embu · natural de porto príncipe, capital haitiana, o pintor, que retrata a alegria e cultura de...

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Embu sem fronteiras

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Embus e m f r o n t e i r a s

O a r t i s t a , é o l o u c o q u e , g r a ç a s a s u a d e m ê n c i a , a s u a c a p a c i d a d e d e a d a p t a ç ã o e a s u a r e b e l d i a , t e m c o n s e r v a d o o s a t r i b u t o s m a i s p r e c i o s o s d os e r h u m a n o .

R a u l B a r r o s

a r t i s t a p l á s t i c o p o r t u g u ê s

í n d i c e

Codinome das Artes 5Nos tempos de Cabral... 6Reconhecimento da veia artística 8A Feira de Artes e Artesanato 12Artistas Estrangeiros 20Adolphe 22Dom da alegria 24Banda Nazca 28O andarilho dos Andes... 30Movida pela música... 32Em casa... 34Jaime Mendoza 36Por voos mais altos 38Carlos Mas 42Frutos de uma geração 44Takebayashi 48Caminho independente 51Molina (Gigi) 52De poucas palavras 54Clara 56Caminho para as artes 58Miguel 62Por trás das críticas 65Fim de feira 68

UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBIComunicação Social – Jornalismo

Fotos:Laura GariglioPaulo GianniniPedro Lobo Vianna

Textos:Paulo GianniniPedro Lobo Vianna

Pesquisas e entrevistas: Laura GariglioPaulo GianniniPedro Lobo Vianna

C R É D I T O S

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C o d i n o m e d a s A r t e s

Localizada na Região Metropolitana de São Paulo, Embu das Artes tem enraizado em sua história uma forte ligação com a arte. Tal vocação não se perdeu com o passar dos anos e o local sempre pareceu ter um ímã para artistas e artesãos dos mais diferentes estilos e lugares.

Pode-se tranquilamente dizer que essa vocação sempre acompanhou e evoluiu juntamente com a cidade, que desde a década de 70, passou a explorar melhor a capacidade econômica e cultural que isso lhe oferece.

E foi por conta disso e de muitos artistas renomados, que a cidade passou a se chamar Embu “das Artes” oficialmente em 2011, apesar de já ser chamada assim durante muito tempo antes disso.

Pintores como Adolphe e Jaime, músicos como os da Banda Nazca e artesãos como o argentino Miguel, trazem à tona toda essa áurea que acompanha a cidade desde o seu nascimento. A Feira de Artes e Artesanato é composta por uma variedade de sons, imagens e, claro, nacionalidades.

Todos os fins de semana, turistas de diferentes locais do mundo agregam ainda mais valor cultural para a cidade, fortalecendo o viés artístico e permitindo que a ligação histórica com a arte não se perca.

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N o s t e m p o s d e C a b r a l . . .

Engana-se quem pensa que esse movimento artístico que ocorre aos fins de semana na cidade tenha sido obra do acaso. Para compreender tal fenômeno é preciso voltar alguns séculos.

A história de Embu das Artes teve início em 1555, quando padres jesuítas que acompanhavam as navegações portuguesas ao Novo Mundo, chegaram a aldeia M’Boy (“cobra-grande”, em tupi-guarani). Com o intuito de povoar e desenvolver as terras descobertas, os jesuítas trouxeram consigo índios Guarani do Paraguai, conhecidos por terem um comportamento mais dócil e tolerante, além de simpatizarem com os cantos e rituais da Igreja Católica.

Juntos, Guaranis e portugueses construíram a Igreja Nossa Senhora do Rosário, principal símbolo da cidade. Foi justamente dessa convivência entre europeus e índios paraguaios que surgiram os primeiros traços da vocação artística da aldeia.

Considerados os primeiros “artistas da cidade”, Guaranis e jesuítas influenciaram muitos artistas pela tradição do estilo barroco, esculturas de madeira e pinturas encontradas na igreja. O local virou museu e na década de 70, adeptos do movimento hippie junto com outros artistas locais, iniciaram a Feira de Artes e Artesanato aos arredores da igreja.

O dom da arte presente na cidade desde seu início manteve-se vivo nas gerações seguintes, que conquistaram o reconhecimento artístico de Embu.

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R e c o n h e c i m e n t od a v e i a a r t í s t i c a

A cidade de Embu tem ligação histórica com a arte, mas o sobrenome da cidade – Das Artes – começou a ser internacionalmente conhecido graças a renomados artistas como Cássio M’Boy e Assis do Embu, além do imigrante japonês Sakai. Juntos, os três consolidaram esse reconhecimento nas primeiras décadas do século XX. Já falecidos, os artistas ainda estão “presentes” em locais da cidade.

Nascido no interior paulista, Cássio mudou-se para Embu após ser atraído pela arte dos jesuítas. Com tempo e talento, o pintor e escultor ganhou notoriedade e é comparado a grandes nomes como Tarsila do Amaral e Cândido Portinari.

Discípulo de Cássio M’Boy, Assis do Embu se tornou escultor, pintor e poeta.

Com um extenso currículo e artes bastante particulares, Assis, junto com Cássio, Sakai e adeptos do movimento hippie protagonizaram a criação da feira.

Seguindo a tradição da cidade, de ter sua arte quase sempre influenciada por artistas estrangeiros, o terceiro nome é de Sakai, ceramista e escultor de origem nipônica, que desembarcou ao Brasil em 1928. Assim como Assis, Mestre Sakai foi discípulo de M’Boy, e por meio de seus aprendizados, chegou a participar da Casa do Artista Plástico na década de 60, sendo considerado um dos cinco melhores ceramistas do país na época.

Naturalizou-se brasileiro em 1972 e, um ano depois, construiu o Cruzeiro do Embu – em homenagem a Festa de Santa Cruz, que teve início no século XVII com os jesuítas e os Índios.

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S o u s u s p e i t o p a r a e l o g i a r o S a k a i p o r q u e a c o m p a n h o s u a

c a r r e i r a d e s d e o p r i m e i r o di a , m a s o s n u m e r o s o s p r ê m i o s p o r

e l e c o n q u i s ta d o s d ã o - m e a c e r t e z a d e q u e o m e u j u l g a m e n t o é

c e r t o - S a k a i é u m g r a n d e a r t i s ta

C á s s i o M ’ B o y - 1 9 5 9

N ã o a c r e di ta m o s q u e a l g u é m p o s s a e s c r e v e r a h i s t ó r i a

d o E m b u , s e m i n c l u i r o n o m e d e S a k a i e n t r e o s

d a q u e l e s q u e m a i s a m a r a m , h o n r a r a m e c o n t r i b u í r a m

p a r a a g r a n d e z a c u lt u r a l d a c i d a d e

E r n e s t i n a K a r m a n , c r í t i c a d e a r t e - 1 9 8 1

A i m o r ta l i d a d e d e S a k a i e s tá a s s e g u r a d a p e l a g r a n d e z a

d e s e u l e g a d o a r t í s t i c o e p e l o s a r t i s ta s , s e u s di s c í p u l o s

c o n t i n u a d o r e s d e s u a t é c n i c a i n c o m p a r á v e l

S a l o m ã o E s p e r , j o r n a l i s ta - 1 9 8 1

N o E m b u t e n h o e n c o n t r a d o u m a f o n t e i n e s g o tá v e l d e

i n s pi r a ç ã o . S u a s l e n d a s , s u a s t r a di ç õ e s , s u a s h i s t ó r i a s e

e s t ó r i a s , o s c o s t u m e s q u e a i n d a h o j e e n c o n t r a m o s e m s e u p o v o ,

e m t u d o i s s o v o u b u s c a r m o t i v o s p a r a m i n h a a r t e

S a k a i d e E m b u

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A F e i r a d e A r t e se A r t e s a n a t o

Em 1969, atraídos pela beleza natural da cidade, um grupo de artistas pertencentes ao movimento hippie que expunham na Praça da República, em São Paulo, migraram para Embu das Artes com o intuito de criar uma feira de artes e artesanato na cidade. Aos poucos, mais hippies (dos quais muitos estrangeiros) foram aparecendo no município, reunindo-se em frente à Igreja da Nossa Senhora do Rosário para expor sua arte. Finalmente, após a grande aglomeração de artistas na cidade, foi criada em 31 de janeiro de 1969, a Feira de Artes e Artesanato de Embu.

Desde então, a feira passou a ser palco cultural e cenário da história de mais de 700 expositores que, aos fins de semana, levam a diversidade artística e cultural dos quatro cantos do Brasil e do mundo para os mais de 70 mil visitantes mensais.

Além de ser polo de atração turística e histórica, a feira movimenta a cidade economicamente e ainda trás diversidade cultural, misturando as experiências de diferentes povos e etnias, agregando valor artístico ao local.

Considerada a maior feira a céu aberto da América Latina, o centro histórico de Embu das Artes atrai não só artistas estrangeiros, mas também turistas de todas as partes do mundo, como os irmãos italianos Catterina, Timotteo e Matheus que enfatizam: “Estamos gostando muito, é um lugar muito bonito, turístico e divertido. A gente tá passeando e curtindo muito”.

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A r t i s t a s E s t r a n g e i r o s

É indiscutível que toda a mística e história da cidade que leva “Artes” no nome, foram influenciadas por artistas das mais diversas nacionalidades. Seja através da colaboração entre portugueses e índios Guaranis do Paraguai, das mãos de um terracotista japonês, ou de um grupo de artistas hippies da América Latina, a diversidade cultural que faz do lugar ser o que é nunca se perdeu.

Em apenas alguns minutos de passeio pela feira que acontece aos fins de semana, os diferentes sotaques saltam aos ouvidos. As pinturas de Adolphe chamam atenção pelas cores fortes que o haitiano utiliza. Já a pintura cusquenha de Jaime se destaca pelas molduras douradas, bem brilhantes.

Apenas alguns metros de distância dali, Takebayashi mostra que realmente povos orientais são detalhistas, até mesmo nos traços que compõem seus respectivos quadros.

Além da pintura, peças de artesanato e música fazem do local um ambiente mais completo. Com tambores e flautas, a Banda Nazca mostra o típico som latino americano, que parece prender quem passa por ali, seja pela curiosidade de um som novo, ou pela beleza da própria música.

A diversidade de histórias é um dos fatores que fazem de Embu um forte ponto turístico do Brasil e do mundo. O que cada artista esconde por trás de sua música, peça ou quadro, é um verdadeiro mistério. Apesar do semblante mais fechado de alguns, ou do rosto alegre de outros, é incrível como se pode chorar e rir com histórias absolutamente diferentes em um único local.

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Q u a n d o f a l a m o s d e a r t e , f a l a m o s d e a m o r . S e v o c ê n ã o t e m s e n t i m e n t o p e l o q u a d r o , n ã o h á a r t e .

A d o l p h e

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D o m d a a l e g r i a

Adolphe já viajou os quatro cantos do mundo, mas afirma que em lugar nenhum foi tão bem recebido como em Embu das Artes:

“O Brasil é parecido com o Haiti. Quero ficar no Embu, pois para mim de todos os lugares que visitei, Embu é onde há mais espaço para turismo internacional.”

Natural de Porto Príncipe, capital haitiana, o pintor, que retrata a alegria e cultura de seu povo em suas telas, chegou ao Embu em 2013, após escapar de um terremoto em sua terra natal. Por mandar praticamente todo o dinheiro que ganha para sua família que ficou no Haiti, Adolphe leva uma vida bastante simples.

Com características bem peculiares, os quadros feitos pelo haitiano chamam atenção pelas cores vibrantes que interpretam a alegria de seu povo. Quem passeia pela feira e se encanta com a beleza das pinturas, não imagina que o artista aprendeu tudo sozinho.

“Aos dez anos, passei a observar meu irmão mais velho a pintar quadros, assim iniciei na arte. É um dom. Eu via outros artistas pintando e quando chegava em casa tentava fazer igual, só que do meu jeito”.

Apesar de ter conquistado seu espaço na feira, Adolphe admite ter um espaço vazio em seu coração por estar longe da família. Ele sonha em trazer o casal de filhos e sua mulher para Embu das Artes.

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B A N D A N A Z C A

A civilização de Nazca é de uma cultura pré-incaica, fruto de uma fusão entre duas gerações, que se desenvolveu no sul do Peru entre 300 A.C e 800 D.C. Famosa por ter a arte como símbolo de reconhecimento foi por meio da música, arquitetura e cerâmica que a civilização ganhou notoriedade.

Influenciado pela sonoridade da antara (tipo de flauta peruana), criada pela civilização andina, o flautista Marco Ruiz criou a Banda Nazca em 2000. Junto com sua mulher Aida (percussão e vocal), seu amigo Oscar Maradei (violão) e mais um convidado, que está sempre mudando, os músicos levam a tradição e cultura sul-americana aos turistas que visitam a cidade praticamente todos os fins de semana.

Apesar de a banda ter sido fundada em 2000, cada músico percorreu sua própria trajetória até seus caminhos se cruzarem no final da década de 90, na Feira de Artes e Artesanato de Embu das Artes. Todos com um motivo em comum: a paixão pela música.

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O a n d a r i l h o d o s A n d e s . . .

O peruano Marco Ruiz se emociona ao lembrar da família, que nunca mais viu desde que deixou sua terra natal. Principal integrante e fundador da Banda Nazca, ele ganha o suficiente para sobreviver com sua mulher e sua filha, mas ainda alimenta o sonho de voltar para o Peru.

Junto do amigo Oscar Maradei e da esposa Aida, Marco apresenta aos turistas um pouco da cultura Nazca por meio da música, que possui raízes na extinta população Inca.

Após se separar de sua primeira namorada, Marco decidiu sair de casa e seguir seu espírito aventureiro com um grupo de amigos.

Conheceu o Peru (dos Andes até as florestas) e diversos outros países da América Latina. Sempre tocando música, foi viajando como um verdadeiro andarilho, até que chegou a São José dos Campos. Lá, conheceu um grupo de peruanos que falaram de Embu, uma cidade conhecida por uma feira que concentrava muitos adeptos do movimento hippie.

Chegou ao Embu no final dos anos 90 e, antes de formar a banda, foi ganhando a vida dando aula de música, sempre fabricando seus próprios instrumentos. Na cidade, também conheceu sua atual esposa, com a qual teve uma filha e leva uma vida bastante simples e tranquila.

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M o v i d a p e l a m ú s i c a . . .

Natural de La Paz, capital da Bolívia, Aida sempre teve a música latino-americana presente em sua vida. Desde os 15 anos, quando aprendia ritmos típicos de seu país na escola, ela considera a música um dom.

Com um grupo de meninas que tocavam apenas músicas bolivianas, Aida fez apresentações em teatros da Finlândia e Suécia. Após voltar para seu país, decidiu junto com o grupo que poderia dar certo se apresentar em um local mais perto e maior: o Brasil.

“Quando cheguei ao Brasil achei que era igual à Europa, mas é muito diferente. Ninguém entendia o que cantávamos, então não foi legal para a gente”.

A ideia não saiu como o planejado e o grupo de Aida se separou, deixando-a sozinha no Brasil. A procura de emprego, Aida conheceu Embu por meio de uma família de argentinos. Na cidade das artes, conheceu Marco Ruiz, que já tinha a ideia de formar sua banda própria, mas até surgir a Nazca, ele e Aida participaram de vários outros grupos.

A boliviana conta como se vivia muito melhor de música quando ainda era jovem, e lembra-se de como havia mais músicos na feira. No fim das contas, assim como Marco, seu objetivo é de voltar em definitivo para o seu país, onde pretende passar a sua aposentadoria.

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E m c a s a . . .

Foi por causa da música que o argentino Oscar Maradei resolveu deixar sua cidade natal - Mendoza, na Argentina - para espalhar sua sonoridade por outros países. O violonista veio para o Brasil aos 28 anos de idade, quando por um convite de um amigo, começou a integrar uma banda de bolero, com a qual excursionou durante anos pelo país. Durante suas viagens pelo Brasil, Oscar conheceu Embu das Artes. Na época em que conheceu a cidade, Maradei não tinha pretensões de se estabelecer em lugar algum, queria mesmo era percorrer o mundo com sua música, mas a cena cultural que acontecia na cidade nos anos 80 chamou a atenção do argentino. Depois de sua primeira passagem pela feira, Maradei seguiu viagem para outras cidades brasileiras, mas a imagem e a essência de Embu não lhe saíam da cabeça. Após ter cansado da estrada, Oscar resolveu voltar à cidade que tanto havia lhe encantando: Embu das Artes. Ao retorar, sozinho e apenas com seu violão nas costas, o músico reencontrou o amigo Marco Ruiz, e assim passou a integrar a Banda Nazca. Desde então, o artista construiu sua vida à base do que sempre lhe moveu: a música. Quando perguntado se considera a cidade a sua casa, o músico de semblante sereno, e por vezes distante, afirma: “Já é minha casa faz muito tempo. Desde os anos 80, Embu é minha casa e a Nazca minha família”.

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A a r t e é u m a m a n i f e s t a ç ã o d e n o s s a s e m o ç õ e s

J a i m e M e n d o z a

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O simpático pintor Jaime têm traços físicos e culturais que logo o caracterizam como estrangeiro. Nascido em Lima, capital do Peru, rumou ao Brasil em 1980, ao aceitar o convite para acompanhar um amigo que iria expor em São Paulo. O que Jaime ainda não sabia, era que só voltaria ao Peru a passeio.

“Semanas antes do convite eu comecei a sonhar que estava viajando pelas montanhas, como uma condor. Queria conhecer novos lugares, acho que foi uma premonição...”, conta Jaime com um olhar distante.

Vinte anos após deixar o Peru, e excursionar pelo interior paulista, Jaime recebeu o convite de uma amiga para morar em Embu das Artes. Na época, o pintor já ouvia as histórias da feira e aceitou o novo desafio.

Junto consigo, Jaime trouxe a técnica da arte cusquenha, que retrata temas religiosos e chama a atenção pelas molduras e relevos folhados a ouro. Assim, carregando a tradição do povo peruano, o artista conquistou o seu espaço na feira.

O intercâmbio e espírito fraterno entre os artistas da feira ficam explícito na relação do peruano com seu amigo e conterrâneo Marco Ruiz, da Banda Nazca. Jaime gentilmente se voluntariou para pintar uma bandeira que ilustra a cultura Nazca, símbolo da banda.

P o r v o o s m a i s a l t o s

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O s i g n i f i c a d o d e a r t e t e m m u i t o s p o n t o s d e v i s t a . D o m e u p o n t o d e v i s t a , a r t e é m o v i d a p e l o p r a z e r

C a r l o s M a s

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Durante os anos 60 a Argentina vivia um período de ditadura liderado por Juan Carlos Onganía. Em meio a este cenário hostil, Carlos Mas, na época com 15 anos, já participava da Feira de Artes e Artesanato de Buenos Aires.

“Fiz parte de uma geração influenciada pelo movimento hippie. Naquela época a juventude esquerdista era formada por muitos artistas, que sonhavam em viajar o mundo com sua arte”.

Foi com esse espírito aventureiro, e cansado da ditadura que vigorava sobre seu país, que o artesão resolveu deixar a capital Buenos Aires rumo ao Brasil.

“Primeiro me mudei para o interior da Argentina, mas quando a situação ficou insustentável por conta da ditadura, resolvi sair do país. O Brasil também vivia uma ditadura na época, mas exigia um controle bem menor do que os outros regimes latino-americanos”.

Após alguns anos expondo sua arte por cidades brasileiras, Carlos conheceu Embu das Artes, cidade na qual encontrou um movimento artístico igual ao que participara em Buenos Aires. Na feira desde a década de 80, o artista já fez os mais diversos tipos de arte, de brinquedos de madeira a confecção de cintos de couro. Desde então o argentino é presença garantida em todos os fins de semana da feira.

F r u t o s d e u m a g e r a ç ã o

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A r t e é u m a r e a l i z a ç ã o . S e t i v e s s e q u e o p t a r , e s c o l h e r i a a v i d a a r t í s t i c a m i l v e z e s , p o i s n a a r t e f a z e m o s a q u i l o q u e s e n t i m o s e p e n s a m o s

Ta k e b a ya s h i

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De origem nipônica e filho de lavrador, o pintor Takebayashi não seguiu o caminho do pai, mas carregou consigo toda a cultura milenar de seu povo. Rumando ao Brasil na década de 40, sua família deixou o Japão durante a 2ª Guerra Mundial.

Na feira de artes e artesanato desde 1976, apaixonou-se pela cidade das Artes logo em sua primeira visita, em 1971. Desde então faz parte da cultura local.

Amigo de Sakai, que conheceu em uma exposição no interior de São Paulo, Takebayashi tem em seus quadros traços próprios e peculiares, que caracterizam bem seu estilo de pintura.

“Tenho facilidade de aprender. Ao observar Sakai e seu grupo, aprendi a trabalhar com cerâmica. Na época ele até me convidou para fazer parte de seu grupo, mas como gosto de ser independente, recusei o convite.”

Ao optar por sua independência, Takebayashi continuou a expressar seu estilo. Autodidata, o pintor garante ter aprendido tudo sozinho, mas que para aperfeiçoar suas técnicas, recorreu a Escola Panamericana de Arte e Design:

“Desde os cinco anos eu gostava de desenhar, no começo aprendi tudo sozinho, mas depois resolvi entrar na escola de arte para aprender sobre perspectiva e outras coisas. Não durou muito, acabei largando os estudos e resolvi aprender por conta própria”.

C a m i n h o i n d e p e n d e n t e

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S o u o q u e s o u g r a ç a s a o m e u a r t e s a n a t o . P a r a m i m , a r t e é v i d a

M O L I N A

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O chileno Molina é sem dúvidas um homem de poucas palavras. Conhecido por todos como Gigi, o artesão não demonstra quase nenhuma intimidade com a língua portuguesa e procura sempre ir direto ao ponto.

Desde 1977 na feira, Gigi revela que foi por causa da ditadura que resolveu deixar seu país natal junto com a mulher. “Nos tempos da ditadura do Pinochet, não se podia trabalhar na rua. Se trabalhássemos com artesanato íamos presos”.

Ao chegar à Feira de Artes e Artesanato de Embu, o chileno se deparou com uma grande mistura cultural na cidade: hippies, índios, japoneses e latino-americanos fizeram com que ele se identificasse bastante com o local.

“Após me mudar para o Embu, passei a viver num recanto das artes. Naquela época os hippies estendiam seus artesanatos no chão e a feira acontecia. Todos os artistas eram hippies, até deixei meu cabelo crescer...”, comenta Gigi que ainda ostenta os cabelos longos, que chegam-lhe aos ombros.

Mesmo com o fim da ditadura chilena e com o passar dos anos, Molina pretende ficar no Brasil, mais especificamente na terra das artes. Aos fins de semana, o artesão vende instrumentos musicais indígenas, os quais aprendeu a fazer e tocar por conta própria.

“Aprendi tudo sozinho. Trabalho com minha filha, enquanto eu esculpo os instrumentos, ela é a responsável pela pintura”.

D e p o u c a s p a l a v r a s

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C l a r a

D e n t r o d a a r t e j á f i z u m p o u c o d e t u d o , e d e n t r o d e t u d o , j á f i z a r t e

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Clara é mais uma argentina que se instalou no Embu em meados de 70. Devido a problemas políticos em seu país, na época da ditadura militar, a estudante da Belas Artes de Buenos Aires veio para o Brasil sem pensar duas vezes.

Chegou a capital paulista no início dos anos 60, e vendia um pouco de tudo na Praça da República, que concentrava muitos hippies na época. Depois de um tempo, conheceu a feira de Embu sozinha e juntou dinheiro para se mudar.

“Eu estudava lá na Belas Artes, vim para cá (São Paulo) e fiz de tudo. Já fiz boneco, trabalhei com cerâmica, couro. Vendia muita bijuteria na República também, aí deu para comprar uma chácara em Embu”

Clara conta que chegou a cidade em 68 e nunca mais quis sair. Sempre trabalhando na feira, lembra-se de como as barracas eram de madeira e a maioria dos produtos expostos no chão.

Apesar de visitar a família na Argentina, não tem vontade de voltar para a sua terra natal, já que construiu seus elos emocionais na cidade das artes.

“Voltei muitas vezes para a Argentina, mas gosto do Brasil. Não quero morar lá. Eu fico por aqui, tenho neto e filho tudo aqui. Mas tenho muitos tios e primos lá que visito às vezes”.

C a m i n h o p a r a a s a r t e s

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M i g u e l

A r t e é o m e u p r o p ó s i t o , v i v i t o d a m i n h a v i d a d i s s o q u e e u f a ç o

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Vindo das geleiras da patagônia argentina, o artesão Miguel Cabrera chegou ao Embu em 1988. Ao contrário de muitos artistas, o argentino tem uma visão bem crítica, e por vezes mal humorada sobre a evolução da feira.

Bastam alguns segundos de conversa e o semblante fechado de Miguel dá lugar ao que parece um bate papo bem humorado entre amigos. O artista garante que assim como a feira, também teve que se reciclar artisticamente com o tempo.

“Já fiz de tudo, já trabalhei com couro, madeira, e depois comecei a trabalhar com metal. Aprendi tudo “na marra”, já estraguei muitas chapas de metal”.

O motivo para tal reciclagem, segundo Miguel, é a chegada do “industrianato” chinês, que a partir dos anos 2000, com a globalização ganhando mais força, passou a ter maior espaço na feira.

“Isso acabou com a arte, tudo que é industrial acaba com a arte. Eu tive que parar de trabalhar com joalheria por causa do “industrianato”, não há como competir, o público procura preço, e não qualidade”.

Quando perguntado sobre a importância dos artistas estrangeiros para a cidade que tanto o encantou, o argentino responde: “Posso te garantir que a maioria que mantém o artesanato na cidade são os gringos. Nós sempre trabalhamos com artes, a vida toda. Então não tem sentido em deixarmos de trabalhar com isso, estamos todos no mesmo barco”.

P o r t r á s d a s c r í t i c a s

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São poucos os lugares onde música, pintura, artesanato e história se encontram em um único evento. A Feira de Artes e Artesanato que ocorre aos fins de semana em Embu das Artes é privilegiada com um pouco de tudo isso.

Assim como tantas outras estâncias turísticas que podem ser encontradas no estado de São Paulo, a cidade possui suas próprias peculiaridades, que revelam muito mais do que aparenta quando se pesquisa história à dentro.

Nesta obra, o fenômeno dos artistas estrangeiros que expõem na feira desde o seu início ganha notoriedade. Seria mesmo impossível contar a história do desenvolvimento do local, sem reparar principalmente na grande quantidade de latino-americanos que fizeram parte de tudo.

O que se iniciou como um movimento de lazer e arte se transformou num importante motor econômico na cidade, atraindo turismo internacional. Assim, concluí-se que Embu pode sim, ser chamada de terra das artes, seja por essa influência, ou pela mística que a cidade carrega em si.

F i m d e f e i r a

L E G E N D A D A S F O T O SFoto 01 (pág. 7) :: Igreja Nossa Senhora do Rosário – 1903.Foto 02 (pág. 9) :: Entrada do Memorial Sakai de Embu. Foto 03 (pág. 9) :: Imagem de São Lázaro esculpida por Cássio M’Boy na década de 30.Foto 04 (pág. 9) :: Centro Cultural construído em homenagem a Mestre Assis do Embu.Foto 05 (pág. 11) :: Cruzeiro feito por Sakai em homenagem a Festa de Santa Cruz, localizado ao lado do Memorial.Foto 06 (pág. 11) :: Obra de Sakai exposta ao lado de sua Foto no Memorial.Foto 07 (pág. 11) :: O japonês Sakai trabalhando em seu ateliê.Foto 08 (pág. 13) :: Feira de Embu das Artes numa tarde de domingo.Foto 09 (pág. 14) :: Assim como em seu início, em 1969, a feira ainda ocupa os arredores da igreja.Foto 10 (pág. 15) :: Os turistas e irmãos italianos Catterina (esq.), Timotteo (dir.) e Matheus (centro), vestidos de hippies, durante sua primeira visita na feira.Foto 11 (pág. 15) :: A Foto retrata a diversidade de cores encontradas na feira.Foto 13 (pág. 17) :: Entalhamento em madeira expostos em uma das galerias do centro histórico da cidade.Foto 24 (pág. 23) :: Bandeira do HaitiFoto 25 (pág. 25) :: Tintas utilizadas por Adolphe.Foto 26 (pág. 25) :: Haitiano finalizando um contorno de sua obra.Foto 27 (pág. 25) :: Pintor expondo na feira.Foto 28 (pág. 26) :: Adolphe retrata a cutura de seu povo nas telas....Foto 29 (pág. 27) :: ...E segue com seu trabalho todos os fins de semana.Foto 32 (pág. 31) :: Marco durante apresentação da Banda Nazca na feira.Foto 33 (pág. 31) :: Antara, flauta peruana produzida por Marco.Foto 34 (pág. 31) :: Marco interagindo com um turista ao vender um CD da banda.Foto 35 (pág. 33) :: Aida tocando flauta em apresentação da Banda Nazca.Foto 36 (pág. 33) :: A simpática boliviana expressa em seu sorriso a alegria da feira.Foto 37 (pág. 35) :: Oscar tem um semblante sempre sério e distante.Foto 38 (pág. 35) :: Durante as apresentações, Oscar toca ritmos latinos.Foto 39 (pág. 36) :: Jaime na entrada de sua casa, que também é o seu ateliê.

Foto 40 (pág. 37) :: Bandeira do Peru.Foto 42 (pág. 40) :: Jaime com suas obras ao fundo.Foto 43 (pág. 40) :: Pintura cusquenha feita pelo peruano.Foto 44 (pág. 40) :: Quadro de Jaime com moldura folheada a ouro, traço típico da pintura cusquenha.Foto 45 (pág. 41) :: Detalhe de um quadro quase finalizado pelo peruano.Foto 46 (pág. 41) :: Porta pincéis personalizado de Jaime, que mostra seu amor pelos dois países.Foto 48 (pág. 43) :: Bandeira da Argentina.Foto 49 (pág. 45) :: O argentino Mas fabrica algumas peças durante a própria feira.Foto 55 (pág. 49) :: Bandeira do Japão.Foto 56 (pág. 50) :: Detalhista, o pintor têm traços bem característicos.Foto 58 (pág. 50) :: Takebayashi exibe uma de suas obras.Foto 60 (pág. 53) :: Bandeira do Chile.Foto 61 (pág. 55) :: Intrumentos indígenas feitos pelo chileno.Foto 62 (pág. 55) :: Molina em momento de reflexão.Foto 63 (pág. 55) :: Gigi observando o movimento da feira.Foto 65 (pág. 57) :: Bandeira da Argentina.Foto 66 (pág. 59) :: Clara utiliza cobre para a confecção de bonecos.Foto 69 (pág. 60) :: Clara observa o movimento na feira.Foto 70 (pág. 61) :: Argentina ao lado de seus artesanatos.Foto 72 (pág. 63) :: Bandeira da Argentina.Foto 73 (pág. 64) :: À esquerda, Miguel sorri durante conversa com três turistas.Foto 74 (pág. 64) :: O corpo dos insetos é feito de metal, e as asas são pedras.Foto 75 (pág. 66) :: Miguel arruma a disposição de suas peças na barraca.Foto 80 (pág. 70) :: Viela das lavadeiras.Foto 82 (pág. 72) :: Entrada da viela das lavadeiras.Foto 83 (pág. 72) :: Quadro que representa uma cidade brasileira na Época colonial.Foto 84 (pág. 73) :: Arquitetura de Embu das Artes ainda possui traços rústicos.Foto 85 (pág. 74) :: Os índios, fundadores e primeiros moradores da Aldeia M’Boy, retratados na feira.Fotos 12, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 30, 31, 41, 47, 50, 51, 52, 53, 54, 57, 59, 64, 67, 68, 71, 76, 77, 78, 79, 81 :: sem legenda.