a queda de_roma_e_o_alvorecer_da_europa

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Francisco de Oliveira, José Luís Brandão, Vasco Gil Mantas & Rosa Sanz Serrano (coords.) A queda de Roma e o alvorecer da Europa IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA COIMBRA UNIVERSITY PRESS UNIVERSIDAD COMPLUTENSE DE MADRID COMPLUTENSE UNIVERSITY OF MADRID

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    Francisco de Oliveira, Jos Lus Brando, Vasco Gil Mantas & Rosa Sanz Serrano (coords.)

    A queda de Romae o alvorecer da Europa

    IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRACOIMBRA UNIVERSITY PRESS

    UNIVERSIDAD COMPLUTENSE DE MADRIDCOMPLUTENSE UNIVERSITY OF MADRID

    OBRA PUBLICADA COM A COORDENAO CIENTFICA

  • (Pgina deixada propositadamente em branco)

  • Francisco de Oliveira, Jos Lus Brando, Vasco Gil Mantas & Rosa Sanz Serrano (coords.)

    A queda de Romae o alvorecer da Europa

    IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRACOIMBRA UNIVERSITY PRESS

    UNIVERSIDAD COMPLUTENSE DE MADRIDCOMPLUTENSE UNIVERSITY OF MADRID

  • Obra Publicada com o apoio de:

    Ttulo A queda de Roma e o alvorecer da EuropaCoordenadores Francisco de Oliveira, Jos Lus Brando, Vasco Gil Mantas & Rosa Sanz Serrano

    Srie Hvmanitas Svpplementvm

    Coordenador Cientfico do plano de edio: Maria do Cu Fialho

    Conselho EditorialJos Ribeiro FerreiraMaria de Ftima Silva

    Director Tcnico: Delfim Leo

    Francisco de Oliveira Nair Castro Soares

    EdioImprensa da Universidade de CoimbraURL: http://www.uc.pt/imprensa_ucEmail: [email protected] online: http://livrariadaimprensa.uc.pt

    Coordenao editorialImprensa da Universidade de Coimbra

    Concepo grfica & PaginaoRodolfo Lopes, Nelson Ferreira

    Pr-ImpressoImprensa da Universidade de Coimbra

    Impresso e Acabamento Simes & Linhares

    ISBN9789892606002

    ISBN Digital9789892606019

    Depsito LegaL347006/12

    1 eDio: IUC 2013

    Abril 2013. Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia Vniversitatis Conimbrigensis (http://classicadigitalia.uc.pt)Centro de Estudos Clssicos e Humansticos da Universidade de Coimbra

    Reservados todos os direitos. Nos termos legais fica expressamente proibida a reproduo total ou parcial por qualquer meio, em papel ou em edio electrnica, sem autorizao expressa dos titulares dos direitos. desde j excepcionada a utilizao em circuitos acadmicos fechados para apoio a leccionao ou extenso cultural por via de e-learning.

    Todos os volumes desta srie so sujeitos a arbitragem cientfica independente.

    Obra realizada no mbito das actividades da UI&DCentro de Estudos Clssicos e Humansticos

  • Sumrio

    Nota introdutria 7Crnica de uma morte anunciada: a queda de Roma 11

    Virgnia Soares PereiraOrculos bblicos de fim projectados por sobre o fim de Roma 27

    Jos Augusto Ramos Cristianismo e responsabilidade crist na queda de Roma 43

    Paula Barata DiasBiografia e ideologia no final do sculo IV. A Histria augusta e a figura controversa de Adriano 65

    Jos Lus BandoLa otra ruptura del limes en el 406: la piratera en las provincias occidentales del Imperio 83

    David lvarez JimnezAs defesas das cidades romanas do Ocidente 103

    Adriaan De ManO Mundo Romano no dealbar do sculo V 117

    Vasco Gil MantasDecoloranda Vrbs. Archaeological aspects of Rome in the fifth century AD 153

    Cristina CorsiAppendix: The phenomenon of urban burials in Rome during the fifth century 167

    Francesca CarboniUn paisaje de villae fluviales: economa y sociedad en el territorio meridional de avgvsta emerita en poca tardoantigua 187

    Sal Martn Gonzleztempvs barbaricvm. Las migraciones brbaras en la Pennsula Ibrica en el siglo V d.C. 209

    Rosa Sanz SerranoSanto Agostinho e a queda de Roma 229

    Carlota MirandaA propsito do De exciDio de Santo Agostinho 241

    Francisco de Oliveirandice temtico 245

  • (Pgina deixada propositadamente em branco)

  • 7Nota Introdutria

    O saque de Roma em 410 pode no ser dos acontecimentos mais marcantes, do simples ponto de vista prtico, militar ou econmico, mas teve, pelo seu impacto no mundo romano e, sem dvida, tambm para alm de um Limes em acelerado retrocesso, um efeito devastador. Na verdade demonstrou, para alm de todos os malabarismos ideolgicos que vo preencher os anos que o Imprio do Ocidente ainda viveria como estrutura poltica, enquanto protectorado ou refm deste ou daquele chefe brbaro, que o inadmissvel e o insuportvel espreitam regularmente os Estados que no sabem ou no podem precaver-se contra um processo de envelhecimento sem sabedoria, causador do impossvel desejo de repouso expresso por Amiano Marcelino.

    Tragdia ou prlogo de um mundo novo? Questo de resposta muito simples, quer para os que defendem uma interpretao catastrofista para o acontecimento, quer para aqueles que vem na queda de Roma um episdio pouco relevante, necessrio para que a mudana anunciada se concretizasse mais facilmente. Todavia, apesar da inevitabilidade aparente da situao do Imprio do Ocidente nos incios do sculo V, no foi fcil a aceitao ou a simples compreenso do sucedido, e no apenas pelos Romanos, dado que muitas vezes evidente a preocupao por parte dos Brbaros em manter alguma romanidade funcional, pelo menos na aparncia. As respostas dos nossos contemporneos, apesar da acelerao da histria e das provas quotidianas de que o considerado impossvel espreita permanentemente o fluir ordenado da vida, se no mesmo a essncia da civilizao, so, como no passado, divergentes.

    Por isso mesmo, reflectir sobre o que se passou h 1600 anos e sobre o verdadeiro significado do saque de Roma parece constituir, muito mais que um

  • 8simples exerccio acadmico, uma pertinente atitude, nascida da necessidade de reconsiderar o passado, um passado que permanece vivo, de muitas formas, no nosso tempo e nas culturas que dele se consideram herdeiras. Como em todas as grandes crises, o arrastado processo da queda de Roma causou inumerveis perturbaes, umas no mbito habitual da violncia guerreira, outras, talvez mais graves, no campo da vivncia psicolgica. certo que a queda do Imprio no eliminou, antes pelo contrrio, um dos factores indiscutveis da romanizao, entendida como processo de aculturao. Referimo-nos, naturalmente, ao legado greco-romano, na parte que sobreviveu, e ao contributo judaico-cristo e germnico, sem o qual a Europa incompreensvel.

    Talvez os historiadores tenham sido vtimas de recriaes ideais de um mundo irreal, uma espcie de Idade de Ouro histrica, enquanto outros se deixaram arrebatar por pretendidas revoltas de escravos ou pelo imaginrio de povos vigorosos em marcha para substituir os que j no tinham fora. Embora a verdade, ou aquilo que dela podemos pressentir atravs dos documentos, se deva procurar considerando que a histria da civilizao marcada por um conjunto de crises, capazes de pr em causa, radicalmente, a boa ordenao conseguida ao longo de sculos, a queda de Roma permanece como um smbolo incmodo, como se todos os que se reconhecem culturalmente no seu legado no tivessem sido capazes de fazer o luto do fim de um mundo, no faltando ao longo dos tempos tentativas de ressuscitao, quantas vezes tragicamente conduzidas e malogradas.

    Roma, nos incios do sculo V, aproxima-se da durao sugerida no pela promessa de Jpiter na Eneida, mas sim da que pesava na viso dos doze abutres avistados por Rmulo aquando do ritual fundador. E assim aconteceu. Acontecimento trgico, sem dvida, mais pelo seu contedo simblico do que pelas consequncias efectivas. A queda de Roma, cidade no aberta mas inerme, foi apenas resultado de um processo que ento j cobria o Imprio com o fumo dos incndios e com os gritos das vtimas, pouco ouvidos para l dos pntanos de Ravena, mas que em breve seriam ensurdecedores. Por tudo isto, no faltam historiadores que situam neste momento o fim definitivo do Mundo Antigo e o comeo da Idade Mdia, ainda que alguns considerem a existncia de um obscuro perodo comodamente designado como Antiguidade Tardia. Seja como for, trata-se de um acontecimento charneira entre dois mundos, passando o anterior situao, definitiva, de histria e cultura, enquanto o novo prometia, entre sofrimentos generalizados, a aurora da Europa, como hoje a entendemos.

    Recordar este acontecimento da histria, numa situao de incertezas globais que se substituiram s iluses dos finais do sculo XX, ou sobretudo por isso mesmo, uma vez que a falncia de princpios afirmados como dogmas universais, sugere situaes semelhantes s que Roma viveu, revela-se muito

  • 9oportuno. A anlise, segundo vrios ngulos, do saque de Roma, que no fez surgir nenhum Frio Camilo, e das suas causas e consequncias, to discutidas na poca como na actualidade, revela-se um duplo imperativo, cientfico e poltico, no bom sentido grego da palavra. Questionando o fim de uma Cidade, eterna mas diferente desde ento, investiga-se a construo de outra, lugar comum de muitos at hoje, alguns dos quais tiveram a fora e a ousadia de transformar a Romanidade em Latinidade universal.

    Os homens so chamados a viver em perodos histricos bons ou maus, sem opo e sem que essa condio seja, na maioria dos casos, resultado directo e exclusivo dos actos praticados pela sua gerao. Nas grandes crises podem surgir homens providenciais, como aconteceu em Roma tantas vezes, mas a evoluo da sociedade romana, implicando transformaes irreversveis, reduziu significativamente essa possibilidade. Os anos do sculo V romano sero anos de desespero para muitos, mas para outros sero anos de triunfo e de exaltao. Para ns, considerando-os a partir do sculo XXI, foram anos de transio acelerada, nos quais a data de 410 marca o incio de uma nova verdade: o fim do tempo histrico da Roma imperial e o alvorecer da nossa Europa.

    O presente volume insere-se num dos propsitos do Centro de Estudos Clssicos e Humansticos que consiste na promoo do intercmbio de saberes entre as diversas reas representadas pelos membros da unidade. Esta obra procura, pois, oferecer um produto do dilogo entre classicistas e especialistas de Arqueologia e Histria Antiga, de dentro ou de fora do Centro, visando a partilha e divulgao de conhecimentos e produo de material bibliogrfico sobre uma poca de notveis transformaes na histria da Europa. Aqui expressamos os nossos agradecimentos Direco do CECH, bem como s equipas directivas e executivas dos Classica Digitalia e da IUC, que no se pouparam a esforos para a edio do livro.

    Francisco de Oliveira, Jos Lus Brando, Vasco Gil Mantas & Rosa Sanz Serrano

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    Crnica de uma morte anunciada: a queda de Roma

    Crnica de uma morte anunciada: a queda de Roma

    Virgnia Soares PereiraUniversidade do Minho

    Resumo. A queda de Roma. O acontecimento mais comentado da histria da cidade que foi, por muito tempo, caput mundi. Sem que seja possvel encontrar uma justificao para o que aconteceu. Na verdade, Roma no caiu. Roma transformou-se. Os textos evocados no presente artigo pem em relevo alguns sinais evidentes de mudanas contnuas no orbe romano, resultado ou da decadncia da uirtus ou da inconstncia da fortuna. Palavras-chave: Roma aeterna; lio Aristides; Amiano Marcelino; Rutlio Namaciano; invases germnicas.

    Abstract. The fall of Rome, the most commented event of the history of the city that was, for an extended period of time, caput mundi. Yet, it is impossible to find a reason for that. Indeed, Rome did not fall. Rome transformed itself. The texts evoked in the present article highlight some evident signs of continuous changes in the Roman world, result either of the decadence of uirtus or of the instability of fortuna.Key-words: Roma aeterna; Aelius Aristides; Ammianus Marcellinus; Rutilius Namatianus; Germanic invasions.

    Quis crederet ut totius orbis exstructa uictoriis Roma corrueret?(Quem poderia crer que Roma, vitoriosa no orbe inteiro, haveria de ruir?)

    So Jernimo

    A queda de Roma. Como foi possvel?Eis a pergunta que sistematicamente nos assalta, quando pensamos no

    acontecimento mais comentado da histria de Roma. E no entanto continua a ser difcil encontrar uma explicao que nos convena. Mesmo quando se perscrutam os sinais dos tempos e se tenta perceber em que tempo falharam os factores que tinham contribudo, outrora, para a grandeza do estado romano, mesmo assim as respostas parecem sempre incompletas e insatisfatrias.

    A questo tornou-se, modernamente, recorrente. Num tempo de crises contnuas, que suscitam no mundo perplexidade e inquietude, muitos so os que se interrogam sobre a sustentabilidade da presente ordem mundial e, correlativamente, sobre o fim dos imprios e as suas causas.1 A complexidade do mundo actual, o sentimento de insegurana que a todos atinge, o declinar de velhas potncias e sinais da emergncia de novas, a inesperada exploso de conflitos locais ou regionais, tudo traz inevitavelmente memria o complexo

    1 Veja-se Grimal 1986 1261-1273.

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    Virgnia Soares Pereira

    de causas polticas, econmicas, demogrficas, sociais, militares, morais ou religiosas , que conduziram runa do Imprio Romano, isto , queda para muitos impensvel e inexplicvel de uma grande cidade imperial que fora, por longos sculos, caput mundi.

    Segundo informao colhida em Ferrill (1998 21), um estudo datado de 1984, publicado na Alemanha, inventariou cerca de duzentos e dez factores que tero estado na origem da queda do Imprio. Analisados um a um, parece que todos eles contriburam em grande medida para o desfecho que se conhece, embora se compreenda que nenhum desses factores teria tido, por si s, fora suficiente para pr termo ao imprio de Roma. O que aconteceu foi o desenlace de um somatrio de causas que, actuando isoladamente, sequencialmente ou em conjunto, vieram a adquirir uma fora e um impacto repentinos e catastrficos. Os Romanos acreditaram, ao longo dos tempos, na perenidade do seu imprio. Ser que tero tido conscincia, a partir de dado momento, de que o seu mundo mudara irremediavelmente? Tambm aqui no h respostas taxativas e as opinies divergem. O mais provvel que a crena ou o desejo de continuidade no tenham tido para eles, dada a diversidade de tempos e circunstncias, o mesmo significado. Em virtude do largo arco temporal da sua dominao, os Romanos dos sculos II, III, IV ou V, cidados ou estrangeiros, pagos ou cristos, no tero visto de modo igual os sinais de decadncia do imprio. O mesmo se dir da possvel previso do seu colapso.

    Na primeira linha dos motivos geralmente invocados para explicar o acontecido esto as constantes arremetidas de povos germnicos, que comearam a pressionar o limes (os limites) do territrio romano j em meados do sculo III e que se intensificaram e atingiram o corao do Imprio a cidade de Roma no sculo V, mais especificamente no dia 24 de Agosto do ano de 410, quando os Visigodos, sob o comando de Alarico, saquearam a cidade. Acontece que, a par dessas arremetidas, surgiam sintomas claros de problemas profundos que atingiam e minavam esse Imprio: por um lado, assiste-se ao enfraquecimento geral do mundo romano, resultante de crises econmicas e financeiras, de lutas de classe, de conflitos religiosos; por outro lado, e em simultneo, o orbe romano continuava a ser um espao apetecvel para outros povos, que eram atrados pelos nveis de vida a alcanados e que, por isso mesmo, foravam a sua entrada, ao mesmo tempo que fugiam, em sucessivas vagas, da presso e da ameaa dos nmadas da sia.2 E assim o mundo romano foi mudando.

    2 Brown 1972 e Rich 1992 falam na complexidade e multiplicidade de causas do colapso do governo imperial, somando aos motivos de ordem moral os de ordem econmica e social. Piganiol 1977 501-522 defende que Roma no morreu de morte natural, foi assassinada; Balsdon 1970 240 e sgs. e Cameron 1993 190-194 advogam a impossibilidade de decidir sobre o que pesou mais no desfecho do Imprio.

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    Crnica de uma morte anunciada: a queda de Roma

    A moderna historiografia tende a privilegiar esta perspectiva de transformao, isto , a defender a ideia de uma mudana contnua e de uma gradual transio do Imprio Romano do Ocidente para a chamada Idade Mdia. Fala-se agora em modificaes inevitveis, evoluo criadora de novidades (Palanque 1971 6), assim se explicando que, no final desta marcha lenta, o mundo antigo, tal como fora durante a longa pax romana, tenha desaparecido ou mudado radicalmente. 3

    Mas no passado no fora assim. A cidade de Rmulo estava ainda longe do auge do seu poder e j o historiador grego Polbio, no sc. II a.C., reflectia sobre a forma meterica como a Urbe alcanara to vasto imprio, e considerava digno de admirao tal sucesso, pois no espao de cinquenta e trs anos se tornara senhora do mundo ento conhecido. O historiador viera para Roma, como refm, na sequncia da vitria romana sobre a Macednia, em Pidna, e, meditando sobre os acontecimentos que presenciara, Polbio no esconde, no incio das suas Histrias, todo o seu espanto e admirao pela grandeza de Roma:

    Na verdade, quem haver de to mesquinho ou frvolo que no queira saber de que modo e com que espcie de governo que quase todo o mundo habitado, conquistado em menos de cinquenta e trs anos, caiu sob um poder nico, o dos Romanos? Facto ao qual no se encontram antecedentes. [...].4

    Segundo pensavam uns, tal sucesso dos Romanos acontecera por aco conjunta da sua virtus e da sua fortuna. Mas Polbio desvalorizava o papel do acaso na histria de Roma. Atentando no xito alcanado no final da primeira guerra pnica, o historiador afirma (em I.63.9) que no foi com a ajuda da Fortuna, como crem certos Gregos, ou por acaso que eles procuraram e alcanaram a hegemonia mundial. Essa hegemonia ficou a dever-se conjugao de valores cvicos romanos como a coragem, a obstinao tenaz, a dedicao ao interesse comum. Acresce que, como se l em Guelfucci (2010 141), a par desta uirtus romana parece existir, na opinio de Polbio, uma Razo superior e presciente, Pronoia, que ordenaria o mundo e a histria em

    3 Sobre este tema magno da cultura ocidental e actual, o da inclinatio do Imprio ou o da crise do mundo antigo, vejam-se, entre outros: Ferril 1998 (cap. I), Mazzarino 1991, Vogt 1967, Marrou 1979, Courcelle 1964, Banniard 1995, Ward-Perkins 2006, Bauz 1988; Rmondon 1970 (vasta bibliografia). De acordo com Ward-Perkins (2006 242-244), que contrrio ideia de transformao gradual, o que aconteceu foi que algo correu subitamente mal no mundo romano e assistiu-se mesmo ao declnio e fim da sua civilizao.

    4 Traduo de Rocha Pereira 2000 269. Para dar o devido realce supremacia dos Romanos, Polbio (Hist. 1.4-6) compara-os com os Persas, os Lacedemnios e os Macednios, cujos imprios sempre foram inferiores no tempo e no espao. Segundo o historiador, os Romanos prepararam-se lentamente para alcanar o imprio e a dominao universais, trazendo consigo a necessria estabilidade (vd. Grimal 1986 1263).

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    Virgnia Soares Pereira

    benefcio de Roma. Na verdade, e ultrapassadas que foram as dificuldades de crescimento e afirmao, em luta contra povos to fortes como os Etruscos, os Gauleses e acima de tudo os Cartagineses, os Romanos passaram a ser vistos como um povo superior, dotado de grandes capacidades de resistncia e organizao. Polbio acreditou que a cidade estaria destinada a dominar o mundo, embora parea admitir que o seu imprio haveria de ter um fim.5

    O sentimento de que a cidade de Rmulo estivera, desde as suas origens, sob uma especial proteco divina est presente em muitos textos antigos. Recorde-se o conhecido passo do prefcio ao Livro I do Ab urbe condita, de Tito Lvio:

    E se a algum povo deve ser permitido considerar divinas as suas origens, e atribuir aos deuses a sua autoria, a glria militar do povo romano tal que, quando afirma que o seu pai e pai do seu fundador , de preferncia a todos os outros, Marte, os povos do mundo aceitam isto com tanta serenidade como aceitam o domnio romano.6

    Este texto espelha bem a forma como Tito Lvio interpretou, na qualidade de historiador augustano, a mensagem que o Princeps quis legar posteridade.7 E bem sintomtico que, ao relatar o desaparecimento de Rmulo, o historiador tenha posto a circular uma lenda segundo a qual um tal Prculo Jlio teria visto em sonhos a figura de Rmulo, que se lhe dirigia nestes termos (1.16.7): Abi, nuntia inquit Romanis caelestes ita uelle ut mea Roma caput orbis terrarum sit. Isto : Vai-te. Anuncia aos Romanos que os deuses celestes querem que a minha Roma seja a cabea do mundo.

    Outros historiadores evidenciaram admirao semelhante, como o grego Dionsio de Halicarnasso, que foi para Roma em 29 a. C., depois da vitria de Augusto na batalha de Actium, e a se associou ideologia do principado e ao sentimento de permanncia, da aeternitas imperii. Nas suas Antiguidades

    5 Polbio sabia que as leis universais (nascimento, crescimento e morte) se aplicavam tambm a Roma. Por isso lembra (37.22) como Cipio Emiliano chorava perante a destruda (por ele) Cartago, citando as famosas palavras de Heitor quando se despedia de Andrmaca (Ilada 6.448-449): Um dia vir em que ela h-de morrer, a sagrada lion, e Pramo e o seu povo. Segundo Grimal 1986 1262, em momentos difceis os Romanos tiveram a angstia do fim, do desaparecimento, de se perder o nome romano (sobretudo durante as guerras contra Anbal e as guerras civis).

    6 Alberto 1999 1 Praef. 7-8.7 Num outro passo (4.4.4), Tito Lvio referiu-se cidade como in aeternum urbe condita, in

    immensum crescente, por outras palavras, uma cidade sem limites no espao e no tempo. Segundo observou A. Esprito Santo (in Centeno 1997 256), no sculo de Augusto, ao ideal esttico da sobriedade e harmonia correspondia, na poltica, o ideal da ordem e da paz, que se alimentava da propaganda de uma Roma nascida sombra de uma providncia protectora e destinada a permanecer para sempre.

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    Crnica de uma morte anunciada: a queda de Roma

    Romanas no deixar de tentar provar que, nos seus primrdios, Roma fora uma cidade grega, isto , no brbara, e que a sua hegemonia foi superior dos outros povos em importncia e durao. Por isso afirma, peremptoriamente, no prefcio (3.3-6), que no h nao que conteste o seu domnio e prope-se provar, contra a opinio negativa de outros, que Roma no beneficiou injustamente da fortuna. E, para que no restem dvidas, declara nesse prefcio: O meu propsito escrever no s sobre uma cidade que a mais ilustre de todas, mas tambm sobre factos mais brilhantes do que quaisquer outros. No sei que mais poderei dizer.

    Se nos voltarmos para os poetas augustanos, foroso admitir que todos afinaram pelo diapaso do Princeps. Horcio, Proprcio, Ovdio proclamaram a superioridade e a perenidade de Roma. Mas na Eneida obra justamente considerada o poema do Sculo que a ideia de uma Roma eterna emerge de forma constante e estruturante. Nas suas mticas origens troianas, a cidade, magnificada como maxima rerum (7.602), a celebrada como realizao futura de uma grande ordem universal, que se projectar, mediante numerosas vises e profecias, na ainda distante poca de Augusto. No centro do poema, em palavras de claro pendor poltico atribudas a Anquises (6.851-853), Virglio define para sempre o estatuto do Romano como o de um povo cujo lugar no mundo se deve sua capacidade de organizao e imposio de vontades, como fica patente no famoso hemistquio do v. 852: pacique imponere morem. Ao atribuir a Eneias (prefigurao de Augusto) a misso de civilizar o mundo, Virglio contribuiu para reforar a segurana que em si mesmo e no Princeps tinham os Romanos, como se pode ler em Zanker (1992 231). A prpria ideia de uma cidade que de humildes comeos se alcandorou ao cume do esplendor um dos temas recorrentes da propaganda de Augusto e da poesia augustana contribuiu de igual modo para sustentar o orgulho dos Romanos.8

    Confiantes na grandeza da cidade, que acreditavam gozar da proteco dos deuses, mas intimamente apreensivos quanto s incertezas do futuro, os Romanos formulavam preces no sentido de que para sempre Roma continuasse a gozar dessa providncia divina. Um exemplo absolutamente paradigmtico desta atitude o de Horcio quando, associando-se ao sentimento geral de que uma nova era de felicidade chegara, celebra, em registo hmnico, a cidade de Roma (Canto Secular 9-12):

    Alme sol, curru nitido qui diem promis et celas aliusque et idem nasceris, possis nihil Roma

    8 Sobre o contributo dos poetas para este topos, vd. White 1993 182-190 e Fowler 2000 (cap. 9, The Ruin of Time: Monuments and Survival at Rome).

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    Virgnia Soares Pereira

    uisere maius!

    Sol vivificador, que no teu carro refulgente fazes nascer e encerras o dia, que renasces sempre diferente e o mesmo, possas tu no contemplar nunca nada to magnfico quanto esta cidade de Roma!

    Horcio no era o nico a colocar Roma e a sua perenidade sob o olhar protector dos deuses. Proprcio, Ovdio, Plnio-o-Moo, Veleio Patrculo, entre outros, formularam iguais votos pela aeternitas imperii. Mas as apreenses quanto ao futuro adensavam-se. A poca de ouro do sculo de Augusto teria o seu fim. Com o desaparecimento dos grandes vultos que marcaram o sculo, assistir-se- ao surgimento de novas formas de ver o mundo e a histria. Assim acontece com Pompeio Trogo (sc. I), autor de uma histria universal em 44 livros, que apresenta uma viso da histria em que Roma no passa de uma simples potncia igual s outras e como elas destinada ao desaparecimento. Era o ataque da provncia (Trogo era natural da Glia) ao centralismo romano e ao mito providencialista das origens., nas palavras de A. Esprito Santo (in Centeno 1997 256). Esta nova atitude est tambm representada no poeta hispnico Lucano, que, no livro IX do seu Bellum Ciuile, a respeito da visita de Csar a Tria, retoma o topos da contemplao de runas de cidades que outrora foram florescentes, o que pode ser, e tem sido, entendido como um sinal e um aviso de que o mesmo poderia acontecer a Roma.9

    Com a chegada do sculo II d.C., voltam a surgir manifestaes admirativas relativamente ao mundo romano. Plutarco, reconhecido pelo clima geral de pacificao trazido pela paz romana e convencido de que um tal imprio no poderia existir sem dever qualquer coisa aos deuses, afirma sem hesitao que a fortuna e a uirtus se uniram para fazer o conjunto mais belo das obras humanas, o imprio romano.10

    Pela mesma poca, o retor lio Aristides (c.117-c.181) comps, talvez por ocasio da celebrao dos novecentos anos da fundao da cidade, em 147 d.C., um Elogio de Roma. Este retor grego estava convicto de que o Imprio Romano no era apenas superior aos seus predecessores em extenso, durao e organizao , mas era o resultado da obra dos outros, que prepararam a sua grandeza. Comungava, alm disso, do dogma oficial da eternidade de Roma, como se deduz do modo como encerra o seu Elogio de Roma ( 108-109). Em palavras que contm todos os ingredientes prprios do encmio, diz Aristides:

    9 Hardie 1994 58-60 lembra que Lucano no foi o primeiro romano a tomar conscincia do facto. J em 146 a. C. Cipio Emiliano, vendo Cartago destruda, was prompted to muse on the mutability of Fortune and to wonder what the future might hold for Rome.

    10 Frazier et Froidefond 1990 26.

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    Crnica de uma morte anunciada: a queda de Roma

    Mas este feito empreendido desde o incio, o de igualar o discurso grandeza do Imprio, ultrapassa tudo o mais e necessita quase de um tempo igual ao da durao do Imprio isto , provavelmente, a eternidade. Por isso o melhor ser, a exemplo dos poetas de ditirambos e de pans, concluir o meu propsito acrescentando uma orao. Que sejam invocados todos os deuses e os filhos dos deuses, e que concedam a este imprio e a esta cidade que permaneam eternamente florescentes e que no tenham fim antes que as massas de ferro flutuem superfcie do mar e que as rvores deixem de florir na primavera.11

    Mais tarde, em finais do sculo II, Tertuliano escrever:

    () ns rezamos e sem cessar pedimos a deus que todos os imperadores gozem de uma longa vida, que governem sobre um imprio seguro () Uma outra necessidade, mais elevada, nos obriga a rezar por todos os imperadores e por todo o mundo, pela conservao do imprio e do poder romano: que ns sabemos que a terrvel catstrofe que ameaa todo o mundo, ou seja, o fim do mundo, que com ela arrasta sofrimentos intolerveis, est apenas suspensa pelo intervalo acordado ao imprio romano.12

    De Horcio at Tertuliano, os tempos tinham mudado. Sentia-se mais dbil a solidez do Imprio. O mundo romano tornara-se uma extensa teia de aranha cujos fios so as caladas que de Roma conduzem aos mais longnquos pontos do novo mapa do Imprio, o que fez com que comeasse a ser difcil suster a presso constante dos povos s portas do imprio e provocou a chamada revoluo militar, que, em conjunto com as revoltas de cidados que se insurgiam contra o insustentvel e frequente aumento de impostos e o alargamento do fosso entre as classes possidentes e os deserdados da sorte, tornaram a situao muito insegura.

    Assim sobreveio a crise do sculo III, que afectou a economia, o exrcito, a sociedade. As dificuldades enfrentadas por Roma foram incalculveis, sucederam-se as guerras civis, a anarquia militar, tudo parecia desabar.13

    11 loges grecs de Rome, 108-109 (Pernot 1997 119). Em comentrio a este passo, Pernot esclarece, na nota 229, que se trata de dois adynata clebres, um referido em Herdoto (1.165), outro num texto da Antologia Palatina (7.153). Da mesma poca um poema grego atribudo a Melino, poetisa talvez de Lesbos, que sada Roma como soberana de um imprio que nem o tempo, que tudo abate, destruir. O poema foi conservado por Estobeu (III, 12, 7) e pode ver-se, traduzido, em Martn Garca 1994 311-312.

    12 Citado, com a devida vnia, de Paula Barata Dias.13 Foi, nas palavras de Dodds 1965 100, an age of anxiety. Fernndez Ubia (1982 17 e

    sgs.) enumera como motivos da crise: crescente proletarizao; escassez de terras; escravizao e forte importao de mo-de-obra; opresso social que se abate sobre os agricultores das provncias; crise agrria; recesso econmica; aumento dos gastos pblicos (com a burocracia e o exrcito); incapacidade de superar as diferenas de classe; barbarizao do estado greco-romano.

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    Perante o decrscimo dos impostos pagos ao estado, aumenta a presso fiscal (para sustentar o aumento das despesas militares com a defesa nas fronteiras), aumentam as extorses extraordinrias, aumenta a injustia.14 Segundo Citroni (2006 1041), neste sculo j se vislumbram muitos dos factores de desagregao que conduziram queda do imprio do Ocidente.

    No obstante, o sculo IV voltar a dar sinais de renovao de confiana nos destinos de Roma.15 Atesta-o a obra de Amiano Marcelino, o ltimo grande historiador do imprio.16 O tema da sua obra historiogrfica a histria do Imprio romano visto como um estado universal (porquanto compreendia a maior parte do mundo conhecido) e eterno, que resultava de um pacto firmado para esse fim, no tinha dvidas, entre Virtus e Fortuna.17

    Roma era, para Marcelino, a Vrbs aeterna, uma urbs sacratissima, um templum totius mundi e caput mundi. E a sua confiana na perenidade de Roma era a tal ponto inabalvel que, nas suas palavras, Roma viveria enquanto houvesse homens: uictura dum erunt homines Roma (14.6.3).18 Mas eram palavras de optimismo ditadas pelo corao, como adverte Italo Lana, que chama a ateno para o carcter trgico desta viso da histria, pois entram em contradio a f do historiador na eternidade de Roma e a realidade do que sucede: uma decadncia progressiva e inestancvel do Imprio submetido aos assaltos dos brbaros.19 Todavia, quando comparava os tempos de agora com o passado, Amiano Marcelino dava-se conta da degradao moral em que estavam a cair todos os Romanos, desde o senado plebe, porquanto velavam pelo seu bem particular e no pelo bem comum.20

    Na mesma linha de pensamento se inscreve Cludio Claudiano o ltimo poeta clssico latino, que nasceu por volta de 365, quando a presso dos Hunos sobre as fronteiras se fazia sentir e obrigava Alanos, Ostrogodos e

    Segundo este estudiosos, a coincidncia de tantos factores acaba por potenci-los.14 Veja-se Magaa Ore 2001 e Cameron 1993 19.15 Explicando esta nova situao, Chastagnol 1969 8 defende que, apesar de todas as

    desgraas ocorridas, o imprio romano subsistiu, voltando a assegurar a segurana das fronteiras.16 Natural de Antioquia, na Sria, Amiano Marcelino (c. 330 c. 400) veio para Roma e a

    comeou a escrever os Rerum Gestarum Libri XXXI. Amiano atribua a origem da decadncia romana burocratizao excessiva e opresso tributria.

    17 Veja-se Mellor 1999 118-126 e Ruggini 1998 221-227.18 Tambm Floro (2.13.1), em meados do sculo II, fizera coincidir a dominao romana

    com o gnero humano (romana dominatio, id est humani generis), mas tambm com a civilizao.19 Lana 1998 237. E o mesmo autor lembra o passo de Amiano (14.6) no qual, ao falar da

    velhice de Roma, refere como esta dominou todo o mundo e, deixando as guerras, continua na sua velhice venerada e respeitada como soberana e rainha. Mas a verdade que, ainda segundo Italo Lana (p. 238), Ce tableau idyllique et serein de la situation contemporaine de Rome est trs artificiel et ne correspond pas la vrit, pois o papel poltico de Roma acabara.

    20 Em 14.6 e 28.6 surgem dois excursos sobre os vcios do senado e do povo romano (Cameron 1993 19 e Citroni 2006 1119).

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    Visigodos a lanar-se contra Roma. Comps em 400 o De consulatu Stilichonis, um poema panegrico a celebrar o ano do consulado do grande general Estilico, seu principal patrono e heri mximo dos seus poemas21 e nele faz um extraordinrio elogio de Roma (3.130-173), louvando a extenso ilimitada do Imprio e a ausncia de fronteiras quod cuncti gens una sumus, nec terminus unquam / Romanae ditionis erit (vv. 159-160), (porque todos formamos um s povo e a dominao romana no ter fim) , bem como a organizao e a fora civilizadora das suas leis.

    Os tempos de Diocleciano e da Tetrarquia tinham trazido uma relativa estabilidade econmica e paz social, mas externamente as fronteiras militares continuavam vtimas de um progressivo enfraquecimento. A unidade imperial fora renovada nos tempos de Constantino, mas a instabilidade regressara: os Visigodos passaram o Danbio, em 376, aniquilaram as divises orientais do Imprio e assassinaram o comandante em chefe, o imperador Valente, na decisiva batalha de Adrianpolis, em 378. Este desastre foi sentido pelos contemporneos como o anncio ou prenncio do fim do Imprio.22 Poucos anos depois, em 395, Teodsio desfere mais um golpe na difcil unidade do mundo romano, ao dividir o Imprio pelos filhos Arcdio e Honrio, antecipando o seu irremedivel desmembramento. E foi com este pano de fundo que Claudiano celebrou o poder unificador de Roma.

    A voz dos poetas em louvor da cidade de Roma continuava viva, portanto, mesmo quando volta s se viam runas. No seu catlogo e elogio das cidades mais importantes do Imprio Romano (Ordo Vrbium Nobilium), Ausnio, o mais conhecido dos poetas da segunda metade do sc. IV, refere-se a Roma como Prima urbes inter, diuum domus, aurea Roma (Roma, primeira entre as cidades, morada dos deuses, urea Roma). E no entanto era j um tempo de declnio. Por isso F. Peschoud, no seu livro Roma Aeterna, tecer duras crticas a Ausnio, acusando-o de ter atravessado o seu sculo como um cego: no viu o perigo brbaro, nem o conflito entre pagos e cristos, nem a luta contra a heresia, nem a destruio do poder papal, apesar de Graciano ter sido assassinado quase debaixo dos seus olhos (em 383).23

    Mas o caso mais flagrante de um elogio da Urbe feito a destempo surge j depois do saque de Roma e procede de Rutlio Namaciano, indefectvel admirador da grandeza da cidade. De origem galo-romana, veio a dada altura para Roma (quando seu pai era governador da Etrria) e a fez carreira, sendo

    21 Sobre este autor, vida e obra, vd. Cerqueira 1991 8-9.22 Piganiol 1977 488-489.23 Peschoud 1967 130 (apud Mazzoli art. cit., pp. 77-91, p. 81). A respeito do desaparecimento

    do Imprio Romano do Ocidente um desfecho algo repentino, a julgar pelas mostras de renascimento no sculo IV, opinou Brown 1972 105 : Para os contemporneos, a falncia dos imperadores do Ocidente, no sculo V, foi a crise mais imprevista do Estado Romano.

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    nomeado praefectus Vrbis em 414. Trs anos mais tarde regressa Glia e, provavelmente durante a viagem, escreveu um poema intitulado De reditu suo, no qual descreve a viagem desde Roma at Luna. Composto em 417 d.C., o poema ficou inacabado. Nele o poeta, que sofre com a viso das runas que se lhe deparam na sua viagem, deixa bem expressa a sua profunda admirao por Roma, mesmo depois de a ter visto saqueada pelas tropas de Alarico. Admira a grandeza da cidade e acredita no seu renascimento, convicto de que viver eternamente.24 Roma celebrada como rainha do mundo e me dos deuses e dos homens, sendo ainda considerada capital de um imprio sem igual, j que os astros nunca viram nada de mais belo (De reditu suo 1.81-82):

    Omnia perpetuos quae seruant sidera motus nullum uiderunt pulchrius imperium.

    De todos os astros que garantem os movimentos eternos nunca nenhum viu imprio mais belo.

    Os Romanos tinham conscincia de que a um imprio sucede outro e que o imprio de Roma fatalmente haveria de perecer, como os demais. Mas a eternidade de Roma tornara-se uma crena e um dogma. Compreende-se, por isso, que Marrou possa ter afirmado, sobre o fim do Imprio: Os contemporneos da queda do Imprio Romano do Ocidente no tiveram conscincia de tal coisa.25 A perenidade de Roma foi um mito que muitos defenderam mesmo quando as condies objectivas j o no permitiam.

    E no entanto, poucos anos mais tarde, o mito sofre novo sobressalto, perante a constncia dos ataques segurana dos povos da Romnia, perpetrada por outros povos. Ouvir-se- ento a voz incrdula de uma das figuras mais importantes do sculo V, So Jernimo (c. 345-419), horrorizado com o que acontece (em carta a Heliodoro, 60.16):

    Horret animus temporum nostrorum ruinas persequi. Viginti et eo amplius anni sunt, quod inter Constantinopolin et Alpes Iulias cotidie Romanus sanguis effunditur. Scythiam, Thraciam, Macedoniam, Dardaniam, Daciam, Thessaliam, Achaiam, Epiros, Dalmatiam, cunctasque Pannonias Gothus, Sarmata, Quadus, Alanus, Hunni, Vandali, Marcomani uastant, trahunt, rapiunt. [...] Romanus orbis ruit [].

    24 Marmorale 1974 121. Pela mesma altura (c. 417), Orsio escreveu uma Histria Universal para explicar que o Imprio era castigado pelos seus vcios.

    25 Marrou 1979 103. Mas logo de seguida alerta para o carcter paradoxal desta afirmao, pois no faltam afirma - testemunhos escritos do sentimento de uma decadncia generalizada e irreparvel. Esses testemunhos encontram-se reunidos em Courcelle 1964.

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    Crnica de uma morte anunciada: a queda de Roma

    A alma fica horrorizada ao ver as runas dos tempos presentes. H vinte ou mais anos que o sangue romano derramado diariamente entre Constantinopla e os Alpes Jlios. A Ctia, a Trcia, a Macednia, a Dardnia, a Dcia, a Tesslia, a Acaia, o Epiro, a Dalmcia e as Pannias, devastam-nas, exploram-nas, saqueiam-nas o Godo, o Srmata, o Quado, o Alano, os Hunos, os Vndalos, os Marcomanos [...]. O orbe romano est a ruir [].26

    E na epstola 123, a Gerquia, datada de 409, um ano antes do fatdico ano de 410, ele afirma, como um dado adquirido: O que fazia de sustentculo saiu do meio, sem que tenhamos sentido a chegada do anticristo () incontveis e ferocssimas naes ocuparam completamente as Glias ().

    A obra de S. Jernimo est cheia de reflexes e meditaes sobre esse acontecimento to espantoso quo inesperado que foi o ataque das hordas de povos germnicos a Roma (e ao Imprio romano), antes e depois do saque de Roma perpetrado pelas tropas de Alarico em 24 de Agosto de 410. Os chamados brbaros estiveram na cidade apenas trs dias.27 Mas... sucedera o que parecia impossvel e j no havia segurana em nada. Da as suas perguntas e exclamaes, carregadas de espanto e incredulidade. No seu comentrio a Ezequiel (ao prlogo do livro III), Jernimo exclama: Quis crederet ut totius orbis exstructa uictoriis Roma corrueret?, isto : Quem poderia crer que Roma, vitoriosa no orbe inteiro, haveria de ruir? E o mesmo So Jernimo comenta, na carta a Gerquia (Epist. 123.16), o estado de decadncia da cidade eterna, ao mesmo tempo que se interroga, dando sinal de uma enorme inquietude: Quid saluum est, si Roma perit? Como se se interrogasse: Que segurana haver no mundo, depois da queda de Roma?28

    Recordemos o passo (Epist. 123.15-16):

    H j algum tempo, do mar do Ponto at aos Alpes Jlios, que no eram nossas as terras que so nossas e h trinta anos que se combatia no centro das regies do imprio []. Quem teria acreditado que Roma teria de combater no seu interior no pela glria mas pela sua salvao; mais do que isso: que teria, no

    26 As referncias geogrficas deste texto dizem respeito aos pases e regies do norte e oriente do Imprio Romano, ento as mais ameaadas pelas investidas dos povos brbaros.

    27 Algumas pginas de Santo Agostinho reflectem a angstia que ento se apoderou dos romanos. Os cristos como ele tiveram tendncia a olhar para os funestos acontecimentos como um sinal de que o destino de Roma assim o determinava. Veja-se referncia a estes tempos conturbados e ao saque de Roma em Santo Agostinho (vd. Urbano 2010 15-19) e em Orsio 2000 11-13 (da Introduo) e 39-40.

    28 O sentimento de So Jernimo no anda muito longe do expresso nas palavras que Tcito (Hist. 4.74) atribui a Petilius Cerialis, comandante de tropas, quando este admite a eventualidade da destruio do Imprio: Com efeito - praza aos deuses que no! -, se os Romanos so expulsos [da Glia], que acontecer se no uma guerra universal? Um circunstanciado comentrio s cartas 60 e 123 de S. Jernimo pode ver-se em Dias 2006 41-46.

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    de lutar, mas sim de resgatar a sua prpria vida com o ouro e todos os seus bens. Agora, admitindo que tudo acabe em bem, no temos nada a tirar aos inimigos a no ser os bens que perdemos. Um apaixonado poeta, falando do poder de Roma, diz: Que coisa te basta, se Roma pouco? Podemos transform-lo neste outro elogio: Que coisa se salvar, se Roma perecer?29

    Poucos anos depois, Odoacro assassina Orestes e priva o filho deste, Rmulo Augusto, do poder imperial. Assim caa o ltimo imperador romano do ocidente. A fim de tranquilizar o imperador do Oriente, Zeno, Odoacro apressa-se a enviar as insgnias imperiais para Constantinopla, com o que est a reconhecer a autoridade suprema do descendente de Constantino, colocando-se como seu vassalo (Dias 2006 39). Comentando este gesto, Paul Rich (1992 69) afirma: O Imprio romano do Ocidente estava morto. Mas ningum se apercebeu disso.

    Passados mil anos, no sc. XV, quando se assistia ao movimento de renovao dos estudos e do interesse pela Antiguidade Clssica, eram frequentes os lamentos sobre os obscuros tempos passados. Cite-se a este respeito o caso do humanista italiano Poggio, que no livro I do De uarietate Fortunae lembrar com tristeza a grandeza perdida de Roma:

    um pensamento recorrente, para meditar com assombro, que esta colina, o Capitlio, que outrora foi cabea do imprio romano, a cidadela do mundo, diante da qual todos os reis e prncipes tremiam, qual tantos generais subiram em triunfo (...), esteja to arruinada e destruda, to mudada em relao ao seu aspecto original, a tal ponto que as heras cresceram no local onde antigamente se sentaram os senadores...30

    Em suma:Os textos e autores evocados puseram em relevo alguns sinais evidentes ou

    indcios de contnuas mudanas no orbe romano, resultado ou da decadncia da uirtus ou da inconstncia da fortuna. Alguns dos sinais, manifestamente

    29 Esta pergunta, que indubitavelmente deixa transparecer uma grande angstia quanto ao futuro e que ainda hoje nos faz reflectir , ser retomada muitos anos mais tarde, em plena Idade Mdia, segundo informa Purcell 1995 379: Tambin la tradicin occidental se preocupaba por el poder simbolizado en los monumentos, y por las cuestiones sobre como continuar este y cundo terminar. Un caso famoso aparece en un texto llamado citas de los Padres, recopilaciones de escritos, antologias, problemas y parbolas, erroneamente atribudo a Beda el Venerable: Mientras el Coliseo permanezca en pie, Roma seguir existiendo; quando el Coliseo caiga, Roma caer tambin; quando Roma caiga, caer el mundo.

    30 Cit. de Jenkins 1995 39. E o tema das runas de Roma deu origem, nesse tempo, a inmeros poemas. Ianus Vitalis (que morreu em 1560) celebrizou-se com o epigrama, em latim, De Roma Antiqua, que foi cuidadosa e poeticamente traduzido pelo poeta francs Du Bellay, pelo espanhol Francisco de Quevedo e por alguns outros poetas. Sobre este epigrama e as tradues que dele foram feitas, veja-se Ramalho 1969 297-317.

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    Crnica de uma morte anunciada: a queda de Roma

    optimistas, podem ser atribudos a crenas inabalveis ou a objectivos de propaganda poltica, porquanto surgem quando os tempos so de manifesto declnio. Outros sinais antecipam j o que acabar por acontecer.

    De ento para c, a admirao de uns e a perplexidade de outros continuaram, e continuaro, a caracterizar o olhar que se volta para a Antiguidade Romana em busca de respostas. Assim se justificam, em grande parte, as romagens que continuam a fazer-se a Roma, Roma crist e Roma pag. Elas atestam, sem qualquer dvida, a seduo exercida pela forte simbologia do lugar que um dia foi a capital do imprio.

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    Orculos bblicos de fim projectados por sobre o fim de roma

    Orculos bblicos de fim projectados por sobre o fim de roma

    Jos Augusto RamosFaculdade de Letras da Universidade de Lisboa

    Resumo: O fim de Roma um ponto fulcral do discurso apocalptico onde confluem perspectivas dos orculos profticos sobre a prtica poltica das naes estrangeiras. O judasmo e o cristianismo valorizaram o tema, formulando-o como um juzo de condenao sobre o estado do mundo sob o domnio de Roma.Palavras chave: Roma, fim, apocalptica, naes, histria, imprios, orculos profticos

    Abstract: The end of Rome is a nuclear point of the apocalyptic discourse, which retains many perspectives of the prophetic oracles against foreign nations. Judaism and Christianity developed and enriched this theme, using it as a judgment formula and applying it to the state of the world under roman regency. Keywords: Rome, end, apocalyptic, nations, history, empires, prophetic oracles.

    Para esta comemorao historiogrfica de um acontecimento que ressoa, de algum modo, como um fim de Roma, pertinente recolher, em sntese, um tema literrio que tem a ver com o fim de Roma e decorre do percurso das literaturas orientais, particularmente da bblica. Este tema recebe a sua expresso literria maior, em confronto com a histria poltica local de Roma, numa poca que coincide mais ou menos com o final do primeiro sculo da era crist, quando a frmula institucional do Imprio governava o mundo a partir de Roma. Acontecendo isso no final do primeiro sculo da presente era, estamos ainda muito antes do fim real, cuja efemride se rememora. Esta proposta de tema mantm, mesmo assim, grande pertinncia, porque aquilo que nestes textos se vai formulando no propriamente o acontecer do fim; sobretudo a anlise das razes pelas quais um fim se demonstrava historicamente justificado e merecido, a julgar pelo olhar e pelos desejos de alguns a quem a histria de Roma dizia algum respeito.

    1. Roma em leitura ambivalente para o judasmo antigo.O mundo dos judeus movia-se tradicionalmente num contexto oriental

    de coordenadas relativamente claras. Tomando em considerao as referncias de orientao geogrfica que lhe eram habituais, Roma era uma realidade que se situava literalmente atrs das suas costas, porque a sua orientao se definia de olhos voltados para Oriente. Por via disto, a primeira entrada explcita de

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    Jos Augusto Ramos

    Roma no horizonte literrio dos hebreus acontece de uma forma auspiciosa, no captulo 8 do Primeiro Livro dos Macabeus, referindo-se a acontecimentos situados na segunda metade do sculo II, antes de Cristo. Trata-se de estabelecer um tratado de amizade e colaborao entre Roma e a Judeia. Ora, esta entrada de Roma pode realmente considerar-se auspiciosa, porque a inteno que a ela preside a de estabelecer amizade e aliana com os romanos, pedindo a estes que libertassem os seus novos amigos judeus do jugo dos gregos, pois viam que o desgnio destes era submeter e reduzir Israel servido (1Mac 18,17-18). Os romanos mostraram-se agradados com estas declaraes dos judeus e, mesmo antes de lhes responder, Roma comeou a pr em prtica as suas competncias de amiga e protectora contra os selucidas de Antioquia, ameaando com a sua interveno, logo que estes dessem motivo para isso (1Mac 8,19-32).

    Todavia, apesar deste horizonte de proteco eficaz, lcida da parte dos judeus a imagem algo ambivalente que Roma lhes oferecia j naquela altura. Com efeito, os romanos so descritos como extremamente poderosos e como benevolentes para com os seus aliados. Apesar do aspecto idlico deste olhar, o facto reconhecido era que os romanos ofereciam a sua amizade a todos os que a eles recorriam, porque, na verdade, o seu poder era muito grande(1Mac 8,1).

    Esta a sntese histrico-poltica que serve de prtico ao famoso captulo, onde se celebra a aliana entre a Judeia do tempo dos Macabeus e os romanos. A seguir explicita-se aquilo que faz parte da imagem internacional de Roma, veiculada pela comunicao ento acessvel aos judeus. O contedo desta imagem internacional de Roma inclua, nomeadamente, as suas numerosas guerras e conquistas no Ocidente e no Oriente, com dados concretos de regies e de personagens polticas, que se estendem desde a Glia e a Espanha at ndia. No deixam de ser sublinhadas, desde o incio, as atitudes de submisso com que os poderes das regies dominadas costumavam acomodar-se ao poderio de Roma (1Mac 8,2-16).

    A substituio da soberania grega (malkut yawan1) pela soberania romana (malkut edom2) constitui uma viragem histrica que no revelou, de incio, todas as suas virtualidades, mas que o mundo rabnico foi codificando de forma

    1 letra, realeza de Javan. Javan o nome bblico para Grcia, at na actualidade (ver Gn 10,3-4) e reenvia evidentemente para o termo de Jnia, com o qual hoje designamos uma parte asitica da Grcia, mas que, visto de alm-Mediterrneo, era realmente a Grcia.

    2 letra, realeza de Edom. Para metaforizar Roma, o mundo hebraico tardio habituou-se a aproveitar a analogia semntica e nominal de um tradicional vizinho e inimigo histrico de Israel, Edom, situado a Sul do territrio da tribo de Jud. Trocar o D por um R era um exerccio fcil e sugestivo na escrita hebraica. Carvalho 2009 220-222 concretiza alguns aspectos de Edom interpretado como Roma na literatura rabnica. Ver tambm Hadas-Lebel 1990 460-472.

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    Orculos bblicos de fim projectados por sobre o fim de roma

    cada vez mais intensa3. Como potncia de origem ocidental, Roma congloba igualmente as memrias de uma geografia bblica com tonalidades mticas, a dos Kittim, grupo ao qual a condio de estrangeiros e o posicionamento geo-estratgico foi dando cada vez mais conotaes de ameaa4.

    Daqui decorre uma viso do papel histrico de Roma. Segundo este modo de ver, Roma descrita como portadora de uma civilizao que os judeus, na sua generalidade, nunca rejeitaram e como chave de uma globalizao da conscincia humana, que parecia encaixar razoavelmente bem nas coordenadas mticas do Oriente. A prpria viso poltica que h-de representar Roma e o seu imprio no parece ainda suscitar grandes motivos de rejeio. Podemos dizer que estes ingredientes compem um quadro que no seria muito diferente daquele outro quadro drstico que nos vai aparecer no Apocalipse, mais de duzentos anos depois. O que acontece que, nesta fase inicial, as semnticas de ressonncia no horizonte da conscincia poltica estavam condicionadas por um panorama significativamente diferente. A proteco oferecida contra uma terceira entidade poltica, considerada como inimiga, esbate aqueles aspectos que, no poder de Roma, poderiam j ser vistos como negativos5. O seu poder, visto como protector, era ainda positivo.

    Pouco a pouco, no entanto, Roma vai sendo conotada, nos vrios meandros onde podemos encontrar a expresso da sensibilidade judaica, com as potncias inimigas e com os imprios do passado, que foram conquistadores e opressores. Todos eles, com efeito, tinham deixado na memria uma profunda imagem de sofrimento e na alma uma imensa vontade de rejeio e liberdade. O lado positivo destas emoes e desta memria o facto de, apesar de tudo, elas terem contribudo intensamente para a definio da conscincia de identidade com que os judeus se foram assumindo e projectando no convvio das naes.

    Os pronunciamentos sobre o fim de Roma mantiveram sempre esta ambivalncia e no se apaga a vontade de tratar da questo romana como sendo parte integrante do mundo dos judeus durante os aproximadamente duzentos anos que decorrem entre o Primeiro Livro dos Macabeus e o Apocalipse de Joo. Vrios momentos difceis da experincia vivida sob dominao romana traziam ao esprito, com alguma naturalidade, o tema sobre o fim de Roma, tal como aconteceu com a catstrofe do ano 70 e a destruio do

    3 Schfer 1989 49-50. 4 Collins 1998 93; Hadas-Lebel 1990 40-43; 339-341. tnica e onomasticamente associados

    a Javan (Gn 10,4; 1 Cr 1,7) e a Chipre (Is 23,1; Nm 24,23) bem como a vrias regies do Egeu (Jr 2,10; Ez 27,6), os Kitim foram servindo para identificar os conquistadores que chegavam dos lados do mar Mediterrneo (1 Mac 1,1; 8,5; Dn 11,30.

    5 Schfer 1989 70-71.

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    templo de Jerusalm6, Alguns textos judaicos como o da Regra da Guerra, nos manuscritos do Mar Morto (Qumrn), representam certamente um gnero, uma literatura onde a sensibilidade judaica processa e como que planifica o fim de Roma, dando ao tema uma particular intensidade7. No entanto, a carga de quietismo que os envolve mostra bem que eles devem servir sobretudo para contemplar e aprofundar as razes pelas quais Roma merecia conhecer e sofrer o seu fim. Tais elucubraes aparentemente meticulosas no representavam uma autntica estratgia de poder militar srio e alternativo8.

    O silncio sobre Roma e o seu impacte vai tornar-se de regra entre os judeus, praticamente s com a razia consumada sob o domnio do Imperador Adriano, que os levou a renunciar, de forma quase radical, a outras expectativas escatolgicas9. Na verdade, por essa altura, era j o cristianismo que estava a assumir a questo de Roma, para a tratar, a seu modo, como uma questo de sentido da histria, primeiro como um drama de sabor apocalptico e depois como a epopeia de uma utopia universal.

    2. Confluncia de imagens entre Roma e Babilnia: Os judeus da era do Novo Testamento identificavam-se naturalmente

    com Jerusalm e esta sua cidade capital coincidia essencialmente com a instituio religiosa, social e poltica que era o templo10. Desde antes do incio da Histria, era no templo que as civilizaes do antigo Oriente encontravam as coordenadas profundas do conceito de cidade como uma rede humana de solidariedades. Ora os acontecimentos maiores da histria do templo de Jerusalm, marcados por memrias de carcter negativo, so as suas duas destruies. Uma primeira destruio ocorreu quando os exrcitos de Nabucodonosor conquistaram a cidade, em 587/586; e a figura que ficou como portadora desta memria trgica e passou a carregar com o peso da sua imputao tico-poltica foi a cidade e capital do respectivo imprio, a Babilnia. A tendncia semtico-bblica para personificar a imagem da cidade facilita a imputabilidade destas responsabilidades histricas. esta a maneira de imputar sentidos e responsabilidades dentro da tica pr-clssica. A segunda destruio do templo, naturalmente marcada pela rejeio da parte dos hebreus, foi aquela que teve lugar por iniciativa dos soldados de Tito, no ano 70 da nossa era. A grande responsvel por esta segunda destruio

    6 Hadas-Lebel 1990 430ss.7 Collins 1998 168; Collins 1997 95-109; Vermes 2006 163-187; Hadas-Lebel 1990 40-43;

    339-341.8 Sobre o carcter quietista do discurso dos apocalpticos, apesar da intensidade e do evidente

    frenesim, ver Ramos 2006 20-24.9 Collins 1998 281.10 Jeremias 1969 25-30.

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    Orculos bblicos de fim projectados por sobre o fim de roma

    a rede de poder comandada pela cidade-personagem referida pelo nome de Roma.

    Quando os textos de lamentao e memria tentam imputar o crime da destruio a um agente especfico, preferem referir a cidade11. como que uma forma abstracta e sistmica de tratar os acontecimentos com a sua estrutura de poder. Isso faz dos acontecimentos um projecto de opresso que tem sempre mais ressonncia do que um acontecimento que tivesse tido lugar episodicamente no percurso histrico de um homem. Acontece tambm assistir-se ao desdobramento da imputabilidade por duas figuras, a da cidade e a do rei que a governava na altura. Assim se desdobram, no Apocalipse, as referncias principais ao papel da cidade com as referncias mais secundrias ao papel da Besta como referncia a um imperador selvagem12.

    O esteretipo da prostituio aplicado como designativo principal da cidade a maneira de formular o tratamento das questes histricas como aventuras de pertinncia antropolgica. Os procedimentos de Roma tm a marca de comportamentos anmalos. Desde os grandes textos de Oseias (4,11-19) e de Ezequiel (16; 23) que esta metfora amorosa do desafeioamento dos hebreus relativamente ao seu Deus significava sobretudo as atitudes planeadas de caminhos polticos ilegtimos e no quaisquer comportamentos respeitantes ao domnio da sexualidade.

    Digamos que a pertinncia sexual desta metfora se insere na compreenso da sexualidade maneira bblica, isto , como um tipo de vivncia em que os compromissos interpessoais, sejam de teor jurdico sejam diferentes, que definem o sentido de transgresso que se encontra em jogo a cada momento. Sem inovar tambm neste ponto concreto, o apocalipse cristo aproveita a conjuno estereotipada de Babilnia e Roma no figurino de uma cidade que a capital de um poder opressivo13.

    Com efeito, o Apocalipse encontra-se precisamente na encruzilhada histrica entre o judasmo e o cristianismo. Por isso, permanecem eficazes os sentidos histricos que estes temas vinham acumulando e com os quais se foi recheando a memria do judasmo, de sculo para sculo. No tempo em que o Apocalipse foi ganhando a sua redaco definitiva, o cristianismo encontrava-se j a caminho de conseguir a sua afirmao como um bloco autnomo relativamente ao judasmo. Este percurso ia acontecendo, por fora

    11 Seja qual for a data que se assumir para origem de um texto como o Salmo 137, 8-9, a sua parte final atira com o pesado castigo pelo exlio dos judeus para cima da prpria cidade da Babilnia, com tonalidades to radicalmente dramticas que a prpria liturgia sempre teve dificuldade em assumir como orao.

    12 Sobre a Besta, cuja elaborao parece mais descoordenada com a poca de referncia mais nuclear para o conjunto do livro, ver Saot 2004 135-145.

    13 Collins 1998 234.

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    do crescendo de identidade do prprio cristianismo, bem como por via da cada vez mais acentuada vontade poltica da comunidade judaica no sentido de excluir o grupo cristo de entre as suas hostes. As grandes coordenadas para a leitura da Histria transitavam igualmente do contexto social do judasmo para o mbito de um outro espao cultural; desta maneira elas se afirmavam e se enraizavam ganhando progressivamente foros e dimenso internacional.

    3. O fim de Roma no Apocalipse, 17,1 a 19,10.Tal como acontecia em 1Mac 8, tambm em Ap 17 se assinala a referencia

    a uma rede mundial de parceiros que esto articulados com o destino de Roma. Cabe-lhe a ela evidentemente a funo de presidir. Contudo, o ambiente que se reflectia no Livro dos Macabeus, por volta em 150 a. C., era de xito, entusiasmo e colaborao. Pelo contrrio, a imagem desta nova globalidade romana exposta no Apocalipse de fracasso, suspeio e inveja e de ameaa mtua. o mundo que desmorona sobre Roma. Em vez de ser o seu palco de sucesso, a fonte da sua runa.

    Por outro lado, os traos com que se descreve a cidade de Roma e o tratamento metafrico que lhe dado nem sequer dependem do conhecimento directo ou indirecto da realidade urbana da grande cidade capital. Pode tratar-se, na prtica, de uma transposio imagtica feita com toda a probabilidade a partir da imagem inscrita numa moeda com a efgie da dea Roma que comeou a circular na provncia da sia pelos finais do sc. I, d. C14. Avulta sobre esta paisagem histrica a figura do imperador Domiciano e a imagem existencial do poder de Roma, apresentada como uma deusa em efgie numismtica a circular nesta provncia da sia15.

    Esta imagem foi inicialmente fixada em pea de numismtica, mas a frequentao cultural serviu para lhe preparar a capacidade literria de metfora, servindo de modelo apocalptico, para garantir efeitos surpreendentes: ganha o estatuto de uma viso16. Assistimos desta maneira ao processo cultural de uma espcie de narratividade ecfrasstica que segue o gnero literrio prprio de uma viso. Esta transposio d ao quadro um ritmo mais dinmico, movimentado e intenso e, por outro lado, enquadra o discurso no contexto claramente apocalptico, onde as realidades so apresentadas como grandes vises. uma maneira prtica e eficaz de fazer incidir a intencionalidade hermenutica sobre os contedos visionados. No discurso apocalptico e no discurso bblico em geral, as vises so gneros literrios de contextualizao ou encenao hermenutica.

    14 Cf. Carvalho 2009 112-148.15 Aune 1998 919-928.16 Ap 17,3-18.

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    Orculos bblicos de fim projectados por sobre o fim de roma

    O captulo 17 contm uma narrativa onde a figura central Roma, sem o seu nome explcito mas com os traos mais distintivos. O captulo 18 uma liturgia trgica, onde Roma aparece revestida de uma Babilnia mais carregada de smbolismo e com o dramatismo tradicional da queda das cidades (Ap 17,3-18). Esta queda acontece por interveno de Deus, sugerindo que se trata propriamente de um juzo e no de um facto, seja em relato seja em prenncio. Falar de interveno de Deus mais para sugerir um significado do que narrar ou antecipar uma interveno ou uma causalidade factual. A forma literria tradicional era j uma sntese final como sentena em actuao, sem se ocupar dos agentes dessa destruio.

    O facto de a figura sujeita a juzo, na lamentao litrgica do cap. 18, ser uma cidade sublinha ainda mais que aquele julgamento vai incidir directamente sobre o programa poltico e a prtica de poder, sobre o seu estatuto tico e sentido axiolgico, destacado sobre o horizonte do mundo e da histria. A ressonncia universal sugerida assim o diz. O elenco das trs personagens que proclamam uma lamentao em Ap 18, 9-19.21-24 representa sectores significativos da aco poltico-econmica da(s) cidade(s), nomeadamente reis, comerciantes e marinheiros17. Est assim bem definida a frmula social essencial de uma cidade oriental, situada na orla martima. No esquecer que a lamentao-juzo sobre a cidade fencia de Tiro em Ez 27-28 parece ser uma das principais fontes de inspirao do autor do Apocalipse. Recorrendo imagem de Tiro, Ezequiel no est a apontar a figura de um inimigo prximo que representasse alguma ameaa; est a servir-se de um clich histrico da cidade como identidade cultural.

    Na elaborao do quadro sobre a queda de Roma, exposta com bastantes mais ecos do que pormenores ao longo dos captulos 18 e 19, o autor reutiliza, com intuito de actualizao, a riqueza de um patrimnio histrico-literrio que encontramos na Bblia, em estado de permanente releitura e actualizao. Este gnero deriva de um tema clssico e j milenar nas culturas do Oriente antigo, de que podemos referir, como ocorrncia mais antiga, a lamentao sobre a queda de Acad ou Agad e, j dentro da Bblia, o clebre livro das Lamentaes, que a tradio foi associando ao nome de Jeremias18.

    As mais conseguidas e vistosas realizaes deste gnero literrio encontram-se na linha dos orculos contra as naes. Esta actividade de pronunciamento sobre o estado das relaes internacionais que, neste caso, diziam respeito aos hebreus identificava-se com uma das tarefas que a funo proftica mais frequentemente representava. Os casos mais notrios podem

    17 Carvalho 2009 515.18 Cf. Morla Asensio 1994 493-527.

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    encontrar-se em Isaas19, Jeremias20, Ezequiel21, Joel22, Ams23; Abdias24, Naum25, Sofonias26.

    Relativamente ao tema que estamos a tratar, sobre os textos de Is 47, Ez 26-28 e Jr 51 que o efeito de sobreposio hermenutica entre a imagem da Babilnia e a funo de Roma se realiza mais claramente27. O recurso ao tema da condenao das naes, proveniente dos discursos profticos, d a entender que a literatura apocalptica no pretende somente iluminar por novas perspectivas o horizonte humano do seu tempo, mas, com um sentimento mais nacionalista, pretende ainda mostrar solidariedade com os outros povos que estavam dominados pelos romanos, reforando a ideia de que o seu poder pudesse ser substitudo28.

    Uma tnica comum a todos estes discursos o facto de eles sublinharem as referncias ao fim das cidades e povos nomeados e postos como alvo de pronunciamento e juzo. A deciso com que o fazem parece sugerir que o fim real que est em causa e de que aquela interveno configura uma profecia cujo cumprimento realmente se espera. No , contudo, este o sentido que a histria nos confirma. Estes discursos constituem, na verdade, um pronunciamento historiolgico: o sentido e o juzo sobre aquele modelo histrico de poder aquilo que se encontra sob anlise; e o fim de que se fala um voto para que, o mais depressa possvel, chegue ao fim aquele modelo de poder. Aquilo que aqui se faz , por conseguinte, um discurso hermenutico com a intencionalidade de um sentenciamento axiolgico. Estes orculos so, por conseguinte, uma promoo do fim em causa, sem promover ou organizar uma qualquer revolta militar ou assdio. Aquilo que designmos como juzo historiolgico mantm a seu carcter quietista: uma anlise sobre a justia dos poderes. O que faz definir e declarar. esse o seu tipo de interveno.

    19 Is 14-20: Orculos sobre Babilnia, Assrios, Filisteus, Moab, Damasco, Etipia e Egipto; Is 21: queda da Babilnia, Idumeia, Arbia e Quedar; Is 22: Chebna; Is 23: Tiro e Sdon; Is 24: destruio da terra; Is 34: pequeno apocalipse; Is 46-47: queda da Babilnia.

    20 Jr 25-38: Contra as naes estrangeiras (25,31: juzo contra toda a humanidade); Jr 46-51: orculos contra Egipto, Filisteus, Moab, Amon, Edomitas, Damasco, Quedar, Haor, Elam, Babilnia.

    21 Ez 25-31: Orculos contra Amonitas, Moabitas, Edomitas, Filisteus; Tiro e Sdon; Fara e Egipto.

    22 Jl 4: Julgamento das naes pags congregadas no Vale de Josafat..23 Am 1-2: Orculos contra as naes. Damasco, Filisteus, Tiro e Fencios, Edomitas,

    Amonitas, Moabitas e at Israel e Jud; Am 8,8-14: Dia do Senhor. 24 Abd: Edom e Dia do Senhor: e o reino pertencer ao Senhor (21).25 Na 2,4-3,19: Runa de Nnive. (texto sinttico e rico).26 Sf 1-2: Dia do Senhor e orculos contra as naes, nomeadamente Filisteus, Moab, Amon,

    Etipia, Assria,27 Carvalho 2009 41828 Antonio Piero 1991 215.

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    Orculos bblicos de fim projectados por sobre o fim de roma

    Por princpio ou por resoluo de uma impotncia clara e assumida29.H, todavia, no movimento com que se anuncia o fim de Roma, um efeito

    de conspirao de poderes hostis em direco a ela (Ap 17,13.17). Porm, essa convergncia reiteradamente caracterizada como sendo ftua e improcedente. Afirmar de forma quietista a proclamao da justia e do direito a atitude de realismo que resta.

    Entretanto, o sinal claro de que no se trata de uma sentena de fim o facto de se anunciar que o imprio que se vai seguir de um outro tipo completamente diferente. Ele pertence a uma figura surpreendente, o Cordeiro, imagem de fraqueza dotada de autoridade. E esse novo imprio , na verdade, uma festa de casamento; so as bodas do prprio Cordeiro (Ap 19,5-10).

    A esta radical mudana de perspectiva acresce ainda a subtileza de este julgamento e queda poderem ter um sentido de converso. Os orculos sobre as naes seriam um combate pela correcta prtica de poder e no pela destruio dos seus eventuais maus executantes30. A ideia de um juzo com intuito de correco pode ser uma valncia real para uma leitura complementar e sistmica dos orculos contra as naes.

    4. Roma como referncia perene do Quarto ImprioA metfora da histria apresentada por Daniel, na famosa viso fundadora

    do discurso apocalptico, assenta sobre a acumulao de trs imprios j passados que lhe servem para expor metaforicamente a estrutura sequencial do tempo poltico e burilar a experincia histrica que lhe define o contedo e apura o sentido (Dn 7,1-8). Em seguida, o vidente Daniel foca a ateno no quarto imprio que aquele que ocupa todo o horizonte do presente, de modo a deix-lo fechado e esgotado. neste imprio do presente que incidem as anlises de pormenor; ele que submetido hermenutica apocalptica e ele que sofre o juzo de condenao. Os pormenores chegam a ser to acumulados que atrapalham a leitura, pelo menos para ns que intumos o teor da concretizao, mas no o conseguimos discernir quanto aos pormenores de poca, por causa da falta de familiaridade que a distncia nos impe. Contrariamente aos anteriores, j no se refere a identificao do animal que representa este quarto imprio da srie histrica. Este o animal do presente. Em princpio, qualquer leitor-hermeneuta tem modo de proceder identificao deste inimigo.

    mais radical ainda a viragem do olhar para o horizonte de alternativa que dever pr fim ao quarto imprio. Perante as naturais expectativas do

    29 Ver acima, nota 8.30 Bauckham 199 238-333.

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    ouvinte / leitor sobre este ltimo imprio, que seria o quinto e cuja aproximao se representa em contornos de verdadeira utopia, os traos de definio mostram-se claramente contidos e sublinham o entusiasmo que a viragem suscita, mais do que a definio concreta dos seus traos reais e concretos (Dn 7,9-14).

    Ora, no tempo de Daniel, o quarto imprio referia-se sobretudo ao reino dos Selucidas, o qual, a partir de Antioquia da Sria, dominava um pequeno mundo, suficiente, no entanto, para que os judeus se sentissem nele incomodamente espezinhados. Era esse o animal opressor ainda em aco, e contra ele se voltava a crtica e o queixume do vidente apocalptico. Pouco mais de um sculo depois, era j evidente para os judeus que o imprio da opresso apocalptica, o quarto imprio segundo a enumerao danilica, passara j a ser identificado com o Imprio Romano, que, pouco antes, havia sido declarado to seu amigo31.

    Passado, entretanto, este ncleo apocalptico de protesto do campo do judasmo para o do cristianismo, sobretudo depois da destruio de Jerusalm e do seu templo, no ano 70, d. C., o imprio romano transformou-se na imagem perene do quarto imprio, segundo a leitura da metfora danilica, e de forma to radicalizada o faz que consegue personificar definitivamente a Babilnia como smbolo do mal. Transformando em paradigma a metfora histrica de Daniel, este discurso de teor apocalptico acabou por fixar a imagem de Roma nessa funo at aos dias de hoje. Para identificar Roma com o animal do quarto imprio, o qual, de incio, representava os Selucidas, o apocalipse apresenta esta nova besta subindo do mar, imagem daquilo que acontecia na descrio de Daniel (Dn 7,7-8; Ap 13,1-10). A fenomenologia apresentada descreve Roma como potncia invasora, subindo do mar. Em terra, corresponde-lhe outra besta que a incarnao local do poder da primeira (Ap 13,11-18). O que foi invadido e se encontra oprimido est em terra: o espao de habitao dos destinatrios da mensagem apocalptica. O autor do Apocalipse procura reactualizar Daniel32.

    As leituras judaicas de messianismo e apocalptica que foram sendo feitas em pocas posteriores continuam a identificar o quarto imprio com o domnio de Roma, mesmo que, com alguma ironia do destino, tenham de integrar nesse papel o prprio cristianismo que se lhes apresenta historicamente como tendo assumido igualmente uma identificao funcional com a prpria Roma. A apocalptica judaica medieval continua a processar essa mesma sobreposio33. Da parte do cristianismo a questo no se punha da mesma maneira, uma vez

    31 Hadas-Lebel 1990 473-482; Collins 1998 9332 Carreira das Neves 2007 374.33 Ver Ramos 2006 381.

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    que, em geral, se considerava que o tempo histrico da Igreja tinha ultrapassado o do quarto imprio, mesmo que a relao com o quinto imprio continuasse a ter aspectos enigmticos e dialcticos.

    A identificao da Roma papal representada pela prostituta apocalptica foi uma metfora frequentemente utilizada pelas vrias correntes crticas do catolicismo na poca moderna34. Trata-se, de certo modo, de uma aplicao anloga do discurso apocalptico.

    Curiosamente, at o tempo de domnio muulmano, segundo os utilizadores judeus da apocalptica, est integrado nos parmetros que correspondem era de poder romano, por muito pouco que o poder islmico possa ter-se identificado com o destino de Roma. O imprio de Roma assumiu, por conseguinte, o estatuto essencial dentro da esquematizao historiogrfica do texto de Daniel, apesar de este representar uma verso pr-romana da histria. Roma passou a representar o perodo mais tenso e denso da Histria, o presente com o peso e a opacidade dos seus problemas imediatos e incontornveis.

    Apesar de tudo, considerava-se que, do quadro metafrico da histria segundo Daniel, o imprio que estaria sujeito a um processo de definio mais complexo seria o Quinto Imprio. Como realidade futura deveria estar sujeito a contnua reformulao at que uma verso adequada viesse satisfazer completamente as dimenses de utopia implicadas. Com a metfora de Daniel, estabeleceu-se o paradigma da histria, em passado (trs imprios), presente (um imprio) e futuro (um imprio). Todos os presentes at agora tm sido declarados como tempo de Roma.

    5. Ambivalncia persistente na leitura sobre a funo histrica de RomaCaracterizmos a imagem de Roma, no judasmo do sculo II, a. C.,

    como uma leitura de colorido ambivalente. Ora, essa leitura dividida sobre o significado histrico que devia reconhecer-se a propsito de Roma acabou por se transformar numa frmula cuja validade transitou do judasmo para o cristianismo, continuando a motivar atitudes opostas, polarizadas entre a a vontade de rejeio e o impulso de assuno. O cristianismo nasceu numa ecmena que, para alm da hegemonia poltica, reconhecia uma espcie de presidncia romana, entre sentimentos de entusiasmo, resignao e alguma revolta. Este enquadramento particularmente sublinhado no incio do Evangelho de Lucas35 e projecta-se programaticamente em direco a Roma,

    34 Cf. Saot 2004 169-170.35 Lc 2, 1-6. Se, como parece ser facto, o recenseamento aludido por Lucas tiver tido lugar

    na Sria-Palestina uns doze anos depois do nascimento de Jesus, maior pertinncia ganha a vontade de fazer deste horizonte romano-planetrio o enquadramento histrico significativo

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    como nos mostra, de seu punho, o mesmo Lucas no livro dos Actos dos Apstolos36. Assim se recuperavam algumas das razes de apreo do primitivo judasmo pelo mundo romano. O tempo e o contexto de Lucas37 valorizavam essa leitura positiva da sombra romana por sobre o palco da histria comum. No deveria sequer ser muito fcil continuar a propor estas perspectivas nos anos que se seguiram destruio de Jerusalm, no ano 70. O tom amargo que se pressente no Apocalipse, algumas dezenas de anos mais tarde, no contexto especfico da sia Menor dos finais do sculo I38, parece oferecer uma leitura completamente negativa sobre o significado histrico de Roma. Ela ali identificada como a antonomsia histrica do mal e da opresso. O captulo 18 faz de Roma a grande Babilnia, a muito criticada prostituta da histria.

    Em contraposio, o quinto imprio, que, no esquema de Daniel, no foi definido com esta frmula rigorosa de seriao, foi apresentando sempre modalidades diferentes, em cada nova proposta de formulao, de acordo com as perspectivas e os interessas de cada um dos que se agarravam s expectativas nele concentradas. O seu estatuto pode ser to variado e sugerido de forma to subtil; pode buscar alternativas de poder de modelo to diferente que nem sequer se lhe atribui o rtulo especfico de um novo imprio. Assim acontecia, logo de incio, no livro de Daniel, onde, apesar do aparato da vinda de uma figura como um filho de homem sobre as nuvens do cu, isso apenas significava a conscincia ou o desejo de que tivesse chegado a hora de o poder passar para as mos dos santos do Altssimo. Alis, a falta de numerao de srie para a quinta figura de poder, o facto de no ter figurao como animal e a sua caracterizao como um simples ser humano indicam que os quatro imprios identificados com um animal so vistos como maus.

    O cristianismo primitivo apresenta trs atitudes diversificadas relativamente ao poder romano: o reconhecimento de uma autoridade que promove a ordem social existente; a contraposio entre duas ordens de realidade e de valores diferenciados; e uma mais radical atitude que demoniza as entidades, individuais e colectivas, que se identificam com o poder imperial. O livro do Apocalipse parece situar-se sem grandes dvidas nesta ltima posio39.

    A quinta fase da histria sob o ponto de vista da concentrao de poder, no podia ser considerada um imprio. E este matiz contrasta com a naturalidade

    para o nascimento de Jesus.36 Este o horizonte de difuso do cristianismo proposto como programa no livro dos Actos,

    tal como se pode ver pela coincidncia entre o projecto (Act 1,8) e a realizao (28,16-28).37 Situado entre a Sria e Roma, a partir de meados do sculo I.38 De vrios elementos internos, parece resultar inquestionvel que o Apocalipse tenha tido

    origem em ambientes cristos, talvez at minoritrios, na costa sudoeste da sia Menor. Patmos seria uma referncia tradicional verosmil, portanto.

    39 Cf. Vouga 1997 222; 25-26.

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    Orculos bblicos de fim projectados por sobre o fim de roma

    com que ocorre o conceito de imprio para esta quinta etapa na linguagem de Antnio Vieira. A frmula suficientemente concentrada e tambm genrica para se manter esta importante transferncia em estado de indefinio at aos dias de hoje, deixando inevitavelmente pairar um sentimento de desencanto. Foram as re-elaboraes estratgicas posteriores desta expectativa que levaram formulao de sucessivos rtulos, entre os quais podemos mencionar, no nosso prprio contexto cultural portugus, o clebre rtulo de Quinto Imprio. Esta frmula identifica sobretudo a elaborao genial que se deve ao Padre Antnio Vieira, numa viragem radicalmente significativa da nossa histria poltica nacional e at mesmo num ponto crucial da civilizao mundial que ele soube perceber.

    O fim de Roma anunciado no Apocalipse deve, por conseguinte, entender-se como um julgamento que incide sobre o sentido da sua regncia histrica, eventualmente figurada e politicamente vivenciada atravs da apario de uma moeda com a efgie da dea Roma, a circular diante dos olhos do autor asitico e dos seus primeiros leitores cristos. No a viso de um fim real pr-anunciado nem sequer previsto de forma concreta; uma sentena de condenao40; a anteviso e a convocao do gnero de fim que as injustias e excessos com que Roma sobrecarregou a sua imagem ao longo da histria definitivamente merecem. O discurso apocalptico foi exmio a processar snteses de evidncia sobre o sentido da histria, com base na acumulao de dados convergentes41.

    Transposta para o Apocalipse, esta tradio literria de orculos contra uma cidade-nao tem dado a impresso, ao longo de milenares leituras cmplices, de ser uma imagem de fim para o mundo inteiro. As tonalidades mticas do discurso apocalptico projectam naturalmente universalidade. Porm, no seu espao histrico, estes orculos nunca deram a impresso de ser uma profecia sobre o fim do mundo conhecido. Um tal conceito seria at, para os antigos orientais, perfeitamente incompreensvel. Pelo contrrio, esta leitura de fim universal tem ocorrido com facilidade no imaginrio colectivo, ao longo da histria de leitura deste livro. Houve, sem dvida, uma transformao de perspectivas; ou ento poder existir algum movimento semntico pendular, no interior destas metforas.

    Na verdade, esta ambivalncia simblica de Roma no horizonte deste julgamento pode ainda continuar a convergir de forma coerente com a intencionalidade essencial da mundividncia apocalptica, a qual no consiste em proclamar o fim de uma cidade ou do prprio mundo, mas acreditar e

    40 Ap 17,1. A frmula de julgamento da grande prostituta, escolhida por J Carreira das Neves 2007 394, soa perfeitamente correcto, do ponto de vista hermenutico.

    41 Cf. Ramos 2010 41.

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    Jos Augusto Ramos

    propugnar pela transformao do estado do mundo, de forma empenhada e utopicamente radical. possvel que a forma taxativa com que a apocalptica parece propor a imagem de fim provenha precisamente do seu carcter utpico e radical. Com efeito, imediatamente antes do seu eplogo (Ap 21,9-22,5), reaparece a figura metafrica da noiva, j apresentada em cerimnia nupcial em Ap 19,7-9 e agora transformada numa cidade nova, cidade noiva, a Jerusalm trono de Deus e centro de um mundo novo, com caractersticas de paraso (Ap 21,15-22,5).

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    Orculos bblicos de fim projectados por sobre o fim de roma

    Bibliografia

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    desencanto in Didaskalia XL 232-237.J. C. Carvalho (2009): Esperana e resistncia em tempos de desencanto. Estudo

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    Literature. Michigan, Willi