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22 Capítulo 2 1 O TEATRO NO BRASIL INDEPENDENTE – SÉCULO XIX O teatro desenvolvido no Brasil da Monarquia recebeu fortes influências do que existia na Europa. Proclamada a Independência do Brasil, pouquissímas coisas mudariam no nosso teatro, uma vez que ainda havia o predomínio de Portugal em todas as áreas da cultura aqui desenvolvida. As companhias teatrais estrangeiras con- tinuavam se apresentando por aqui, situação essa que impedia que nossos atores pudessem desenvolver o seu próprio trabalho cênico. Mas, mesmo as- sim, existiram atores e autores brasileiros que ganharam destaque por desen- volverem um teatro marcadamente brasileiro. E, nesse momento tão delicado e controverso, surge João Caetano, com forte representação na área teatral. No palco sem mestre me arrojei... penas... trabalhos muitos vencera... já desanimava quando de meus patrícios soa o brado. Escutei – brado amigo! Avante, ó jovem! Avancei e colhi doces aplausos, com que eles me tornam menos rude a espinhosa carreira que encetara. João Caetano João Caetano foi considerado o precursor do teatro profissional brasilei- ro. Cansado de aceitar pequenos papéis e sem ter nenhuma importância nos grupos de teatro portugueses, buscou organizar uma companhia teatral que fosse genuinamente brasileira, impedindo, naquela época, a presença de es- trangeiros em nosso teatro. Por volta do ano de 1833, ele funda, no Rio de Ja- neiro, a primeira companhia teatral nacional, da qual apenas atores brasileiros podiam participar. Com alguns propósitos nacionalistas, João Caetano abriu mão dos textos dramáticos europeus, bem como mostrou sua recusa em tra- balhar com atores portugueses.

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Page 1: 1 O TEATRO NO BRASIL INDEPENDENTE – SÉCULO XIX · Como afirma Sábato Magaldi, “o papel de Gonçalves de Magalhães no teatro brasileiro foi, sobretudo, o de dar consciência

22 Capítulo 2

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O TEATRO NO BRASIL INDEPENDENTE – SÉCULO XIX

O teatro desenvolvido no Brasil da Monarquia recebeu fortes influências do que existia na Europa.

Proclamada a Independência do Brasil, pouquissímas coisas mudariam no nosso teatro, uma vez que ainda havia o predomínio de Portugal em todas as áreas da cultura aqui desenvolvida. As companhias teatrais estrangeiras con-tinuavam se apresentando por aqui, situação essa que impedia que nossos atores pudessem desenvolver o seu próprio trabalho cênico. Mas, mesmo as-sim, existiram atores e autores brasileiros que ganharam destaque por desen-volverem um teatro marcadamente brasileiro. E, nesse momento tão delicado e controverso, surge João Caetano, com forte representação na área teatral.

No palcosem mestre me arrojei... penas... trabalhos

muitos vencera... já desanimavaquando de meus patrícios soa o brado.

Escutei – brado amigo! Avante, ó jovem!Avancei e colhi doces aplausos, 

com que eles me tornam menos rudea espinhosa carreira que encetara.

João Caetano

João Caetano foi considerado o precursor do teatro profissional brasilei-ro. Cansado de aceitar pequenos papéis e sem ter nenhuma importância nos grupos de teatro portugueses, buscou organizar uma companhia teatral que fosse genuinamente brasileira, impedindo, naquela época, a presença de es-trangeiros em nosso teatro. Por volta do ano de 1833, ele funda, no Rio de Ja-neiro, a primeira companhia teatral nacional, da qual apenas atores brasileiros podiam participar. Com alguns propósitos nacionalistas, João Caetano abriu mão dos textos dramáticos europeus, bem como mostrou sua recusa em tra-balhar com atores portugueses.

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23O teatro do Brasil na Monarquia

Depois do ano de 1839, graças ao seu laborioso trabalho no desen-volvimento do teatro no Brasil, João Caetano, em conjunto com o go-verno imperial, firmou um contrato que teria como propósito subsidiar sua companhia teatral, na qual se fazia imperiosa a presença de atores nacionais.

Estava formada a primeira companhia de atores nacionais, mesmo que tudo por aqui ainda fosse muito precário. Do que se tem notícia a respeito dos espaços teatrais brasileiros, descobrimos que havia exis-tido poucas casas de representações, na maioria das vezes, com insta-lações extremamente sofríveis. Havia outras instalações na forma de barracões ou tablados que eram improvisadas em dias de espetáculo.

Em 1837, João escreveu duas obras que falavam sobre o processo de construção de personagem, bem como do trabalho do ator. Essas duas obras, Reflexões dramáticas e Lições dramáticas, exaltavam a importân-cia dos silêncios e da respiração correta, além da ênfase no trabalho de voz, que priorizava as pausas, aliados a um excelente trabalho de ex-pressão corporal.

Em virtude da grande onda de patriotismo que aqui se instaurara logo após a Independência, estreou, em 13 de março de 1838, no palco do Constitucional Fluminense, o espetáculo Antonio José, ou o poeta e a Inquisição, de Domingos José Gonçalves de Magalhães. João Caetano tinha o papel principal; a cenografia ficou sob os trabalhos de Manuel Araújo Porto-Alegre. A peça tornou-se um sucesso de público, tanto pelo texto como pelo trabalho de interpretação de João Caetano que, dessa vez, tinha trocado a declamação por um estilo mais natural, com expressões e gestos mais moderados. Era uma obra escrita por um brasileiro, encenada também por um brasileiro, porém seu enredo tem como cenário a cidade de Lisboa. O texto apresenta a vida de um comediógrafo português que foi condenado à fogueira da Inquisição.

E para bater de frente com a produção nacional, uma onda revolucionária romântica desembar-cava no Brasil em 1836, trazendo seus melodramas intitulados de modernos, bem como a caracte-rização de um outro gênero intitulado de dramalhão. E, de Paris, sem a ajuda de Lisboa, chegam ao Brasil peças como O Rei se diverte, de Victor Hugo, A torre de Nesle e Catarina Howard, de Alexandre Dumas, e tantas outras.

Mas vamos voltar a falar do teatro genuinamente brasileiro. Hoje podemos chamar Gonçalves de Magalhães de nosso primeiro autor teatral, marcadamente nacional. Poeta, médico e erudito, com formação em Paris, vem para o Brasil onde atua como professor de Filosofia, sempre fazendo parte do quadro de funcionários públicos de grande importância. Apesar de não possuir um tema especificamente nacional, a obra Antonio José apresenta uma proposta cênica que ultrapassa a via declamatória com longas falas, que se mostra como uma versão brasileira do Neoclassicismo. E , ainda assim, não podemos esquecer o quão Gonçalves de Magalhães foi importante para o teatro brasileiro. Sua obra Antonio José pode ser classificada como uma excelente leitura que nos remete ao passado, de forma segura. Como afirma Sábato Magaldi, “o papel de Gonçalves de Magalhães no teatro brasileiro foi, sobretudo, o de dar consciência e impulso orientador a uma aspiração íntima do país, quando chefiou o grupo literário que introduziria entre nós o Romantismo”.

Era muito comum a presença de ex-escravos desempenhando a função de ator, apresentando-se, sem nenhuma formação técnica. As mulheres continuavam proibidas de subirem aos palcos, norma essa, resultado do edito de Dona Maria I, que classificava como libertinas todas as mulheres que exercessem a função de atriz. Uma coisa é fato, as montagens teatrais aconteciam com certa freqüência, mas com baixa qualidade, situação perceptível em textos maltraduzidos, mal-ensaiados e, consequentemente, mal-interpretados.

Estátua do ator João Caetanona Praça Tiradentes, RJ.

Wikimedia: Foto: Carlos Luis M. C. da Cruz

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24 Capítulo 2

Após alguns anos, em meados de 1853, tendo vivido momentos turbulentos, João Caetano, logo após o Primeiro Reinado e o famoso período das regências no Brasil, reorganiza sua companhia, permitindo, dessa vez, a participação de alguns portugueses no teatro desenvolvido por sua com-panhia teatral.

Depois de conhecer o Conservatório Real da França, João Caetano criou, no Rio de Janeiro, uma escola de arte dramática totalmente gratuita. E, nessa mesma época, promoveu a criação de um júri dramático para julgar tudo que fosse produzido no Brasil.

Várias preocupações começaram a encher a cabeça de João Caetano que, além da disputa de espaço com companhias teatrais estrangeiras, percebeu que o ator brasileiro precisava de formação técnica. Para tanto, enviou uma carta ao Marquês de Olinda, ministro do Império, solicitando apoio ao teatro brasileiro.

“O teatro bem organizado e bem dirigido deve ser um verdadeiro modelo de educação, capaz de inspirar na mocidade o patriotismo,

a moralidade e os bons costumes”João Caetano

Lições Dramáticas

Saiba mais...João Caetano dos Santos (Itaboraí, RJ,

27/1/1808 - Rio de Janeiro, RJ 24/8/1863) foi ator e empresário teatral brasileiro. Além de ser tradi-cionalmente conhecido como o maior ator de sua época, Caetano é considerado ainda o primeiro teórico da arte dramática no país e responsável pela profissionalização do teatro, com suas ini-ciativas no palco ou na administração de com-panhias que atuavam tanto na capital como nas províncias. Sua atuação o transformaria no impul-sionador do teatro brasileiro como uma ativida-de profissional contínua, numa época em que as companhias teatrais lusitanas monopolizavam os palcos brasileiros, (isso desde a chegada da Famí-lia Real portuguesa em 1808), conseguindo supe-rá-las em fama e prestígio.

De acordo com o reconhecimento de críticos seus contemporâneos, a experiência de guerra teria ajudado na montagem de cenas militares, e, ao mesmo tempo, moldou seu caráter, fazen-do-o encarar a vida teatral como um campo de batalha, onde se lutava tanto por idéias como por espaço.

A estreia de João Caetano como ator aconte-ceu em 1831, na peça O Carpinteiro da Livônia. No ano seguinte, conheceu a bailarina e atriz Estela Sezefreda, que se tornou sua parceira nos palcos e logo depois sua companheira, e com quem se casaria em 1845.

Apenas dois anos após sua estreia, ocupa o teatro de Niterói e funda a Companhia Nacional João Caetano, exercendo as funções de empresá-rio, diretor e ator.

Sua companhia teatral apresentou grandes textos trágicos, cômicos, melodramas e dramas burgueses. Merece destaque a montagem de O príncipe amante da liberdade ou A independên-cia da Escócia, peça em que utilizou apenas ato-res brasileiros, gesto que rompia com a tradição na qual os artistas, a linguagem e os repertórios eram rigorosamente reproduzidos como em Por-tugal. Autodidata, tinha predileção pela tragédia, mas também representou papéis cômicos mar-cantes, sendo o primeiro a apresentar a peça Juiz de Paz na Roça de Martins Pena, isso em 1838.

João Caetano escreveu ainda dois livros sobre a arte de representar: Reflexões Dramáticas, de 1837, e Lições Dramáticas, de 1862. Foi o primei-ro artista brasileiro a entender a necessidade de formação para os atores, tomando a iniciativa de construir e administrar uma Escola de Arte Dra-mática no país, totalmente gratuita, inspirado por uma experiência que teve em 1860, após visitar o Conservatório Real da França.

Também promove a criação de um júri dramá-tico, para premiar a produção nacional. João Cae-tano faleceu, no dia 24 de agosto de 1863, no Rio de Janeiro.

http://www.infoescola.com/biografias/joao-caetano/

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2 CONSERVATÓRIO DRAMÁTICO BRASILEIRO

A produção teatral desenvolvida pela Corte era contro-lada pelo Conservatório Dramático, instituição que teve dois momentos distintos. Entre os anos de 1843 e 1864, todos os textos teatrais que fossem apresentados nos pal-cos cariocas seriam revisados e censurados por uma socie-dade privada de letrados, que se preocupava com valores morais e bons costumes da sociedade. Cabe lembrar que essa mesma censura também funcionava como um meio político de reprimir qualquer desordem ou oposição ao governo época.

As peças que aqui eram apresentadas, em sua maioria, eram todas estrangeiras, especificamente francesas, e to-das elas podiam ser adaptadas à nossa realidade. Ainda assim, os bons costumes, a honra, o tom moralizador e o casamento eram temas privilegiados em nossos textos. A escola (Conservatório), acabou como um “cabide de em-pregos públicos”. A superposição de cargos (várias pessoas ocupando os mesmos cargos) e entidades ligadas à censu-ra, levaram o Conservatório a um imenso caos que causou seu fechamento em 1871, pondo fim ao cargo de inspetor. Logo após, foi criado um novo Conservatório Dramático, que durou até a República.

O teatro acabou se adequando às necessidades políticas daquela época. Portanto, os ideais vistos como civilizados, bem como os comportamentos corretos e adequados aos valores europeus, que na verdade eram próprios da bur-guesia, ganharam espaço em nossos textos dramáticos.

CASA DA ÓPERA – TEATRO MUNICIPAL

Ainda sobre os teatros construídos no Brasil depois da che-gada da Família Real, surge em Ouro Preto a Casa da Ópera de Vila Rica, também conhecida por Teatro Municipal de Ouro Preto, considerado o mais antigo teatro construído nas Amé-ricas. O autor desse projeto arquitetônico foi João de Souza Lisboa, e a inauguração desse prédio se deu por ocasião do aniversário do Rei Dom José I. O teatro se fazia presente como um forte elemento no período barroco.

Para expressar toda a pompa, a glória e a opulência da so-ciedade setecentista, o teatro estava presente em algumas festas mineiras, transformando esses eventos em grandes es-petáculos. O que diferenciou a Casa da Ópera de Vila Rica de outras, uma vez que Casas de Óperas existiram em quase toda cidade mineira, foi a preocupação de criar uma seleção com bons atores que trabalhavam em outras cidades. Diversas pe-

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ças teatrais e líricas já foram encenadas nesse local, como Casta Diva, que na época foi interpretada pela primeira atriz da Companhia Italiana de Ópera, a Senhora Augusta Candiani.

João de Souza Lisboa se encarregou de preparar um elenco com técnica e conhecimento de palco. Foi ele que revolucionou a moral da época, permitindo que duas atrizes subissem ao palco no dia da inauguração da Casa de Ópera de Vila Rica. Por cerca de oito anos consecutivos, João de Souza Lisboa se encarregou de administrar todas as temporadas teatrais em Vila Rica.

O repertório era extenso, nele estavam incluindos óperas e oratórios. Sem sombra de dúvida, Cláudio Manoel da Costa foi um dos autores que mais contribuiu para o grande sucesso dessa Casa. Depois da segunda metade do século XIX, João de Souza Lisboa conseguiu colocar, no mesmo palco, diversos artistas brasileiros e estrangeiros para que pudessem apresentar uma coletânea de grandes textos da literatura mundial.

A trupe que representava a Casa de Ópera era formada por vinte atores – homens e mulheres que interpretavam acompanhados por uma orquestra formada por dezesseis músicos. Sobre o projeto ar-quitetônico, vale salientar a preocupação clássica com elementos que ornaram tanto sua fachada como o seu interior. A fachada se apresenta com enormes paredes de pedras que sustentam um frontão no formato triangular, ricamente detalhado por diversos elementos simbólicos em pedra. Em seu interior, a plateia, os camorotes e as galerias se distribuem em três pisos diferentes.

Ao todo, é possível acomodar uma plateia com 300 lugares. A decoração exuberante pode ser encon-trada no piso que se estende ao camarote, ao sofá e às cadeiras austríacas que lá se encontram. Também é bem provável que o visitante se encante com as escadas helicoidais, todas em madeira bruta, que dão acesso à galeria no último piso. Ao lado delas, escadas de pedra que levam ao primeiro piso. Com-pletando esse magnífico trabalho de engenharia, não se pode esquecer de suas belíssimas estruturas trabalhadas em ferro.

Saiba mais...Augusta Candiani

Carlotta Augusta Angeolina Candiani - Itália, Milão, 3 de abril de 1820 – Brasil, Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 1890

Na história do teatro e da música no Brasil, a cantora lírica e atriz Augusta Candiani nem sempre é referência em grande destaque. Entretanto, estudando sua trajetória de arte e vida, nos deparamos com o próprio densenrolar dos modos de produção e criação artística na música – modinhas e ópera italiana – e no teatro - peças realistas e francesas, comédias, operetas, mágicas - do século XIX. Portanto, não he-sitamos em afirmar que nenhuma história do nosso teatro ou da música desse período estará completa se não houver ao menos um capítulo sobre sua história, sua vida, sua voz.

Mas como é possível ouvir a voz – algo de imensa fugacidade que o tempo não guarda? A voz de ou-trora são palavras hoje, pois quem fornece a dimensão da arte de Candiani são alguns poetas anônimos que publicavam versos em sua homenagem, ou jovens românticos, como Machado de Assis. Augusta Candiani foi, dentre as primas-donas de seu dileto afeto, a mais citada em crônicas, romances e poesias. Por exemplo, as crônicas da revista "A Semana", o conto "Verba Testamentária" e o romance "Memórias Póstumas de Brás Cubas” e talvez uma de suas primeiras poesias seja mesmo dedicada à cantora - “À Augusta”, de 1859. Não só o bruxo do Cosme Velho, mas também Joaquim Manoel de Macedo, em seu romance “O Moço Loiro”, e Martins Pena em seus “Folhetins” registraram a comoção que a prima-dona italiana causava nas platéias românticas. O Império e seu jovem imperador D. Pedro II aplaudiram em-bevecidos a sua voz.

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27O teatro do Brasil na Monarquia

Em dezembro de 1843, a então jovem de 23 anos, já casada com o farmacêutico Gioacchino Can-diani Figlio, chega ao Rio de Janeiro como a prima-dona da Companhia Italiana de Ópera. Sua estréia ocorre em 17 de janeiro de 1844, no Teatro São Pedro de Alcântara. A Companhia apresenta a primeira montagem no Brasil da ópera “Norma”, de Vicenzo Bellini (1801-1835), e Candiani interpreta o papel - título. A partir de então, a ópera italiana assume um lugar de extrema importância no cenário artístico da Corte –inclusive inspirando músicos brasileiros a iniciar o movimento da Ópera Nacional. Era o Rio de Janeiro, sem dúvida, a cidade da ópera. A ária “Casta-Diva” torna-se bastante conhecida por meio da interpretação de Candiani, influenciando a composição de modinhas baseadas no tema e na compo-sição de Vicenzo Bellini.

Além da ópera, Candiani também cantou modinhas – transpondo as barreiras entre o erudito em língua italiana e o popular em língua portuguesa. Esse gênero de música popular a soprano italiana teve a primazia de levar ao palco do teatro nos entreatos das óperas. Este fato ocorreu pela primeira vez em 1845, quando Candiani cantou no Teatro São Januário a modinha “A Sepultura de Carolina”, letra de Lemos de Magalhães com música de M. Rafael.

Em março de 1844, nasce sua primeira filha, Theresa Christina Maria Candiani Figlio, batizada com o nome de sua madrinha, a Imperatriz Theresa Christina; D. Pedro II era também padrinho da menina. Em 1846, já se encontra separada de seu marido italiano e convive com o compositor de modinhas José de Almeida Cabral. O episódio causou inúmeros constrangimentos na época, com cartas de Gioacchino publicadas em jornais, revelando publicamente os desagravos com a ex-esposa. O divórcio retirou de Augusta todos os seus bens e a guarda de sua filha. A cantora se afasta do centro da Corte e passa a can-tar em outros palcos, viajando pelo interior fluminense, São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco, onde se apresentou no importante Teatro Santa Isabel, em Recife.

Empresariada pelo seu segundo marido, Candiani atua na Companhia Dramática Cabral. Junta-se a essa Companhia a atriz Maria Augusta, sua filha com Cabral. Atuando como atriz dramática por várias cidades brasileiras, Candiani nunca deixou de cantar modinhas ou árias de seu repertório romântico que incluíam, principalmente, obras de Gaetano Donizetti e Vicenzo Bellini. Desse modo, levava o tea-tro e a música da Corte a outros recantos do país. No Rio Grande do Sul, onde estabeleceu residência, trabalhou como professora de canto e tornou-se presença sempre citada quando se revê a história do teatro do século XIX nas cidades de Rio Grande, Porto Alegre e Pelotas.

Voltando ao Rio de Janeiro em 1877, Augusta Candiani passou a atuar em pequenos papéis de co-médias, mágicas e operetas, trabalhando, inclusive, com o grande ator de comédia da época, Francisco Corrêa Vasques, e com o empresário Jacinto Heller, mantendo-se na cena artística até o ano de 1880. É esse o período em que Augusta Candiani retira-se do teatro e passa a viver em Santa Cruz, Rio de Janei-ro, em casa doada pelo Imperador. Faleceu aos sessenta e nove anos, três meses após a proclamação da República.

http://augustacandiani.blogspot.com.br/2008/05/augusta-candiani.html

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28 Capítulo 2

4 OUTROS DRAMATURGOS DO BRASIL IMPÉRIO

De forma muito particular, o Romantismo se adequou ao Brasil, mesmo ao lado de suas linhas básicas do movimento europeu. A partir de sua independência literária, o Brasil conquistou liberdade de pensamento e expressão muito fortes. E, nesse contexto, João Caetano, na luta pelo teatro nacional, pôde contar com a ajuda de outros dramaturgos fundamentais, nesse momento tão delicado. São eles: Castro Alves, França Júnior, José de Alencar, Álvares de Aze-vedo, Gonçalves Dias e Martins Pena.

Castro Alves

“São os filhos do deserto,Onde a terra esposa a luz.Onde vive em campo abertoA tribo dos homens nus... São os guerreiros ousadosQue com os tigres mosqueadosCombatem na solidão. Ontem simples, fortes, bravos.Hoje míseros escravos, Sem luz, sem ar, sem razão...”

Navio Negreiro, de Castro Alves

Antônio Frederico de Castro Alves é um dos melhores poetas ro-mânticos que o Brasil conheceu. Também escreveu para o teatro. Recebeu o apelido de “O Poeta dos Escravos” porque participou de vários movimentos sociais voltados para a liberdade e a justiça, prin-cipalmente, pelo fim da escravidão.

Castro Alves nasceu em uma fazenda chamada Cabaceiras, na pe-quena vila Curralinho, na Bahia. Era filho do médico Antônio José Al-ves e da dona de casa Clélia Brasília da Silva Castro. Mudou-se para Salvador com sua família, onde frequentou o renomado Colégio Se-brão e o Ginásio Baiano, este criado e dirigido pelo educador Abílio César Borges. Nessas escolas, começou a demonstrar aptidão para a poesia.

Suas peças Gonzaga ou a Revolução de Minas, D. Juan ou A Prole dos Saturnos (peça inconclusa) foram encenadas, com grande sucesso, em 1867, na cidade de Salvador, e, posteriormente, em São Paulo. Em suas peças e na maioria de seus poemas, cantava a liberdade.

França JúniorFoi um grande observador dos usos e costumes da época em que

viveu, além de ter se especializado em temas nacionais. Caracterizou-se também por seguir os mesmos moldes do teatro de costumes de Martins Pena. Entre suas principais criações, estão diversas crônicas e