plebiscito.eu - orreio raziliense brasília, domingo, 21 ......chamada de plebiscito digital (ou...

1
C M Y K C M Y K E Ed di it to or ra a: : Ana Paula Macedo // [email protected] 3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155 Mundo 18 CORREIO BRAZILIENSE Brasília, domingo, 21 de setembro de 2014 A unidade sob risco » RODRIGO CRAVEIRO O s nomes Pátria Basca e Liberdade (ETA) e Exér- cito Republicano Irlan- dês (IRA) ainda provo- cam calafrios na Espanha, no Reino Unido e em toda a Euro- pa. O sonho de independência do País Basco e da Irlanda do Norte custou milhares de mor- tes e praticamente se esvane- ceu assim que os militantes de- puseram as armas. Nos últimos anos, as aspirações secessionis- tas voltaram a ganhar força no continente, mas a violência deu lugar a demonstrações pacífi- cas, com viés democrático. Na quinta-feira passada, mais de 2 milhões dos 3,6 milhões de es- coceses que foram às urnas re- jeitaram a autonomia. No dia seguinte, o Parlamento da Ca- talunha aprovou uma lei de consulta sobre a soberania, por meio da qual pretende realizar uma votação em 9 de novem- bro. O presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy, apressou-se a felicitar a Escó- cia, que “escolheu entre segre- gação e integração, entre isola- mento e abertura, entre a esta- bilidade e incerteza, entre se- gurança e risco certo”. Bélgica e Itália também con- vivem com o medo da fragmen- tação territorial, temor que contaminou toda a União Eu- ropeia (UE). Enquanto os esco- ceses votavam, o presidente francês, François Hollande, fa- zia um alerta catastrófico: “Se o projeto europeu se diluir, esta- rá aberto o caminho para o egoísmo, o populismo e o se- paratismo”. Para Guillaume Van der Loo, pesquisador do Fundo de Pesquisas Especiais do Instituto de Direito Europeu da Universidade de Gante (Bél- gica), a derrota dos secessio- nistas na Escócia deve surtir pouco impacto sobre outros partidos regionalistas. “Os paí- ses da UE com regiões aspiran- tes à independência ficaram especialmente aliviados com o resultado”, disse ao Correio , por e-mail. “Mas isso não signi- fica que os movimentos políti- cos vão recuar.” O advogado catalão Andreu Vàzquez i Romero, 42 anos, não vai abrir mão do direito de vo- tar pela autonomia. Militante do partido Unió Democràtica de Catalunya e morador de Lleida, a 173km de Barcelona, ele enumera suas razões para lutar pela separação. “Nós de- sejamos a independência por vários motivos, incluindo his- tóricos, culturais e econômi- cos. A Catalunha tem um idio- ma diferente, além de tradi- ções distintas. Essa disparida- de é reclamada e constatada desde três séculos atrás, quan- do perdemos as nossas liberda- des”, comentou. De acordo com ele, os catalães sofrem com os efeitos de um grave espólio fis- cal. “A cada ano, 16 bilhões de euros saem dos impostos dos catalães, e o governo espanhol não os retorna em forma de in- vestimentos na região.” Romero não descarta que Madri proíba a lei de consultas aprovada anteontem. “O acor- do, por aqui, é fazermos tudo em respeito à Justiça da Cata- lunha”, explica. Um acordo fir- mado pela maioria do parla- mento catalão determina que a pergunta, na consulta de 9 de novembro, seja dividida em duas partes. Os eleitores preci- sarão responder primeiro: “Vo- cê deseja que a Catalunha seja um Estado?” A segunda ques- tão é: “Em caso afirmativo, de- seja que ela seja independen- te?” Ao contrário da Escócia, o referendo não terá efeito ime- diato. A intenção dos catalães é lançar mão de um mecanismo EUROPA / Referendo sobre a independência da Escócia reavive no continente o medo da fragmentação territorial e estimula separatistas a lutarem por meios democráticos e pacíficos. Na Espanha, a Catalunha marca uma consulta popular para novembro Por Gianluca Busato Marco da democracia “O refe- rendo para a independên- cia da Escó- cia represen- tou um mar- co da civili- zação demo- crática para todo o mun- do. A estrada rumo à inde- pendência começou a ser aber- ta. Os escoceses demonstraram quais são os desafios reais. Já estamos perseguindo a con- quista de nosso objetivo de li- berdade. Graças a o pilar esco- cês, não há dúvidas de que os movimentos europeus secessio- nistas ampliaram sua cons- ciência. Sentem-se mais fortes e prontos para o sucesso.” Presidente da campanha Plebiscito.eu (uma consulta virtual pela independência da região italiana de Vêneto) Pontos de vista Ativistas anti-independência exibem bandeiras da Catalunha e da Espanha, em Barcelona: país polarizado, mas em clima pacífico Nacionalistas flamengos protestam : "República de Flandres já!" Veneza, capital da região de Vêneto: desejo de separação da Itália democrático. “Também quere- mos a participação daqueles que desejam um aumento da autonomia, mas defendem o controle pelo Estado espa- nhol”, explica o ativista. Veneza Com 4,9 milhões de habitan- tes, o Vêneto — região no nordes- te da Itália cuja capital é Veneza — sonha com a independência. Em março de 2014, cerca de 2,3 milhões de moradores partici- param de uma consulta on-line chamada de Plebiscito Digital (ou Plebiscito.eu). A separação do país e a constituição de um Se o projeto europeu for diluído, a porta estará aberta para o egoísmo, o populismo e o separatismo” François Hollande, presidente da França, em declaração na quinta-feira, dia do referendo na Escócia Eu estou aliviado pelo resultado da Escócia. Na próxima vez que eu me encontrar com Cameron, direi a ele que gosto de um Reino Unido em uma Europa unida” Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu Felicito os escoceses por seguirem no Reino Unido e na União Europeia. A integração nos leva a superar os desafios com êxito” Mariano Rajoy, primeiro- ministro da Espanha Por Guillaume Van der Loo Polêmica evitada “As insti- tuições da União Euro- peia (UE) e os países-mem- bros ficaram aliviados com o resul- tado do refe- rendo na Es- cócia. Graças à rejeição da independência, difíceis questões jurídicas e políticas não serão abordadas. Antes do referendo, os presidentes Herman Van Rompuy (Conselho Europeu) e José Manuel Durão Barroso (Co- missão Europeia) declararam que, caso uma região de um país da UE se torne independente, se- ria necessário solicitar de novo a adesão ao bloco.” Pesquisador do Fundo de Pesquisas Especiais do Instituto de Direito Europeu da Universidade de Gante (Bélgica) Por Andreu Vàzquez i Romero Futuro nas mãos do povo “O refe- rendo da Es- cócia mostra que o proces- so de inde- pendência pode ser feito de modo de- mocrático, consultando a população. É isso o que nós, da Catalunha, estamos de- fendendo. Que o futuro do país é o povo que precisa escolher, por meio do voto. O governo espa- nhol não nos proíbe isso. Proíbe a democracia. Na Escócia, o ‘sim’ foi derrotado. Na Catalunha, gostaríamos de poder dizer ‘não’ ou de dizer ‘sim’. Temos que re- clamar o direito ao voto.” Advogado, militante do partido político Unió Democràtica de Catalunya, morador de Lleida (Catalunha) Estado próprio tiveram 89% de adesão. O empresário e político italiano Gianluca Busato, artífice do referendo virtual, não com- partilha das previsões pessimis- tas dos líderes europeus. Em en- trevista ao Correio, ele afirmou que a questão democrática de conceder aos povos a possibili- dade de se expressarem e de de- cidirem seu destino não pode ser ignorada. “Agora, os catalães, os flamengos e os lombardos po- dem se questionar: ‘O que os es- coceses têm a mais do que nós? Por que eles são mais europeus do que nós?’”. Na Bélgica, uma federação composta pelas regiões de Flandres, Bruxelas e Valônia, um referendo similar ao esco- cês não deve ocorrer tão cedo. Os nacionalistas flamengos venceram as eleições de maio passado. Em Flandres, foi com- posto um governo de coalizão entre a Nova Aliança Flamenga (NVA), os democratas-cristãos e os liberais. “O chefe do gover- no de Flandres, Geert Bour- geois, faz parte da NVA e nego- cia um governo federal. As dis- cussões estão em andamento entre a NVA, os liberais flamen- gos, os democratas-cristãos flamengos e os liberais francó- fonos.” O especialista belga lembra que a NVA é menos ra- dical. “Ela prefere uma aborda- gem gradualista, ainda que o objetivo final continue sendo uma Flandres independente.” Josep Lago/AFP - 12/10/13 Yves Herman/Reuters - 27/9/13 Alessandro Bianchi/Reuters - 7/2/11 TV/Reuters Jean-Marc Loos/Reuters - 1/7/14 Fred Dufour/AFP Arquivo pessoal Arquivo pessoal Arquivo pessoal

Upload: others

Post on 30-Sep-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Plebiscito.eu - ORREIO RAZILIENSE Brasília, domingo, 21 ......chamada de Plebiscito Digital (ou Plebiscito.eu). A separação do país e a constituição de um Seoprojeto europeufor

C M Y KCMYK

EEddiittoorraa:: Ana Paula Macedo //[email protected]

3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155Mundo18 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, domingo, 21 de setembro de 2014

A unidade sob risco» RODRIGO CRAVEIRO

Os nomes Pátria Basca eLiberdade (ETA) e Exér-cito Republicano Irlan-dês (IRA) ainda provo-

cam calafrios na Espanha, noReino Unido e em toda a Euro-pa. O sonho de independênciado País Basco e da Irlanda doNorte custou milhares de mor-tes e praticamente se esvane-ceu assim que os militantes de-puseram as armas. Nos últimosanos, as aspirações secessionis-tas voltaram a ganhar força nocontinente, mas a violência deulugar a demonstrações pacífi-cas, com viés democrático. Naquinta-feira passada, mais de 2milhões dos 3,6 milhões de es-coceses que foram às urnas re-jeitaram a autonomia. No diaseguinte, o Parlamento da Ca-talunha aprovou uma lei deconsulta sobre a soberania, pormeio da qual pretende realizaruma votação em 9 de novem-bro. O presidente do governoespanhol, Mariano Rajoy,apressou-se a felicitar a Escó-cia, que “escolheu entre segre-gação e integração, entre isola-mento e abertura, entre a esta-bilidade e incerteza, entre se-gurança e risco certo”.

Bélgica e Itália também con-vivem com o medo da fragmen-tação territorial, temor quecontaminou toda a União Eu-ropeia (UE). Enquanto os esco-ceses votavam, o presidentefrancês, François Hollande, fa-zia um alerta catastrófico: “Se oprojeto europeu se diluir, esta-rá aberto o caminho para oegoísmo, o populismo e o se-paratismo”. Para GuillaumeVan der Loo, pesquisador doFundo de Pesquisas Especiaisdo Instituto de Direito Europeuda Universidade de Gante (Bél-gica), a derrota dos secessio-nistas na Escócia deve surtirpouco impacto sobre outrospartidos regionalistas. “Os paí-ses da UE com regiões aspiran-tes à independência ficaramespecialmente aliviados com oresultado”, disse ao Correio,por e-mail. “Mas isso não signi-fica que os movimentos políti-cos vão recuar.”

O advogado catalão AndreuVàzquez i Romero, 42 anos, nãovai abrir mão do direito de vo-tar pela autonomia. Militantedo partido Unió Democràticade Catalunya e morador deLleida, a 173km de Barcelona,ele enumera suas razões paralutar pela separação. “Nós de-sejamos a independência porvários motivos, incluindo his-tóricos, culturais e econômi-cos. A Catalunha tem um idio-ma diferente, além de tradi-ções distintas. Essa disparida-de é reclamada e constatadadesde três séculos atrás, quan-do perdemos as nossas liberda-des”, comentou. De acordo comele, os catalães sofrem com osefeitos de um grave espólio fis-cal. “A cada ano, 16 bilhões deeuros saem dos impostos doscatalães, e o governo espanholnão os retorna em forma de in-vestimentos na região.”

Romero não descarta queMadri proíba a lei de consultasaprovada anteontem. “O acor-do, por aqui, é fazermos tudoem respeito à Justiça da Cata-lunha”, explica. Um acordo fir-mado pela maioria do parla-mento catalão determina que apergunta, na consulta de 9 denovembro, seja dividida emduas partes. Os eleitores preci-sarão responder primeiro: “Vo-cê deseja que a Catalunha sejaum Estado?” A segunda ques-tão é: “Em caso afirmativo, de-seja que ela seja independen-te?” Ao contrário da Escócia, oreferendo não terá efeito ime-diato. A intenção dos catalães élançar mão de um mecanismo

EUROPA/ Referendosobrea independênciadaEscócia reavivenocontinenteomedoda fragmentação territorial eestimulaseparatistasa lutarempormeiosdemocráticosepacíficos.NaEspanha,aCatalunhamarcaumaconsultapopularparanovembro

Por Gianluca Busato

Marco dademocracia

“O refe-rendo para aindependên-cia da Escó-cia represen-tou um mar-co da civili-zação demo-crática paratodo o mun-do. A estradarumo à inde-pendência começou a ser aber-ta. Os escoceses demonstraramquais são os desafios reais. Jáestamos perseguindo a con-quista de nosso objetivo de li-berdade. Graças a o pilar esco-cês, não há dúvidas de que osmovimentos europeus secessio-nistas ampliaram sua cons-ciência. Sentem-se mais fortes eprontos para o sucesso.”

Presidente da campanhaPlebiscito.eu (uma consultavirtual pela independênciada região italiana de Vêneto)

Pontos de vista

Ativistas anti-independência exibembandeiras daCatalunha e daEspanha, emBarcelona: país polarizado,mas emclimapacífico

Nacionalistas flamengosprotestam: "RepúblicadeFlandres já!" Veneza, capital da região deVêneto: desejo de separação da Itália

democrático. “Também quere-mos a participação daquelesque desejam um aumento daautonomia, mas defendem ocontrole pelo Estado espa-nhol”, explica o ativista.

VenezaCom 4,9 milhões de habitan-

tes, oVêneto — região no nordes-te da Itália cuja capital é Veneza— sonha com a independência.

Em março de 2014, cerca de 2,3milhões de moradores partici-param de uma consulta on-linechamada de Plebiscito Digital(ou Plebiscito.eu). A separaçãodo país e a constituição de um

Se o projetoeuropeu fordiluído,a porta estaráaberta para oegoísmo,o populismoe o separatismo”

François Hollande,presidente da França, emdeclaração na quinta-feira,dia do referendo na Escócia

Eu estou aliviadopelo resultado daEscócia. Napróximavez queeume encontrarcomCameron,direi a ele quegosto de umReinoUnido emumaEuropa unida”

Martin Schulz, presidentedo Parlamento Europeu

Felicito osescoceses porseguiremnoReinoUnido enaUniãoEuropeia. Aintegração nosleva a superar osdesafios comêxito”

Mariano Rajoy, primeiro-ministro da Espanha

Por Guillaume Van der Loo

Polêmicaevitada

“As insti-tuições daUnião Euro-peia (UE) e ospaíses-mem-bros ficarama l i v i a d o scom o resul-tado do refe-rendo na Es-cócia. Graçasà rejeição daindependência, difíceis questõesjurídicas e políticas não serãoabordadas. Antes do referendo,os presidentes Herman VanRompuy (Conselho Europeu) eJosé Manuel Durão Barroso (Co-missão Europeia) declararamque, caso uma região de um paísda UE se torne independente, se-ria necessário solicitar de novo aadesão ao bloco.”

Pesquisador do Fundo dePesquisas Especiais do Instituto deDireito Europeu da Universidadede Gante (Bélgica)

Por Andreu Vàzquez i Romero

Futuro nasmãos do povo

“O refe-rendo da Es-cócia mostraque o proces-so de inde-p e n d ê n c i apode ser feitode modo de-m o c r á t i c o ,consultandoa população.É isso o quenós, da Catalunha, estamos de-fendendo. Que o futuro do país éo povo que precisa escolher, pormeio do voto. O governo espa-nhol não nos proíbe isso. Proíbea democracia. Na Escócia, o ‘sim’foi derrotado. Na Catalunha,gostaríamos de poder dizer ‘não’ou de dizer ‘sim’. Temos que re-clamar o direito ao voto.”

Advogado, militante do partidopolítico Unió Democràticade Catalunya, morador de Lleida(Catalunha)

Estado próprio tiveram 89% deadesão. O empresário e políticoitaliano Gianluca Busato, artíficedo referendo virtual, não com-partilha das previsões pessimis-tas dos líderes europeus. Em en-trevista ao Correio, ele afirmouque a questão democrática deconceder aos povos a possibili-dade de se expressarem e de de-cidirem seu destino não podeser ignorada. “Agora, os catalães,os flamengos e os lombardos po-dem se questionar: ‘O que os es-coceses têm a mais do que nós?Por que eles são mais europeusdo que nós?’”.

Na Bélgica, uma federaçãocomposta pelas regiões deFlandres, Bruxelas e Valônia,um referendo similar ao esco-cês não deve ocorrer tão cedo.Os nacionalistas flamengosvenceram as eleições de maiopassado. Em Flandres, foi com-posto um governo de coalizãoentre a Nova Aliança Flamenga(NVA), os democratas-cristãose os liberais. “O chefe do gover-no de Flandres, Geert Bour-geois, faz parte da NVA e nego-cia um governo federal. As dis-cussões estão em andamentoentre a NVA, os liberais flamen-gos, os democratas-cristãosflamengos e os liberais francó-fonos.” O especialista belgalembra que a NVA é menos ra-dical. “Ela prefere uma aborda-gem gradualista, ainda que oobjetivo final continue sendouma Flandres independente.”

Josep Lago/AFP - 12/10/13

Yves Herman/Reuters - 27/9/13 Alessandro Bianchi/Reuters - 7/2/11

TV/ReutersJean-Marc Loos/Reuters - 1/7/14Fred Dufour/AFP

Arquivo

pessoal

Arquivo

pessoal

Arquivo

pessoal