lugar, tem um
sentido de continuidade e está a necessitar de se exprimir também dentro do espaço [...].
[...] Não se pode fazer uma coisa aqui e outra ali e não estarem ligadas. [...] É algo que é
gritante e é das poucas vezes que neste país se fazem duas intervenções, praticamente
contemporâneas, sobre quinze anos de escavação arqueológica, no centro histórico da
cidade de Lisboa, estando as coisas todas de costas umas para as outras. [...] As coisas ou
funcionam interligadas ou há aqui uma perda muito grande de interesse público. Os projetos
foram pensados para se valorizarem um ao outro. É a própria organização que inviabiliza,
neste momento, que haja um diálogo entre as duas intervenções. [...]
Desculpe se estamos a ser demasiado incisivos. Ter opiniões criticas não é para dizer mal
nem para ofender ninguém; é para termos fronteiras. [...] As coisas têm objetivos que têm que
ser avaliados, enquanto se está a pensar neles, enquanto se está a desenhá-los, enquanto se
está a construí-los e depois de estarem a ser usados. A atividade do arquiteto é algo que
continua, não se esgota nele próprio. Esgota-se no uso permanente das suas atividades, e
quando elas correm bem devem ser tão avaliadas como quando correm menos bem: nós
precisamos de ter eco do trabalho que fazemos. Aqui ainda muito mais, porque não era um
ato isolado. Nós pensámos sempre este projeto como parte de uma estratégia global. [...]
!
Entrevista ao Arq. Victor Beiramar Diniz 228
Arq. Paisagista, colaborador do atel iê Carri lho da Graça Arquitetos
09.10.2014, Ateliê Carrilho da Graça Arquitetos, Calçada Marquês de Abrantes 48, 2º Dto, Lisboa.
1. Quais foram as premissas orientadoras deste projeto? Qual a metodologia de
intervenção adotada?
VBD – O projeto começou pela questão de haver uma escavação arqueológica que
precisava de ser, simultaneamente, protegida e musealizada. Queria-se que as pessoas
pudessem aceder, visitar e, sobretudo, compreender aquilo que tinha sido descoberto na
escavação. O programa colocava várias questões: por um lado, uma questão prática, que diz
respeito aos acessos – como é que se chega e como é que se circula naquele sítio – e, por
outro lado, uma questão de entendimento do próprio objeto – como é que se entende aquilo
que se está a ver – até porque tínhamos vários estratos e vários níveis visíveis e coisas que
se queriam perceber dos vários períodos. Havia, desde logo, a noção de que as casas
islâmicas eram um tema muito interessante porque estavam bastante percetíveis no sítio;
havia a questão dos frescos, que também persistiram no tempo. Havia também o interesse
das equipas de arqueologia e do Castelo em atribuir algum relevo a estas estruturas.
Há um desenho muito interessante, produzido pela equipa de arqueologia [ver figura 109
desta dissertação], que é uma espécie de prospeção especulativa daquilo que seria a
arquitetura daquele sítio. O que nos interessou, sobretudo, foi a ideia do tipo de espaços que
aquelas casas encerravam, mais do que propriamente que tipo de arquitetura é que teriam,
porque, antes de mais, o estudo é especulativo. É difícil, para não dizer que é impossível,
dizer-se, por exemplo, ao nível daquilo que está aqui representado, se as portas eram em
arco ou não [...].
Portanto, a ideia de fazer, como estrutura de proteção, uma encenação daquela arquitetura
foi realizada a partir de uma abstração dessa própria arquitetura: criámos uma ideia mais de
construção encenada dos espaços do que propriamente da arquitetura. Ou seja, aquilo que
se tentou fazer com a estrutura de proteção foi permitir às pessoas uma espécie de leitura
possível do que era a configuração espacial daquelas habitações, sem com isso querer dar-
-lhes uma arquitetura daquelas habitações. É uma espécie de encenação bastante abstrata
dos espaços que estão lá dentro.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!228 Uma vez que não foi possível entrevistar o arquiteto João Luís Carrilho da Graça, o arquiteto Victor Beiramar Diniz aceitou responder a algumas questões sobre o projeto para o Sítio Arqueológico do Castelo de São Jorge. Arquiteto paisagista colaborador do ateliê Carrilho da Graça Arquitetos, Victor Beiramar Diniz acompanhou a intervenção – e o texto “Musealização da Área Arqueológica no Castelo de São Jorge”, publicado na revista Arquitectura Ibérica, nº 36, Caleidoscópio, Março 2011, pp. 24-35, é da sua autoria.
!
2. Tendo em conta essa ideia de configuração espacial das habitações islâmicas,
como é que se pensaram as zonas de transição entre novo e antigo? De que
forma é que se equil ibrou a relação entre os elementos contemporâneos e as
preexistências?
VBD – A própria estrutura, aparentemente, não toca sequer nas ruínas. Quer dizer, ela não
toca, de facto, nas ruínas. E isso é salientado por haver aquele espaço entre as paredes e as
fundações, que é acentuado, à noite, pelo facto de a luz existir exatamente nesse intervalo
entre os muros e as paredes. É esse afastamento entre os dois elementos – os vestígios e a
arquitetura de proteção – que assinala, de facto, esta ideia. Nunca se pretendeu que aquilo
fosse confundido com qualquer coisa que pudesse querer ser a representação real do que lá
estava. Isso é muito importante. Assume-se que há uma intervenção contemporânea que tem
a função de proteger; mas, ao mesmo tempo, tem a função de tentar transmitir, espacialmente
sobretudo, o que era habitar aquele lugar. [...]
3. Em termos da estratégia museográfica aplicada, de que modo a conceção do
percurso exposit ivo contr ibui para a compreensão do espólio? De que modo é
que a organização do sít io em diferentes níveis contr ibui para a sua leitura?
VBD – Em termos da organização do sítio, aquilo que se começou por fazer pode ser
descrito através de uma metáfora – é quase como a definição de um campo cirúrgico [...]. De
alguma maneira é um pouco esta a ideia. O sítio estava todo escavado e foi preciso definir o
perímetro para as pessoas poderem circular à volta e aceder ao local. Esse perímetro
indicava o que se ia mostrar. Isso foi definido a partir das estruturas que estavam no local e
que se queriam apresentar, ou seja, as casas islâmicas, os pavimentos do Palácio do Bispo
de Lisboa e a escavação do poço da Idade do Ferro. Isso determinou logo, de alguma forma,
o perímetro que depois se delimitou com o muro de corten, definindo as zonas onde se
circula. Depois, conforme o projeto de arquitetura paisagista do Arq. Gomes da Silva, as
áreas foram também diferenciadas através da utilização de pavimentos distintos que nos
indicam a existência dos diferentes substratos, dos diferentes tempos que o próprio lugar
tem. [...] A leitura seria bastante difícil sem o recurso a este tipo de estratégias.
Esta questão de que estávamos a falar, em relação à forma como se protegeram os vestígios
das casas, distinguindo a intervenção nova das estruturas existentes, foi aplicada também à
circulação. Por exemplo, tudo quanto são degraus, elementos de transição de cotas e
acessos são feitos com estruturas que são claramente contemporâneas, de maneira a que
não haja qualquer tipo de dúvidas e se anuncie, de facto, aquilo que se acrescentou. Ou
seja, é tentar que não haja confusão de leitura com o que lá está. [...]
!
A circulação foi definida a partir da interpretação da própria arqueologia. A ideia era que
houvesse uma circulação baseada numa cronologia que não é exatamente inversa, mas é
quase. Mas nem sempre é este o percurso que as pessoas seguem, hoje em dia. Penso até
que as visitas não estão a ser feitas exatamente de acordo com aquilo que se pensou
originalmente para o sítio. A maior parte das vezes, as visitas começam junto das casas
islâmicas. Originalmente, o que estava pensado era que, chegando pelo cimo da muralha, se
tivesse, primeiro, uma visão do conjunto. Depois de descer, a ideia seria começar pelos
vestígios das estruturas do Palácio e depois passar para a Idade do Ferro. Subindo de novo
à cota da primeira plataforma e voltando a descer, segue-se o período islâmico e no final os
pavimentos do Palácio. [...]
4. Como descreve a relação entre o Núcleo Museológico, onde se apresentam os
vestígios encontrados, e o Núcleo Arqueológico? Considera que existe uma
perspetiva de conjunto?
VBD – A abertura da zona entre os Núcleos depende de questões de funcionamento do
próprio Castelo. Nós, enquanto projetistas, não temos muito a dizer sobre isso. De facto, há a
proposta do anfiteatro neste espaço, que está posta em causa pela questão da área estar a
ser usada como parque de estacionamento dos moradores do Castelo, uma situação que se
criou devido a obras que houve no exterior do monumento [...]. Mas as obras acabaram e a
situação permanece. O Castelo ficou refém desta situação [...]. É pena, porque isso coloca
em questão a forma como as pessoas conseguem chegar ao sítio, apesar de sempre ter sido
previsto que a chegada seria por cima, pela muralha. Mesmo na própria definição da
estrutura de proteção das casas houve a preocupação da organização interior estar refletida
no desenho da cobertura. Quando se chega ao sítio, pela muralha, há esta visão: não se
consegue ver o todo mas, de alguma forma, ele é transmitido. A ideia é permitir às pessoas
uma leitura em planta, possibilitada pela chegada por cima [...].
5. Para terminar, faço-lhe uma pergunta que diz respeito à especif icidade de
projetos de musealização de castelos e sít ios arqueológicos. Quais os
principais critérios a ter em conta nestas intervenções?
VBD – Nestas situações, cada caso é um caso. Sem dúvida. Nós temos, por exemplo, o caso
do projeto que fizemos, recentemente [2011], para a proteção e musealização do Sítio
Arqueológico da Vila Galo-Romana de Séviac, Montréal-du-Gers, em França. Estamos à
espera que o projeto vá para obra. [...] Neste caso a situação é um pouco diferente: aquilo
!
que era pedido neste projeto era exatamente o oposto do caso do Castelo de São Jorge.
Aquilo que era pedido, aqui, era que a estrutura protegesse apenas as partes da Vila
consideradas mais importantes pela instituição responsável. Algumas dessas partes têm um
conjunto de mosaicos que estão visíveis e que, portanto, precisam de ser protegidos – hoje
em dia há umas proteções em madeira, mas é uma coisa pouco consistente. Era pedido que
a proteção não tivesse nenhum tipo de referência à hipotética arquitetura da Vila. [...] É um
projeto, de alguma maneira, inverso ao do Castelo. [...] O ponto de contacto deste projeto
com as casas islâmicas é a questão de haver uma disjunção clara entre o elemento
contemporâneo, que se quer assumido nessa imagem, e as estruturas primitivas. É, da
mesma forma, um elemento que flutua e instala, de facto, essa distância entre o que estamos
a ver e a estrutura que protege o que estamos a ver, tentando que esta se anule por si
própria e não se imponha à leitura das estruturas que interessa observar. [...]
!
ANEXO E. ESTATÍSTICAS: VISITANTES DO CASTELO DE SÃO JORGE
Como foi referido por Susana Serra229, o aumento do número de visitantes portugueses é notório
a partir de 2008, ano de inauguração do Núcleo Expositivo. Em 2010, ano de inauguração do
Sítio Arqueológico, verifica-se um novo acréscimo que se mantém estável até 2013.
Gráfico: Número de visitantes do Castelo de São Jorge entre 2005 e 2013.
Nota: Os dados que compõem o gráfico apresentado foram disponibilizados por Susana Serra, Coordenadora da
Área de Património Cultural do Castelo de São Jorge. Para os anos de 2005 e 2006 não existem dados relativos à
percentagem de visitantes nacionais e estrangeiros.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!229 Consultar entrevista, em anexo.
0"
0.2"
0.4"
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1.2"
2005 " 2006 " 2007 " 2008 " 2009" 2010 " 2011 " 2012 " 2013 "
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